Vilela EFM. Dengue na mídia: tudo aquilo que você não vê. Jundiaí: Paco Editorial; 2016.

Luiz Filipe Silva Codorino Couto Keven Henrique Cassaro Jardim Carla Jorge Machado Sobre os autores
2016

A dengue é uma das principais doenças infecciosas em regiões tropicais no mundo, sendo amplamente divulgada pela mídia. A obra de Edlaine Faria de Moura Vilela aborda criticamente os noticiários da primeira epidemia de dengue no Brasil, em Ribeirão Preto, 1990.

O livro é bastante oportuno por tratar a questão da mídia e informações em saúde e como isso afeta a imaginário das pessoas sobre doenças. Lida-se no momento atual com as notícias falsas (fake news) em saúde e em vários outros aspectos da vida dos indivíduos11 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entrevista: "As fake news não têm como ser combatidas ou eliminadas", diz Igor Sacramento. [acessado 2018 Nov 22]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/entrevista-fake-news-nao-tem-como-ser-combatidas-ou-eliminadas-diz-igor-sacramento
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. Tais notícias devem ser encaradas como uma disputa pela verdade. Nesse sentido, novas estratégias de comunicação em saúde devem ser pensadas11 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entrevista: "As fake news não têm como ser combatidas ou eliminadas", diz Igor Sacramento. [acessado 2018 Nov 22]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/entrevista-fake-news-nao-tem-como-ser-combatidas-ou-eliminadas-diz-igor-sacramento
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. Em entrevista concedida por Igor Sacramento, o pesquisador mencionou as fake news no caso da vacinação da febre amarela e como elas podem ser danosas à manutenção da saúde de um coletivo11 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entrevista: "As fake news não têm como ser combatidas ou eliminadas", diz Igor Sacramento. [acessado 2018 Nov 22]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/entrevista-fake-news-nao-tem-como-ser-combatidas-ou-eliminadas-diz-igor-sacramento
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Assim, ainda que a autora não aborde a febre amarela (mas a proximidade da dengue com a febre amarela é bastante direta), a obra é pertinente, por trazer essa interpretação da verdade pela mídia, nem sempre condizente com os fatos. Apesar das fake news serem tão recentes e não explicitamente abordadas por Vilela, é importante entender que notícias falsas e imprecisas sempre existiram. Edlaine Vilela evidencia várias dessas imprecisões na publicização da epidemia pela mídia. Já no prefácio, a autora argumenta que a mídia impressa é um mecanismo de construção de informação. No capítulo 1, é analisada a atuação desta mídia na epidemia e a sua relação com a formação da opinião pública. O capítulo 2 aprofunda a penetração da mídia na vida dos indivíduos, com os conceitos de cultura de massa e comunicação midiática: a comunicação de massa reforça valores e comportamentos em vez de modificá-los. Assim, a autora afirma que é necessário aproximar a informação da ciência, ideia esta que é corroborada por outros autores: a boa comunicação entre cientista e jornalista é essencial na divulgação da ciência22 Martins LR. Fake news e os impactos na divulgação científica. [acessado 2018 Dez 4]. Disponível em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2018/09/27/fake-news-e-os-impactos-na-divulgacao-cientifica/
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. Para Martins, essa comunicação se torna ainda melhor pela checagem consciente de informações22 Martins LR. Fake news e os impactos na divulgação científica. [acessado 2018 Dez 4]. Disponível em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2018/09/27/fake-news-e-os-impactos-na-divulgacao-cientifica/
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, tema esse não diretamente abordado por Vilela, não por falha da autora, mas pela necessidade da conferência das informações ser algo muito recente. Esta conferência nos dias de hoje ocorre inclusive com a utilização de plataformas em sítios de internet33 Universidade de São Paulo (USP). Ferramenta usa inteligência artificial para detectar fake news. Jornal da USP. [acessado 2018 Dez 5]. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/ferramenta-para-detectar-fake-news-e-desenvolvida-pela-usp-e-pela-ufscar/
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No capítulo 3, a autora descreve aspectos gerais de informação e de comunicação em saúde pública. Usa o termo ‘inclusão discursiva’ para salientar a relevância do formato e quantidade de informações veiculadas, pois, em excesso, geram falsa sensação de dever cumprido enquanto, o que ocorre, é a geração de grandes volumes de informação que não contribuem para a melhora do conhecimento. Faz-se necessária, portanto, circulação e apropriação dessa informação por meio da aproximação entre profissionais da informação e da comunicação com a população. Edlaine Vilela retoma essa ideia em capítulos posteriores, indicando que o profissional que fornece a informação em saúde deve ter uma visão clara desta temática.

Os capítulos 4 e 5 abordam, respectivamente, o papel dos profissionais de saúde na formulação das informações veiculadas e das instituições de comunicação na construção e condução da opinião dos indivíduos.

Já os capítulos 6 e 7 tratam da história da epidemia citada no livro e o tipo de investigação, principalmente baseada na Teoria das Representações Sociais. O material consistiu em revistas e jornais da região de Ribeirão Preto e da capital paulista. Esses dois capítulos fazem um corte com os capítulos anteriores – são muito mais técnicos e falam mais da pesquisa em si do que os outros, relembrando um capítulo de tese ou dissertação, o que pode causar certa estranheza. Contudo, a relação entre a mídia e a epidemia é retomada logo no capítulo 8: neste, a autora indica que a mídia atuou como ator social nesse fenômeno: “a doença transformava-se assim em um surto midiático’’. É sutil e interessante como Edlaine Vilela apresenta essas duas palavras juntas: uma que lembra claramente conceitos de epidemia e outra que se relaciona com a comunicação de notícias.

No capítulo 9 são mostrados os resultados de entrevistas, com pessoas que vivenciaram o processo epidêmico da época e são comparadas suas opiniões. No capítulo 10, Vilela sistematiza as principais informações obtidas da pesquisa. As perguntas incluíram o papel exercido pelas autoridades políticas e sanitárias; a abordagem da bioecologia do vetor e a situação epidemiológica (concluiu-se que a maior preocupação dos noticiários foi relatar casos confirmados e suspeitos); sinais e sintomas, tratamento e formas de diagnóstico; métodos de controle adotados e o processo de ação; promoção de ações educativas. A autora criou, então, um “discurso-síntese”, representando o que o coletivo da mídia veiculava sobre cada categoria dos subtemas. Dois aspectos chamam atenção: informações sobre métodos de controle, que poderiam ser colocados em prática pelos moradores, não foram fornecidas de forma clara para que a população assumisse postura ativa e responsável diante do problema; promoção de ações educativas foi o tema menos abordado pela imprensa. Comparando esses tópicos com os abordados pela mídia brasileira na epidemia de dengue em 1990, nota-se que a “prevenção”, que antes havia sido pouco abordada, hoje configura o primeiro tema divulgado pelos noticiários, demonstrado uma evolução no uso da mídia a favor das políticas de saúde pública44 Ferraz L, Gomes I. A construção discursiva sobre a dengue na mídia. Rev. bras. epidemiol. 2012; 15(1):63-74..

“A imprensa não consegue exercer seu papel informativo, dando espaço para o alarmismo e ignorando a necessidade da competência informacional dos cidadãos”. Assim, no capítulo 11, reforça-se que os profissionais da informação devem priorizar aquelas que são fundamentais para uma epidemia, e transmiti-las da forma mais clara e na linguagem mais popular possível. Tem se tornado comum divulgar informações sensacionalistas, que implicam responsabilização da população pelo problema da dengue, sem, contudo, divulgar conhecimentos relevantes para que o povo participe no combate à doença, o que constitui uma abordagem ineficaz44 Ferraz L, Gomes I. A construção discursiva sobre a dengue na mídia. Rev. bras. epidemiol. 2012; 15(1):63-74.. A raiz desse problema poderia estar na formação do jornalista, que muitas vezes não possui conhecimentos básicos sobre o processo saúde-doença, dificultando a elaboração de campanhas efetivas.

Ainda que a tônica do capítulo 11 seja pessimista, pois a autora afirma, embasada em suas pesquisas, não existirem profissionais de saúde com formação sólida em comunicação social e vice versa, a mídia pode ser muito importante na redução da mortalidade e morbidade pela dengue55 Villanes A, Rappa M, Healey C, Griffiths E. Dengue Fever Surveillance in India Using Text Mining in Public Media. Am J Trop Med Hyg 2018; 98(1):181-191.. Dados de pesquisas oficiais, quando divulgados, já estão desatualizados e não representam pequenas populações, o que não acontece com jornais e revistas55 Villanes A, Rappa M, Healey C, Griffiths E. Dengue Fever Surveillance in India Using Text Mining in Public Media. Am J Trop Med Hyg 2018; 98(1):181-191..

Os capítulos 12 e 13 refletem sobre a função social da imprensa em relação aos eventos de saúde pública e conclui que a mídia não cumpriu seu papel na epidemia de dengue, pois divulgava informações com certa tendência, mesmo não intencional, retomando os principais achados de capítulos prévios e recomendam estratégias na prevenção de epidemias, com enfoque no papel da mídia especializada em notícias de saúde.

A obra da autora, embora se tratando de um tempo mais remoto, quase 30 anos atrás, traz uma pergunta bastante contemporânea: “qual o tipo de informação que o cidadão tem tido acesso durante os processos epidêmicos: informação política, epidemiológica ou educativa?”. Essa pergunta, ainda hoje, não é fácil de responder: estudo de 2004, para o Município de Belo Horizonte, que retratou a epidemia de dengue entre 1996 e 2000 concluiu que a mídia pode contribuir tanto para o empoderamento dos cidadãos pelo aumento do conhecimento sobre a doença e sua prevenção, como para a inserção autônoma na sociedade, desde que exista qualidade de informação, que, se não for adequada, pode gerar alarmismo e confusão66 França E, Abreu D, Siqueira M. Epidemias de dengue e divulgação de informações pela imprensa. Cad Saude Publica 2004; 20(5):1334-1341..

Enfim, a obra de Edlaine Vilela possui duas vertentes muito interessantes e que podem ser exploradas pelos leitores: àqueles mais afeitos à epidemiologia das doenças, à saúde coletiva, e à história das epidemias, trata-se de uma leitura que acrescenta ao que já se conhece, por trazer informações detalhadas sobre uma epidemia de dengue específica no estado mais desenvolvido do País; já aos que se interessam pelos temas recentes de fake news, pós-verdades – que ocorre quando a informação verdadeira é sobreposta por aquela de forte apelo emocional11 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entrevista: "As fake news não têm como ser combatidas ou eliminadas", diz Igor Sacramento. [acessado 2018 Nov 22]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/entrevista-fake-news-nao-tem-como-ser-combatidas-ou-eliminadas-diz-igor-sacramento
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– e a interface da notícia com a saúde, o que fica é a referência de um texto importante, que amplia o escopo de quem realmente deseja entender a atuação da mídia nos eventos de saúde.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Ago 2019
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