RESENHA REVIEW

 

Paulo M. Buss

Vice-Presidência de Ensino e Informação
Fundação Oswaldo Cruz

 

 

Investigaciones sobre Servicios de Salud: Una Antologia. Kerr White (editor principal). Julio Frenk; Cosme Ordóñez; José Maria Paganini & Barbara Starfield (editores). Washington, D.C.: Organización Panamericana de la Salud, 1992. 1.200 p.
(Publicación Cientifica, 534)

Nesta alentada antologia, publicada pela Organización Panamericana de la Salud (OPS) também em inglês, seus seis editores reúnem 100 artigos deste "campo" (e não atividade uma ou especialidade baseada em disciplinas, como eles mesmos alertam) das chamadas investigações em sistemas e serviços de saúde. Ainda segundo os editores, estes não são necessaria-mente os melhores artigos, nem todos são necessariamente clássicos, nem cobrem todos os aspectos da pesquisa em sistemas e serviços de saúde (grifos meus). Entretanto, crêem eles que "representam grande parte do melhor do campo na época da sua publicação e, como tal, devem ser instrutivos".

A seleção dos artigos foi realizada através de um longo processo, com indicações de especialistas de todas as áreas temáticas abordadas. O processo envolveu cerca de 750 consultores, que selecionaram inicialmente 4.700 artigos, a partir dos quais os organizadores chegaram finalmente aos 100 escolhidos para compor a coletânea. Destes, 78 são reimpressões de revistas norte-americanas, 10 são da Inglaterra, e um (1) provém de um periódico canadense. Apenas 10 artigos são oriundos de periódicos da América Latina.

Os artigos foram agrupados em quatro categorias de investigações sobre serviços de saúde:

• Contexto dos serviços de saúde — reúne os artigos que se referem ao contexto social, político, econômico ou cultural que cerca a prestação de serviços de saúde ou a participação da comunidade;

• Recursos para serviços de saúde — são os artigos que tratam dos recursos humanos, materiais, tecnológicos, financeiros e organizativos necessários para a prestação de serviços de saúde;

• Prestação de serviços de saúde — abarca os textos que tratam dos problemas de acessibilidade, disponibilidade, distribuição e qualidade dos serviços de saúde;

• Condições de saúde — são os trabalhos que se referem à definição e determinação das necessidades e aos resultados dos serviços de saúde para indivíduos e populações.

Internamente a cada categoria, os artigos integrantes foram agrupados em três setores: aspectos teóricos e conceituais; descrição e análise dos métodos de investigação utilizados; e repercussões dos trabalhos sobre as políticas de saúde.

O primeiro dos artigos, em ordem cronológica, é o famoso artigo de Codman sobre o produto dos hospitais, que data de 1914, e o último, de 1991, de Frenk, sobre o emprego de médicos.

Uma boa quantidade de artigos desta coletânea trata da qualidade dos serviços de saúde, como é o caso do conhecido artigo de Donabedian sobre avaliação da qualidade da assistência médica, o de Rutstein et al., ou, ainda, o texto do mesmo Donabedian sobre "Qualidade, custo e saúde: um modelo integrador". A organização da assistência à saúde tem um bom exemplo no texto de Kerr White, desde uma perspectiva epidemiológica ou o seu pequeno e polêmico texto sobre a "ecologia" da atenção médica, no qual está acompanhado de outros autores. Mechanic discute a prática médica com a competência que já demonstrara no seu clássico Handbook of Health, Health Care and the Health Professions, mas o extraordinário artigo de John Last, também sobre a prática médica, publicado no The Lancet, em 1963, é imbatível quando se trata de concisão, elegância e alto poder de persuasão. O debate sobre as tecnolo-gias médicas fica bem representado com o artigo de Robert Brook.

Foi muito bem lembrado o texto de Musgrove sobre a crise econômica e suas repercussões sobre a saúde e a assistência médica na América Latina, já que a presença dos temas saúde e sistemas de saúde latino-americanos é bastante escassa nesta antologia.

Roemer faz um louvável esforço para discutir as características dos sistemas de saúde latino-americanos utilizando os casos do Brasil e Peru, num texto de 1983, aproximadamente, momento em que inúmeros "clássicos" sobre o sistema de saúde do Brasil, por exemplo, já estavam publicados e disponíveis (Braga & Góes de Paula; Fleury & Oliveira, etc). Isto mostra um dos vícios centrais da coletânea (capaz de ser estendido a outras seções da mesma), que foi o excessivo peso dado à literatura anglo-saxã, em detrimento dos textos latino-americanos.

Seguramente, este "desvio" anglo-saxão deve-se à acentuada participação de pesquisadores norte-americanos, ou formados em instituições dos Estados Unidos, na relação de consultores da coletânea, e, portanto, com grandes afinidades com o pensamento dominante e com a literatura do mundo acadêmico norte-americano. Raramente aqueles mesmos autores lêem outro idioma que não o inglês, o que os afasta de toda a literatura científica latino-americana. Por sua parte, os latino-ameri-canos pouco publicam em revistas de língua inglesa, levantando-se, assim, o muro que ainda separa os dois mundos acadêmicos.

Um dos problemas de que se ressente a coletânea está na escolha dos artigos sobre a contextualização dos sistemas e serviços de saúde: a maioria deles apresenta o setor saúde de forma isolada, desinserida dos contextos sociais, políticos e econômicos de que fazem parte.

O Brasil não está representado na antologia. Nada de inglório para as cores nacionais, não fôra a ausência de textos que poderíamos considerar já clássicos doutrinários ou metodológicos (e não meramente estudos de caso do país) e que, na sua maioria, dão conta justamente dos aspectos supracitados, em que a antologia é frágil. São textos que, por sua qualidade, inegável contribuição à constituição do campo e originalidade ao tempo de sua publicação, mereceriam constar na presente seleção.

Refiro-me aos já citados trabalhos de Braga & Góes de Paula (1981) e de Oliveira & Fleury (1986), ambos sobre a constituição das políticas de saúde no país e com uma substantiva discussão teórica sobre o papel do Estado, ausente em qualquer dos textos da coletânea, excessão feita ao estudo de Donabedian & Frenkel (1987).

Refiro-me também ao já clássico estudo de Madel Luz (1979) sobre as instituições médicas no Brasil, com sua excelente primeira parte sobre análise política de instituições e sobre saúde e Estado. Ou, depois, o seu Medicina e Ordem Política (1982), enfocando as políticas e as instituições de saúde. Como não referir ainda o texto de Cristina Possas (1981), com a ampla discussão sobre saúde e população, saúde e produção e sobre a organização social da Medicina?

A ausência de Juan César Garcia desta coletânea é uma falha irreparável, pela importância que ele teve na conformação da agora denominada pesquisa em sistemas de saúde da América Latina, seja pelo seu clássico sobre educação médica (1972), divulgado na série Publicações Científicas da própria OPS, ou pelo então inovador artigo sobre as relações médico-paciente, publicado em 1963 (Garcia, 1963).

Em 1989, Fleury organizou um texto básico sobre o tema das reformas sanitárias que mereceria ter tido uma de suas partes selecionada para esta mostra, pelo importante aprofundamento teórico que faz sobre as diversas dimensões envolvidas neste processo político-social. Também, dificilmente poder-se-ia deixar de lembrar o livro Saúde & Sistemas, difundido em toda a América Latina, no qual Mário Chaves (1978) pioneiramente introduz a polêmica (pois, para muitos, é inócua, quando não equivocada) teoria de sistemas aplicada ao campo da saúde.

Mais recentemente, Barrenechea e Trujillo (1987) publicaram em Antióquia um texto fundamental sobre planejamento e administração de sistemas de saúde, com muitos capítulos capazes de figurar numa antologia sobre o tema.

Cordeiro (1980) trabalha com originalidade e lucidez a questão da produção e do uso de medicamentos, num texto em que disseca o complexo médico-industrial e que se tornou um dos mais citados na literatura latino-americana. O estudo realizado pelo mesmo autor sobre as empresas médicas (1984) foi pioneiro à época de sua publicação e permanece como referência até o presente, desconhecendo-se as razões de sua ausência numa coletânea sobre pesquisa em sistemas de saúde.

Os citadíssimos trabalhos de Donnangelo — Saúde e Sociedade (1979) e Medicina e Sociedade (1975) — foram das mais importantes e originais contribuições teóricas dadas por um autor latino-americano para a investigação no campo da saúde e dos sistemas de saúde. Trata-se de uma imensa falha a ausência na presente coletânea, por exemplo, do capítulo sobre Medicina: Prática Técnica-Prática Social, integrante da primeira obra citada.

Traduzido para o espanhol (1984) e bastante difundido na América Latina, a compreensão sobre o trabalho médico estaria muito bem representada na coletânea com um dos capítulos da tese de Gonçalves (1979).

A excepcional produção de Testa poderia ser sintetizada, para fins da antologia, no texto que escreveu sobre as estruturas de poder no setor saúde (Testa, 1981).

Enfim, se qualquer autor que tenha vivido o debate teórico ou a prática da pesquisa na América Latina nas últimas décadas fosse chamado para organizar a sua coletânea, certamente o faria diferente do presente volume. Eu mesmo, na relação que faço acima, devo ter cometido imperdoáveis omissões. Entretanto, apontar algumas falhas e vícios não significa, de forma alguma, desmerecer a enorme contribuição que esta antologia certamente dará para o debate, a produção científica e a formação de recursos humanos em saúde no continente. É texto para se ter à mão, para consulta permanente e para ser adotado por todos os programas de formação de recursos humanos no campo da pesquisa em sistemas e serviços de saúde, ou, ainda, nas estantes dos serviços de saúde do nosso continente.

 

Referências Bibliográficas

Barrenechea, J. J. & Trujillo, E., 1987. SPT 2000: Implicaciones para la planificación y administración de los sistemas de salud. Medellín: Ed. Universidad de Antioquia.

Braga, J. C. & Góes de Paula, S., 1981. Saúde e Previdência: Estudos de Política Social. São Paulo: Cebes/Hu-citec.

Chaves, M., 1978. Saúde & Sistemas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

Cordeiro, H., 1980. A Indústria da Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.

_______, 1984. Empresas Médicas: As Transformações Capitalistas da Prática Médica. Rio de Janeiro: Graal.

Donnangelo, M. C. F. & Pereira, L., 1979. Saúde e Sociedade. São Paulo: Duas Cidades.

Donnagelo, M. C. F., 1975. Medicina e Sociedade. São Paulo: Pioneira.

Fleury Teixeira, S., (Org.), 1989. Reforma Sanitária: em Busca de uma Teoria. São Paulo: Cortez/Rio de Janeiro: Abrasco.

Garcia, J. C., 1972. La Educación Médica en la América Latina. Washington, D.C.: OPS. (Publ. Cient., 255)

Garcia, J. C., 1963. Sociología y medicina: bases sociológicas de las relaciones médico-paciente. Cuadernos Médico Sociales, 12: 11-15.

Gonçalves, R. B. M., 1979. Medicina e Historia: Raíces Sociales del Trabajo Médico. México: Siglo XXI.

Luz, M. T., 1979. As Instituições Médicas no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.

_______, 1982. Medicina e Ordem Política. Rio de Janeiro: Graal.

Oliveira, J. A. & Fleury Teixeira, S., 1986. (IM) Previdência Social: 60 anos de História da Previdência no Brasil. Petrópolis: Vozes/Rio de Janeiro: Abrasco.

Possas, C., 1981. Saúde e Trabalho: a Crise da Previdência Social. Rio de Janeiro: Graal.

Testa, M., 1981. Estructura de poder en el sector salud. Venezuela: Cendes.

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