Ciência Aberta, equidade e o cenário brasileiro

Ciencia abierta, equidad y el escenario brasileño

Barbara Reis-Santos Cynthia Braga Sobre os autores

A Ciência Aberta (Open Science), movimento global criado pela comunidade científica, tem empreendido esforços visando aumentar a popularidade da produção de conhecimento científico e tornar os resultados das pesquisas científicas amplamente acessíveis à sociedade. Os princípios da Ciência Aberta, que visam disponibilizar gratuitamente, por periódicos científicos ou repositórios de acesso aberto (Open Access), produtos de pesquisa, e dar transparência aos seus processos, à replicação e à reprodutibilidade, de forma geral, foram bem recebidos pela comunidade científica. Sua natureza transparente, acessível e colaborativa é amplamente reconhecida, mas a discussão de aspectos potencialmente temerários da implementação, como os custos de participação e a necessidade de agenda política favorável, também estão em pauta.11. Ross-Hellauer T, Reichmann S, Cole NL, Fessl A, Klebel T, Pontika N. Dynamics of cumulative advantage and threats to equity in open science: a scoping review. R Soc Open Sci. 2022;9(1):211032. doi: 10.1098/rsos.211032
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À medida que este “guarda-chuva de estratégias” se difunde, alguns questionamentos se tornam mais frequentes: afinal, como promover equidade a partir de uma base tão pouco equânime? O local da “festa da ciência aberta” foi definido, mas a capacidade de participação dos convidados não é a mesma. Levantamentos mostram que as taxas de processamento de artigos (APCs - article processing charges) cobradas pelas revistas internacionais de acesso aberto têm aumentado acentuadamente e constituído uma barreira à visibilidade dos produtos científicos de pesquisadores no âmbito global.22. Zhang L, Wei Y, Huang Y, Sivertsen G. Should open access lead to closed research? The trends towards paying to perform research. Scientometrics. 2022;123(2): 1037-49. doi: 10.1007/s11192-022-04407-5
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,33. Kwon D. Open-access publishing fees deter researchers in the global south. Nature. 2022. doi: 10.1038/d41586-022-00342-w
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Assim, a comunidade científica brasileira está entre aqueles agentes cuja capacidade de participação está comprometida por restrições orçamentárias em pesquisas e pela ausência de recursos dirigidos às taxas de publicação pelos órgãos de fomento no Brasil.

A ciência no Brasil tem sido profundamente marcada por avanços e retrocessos. Ainda no início dos anos 2000, as condições estruturais de trabalho, os desequilíbrios regionais, as alternativas de financiamento e os conflitos entre o público e o privado já eram tidos como desafios.44. Chaimovich H. Brasil, ciência, tecnologia: alguns dilemas e desafios. Estudos avançados. 2000;14(40):134-43. doi: 10.1590/S0103-40142000000300014
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A situação não mudou muito e, apesar da tendência crescente dos gastos públicos federais com ciência e tecnologia, de 2003 a 2015, essa tendência se inverteu a partir de 2016, tendo, em 2020, atingido patamares inferiores aos investimentos em 2009.55. De Negri F. Políticas públicas para ciência e tecnologia no Brasil: cenário e evolução recente [Internet]. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2021 [citado 2022 06 21]. (Nota Técnica; n. 92). Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10879/2/NT_92_Diset_Politicas_Publicas_Para_Ciencia.pdf
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Esse retrocesso no financiamento impôs pesadas cargas a toda a comunidade científica, refletidas em dificuldades para a manutenção de instituições e projetos, e consequente ampliação das barreiras, que distanciam ainda mais os pesquisadores brasileiros da efetiva implementação da Ciência Aberta.

Para a publicação de periódicos científicos editados no Brasil, o panorama não é diferente. Se, por um lado, o Brasil, graças ao protagonismo do Programa SciELO, possui expressivo número de periódicos com publicação em acesso aberto, por outro, a escassez de apoio financeiro fez com que alguns periódicos iniciassem a cobrança de APC nos últimos anos e, até mesmo, tem colocado em risco a sustentabilidade do SciELO.66. Garcia LP, Boing AF. Desafios para a sustentabilidade dos periódicos científicos brasileiros e do Programa SciELO. Cien Saude Colet. 2021;26(Supl 3):5183-6. doi: 10.1590/1413-812320212611.3.10652021
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Esse cenário é agravado pela política de avaliação dos programas de pós-graduação nacionais, que privilegia a publicação em periódicos internacionais de alto impacto, em detrimento dos periódicos nacionais.

Nesse contexto de limitações financeiras e de desestímulo aos periódicos editados no Brasil e aos pesquisadores, nos deparamos com a crise sanitária da COVID-19. A resposta da comunidade científica foi imediata e consistente, ganhando destaque inclusive no cenário internacional. Para os profissionais da assistência responsáveis pela atenção às pessoas, a demanda pelo acesso oportuno a fontes de informações confiáveis tornou-se ainda mais patente durante a pandemia, tanto para a obtenção de dados acerca dos riscos inerentes ao trabalho, quanto para a capacitação em relação à assistência prestada.

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS), dada sua missão de contribuir com o aprimoramento dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tem esses profissionais como parte importante de seu público-alvo. Para reforçar essa aproximação, em 2022, os artigos publicados passaram a contar com um quadro de contribuições do estudo, no qual as “implicações para os serviços” são apresentadas, assim como com novas estratégias de divulgação. Além disso, a RESS contribui para a promoção da Ciência Aberta, permitindo a publicização, sem ônus para os pesquisadores, de resultados de análises e estudos desenvolvidos no âmbito do SUS. Diversos outros periódicos da área da Saúde Coletiva também têm investido em estratégias de comunicação científica, a fim de ocuparem o lugar de fonte segura de informações, movimento de máxima importância, visto que são promovidos conteúdos de acesso aberto, cujas evidências são majoritariamente geradas no contexto nacional e sem a barreira da língua, que muitas vezes reduz o acesso de profissionais a artigos publicados internacionalmente.

Desse modo, acreditamos estar consolidando um caminho para superar os “circuitos de publicação”, nos quais a comunidade científica discute entre si, mas os profissionais de saúde ficam excluídos. Ampliar a discussão sobre o papel dos periódicos científicos nacionais para promover a disseminação do conhecimento e a afirmação da Ciência Aberta no contexto das Américas, ou no âmbito global, ainda é necessário, e pode contribuir para a inclusão da sociedade, na defesa da comunidade científica e de políticas para a promoção da equidade, como pilar para a implementação da Ciência Aberta. Trabalhar para que as repercussões deste movimento contemplem também a base da pirâmide, e não apenas o topo, resultará numa condição de participação mais equânime nesta “festa”, que é compromisso da RESS.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
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