COVID-19 no Brasil: tendências, desafios e perspectivas após 18 meses de pandemia

COVID-19 in Brazil: trends, challenges, and perspectives after 18 months of the pandemic

COVID-19 en Brasil: tendencias, desafíos y perspectivas después de 18 meses de pandemia

Camila Alves dos Santos Siqueira Yan Nogueira Leite de Freitas Marianna de Camargo Cancela Monica Carvalho Leorik Pereira da Silva Nielsen Castelo Damasceno Dantas Dyego Leandro Bezerra de Souza Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Analisar as tendências de incidência e mortalidade por COVID-19 no Brasil, nas unidades da federação e nas capitais.

Método.

Realizou-se um estudo ecológico com dados de incidência e de mortalidade por COVID-19 referentes ao período de 25 de fevereiro de 2020 (primeiro caso notificado no Brasil) a 31 de julho de 2021. Os dados foram agrupados por mês para cálculo das taxas brutas (por 100 000 habitantes) e avaliação das tendências temporais das unidades da federação e de suas capitais. As modificações significativas nas tendências temporais foram analisadas pelo método de regressão por joinpoint.

Resultados.

Foram identificadas duas ondas de novos casos e óbitos. As unidades da federação com as maiores taxas de incidência foram Amapá, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima; Amazonas e Rondônia tiveram as maiores taxas de mortalidade. Em geral, as taxas de incidência e mortalidade foram piores na segunda onda. Na primeira onda, a média de meses até o início de uma redução de casos novos foi maior nas capitais, enquanto na segunda onda, o início da redução demorou mais nos estados. Quanto aos óbitos, as capitais necessitaram de menos tempo para apresentar redução tanto na primeira quanto na segunda onda.

Conclusão.

A heterogeneidade regional detectada reforça a ideia de que a incidência e a mortalidade por COVID-19 estão associadas a fatores políticos, geográficos, culturais, sociais e econômicos.

Palavras-chave
COVID-19; pandemias; incidência; mortalidade; Brasil

ABSTRACT

Objective.

To analyze the incidence and mortality trends from COVID-19 in Brazil as well as in federation units and their capitals.

Method.

An ecological study was performed using COVID-19 incidence and mortality data covering the period from 25 February 2020 (first case recorded in Brazil) to 31 July 2021. Data were grouped by month for calculation of crude rates (by 100 000 population) and assessment of time trends in federation units and capitals. Significant changes in time trends were analyzed by joinpoint regression.

Results.

Two waves of new cases and deaths were identified. The highest incidence rates were recorded in the states of Amapá, Rio Grande do Norte, Rondônia, and Roraima. The states of Amazonas and Rondônia had the highest mortality rates. In general, incidence and mortality rates were worse in the second wave. In the first wave, the mean number of months until the onset of reduction in new cases was higher in capitals, whereas in the second wave the onset of reduction in new cases took longer in the federation units. The decline in mortality began earlier in capital cities in both waves.

Conclusion.

The regional differences detected underscore the notion that COVID-19 incidence and mortality are associated with political, geographic, cultural, social, and economic factors.

Keywords
COVID-19; pandemics; incidence; mortality; Brazil

RESUMEN

Objetivo.

Analizar las tendencias de la incidencia de COVID-19 y la mortalidad por esta enfermedad en Brasil (unidades federativas y capitales).

Método.

Se realizó un estudio ecológico con datos sobre incidencia de COVID-19 y la mortalidad por esta enfermedad en el período comprendido entre el 25 de febrero del 2020 (fecha del primer caso notificado en Brasil) y el 31 de julio del 2021. Los datos se agruparon por mes para calcular las tasas brutas (por 100 000 habitantes) y evaluar las tendencias temporales observadas en las unidades federativas y sus capitales. Las modificaciones significativas en las tendencias temporales se analizaron con el método de regresión de punto de inflexión (joinpoint).

Resultados.

Se identificaron dos olas de casos nuevos y muertes. Las unidades federativas con las mayores tasas de incidencia fueron Amapá, Rio Grande do Norte, Rondônia y Roraima; Amazonas y Rondônia tuvieron las mayores tasas de mortalidad. En general, la incidencia y la mortalidad fueron peores en la segunda ola. En la primera ola, el promedio de meses transcurridos hasta que empezó a reducirse el número de casos nuevos fue mayor en las capitales, mientras que, en la segunda ola, fue mayor en los estados. En ambas olas, el número de muertes se redujo en menos tiempo en las capitales.

Conclusión.

La heterogeneidad regional detectada refuerza la idea de que la incidencia de la COVID-19 y la mortalidad por esta enfermedad guardan relación con factores políticos, geográficos, culturales, sociales y económicos.

Palabras clave
COVID-19; pandemias; incidencia; mortalidad; Brasil

Territórios e continentes ao redor do mundo foram afetados pela pandemia causada pela COVID-19, com destaque para as Américas, onde ocorreram aproximadamente 39% dos casos e 47% das mortes. No Brasil, a pandemia encontra-se atualmente em fase de redução (11. World Health Organization. COVID-19 Weekly Epidemiological Update. 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/weekly-operational-update-on-covid-19---16-august-2021 Acessado em 11 de abril de 2022.
https://www.who.int/publications/m/item/...
), apesar de ter apresentado altas taxas de incidência e mortalidade no passado. Em 15 de agosto de 2021, os dados brasileiros mostraram um total de 20 350 142 casos, com 568 788 óbitos acumulados (22. Brasil, Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ Acessado em 15 de agosto de 2021.
https://covid.saude.gov.br/...
).

Ao longo dos meses de pandemia, o planejamento de políticas foi essencial para controle tanto da doença quanto das crises econômicas (33. Anderson RM, Heesterbeek H, Klinkenberg D, Hollingsworth TD. How will country-based mitigation measures influence the course of the COVID-19 epidemic? Lancet. 2020;395(10228):931-4. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30567-5
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
). Na busca por maior conhecimento científico sobre a propagação da COVID-19, os estudos de tendências são fundamentais para orientar a formulação de políticas governamentais e a tomada de decisão sobre medidas direcionadas à redução da incidência e da mortalidade pela doença e de suas consequências nas populações (33. Anderson RM, Heesterbeek H, Klinkenberg D, Hollingsworth TD. How will country-based mitigation measures influence the course of the COVID-19 epidemic? Lancet. 2020;395(10228):931-4. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30567-5
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
). Em contextos de desigualdade, é ainda mais fundamental que a informação científica e as medidas adotadas pelas autoridades forneçam segurança à população, com o intuito de promover o entendimento sobre a importância das condutas de contenção e mitigação (44. Lewnard JA, Lo NC. Scientific and ethical basis for social-distancing interventions against COVID-19. Lancet Infect Dis. 2020;20(6):631-3. doi: 10.1016/S1473-3099(20)30190-0
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30...
). Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar as tendências de incidência e de mortalidade por COVID-19 no Brasil, nas unidades da federação e nas capitais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, com dados de incidência e de mortalidade por COVID-19 no Brasil, obtidos através do portal do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). O portal disponibiliza, de forma pública, as informações agregadas dos diferentes sistemas de informação brasileiros, assim como dados populacionais provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (22. Brasil, Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ Acessado em 15 de agosto de 2021.
https://covid.saude.gov.br/...
).

A análise incluiu dados do período de 25 de fevereiro de 2020 (quando o primeiro caso foi notificado no Brasil) até 31 de julho de 2021. O surto começou no Brasil antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a COVID-19 como uma pandemia, em 11 de março de 2020 (55. World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 Acessado em 10 de janeiro de 2021.
https://www.who.int/emergencies/diseases...
). A extração de dados ocorreu em 6 de agosto de 2021 e compreendeu casos e óbitos ocorridos a cada dia. Para este estudo, os dados foram agrupados por mês, a fim de minimizar questões relacionadas a notificações atrasadas, causadas por resultados de exames tardios, totalizando 18 meses.

Foram calculadas taxas brutas (por 100 000 habitantes) para avaliar as tendências temporais das unidades da federação e de suas respectivas capitais. A análise por unidade da federação e por capitais teve como objetivo identificar a presença de padrões semelhantes nos diferentes locais, além de permitir entender se a modificação nas tendências ocorreu inicialmente na capital ou no restante do estado.

A análise estatística das tendências foi realizada no programa Joinpoint versão 4.8.0.1. O modelo de regressão por joinpoint permite a análise das tendências ao longo do tempo e avalia mudanças significativas no comportamento das curvas de tendência, com significância estatística para valores de P < 0,05. Essa análise considerou a pressuposição de heterocedasticidade e variância de Poisson. Foram calculados os percentuais mensais de mudança (MPC) a partir do modelo com significância estatística, com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). As modificações significativas são chamadas de joinpoints, e a combinação de todos os pontos da curva representa o gráfico de tendências. O método permite a identificação de aumentos ou reduções significativos, conforme MPC positivo ou negativo, ao passo que a ausência de significância é tratada como estabilidade (66. Kim HJ, Fay MP, Feuer EJ, Midthune DN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med. 2000;19(3):335-51. doi: 10.1002/(sici)1097-0258(20000215)19:3<335::aid-sim336>3.0.co;2-z
https://doi.org/10.1002/(sici)1097-0258(...
). As quantidades mínima e máxima de joinpoints estipuladas foram de zero e 3 para cada curva avaliada, respectivamente.

RESULTADOS

A avaliação temporal dos dados de COVID-19 em unidades da federação e capitais brasileiras identificou a existência de duas ondas, tanto de casos quanto de óbitos novos. Até a data da coleta dos dados, em 6 de agosto de 2021, a incidência da COVID-19 era estável no Brasil (MPC = -7,3%; IC95%: -20,3; 7,9; P = 0,3). Por sua vez, a mortalidade por COVID-19 apresentava tendência de redução (MPC = -22,0%; IC95%: -34,6; -6,9; P < 0,001) (tabelas 1 e 2).

Na análise dos casos, na primeira onda, a maior velocidade de aumento entre as unidades da federação ocorreu no Acre (com aumento mensal de 1 592,0%). Na segunda onda, a maior velocidade de aumento ocorreu no Tocantins (44,9%). Entre as capitais, na fase inicial, os maiores aumentos ocorreram em Salvador e em Belo Horizonte (248,1% e 245,9%, respectivamente). Na segunda onda, Belo Horizonte foi a capital com a maior taxa de aumento (75,3% ao mês).

Quanto ao período de redução, o estado de Roraima apresentou a maior velocidade de redução na primeira onda (redução mensal de 32,5%), enquanto o Ceará apresentou a maior velocidade de redução na segunda onda (redução mensal de 52,4%). Entre as capitais, Palmas apresentou a maior velocidade de redução na primeira onda (redução de 42,9%), enquanto Rio Branco apresentou a maior velocidade de redução na segunda onda (redução de 47,1%), seguida por Belém (redução de 46,9%) e Fortaleza (redução de 45,7%) (tabela 1).

Quanto aos óbitos, os estados do Piauí e do Amapá apresentaram as maiores taxas de aumento mensal (399,0% e 392,9%, respectivamente) na primeira onda. Na segunda onda, as unidades da federação com a maior velocidade de aumento foram Goiás (99,7%) e o Distrito Federal (93,3%). Entre as capitais, as maiores taxas de aumento ocorreram em Maceió (515,5%) na primeira onda e em Boa Vista (112,4%) na segunda onda. Quanto ao período de redução, a maior taxa de decréscimo ocorreu no Acre, tanto na primeira (redução de 40,6%) quanto na segunda onda (redução de 46,4%). Para as capitais, a maior redução ocorreu em Fortaleza, na primeira onda (redução de 51,8%), e em Belém, na segunda onda (redução de 58,5%) (tabela 2).

As figuras 1 e 2 mostram as tendências temporais de casos e mortes observados e modelados para as unidades da federação e suas capitais por meio da análise por joinpoint. É possível perceber semelhança entre as curvas, porém, para óbitos, algumas capitais tiveram picos que superaram os dos estados. Além disso, é possível perceber que, em algumas unidades da federação, a segunda onda de casos apresentou piores índices do que a primeira, como Acre, Amazonas, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Espírito Santo e Rio de Janeiro (figura 1). Para óbitos, a segunda onda também foi mais agressiva do que a primeira, exceto para Rondônia, Maranhão, Ceará, Pará, Pernambuco e Maranhão. Entre todas as unidades da federação, a pior situação na segunda onda foi observada no Amazonas (figura 2).

Em relação ao tempo necessário para o início de uma primeira redução, a média das unidades da federação foi de 5,46 meses. O início da segunda onda ocorreu, em média, 9,64 meses após o início da pandemia, com início do processo de redução a partir de 14,75 meses. Para as capitais, o início da redução ocorreu, em média, com 5,63 meses. A segunda onda ocorreu com aproximadamente 9,69 meses, e uma segunda redução iniciou-se com cerca de 14,46 meses.

Quanto aos óbitos, o processo de redução da primeira onda levou uma média de 5,86 meses para as unidades da federação e 5,52 meses para as capitais. A segunda onda iniciou-se com aproximadamente 10,22 meses de pandemia para as unidades da federação e 9,96 meses para as capitais. A segunda redução iniciou-se após uma média de 14,74 meses para as unidades da federação e 14,50 meses para as capitais.

DISCUSSÃO

Após 18 meses de pandemia no Brasil, as unidades da federação e as capitais sofreram problemas diretamente relacionados à sobrecarga do sistema de saúde e aos impactos sociais e econômicos da pandemia da COVID-19. Observou-se, no presente estudo, que as unidades da federação com as maiores taxas de incidência foram Roraima, Amapá, Rondônia e Rio Grande do Norte, ao passo que as maiores taxas de mortalidade ocorreram em Rondônia e no Amazonas. Além disso, a maior taxa de aumento de casos ocorreu no Acre, enquanto Piauí e Amapá vivenciaram o maior percentual de aumento nos óbitos. Esses estados pertencem às regiões Norte e Nordeste, que apresentam as piores estruturas de saúde e tiveram o maior percentual de óbitos hospitalares ao longo da pandemia (77. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
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).

TABELA 1.
Percentual mensal de mudança de casos novos de COVID-19 em unidades da federação e capitais, Brasil, 2020-2021

Quanto às capitais, a distribuição de casos apresentou padrão semelhante ao da unidade da federação correspondente. Em relação às mortes, Porto Velho, Belém, São Luís, Fortaleza, Recife e Cuiabá destacaram-se na primeira onda em relação a cada estado. Na segunda onda, as capitais com destaque foram Manaus, Belém, João Pessoa e Aracaju. Os maiores picos de mortalidade nessas capitais em relação aos outros municípios da unidade da federação à qual pertencem podem estar associados a uma maior concentração populacional, uma maior mobilidade da população e um maior quantitativo de laboratórios e serviços de saúde em geral, assim como a um acesso facilitado a meios diagnósticos. Tais aspectos são fundamentais na notificação dos quantitativos reais de acometidos pela doença (88. Kraemer MUG, Yang CH, Gutierrez B, Wu CH, Klein B, Pigott DM, et al. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science. 2020;368(6490):493-7. doi: 10.1126/science.abb4218
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).

Entre as localidades que mais sofreram, destacam-se o Amazonas e sua capital, Manaus. O vasto território, que abriga uma das piores estruturas de transporte do país (99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE mapeia a infraestrutura dos transportes no Brasil. 2014. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14707-asi-ibge-mapeia-a-infraestrutura-dos-transportes-no-brasil Acessado em 31 de agosto de 2021.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
), aliado ao surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, fez com que o estado fosse fortemente afetado pela sobrecarga do sistema de saúde pela COVID-19 (1010. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00115320. doi: 10.1590/0102-311X00115320
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, 1111. Brasil, Ministério da Saúde. Ministério da Saúde é notificado sobre nova cepa do coronavírus em viajantes provenientes do Brasil. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-saude-e-notificado-sobre-nova-cepa-do-coronavirus-em-viajantes-provenientes-do-brasil Acessado em 24 de janeiro de 2021.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
). Tal sobrecarga, somada à escassez de oxigênio, ocasionou graves problemas na assistência em saúde de Manaus, fato que culminou na transferência de pacientes para outros estados (1212. Brasil, Ministério da Saúde. Ministério da Saúde amplia ações de apoio emergencial no Amazonas. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-saude-amplia-acoes-de-apoio-emergencial-no-amazonas Acessado em 24 de janeiro de 2021.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
).

É pertinente mencionar que, entre as unidades da federação que implementaram as políticas mais rígidas na etapa inicial, destacam-se Pará, Amapá, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Tocantins (1313. Leis estaduais. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/ Acessado em 20 de dezembro de 2020.
https://leisestaduais.com.br/...
). Nesses estados, foi possível identificar alterações mais precoces na curva de evolução das tendências de incidência e mortalidade durante a primeira onda, especialmente nas capitais. Essas mudanças ocasionaram um abrandamento, ou até mesmo uma estabilidade, no aumento da curva. Entre as unidades da federação que adotaram políticas mais rígidas de controle da COVID-19 posteriormente, Paraíba e Espírito Santo podem ser citados (1414. Flaxman S, Mishra S, Gandy A, Unwin HJT, Coupland H, Mellan TA, et al. Report 13: estimating the number of infections and the impact of non-pharmaceutical interventions on COVID-19 in 11 European countries. Imperial College London. 2020. Disponível em: https://spiral.imperial.ac.uk/bitstream/10044/1/77731/10/2020-03-30-COVID19-Report-13.pdf Acessado em 11 de abril de 2022.
https://spiral.imperial.ac.uk/bitstream/...
).

TABELA 2.
Percentual mensal de mudança para óbitos por COVID-19 em unidades da federação e capitais, Brasil, 2020-2021

Na análise da evolução temporal dos resultados encontrados, diversos aspectos devem ser pontuados (1515. Crokidakis N. Modeling the early evolution of the COVID-19 in Brazil: results from a Susceptible—Infectious—Quarantined—Recovered (SIQR) model. Int J Mod Phys C. 2020;31(10):2050135. doi: 10.1142/S0129183120501351
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). É possível ressaltar que a heterogeneidade dos resultados reforça a ideia de que a mortalidade por COVID-19 está associada a fatores políticos, geográficos, culturais, sociais e econômicos (1616. Castro RR, Santos RSC, Sousa GJB, Pinheiro YT, Martins RRIM, Pereira MLD, et al. Spatial dynamics of the COVID-19 pandemic in Brazil. Epidemiol Infect. 2021;149:e60. doi: 10.1017/S0950268821000479
https://doi.org/10.1017/S095026882100047...
). Entre os aspectos políticos, um ponto relevante diz respeito à existência de unidades da federação no país com descentralização na tomada de decisões. Tal composição levou a uma ausência de padronização de condutas e a baixos níveis de distanciamento social no Brasil em comparação a outros países, como Itália, Coreia do Sul (1717. Reis RF, Quintela BM, Campos JO, Gomes JM, Rocha BM, Lobosco M, et al. Characterization of the COVID-19 pandemic and the impact of uncertainties, mitigation strategies, and underreporting of cases in South Korea, Italy, and Brazil. Chaos Solitons Fractals. 2020;136:109888. doi: 10.1016/j.chaos.2020.109888
https://doi.org/10.1016/j.chaos.2020.109...
) e Alemanha (1414. Flaxman S, Mishra S, Gandy A, Unwin HJT, Coupland H, Mellan TA, et al. Report 13: estimating the number of infections and the impact of non-pharmaceutical interventions on COVID-19 in 11 European countries. Imperial College London. 2020. Disponível em: https://spiral.imperial.ac.uk/bitstream/10044/1/77731/10/2020-03-30-COVID19-Report-13.pdf Acessado em 11 de abril de 2022.
https://spiral.imperial.ac.uk/bitstream/...
). Não obstante, o posicionamento do governo federal também afetou a padronização, tendo em vista que gerou polarização nas opiniões, diante da adoção de postura negacionista por meio de discursos que iam de encontro ao que a ciência apresentava (1818. Ortega F, Orsini M. Governing COVID-19 without government in Brazil: ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Glob Public Health. 2020;15(9):1257-77. doi: 10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17...
, 1919. Blofield M, Hoffmann B, Llanos M. Assessing the political and social impact of the COVID-19 crisis in Latin America. GIGA Focus. 2020;3:1-12. Disponível em: https://pure.giga-hamburg.de/ws/files/21526260/gf_lateinamerika_2003.pdf Acessado em 15 de agosto de 2021.
https://pure.giga-hamburg.de/ws/files/21...
).

Outro ponto importante está relacionado às desigualdades sociais, estruturais, na organização dos processos e no suporte à comunidade. Esses aspectos influenciam diretamente o enfrentamento das consequências da pandemia (2020. Templeton A, Guven ST, Hoerst C, Vestergren S, Davidson L, Ballentyne S, et al. Inequalities and identity processes in crises: recommendations for facilitating safe response to the COVID-19 pandemic. Br J Soc Psychol. 2020;59(3):674-85. doi: 10.1111/bjso.12400
https://doi.org/10.1111/bjso.12400...
), tendo em vista a necessidade da maioria da população de encontrar meios de subsistência em meio à crise, mesmo diante de uma necessidade de isolamento (2121. Aquino EML, Silveira IH, Pescarini JM, Aquino R, Souza-Filho JA, Rocha AS, et al. Social distancing measures to control the COVID-19 pandemic: potential impacts and challenges in Brazil. Cienc Saude Colet. 2020;25(suppl 1):2423-46. doi: 10.1590/1413-81232020256.1.10502020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020256...
). Como mostra a literatura, a parcela da população que seguiu as orientações relacionadas às medidas mais restritivas apresentava, em geral, maior nível socioeconômico e melhor acesso a informações (2121. Aquino EML, Silveira IH, Pescarini JM, Aquino R, Souza-Filho JA, Rocha AS, et al. Social distancing measures to control the COVID-19 pandemic: potential impacts and challenges in Brazil. Cienc Saude Colet. 2020;25(suppl 1):2423-46. doi: 10.1590/1413-81232020256.1.10502020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020256...
, 2222. Ahmed F, Ahmed N, Pissarides C, Stiglitz J. Why inequality could spread COVID-19. Lancet Public Health. 2020;5(5):e240. doi: 10.1016/S2468-2667(20)30085-2
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).

Em relação às desigualdades em saúde, por sua vez, alguns problemas prévios no sistema podem ser destacados (77. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30...
, 1010. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00115320. doi: 10.1590/0102-311X00115320
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, 2323. Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Cienc Saude Colet. 2018;23(6):1723-8. doi: 10.1590/1413-81232018236.09172018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
), como diferenças regionais no acesso e na cobertura da assistência, na distribuição de recursos humanos, na estruturação da rede de saúde (77. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
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), na proporção entre leitos públicos e privados e na oferta dos serviços ao longo do território (1010. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00115320. doi: 10.1590/0102-311X00115320
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). Tais fatores causaram sofrimentos desiguais entre as regiões (77. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30...
).

FIGURA 1.
Taxas mensais de incidência de COVID-19 por 100 000 habitantes nas unidades da federação e suas capitais, Brasil
FIGURA 2.
Taxas mensais de mortalidade por COVID-19 por 100 000 habitantes nas unidades da federação e suas capitais, Brasil

Dados de 2019 revelam que, embora o Brasil tenha uma oferta de leitos semelhante à de países desenvolvidos e com sistemas de saúde bem-organizados, como o Canadá, o Reino Unido e a Suécia, com 2,7 leitos hospitalares por 1 000 habitantes (1010. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00115320. doi: 10.1590/0102-311X00115320
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), apenas 48% desses leitos gerais são oferecidos pelo sistema público. Além disso, as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste concentram o maior quantitativo (1010. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00115320. doi: 10.1590/0102-311X00115320
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).

Quanto aos leitos em unidades de terapia intensiva (UTI), a região mais estruturada é o Sudeste, que inclui os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. As regiões com menores proporções de leitos de UTI são o Norte (1,5) e o Nordeste (0,9), onde foram implementadas inicialmente medidas mais restritivas à população, com o objetivo de reduzir o impacto em um sistema já deficiente, visto que aproximadamente 15% dos pacientes com COVID-19 podem necessitar de UTI em algum momento do tratamento (2424. Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). AMIB apresenta dados atualizados sobre leitos de UTI no Brasil. São Paulo: AMIB; 2020. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/28/dados_uti_amib.pdf Acessado em 10 de janeiro de 2021.
https://www.amib.org.br/fileadmin/user_u...
).

Um último ponto refere-se à vacinação. O atraso no início do processo, que dependeu de negociações internacionais, foi amenizado pela existência do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Apesar de possuir problemas estruturais e de operacionalização, o SUS possui uma presença importante em todo o território do país (2323. Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Cienc Saude Colet. 2018;23(6):1723-8. doi: 10.1590/1413-81232018236.09172018
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). O SUS, que já tem mais de 30 anos, é organizado pela conexão de serviços de saúde de forma integral e universal. Engloba a atenção primária, secundária e terciária em uma rede de atenção, com foco na vigilância e em ações de promoção e prevenção à saúde (2323. Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Cienc Saude Colet. 2018;23(6):1723-8. doi: 10.1590/1413-81232018236.09172018
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), as quais foram essenciais ao longo da pandemia.

A força do SUS permitiu ao Brasil acelerar o processo de vacinação em todo o território. Tal medida, que é apontada pela ciência como uma forma de reduzir a circulação do vírus (2525. Chu DK, Akl EA, Duda S, Solo K, Yaacoub S, Schünemann HJ, et al. Physical distancing, face masks, and eye protection to prevent person-to-person transmission of SARS-CoV-2 and COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Lancet. 2020;6736(10242):1973–87. doi: 10.1016/S0140-6736(20)31142-9
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), apresenta-se como perspectiva favorável aos brasileiros. No país, a evolução desse processo coincidiu com a redução dos casos e das mortes, em que pese não ter sido avaliada como variável nesse estudo.

Como limitações do presente estudo, podem ser mencionados os possíveis atrasos nas notificações dos casos, que podem ter deslocado a curva de tendências, embora haja atualização contínua pelo Ministério da Saúde brasileiro. Para anular tal problema, os dados foram agrupados por mês, o que gerou estabilidade da informação. Além disso, é possível que os dados estejam subestimados, visto que não houve testagem em massa na população brasileira. Vale salientar que outros estudos são fundamentais para complementar a análise da doença, como estudos individualizados e associados a fatores sociodemográficos, culturais, comportamentais e ambientais.

O presente estudo identificou que o Brasil foi fortemente afetado pela pandemia de COVID-19, em um contexto de ausência de rigidez governamental e presença de negacionismo, que geraram incertezas e dualidade na população quanto à obediência a medidas restritivas. Apesar disso, o SUS tem permitido um processo rápido e organizado de vacinação da população, acompanhado pela redução de casos e de mortes por COVID-19 em todo o país. Há, contudo, necessidade de atenção e avaliações constantes de novas variantes do vírus que venham a surgir.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

  • Contribuição dos autores.
    CASS, MCC e DLBS contribuíram para a concepção e elaboração do estudo. CASS e NCDD organizaram o banco de dados. CASS, MCC e DLBS realizaram a análise estatística. CASS, YNLF, MC e LPS escreveram o primeiro rascunho do manuscrito e seções do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
  • Conflitos de interesse.
    Nada declarado pelos autores.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2021
  • Aceito
    22 Fev 2022
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