Determinantes de infecção nosocomial tardia neonatal: estudo de caso-controle no Ceará

Carmen Sulinete Suliano da Costa Lima Hermano Alexandre Lima Rocha David Augusto Batista Sá Araújo Cláudia Silva Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Identificar os fatores determinantes para infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) tardias em terapia intensiva neonatal e multirresistência bacteriana.

MÉTODOS

Estudo caso-controle em unidade de terapia intensiva neonatal do Estado do Ceará, entre janeiro de 2013 e dezembro de 2017. Considerado caso o recém-nascido notificado como IRAS tardia e, controle, aquele sem infecção. Variáveis com valor de p ≤ 0,05 em análise regressiva bivariada inicial foram incluídas em modelo logístico hierarquizado não condicional para análise multivariada. Valores de p menores que 0,01 foram considerados significativos.

RESULTADOS

Dos 1.132 participantes, 427 (37,7%) tiveram infecções tardias relacionadas a assistência à saúde, com 54 (12,6%) hemoculturas positivas e 14,9% dessas foram bactérias multirresistentes. Na análise bivariada observou-se efeito protetor do sexo feminino (OR = 0,71; IC95% 0,56–0,90) e recém-nascido ≥ 34 semanas (OR = 0,48; IC95% 0,30–0,75). Nos mais prematuros, as infecções tardias tiveram chance dezoito vezes maior em menores do que 30 semanas (OR = 18,61; IC95% 9,84–35,22); e nos menores de 1.500g, quatro vezes maior (OR = 4,18; IC95% 3,12–5,61). O uso de ventilação mecânica aumentou em mais de sete vezes a chance (OR = 7,14; IC95% 5,26–9,09); o mesmo aconteceu com o recurso da nutrição parenteral (OR = 5,88; IC95% 4,54–7,69), com o cateter venoso central (OR = 10,00; IC95% 6,66–16,66); o número de cateteres utilizado (OR = 3,93; IC95% 3,02–5,12); a realização de cirurgia (OR = 4,00; IC95% 2,27–7,14) e o tempo de internamento (OR = 1,06; IC95% 1,05–1,07). Permaneceram significativos após ajuste: prematuro menor do que 30 semanas (OR = 5,62; IC95% 1,83–17,28); uso de ventilação (OR = 1,84; IC95% 1,26–2,68); uso de cateter venoso central (OR = 2,48; IC95% 1,40–4,37) e tempo de internamento (OR = 1,06; IC95% 1,05–1,07). Dentre os óbitos, 41 (55,4%) foram associados às infecções tardias.

CONCLUSÃO

Melhores práticas devem ser adotadas no cuidado da prematuridade e o uso racional de procedimentos, para evitar infecções tardias relacionadas a assistência à saúde, óbitos preveníveis e riscos de multirresistência bacteriana e contaminação ambiental.

Recém-Nascido; Recém-Nascido Prematuro; Infecção Hospitalar, epidemiologia; Farmacorresistência Bacteriana Múltipla; Fatores de Risco; Estudos de Casos e Controles

INTRODUÇÃO

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são adquiridas em serviços de saúde, um agente infeccioso acomete um hospedeiro suscetível, causando uma doença. Esse agente infeccioso pode ser uma bactéria, um vírus, fungo ou parasita, presente em um reservatório que pode ser um paciente, profissional de saúde, visitantes ou superfícies hospitalares e objetos inanimados11 Organização Pan-Americana da Saúde, Centro Latino-Americano de Perinatologia, Saúde da Mulher e Reprodutiva. Prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde em neonatologia. Montevidéu (UY): OPAS; CLAP; 2016. (CLAP/SMR Publicação Científica; 1613-03). . As superfícies ou os objetos abrigam microrganismos quando ocorre falhas na limpeza ambiental, no processamento de artigos e roupas e no uso às precauções-padrão, podendo levar à contaminação cruzada22 Ferreira AM, Barcelos LS, Rigotti MA, Andrade D, Andreotti JT, Almeida MG. Superfícies do ambiente hospitalar: um possível reservatório de micro-organismos subestimado? Revisão integrativa. Rev Enferm UFPE. 2013;7(5 nº espec):1549-60. https://doi.org/10.5205/reuol.4134-32743-1-SM-1.0705esp201310
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, 33 Paula AO, Salge AKM, Palos MAP. Infecciones relacionadas a la asistencia de la salud en unidades de terapia intensiva neonatal: una revisión integradora. Enferm Glob. 2017;(45):508-22. https://doi.org/10.6018/eglobal.16.1.238041
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. O termo infecção hospitalar vem sendo substituído gradualmente por IRAS tardia, pois é mais abrangente e inclui as infecções relacionadas aos cuidados hospitalares, às falhas do cuidado, à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). .

IRAS tardia de origem hospitalar em neonatologia é definida como a infecção em que a evidência diagnóstica ocorre após as primeiras 48 horas de vida do recém-nascido internado44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). . O recém-nascido é mais susceptível às infecções, principalmente os prematuros e de muito baixo peso, pois seu sistema imune ainda está em desenvolvimento, possui barreiras mucosas e cutâneas ineficientes, além de estarem mais expostos a objetos utilizados na assistência que podem estar contaminados33 Paula AO, Salge AKM, Palos MAP. Infecciones relacionadas a la asistencia de la salud en unidades de terapia intensiva neonatal: una revisión integradora. Enferm Glob. 2017;(45):508-22. https://doi.org/10.6018/eglobal.16.1.238041
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, 55 Baptista AB, Ramos JMM, Neves RR, Souza DF, Pimenta RS. Diversity of environmental and patients bacteria in the Hospital Geral de Palmas-TO. J Bioenergy Food Sci. 2015;2(4):160-4. https://doi.org/10.18067/jbfs.v2i4.63
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e a muitas intervenções terapêuticas de alto risco, como uso de dispositivos invasivos e antimicrobianos de amplo espectro, que influenciam no seu processo de colonização66 Távora ACVCF, Castro AB, Militão MAM, Girão JE, Ribeiro KCB, Távora LGF. Risk factors for nosocomial infection in a Brazilian neonatal intensive care unit. Braz J Infect Dis. 2008;12(1):75-9. https://doi.org/10.1590/S1413-86702008000100016
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, 77 Kim JK, Chang YS, Sung S, Ahn SY, Park WS. Trends in the incidence and associated factors of late-onset sepsis associated with improved survival in extremely preterm infants born at 23-26 weeks’ gestation: a retrospective study. BMC Pediatr. 2018;18(1):172. https://doi.org/10.1186/s12887-018-1130-y
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.

Nas últimas décadas, a sobrevida de neonatos prematuros e de portadores de malformações antes consideradas incompatíveis com a vida aumentou, porém, com o prolongamento do tempo de internação em unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), aumentaram as complicações, entre elas, as IRAS tardias, que passaram a ser um dos fatores limitantes para a sobrevida44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). , 88 Ponce CF, Madrid WA, Pineda IJ. Agentes bacterianos en la sepsis neonatal. Cuidados Intensivos Neonatales Hospital Mario Catarino Rivas. Acta Pediatr Hondur. 2017;6(2):479-85. https://doi.org/10.5377/pediatrica.v6i2.3538
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. A infecção (sepse, meningite e pneumonia) é responsável por cerca de 21% dos óbitos no período neonatal no mundo, segundo relatório divulgado em 2016 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, representando um grave problema de saúde pública99 United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation (UN IGME). Levels and trends in child mortality: report 2017, estimates developed by the UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. New York: United Nations Children’s Fund; 2017. . A infecção está relacionada ao peso no nascimento, principalmente em recém-nascidos de baixo peso ou em prematuros, e é associada ao uso de procedimentos invasivos e a longa permanência hospitalar1010 Feil AC, Kurtz T, Abreu PDO, Zanotto JC, Selbach LS, Bianchi MF, et al. Sepse tardia em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. Rev Epidemiol Control Infecç. 2018;8(4):4506. https://doi.org/10.17058/reci.v8i4.11581
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; a utilização de cateter venoso central (CVC) e com o tempo de ventilação mecânica44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). , 1111 Restrepo JL, Ospina ICM, Jaramillo FLO. Factores de riesgo asociados a infecciones por bacterias multirresistentes derivadas de la atención en salud en una institución hospitalaria de la ciudad de Medellín 2011-2014. Infectio. 2016;20(2):77-83. https://doi.org/10.1016/j.infect.2015.09.002
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, ocasionando principalmente pneumonia e infecção primária da corrente sanguínea, causada por cateter nos pacientes internados44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). .

No Brasil, 60% da mortalidade infantil ocorre no período neonatal44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). , sendo a infecção uma das principais causas44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). , 66 Távora ACVCF, Castro AB, Militão MAM, Girão JE, Ribeiro KCB, Távora LGF. Risk factors for nosocomial infection in a Brazilian neonatal intensive care unit. Braz J Infect Dis. 2008;12(1):75-9. https://doi.org/10.1590/S1413-86702008000100016
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, 1212 França E, Lansky S. Mortalidade infantil neonatal no Brasil: situação, tendências e perspectivas. In: Anais do 16. Encontro Nacional de Estudos Populacionais; 29 set – 3 out 2008; Caxambu, MG. Belo Horizonte, MG: Associação Brasileira de Estudos Populacionais; 2008. p.1-29. . A infecção primária da corrente sanguínea associada ao CVC é a principal infecção em UTIN no Brasil44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). . Em estudo de óbitos em UTIN no Ceará, as principais causas de óbito foram as IRAS (44%), seguidas por afecções relacionadas à prematuridade, afecções respiratórias e asfixia1313 Lima CSSC. Fatores de risco para óbito infantil em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Estado do Ceará: estudo caso-Control [dissertação]. Fortaleza, CE: Universidade de Fortaleza - UNIFOR; 2011. . Em pesquisa brasileira de coorte retrospectivo, realizada no Rio de Janeiro, entre 2008 e 2012, observou-se a associação entre uso de procedimentos invasivos e infecção, porém foram incluídos no trabalho somente 49 recém-nascidos de muito baixo peso1414 Medeiros FVA, Alves VH, Valete COS, Paiva ED, Rodrigues DP. A correlação entre procedimentos assistenciais invasivos e a ocorrência de sepse neonatal. Acta Paul Enferm. 2016;29(5):573-81. https://doi.org/10.1590/1982-0194201600079
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. Outra investigação de coorte prospectivo, realizada em um hospital de Porto Alegre, durante o ano de 2013, analisou 30 prematuros com peso inferior a 1.500g e infecção neonatal, descrevendo as características clínicas e uso de tecnologias em UTIN, porém sem avaliar associação estatística dos fatores de risco1515 Silva SMR, Motta GCP, Nunes CR, Schardosim JM, Cunha MLC. Sepse neonatal tardia em recém-nascidos pré-termo com peso ao nascer inferior a 1.500g. Rev Gaucha Enferm. 2015;36(4):84-9. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.04.50892
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, e em outro estudo descritivo em uma UTIN de Santa Catarina, no ano de 2010, observou-se que 45,8% dos internados apresentaram IRAS tardia, porém também não foram calculadas medidas de associação1616 Dal-Bó K, Silva RM, Sakae TM. Infecção hospitalar em uma unidade de terapia intensiva neonatal do Sul do Brasil. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(4):381-5. https://doi.org/10.1590/S0103-507X2012000400015
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. São necessários estudos no Nordeste e no Ceará, que estimem fatores de risco para IRAS tardia, já que existem poucos estudos do tipo, para conhecer a realidade epidemiológica e melhorar as práticas em UTIN e, consequentemente, diminuir a morbimortalidade neonatal.

Em UTIN, o tratamento empírico de IRAS tardia é muito frequente e a utilização inadequada de vários antimicrobianos, por sua vez, é a principal causa de resistência bacteriana a fármacos, podendo ocasionar o aparecimento de bactérias multirresistentes1717 Lawn JE, Cousens S, Zupan J. 4 million neonatal deaths: when? Where? Why? Lancet. 2005;365(9462):891-900. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(05)71048-5
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, que podem eventualmente tornar-se endêmicas1818 Alves JB, Gabani FL, Ferrari RAP, Tacla MTGM, Linck Júnior A. Neonatal sepsis: mortality in a municipality in Southern Brazil, 2000 to 2013. Rev Paul Pediatr. 2018;36(2):132-40. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;2;00001
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. Desde o final da década de 1980, na América Latina, há um aumento de bactérias com alta resistência a antibióticos usuais também em UTIN, devido principalmente à internação prolongada, inserção de dispositivos invasivos e ao descumprimento de normas de isolamento e de segurança1111 Restrepo JL, Ospina ICM, Jaramillo FLO. Factores de riesgo asociados a infecciones por bacterias multirresistentes derivadas de la atención en salud en una institución hospitalaria de la ciudad de Medellín 2011-2014. Infectio. 2016;20(2):77-83. https://doi.org/10.1016/j.infect.2015.09.002
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, 1919 Nunes BM, Xavier TC, Martins RR. Problemas relacionados a medicamentos antimicrobianos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):331-6. https://doi.org/ 10.5935/0103-507X.20170040
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.

No presente estudo pretendeu-se avaliar os fatores de risco associados às IRAS tardias, conhecer a flora bacteriana e sua resposta aos antimicrobianos, identificando a presença ou não de bactérias multirresistentes, com a finalidade de propor estratégias de prevenção de agravos à saúde, diminuir a ocorrência de óbitos evitáveis e de propagação de bactérias nocivas na UTIN. As IRAS tardias representam um risco ao neonato e a todo o ambiente intra-hospitalar, além do risco de contaminação externa intrapessoal e ao meio ambiente.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo do tipo caso-controle sobre as características dos recém-nascidos diagnosticados com IRAS tardia em UTIN de um hospital público de referência no Estado do Ceará, no período entre janeiro de 2013 e dezembro de 2017.

O Hospital Geral Waldemar Alcântara é uma unidade de atenção secundária dentro da rede pública de saúde, o primeiro hospital público da região Norte e Nordeste do Brasil a receber o título de acreditação hospitalar nível 2, pela Organização Nacional de Acreditação. Trata-se de um hospital de apoio para a rede terciária de assistência do Estado do Ceará, atendendo exclusivamente à clientela do Sistema Único de Saúde. Oferece à população 336 leitos, distribuídos nas clínicas médicas, cirúrgica, pediátrica, unidade de cuidados especiais, unidade de terapia intensiva de adultos, UTIN, unidade de terapia intensiva pediátrica e berçário médio risco, além de assistência ambulatorial e domiciliar.

A população do estudo foi constituída por todos os recém-nascidos com internamento na UTIN e até 28 dias de vida incompletos, tanto casos (com IRAS tardia) como controles (sem IRAS tardia). Foram excluídos todos os pacientes admitidos pela primeira vez na UTIN com 28 dias de vida ou mais e aqueles com permanência hospitalar menor que 48 horas. Foram considerados casos todos os pacientes que foram acometidos por IRAS tardia no período em estudo, segundo os critérios padronizados e notificados pelo Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, e, controles, os que não evoluíram com infecção. Os dados foram coletados de documentos dos prontuários dos pacientes internados que preencheram os critérios de inclusão, com o uso de uma lista de verificação elaborada pela pesquisadora.

IRAS tardia de origem hospitalar foi definida como a infecção que a evidência diagnóstica (clínica/laboratorial/microbiológica) ocorra após as primeiras 48 horas de vida44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à Assistência à Saúde – Neonatologia. Brasília, DF: Anvisa; 2017. (Caderno 3). . A variável dependente neste estudo foi a existência de IRAS tardia em UTIN ou não.

As demais variáveis (independentes) recolhidas foram agrupadas em dois estratos hierárquicos:

  1. dados clínicos do recém-nascido (idade gestacional, em semanas pelo Método de Capurro ou New-Ballard, considerados prematuros os nascidos com menos de 37 semanas e estratificadas as idades gestacionais em: até 29 semanas e seis dias, entre 30 semanas e 33 semanas e seis dias, entre 34 semanas e 36 semanas e seis dias e maior ou igual a 37 semanas); sexo (masculino ou feminino); peso de nascimento (em gramas; considerados de baixo peso os bebês nascidos com menos de 2.500g e estratificados os pesos em: menor do que 1.500g, entre 1.500g e 2.499g, e maior ou igual a 2.500g); e índice de Apgar do 5º minuto como um indicador de asfixia (escore < 7 ou ≥ 7);

  2. dados da assistência hospitalar [uso de ventilação mecânica (sim ou não); tempo de ventilação (em dias); uso de CVC (sim ou não); número de CVC utilizados; tempo de uso de CVC (em dias); uso de nutrição parenteral (sim ou não); tempo de nutrição parenteral (em dias); cirurgia (sim ou não) e tempo total de internamento (em dias)] ( Figura ).

    Figura
    Estrutura conceitual hierarquizada para estudo de IRAS tardia em unidade de terapia intensiva neonatal.

Foi incluído o tipo de microrganismo isolado (bactéria Gram negativa, bactéria Gram positiva ou anaeróbia; ou fungo) e a presença ou não de bactéria multirresistente; além da ocorrência ou não de óbitos entre os casos.

Inicialmente, realizou-se a análise estatística descritiva univariada para medianas (variáveis contínuas) e proporções (variáveis categóricas). Para estimar a associação entre a variável dependente e as variáveis independentes, foram realizadas análises bivariadas para testar significância das associações (teste Qui-quadrado e Kruskal-Wallis). A medida de associação utilizada foi odds ratio (OR). A variável dependente (IRAS tardia: presente ou ausente) e as variáveis independentes foram submetidas à análise bivariada para as estimativas de OR e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) por meio de modelos de regressão logística. Posteriormente, as variáveis que apresentaram valor de p ≤ 0,05 foram incluídas no modelo logístico para análise multivariada hierarquizada, conforme modelo teórico, e considerados como significantes valores de p ≤ 0,01 no modelo final após seleção por meio de backward stepwise . Os dados foram armazenados e analisados pelos programas SAS 9.4, SAS Inc, e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) Statistics ® 26.0, IBM Inc.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital (Protocolo 61/ 2017) e Plataforma Brasil (Parecer 160/2011).

RESULTADOS

Foram identificados 1.132 registros elegíveis, sendo excluídos 102 pacientes internados no período em estudo por apresentarem dados incompletos no prontuário em relação às variáveis da assistência e 22 pacientes que evoluíram a óbito em menos de 48 horas de internamento. Dentre os 74 óbitos que permaneceram na análise (6,5% dos registros), 41 (55,4%) foram causados por IRAS e ocorreram entre três e 114 dias de vida.

Em relação ao desfecho, 427 registros (37,7%) tiveram IRAS tardia. A maioria dos recém-nascidos eram do sexo masculino (59,9%). A idade gestacional variou de 22 a 42 semanas, sendo que 62,5% eram prematuros, com predomínio de maiores ou iguais a 30 semanas e menores do que 34 semanas (37,5%). O peso ao nascer variou entre 415g e 6.200g, sendo que 60,7% eram de baixo peso (menos de 2.500g). Quanto ao índice de Apgar no 5º minuto de vida, dos valores válidos, 27% tinham índice menor do que sete.

Na análise bivariada das variáveis clínicas do recém-nascido observou-se um efeito protetor em relação a IRAS tardia em bebês do sexo feminino (OR = 0,71; IC95% 0,56–0,90) e em recém-nascido prematuro maior ou igual a 34 semanas e menor do que 37 semanas (OR = 0,48; IC95% 0,30–0,75). Quanto mais prematuro, maior é a associação com IRAS tardia, quase duas vezes maior no prematuro maior ou igual a 30 semanas e menor do que 34 semanas (OR = 1,93; IC95% 1,45–2,57) e cerca de dezoito vezes maior no prematuro menor do que 30 semanas (OR = 18,61; IC95% 9,84–35,22). O recém-nascido com peso ao nascer menor que 1.500g apresentou cerca de quatro vezes mais associação com IRAS tardia (OR = 4,18; IC95% 3,12–5,61), e o grupo dos menores que 2.500g apresentava um risco de cerca de duas vezes maior de IRAS tardia (OR = 2,27; IC95% 1,75–2,94). A asfixia associou-se a um risco cerca de três vezes maior de IRAS tardia (OR = 2,94; IC95% 2,17–3,84) ( Tabela 1 ). Foi observado que todas as variáveis apresentaram associação estatisticamente significativa a IRAS tardia (p < 0,0001), exceto sexo ( Tabela 1 ) e tempo de nutrição parenteral ( Tabela 2 ).

Tabela 1
Distribuição de casos e controles, com respectivos odds ratio , das variáveis relacionadas aos dados clínicos do recém-nascido. Ceará, Brasil, 2013 a 2017.
Tabela 2
Distribuição de casos e controles, com respectivos odds ratio das variáveis relacionadas aos procedimentos utilizados durante o internamento e óbito. Ceará, Brasil, 2013 a 2017.

Na análise dos procedimentos, observou-se que 55,7% utilizaram ventilação mecânica e cerca de metade dos recém-nascidos permaneceram intubados até 5 dias, por um período que variou de um a 88 dias; 46,9% utilizaram nutrição parenteral; 76,4% utilizaram CVC, a maioria dos casos (62,2%) utilizou um cateter e 31,3%, dois cateteres; houve ainda 59 registros de cirurgia (5,2%). O tempo de internamento total (incluindo o período em unidade de risco intermediário), foi de até 21 dias para 50% dos recém-nascidos, com variação de dois a 198 dias ( Tabela 2 ).

Ao verificar as associações, observou-se que o uso de ventilação mecânica aumentou o risco de IRAS tardia em aproximadamente sete vezes (OR = 7,14; IC95% 5,26–9,09); cada dia de ventilação mecânica aumentou em 15% as chances de infecção (OR = 1,15; IC95% 1,11–1,20); o uso de nutrição parenteral, elevou quase seis vezes a chance (OR = 5,88; IC95% 4,54–7,69); bem como o tempo em dias de nutrição parenteral (OR = 1,08; IC95% 1,05–1,12). Além disso, o uso de CVC elevou a chance de infecção em dez vezes maior de IRAS tardia (OR = 10,00; IC95% 6,66–16,66) e cada dia de cateter aumentou em 9% essa chance (OR = 1,09; IC95% 1,07–1,11), e também identificou-se gradiente nessa associação, com o aumento do número de CVC utilizados, elevando a chance (OR = 3,93; IC95% 3,02–5,12). A realização de cirurgia, associou-se com chance quatro vezes maior de IRAS (OR = 4,00; IC95% 2,27–7,14); por fim, cada dia a mais de tempo total de internamento elevou em 6% as chances de IRAS tardia (OR = 1,06; IC95% 1,05–1,07) ( Tabela 2 ).

Dentre os casos encontrados, 164 tiveram dois ou mais episódios infecciosos assim distribuídos: 50 pacientes tiveram duas IRAS tardia, 20 tiveram três, 10 tiveram quatro, seis tiveram cinco, dois tiveram seis, e um teve sete IRAS tardia. Dentre os notificados como IRAS tardia, 54 (12,6%) apresentaram registro de hemocultura positiva para as infecções causadas por bactérias (n = 47), sete (14,9%) foram causadas por bactérias multirresistentes, as outras sete (13%) foram por fungos. As bactérias e/ou fungos identificados estão descritas na Tabela 3 .

Tabela 3
Resultados das hemoculturas positivas nas IRAS tardias em UTIN. Ceará, Brasil, 2013 a 2017.

A análise multivariada hierarquizada para o desfecho evidenciou associação significativa após ajuste no modelo final, como idade gestacional menor do que 30 semanas (OR = 5,62; IC95% 1,83–17,28); uso de ventilação mecânica (OR = 1,84; IC95% 1,26–2,68); uso de CVC (OR = 2,48; IC95% 1,40–4,37) e tempo de internação (OR = 1,06; IC95% 1,05–1,07) ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Modelo final de acordo com as variáveis clínicas e dos procedimentos utilizados durante o internamento, com respectivos odds ratio , IC95%. Ceará, Brasil, 2013 a 2017.

DISCUSSÃO

Neste estudo, identificou-se que a ocorrência de IRAS tardia foi de 37,7%, e as chances de infecção aumentam conforme o nível de prematuridade, o uso de ventilação mecânica, o uso de CVC e o tempo de internamento.

A prevalência de IRAS tardia foi semelhante à de outros locais estudados: egípcio, 38,5%2020 Pina E, Ferreira E, Marques A, Matos B. Infecções associadas aos cuidados de saúde e segurança do doente. Rev Port Saude Publica. 2010;(10):27-39. , brasileiro, 34%66 Távora ACVCF, Castro AB, Militão MAM, Girão JE, Ribeiro KCB, Távora LGF. Risk factors for nosocomial infection in a Brazilian neonatal intensive care unit. Braz J Infect Dis. 2008;12(1):75-9. https://doi.org/10.1590/S1413-86702008000100016
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e indiano, 31%2121 Tragante CR, Ceccon MEJR, Falcão MC, Seiti M, Sakita N, Vieira RA. Prevalência de sepse por bactérias Gram negativas produtoras de beta-lactamase de espectro estendido em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):59-63. https://doi.org/10.1590/s0103-05822008000100010
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, porém bem maior do que em Taiwan, 11,4%2222 Lopes GK, Rossetto EG, Belei RA, Capobiango JD, Matsuo T. Estudo epidemiológico das infecções neonatais no Hospital Universitário de Londrina, Estado do Paraná. Acta Sci Health Sci. 2008;30(1):55-63. https://doi.org/10.4025/actascihealthsci.v30i1.4386
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e em estudo multicêntrico europeu, 10,7%2323 Rangelova V, Kevorkyan A, Krasteva M. Nosocomial infections in the neonatal intensive care unit. Arch Balk Med Union. 2020;55(1):121-7. https://doi.org/10.31688/ABMU.2020.55.1.14
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, esse desfecho esteve associado à prematuridade entre menores que 30 semanas de idade gestacional, uso de ventilação mecânica, uso de CVC e tempo de internamento.

Os agentes infecciosos predominantes neste estudo foram bactérias Gram-negativas (48,1%), Gram-positivas (38,9%) e fungos (13%), predomínio também observado em estudo indiano por bactérias Gram-negativas (61%) seguidos por Gram-positivas (39%)2424 Dhaneria M, Jain S, Singh P, Mathur A, Lundborg C, Pathak A. Incidence and determinants of health care-associated blood stream infection at a neonatal intensive care unit in Ujjain, India: a prospective cohort study. Diseases. 2018;6(1):14. https://doi.org/10.3390/diseases6010014
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; em estudo iraniano, por Gram-negativas (40%), Gram-positivas (20,7%) e fungos (6,7%)2525 Su BH, Hsieh HY, Chiu HY, Lin HC, Lin HC. Nosocomial infection in a neonatal intensive care unit: a prospective study in Taiwan. Am J Infect Control. 2007;35(3):190-5. https://doi.org/10.1016/j.ajic.2006.07.004
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, e na Jordânia, por Gram-negativas (62%), Gram-positivas (31%), e fungos (7%)2626 Ertugrul S, Aktar F, Yolbas I, Yilmaz A, Elbey B, Yildirim A, et al. Risk factors for health care-associated bloodstream infections in a neonatal intensive care unit. Iran J Pediatr. 2016;26(5):e5213. https://doi.org/10.5812/ijp.5213
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, onde também foi observado alta resistência bacteriana de cerca de 39%2727 Yusef D, Shalakhti T, Awad S, Algharaibeh H, Khasawneh W. Clinical characteristics and epidemiology of sepsis in the neonatal intensive care unit in the era of multi-drug resistant organisms: a retrospective review. Pediatr Neonatol. 2018;59(1):35-41. https://doi.org/10.1016/j.pedneo.2017.06.001
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, maior do que a observada neste estudo que foi de 14,9%.

Houve significativa associação entre IRAS e a idade gestacional nos mais prematuros, na análise bivariada, houve chance 18 vezes maior em menores de 30 semanas, permanecendo no modelo final após ajustes com outras variáveis. O recém-nascido já é naturalmente susceptível às infecções pela imaturidade de suas defesas imunológicas33 Paula AO, Salge AKM, Palos MAP. Infecciones relacionadas a la asistencia de la salud en unidades de terapia intensiva neonatal: una revisión integradora. Enferm Glob. 2017;(45):508-22. https://doi.org/10.6018/eglobal.16.1.238041
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, quando existem outros fatores como prematuridade e/ou baixo peso, o risco de complicações aumenta e, portanto, a necessidade de mais procedimentos invasivos e maior tempo de internamento. O prematuro apresenta frequentemente imaturidade pulmonar caracterizada como síndrome do desconforto respiratório (SDR) ou doença da membrana hialina, decorrente da deficiência do surfactante alveolar2828 Sociedade Brasileira de Pediatria. Consenso Brasileiro em Ventilação Mecânica. Suporte ventilatório na síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido. Miyoshi MH, relator. São Paulo; 2015 [cited 2020 Oct 15]. Available from: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/02/SDR.pdf
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. Devido à SDR, é comum o uso da ventilação mecânica para auxiliar os pulmões na manutenção das trocas gasosas2929 Wang L, Du KN, Zhao YL, Yu YJ, Sun L, Jiang HB. Risk factors of nosocomial infection for infants in neonatal intensive care units: a systematic review and meta-analysis. Med Sci Monit. 2019;25:8213-20. https://doi.org/10.12659/MSM.917185
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. Quanto mais prematuro, independente do peso, maior a gravidade da SDR e da necessidade de procedimentos invasivos, com aumento do risco de IRAS. Como frequentemente há relação direta entre peso mais baixo e prematuridade, essas variáveis podem se confundir nas análises estatísticas.

Neste estudo houve associação a IRAS tardia com o uso de CVC e de ventilação mecânica, o que ocorreu também em outros estudos, embora com valores maiores: uso de CVC (OR = 4,32; IC95% 1,95–9,56) e uso de ventilação mecânica (OR = 3,42; IC95% 2,17–5,41)66 Távora ACVCF, Castro AB, Militão MAM, Girão JE, Ribeiro KCB, Távora LGF. Risk factors for nosocomial infection in a Brazilian neonatal intensive care unit. Braz J Infect Dis. 2008;12(1):75-9. https://doi.org/10.1590/S1413-86702008000100016
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. Em estudo transversal realizado entre 2013 e 2015, no Rio Grande do Sul, o uso de ventilação mecânica e realização de cirurgia apresentaram associação estatística significativa para IRAS em neonatos com hemocultura positiva (47,97% dos infectados)1010 Feil AC, Kurtz T, Abreu PDO, Zanotto JC, Selbach LS, Bianchi MF, et al. Sepse tardia em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. Rev Epidemiol Control Infecç. 2018;8(4):4506. https://doi.org/10.17058/reci.v8i4.11581
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; outro trabalho em Londrina, no Paraná, no período de 2001 a 2005, observou associação relevante com intubação e uso de CVC2121 Tragante CR, Ceccon MEJR, Falcão MC, Seiti M, Sakita N, Vieira RA. Prevalência de sepse por bactérias Gram negativas produtoras de beta-lactamase de espectro estendido em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):59-63. https://doi.org/10.1590/s0103-05822008000100010
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.

Em metanálise de 22 estudos (2.270 recém-nascidos com infecção e 21.605 sem infecção), publicada em 20193030 Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Critérios diagnósticos das infecções relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília, DF: Anvisa; 2019 [cited 2020 Oct 15]. (Nota Técnica GVIMS/GGTES; nº 3). Available from: https://ameci.org.br/wp-content/uploads/2019/02/nota-tecnica03-2019-GVIMS-GGTES-anvisa.pdf
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, foram associados como risco para IRAS tardia: peso < 2.500g (RR = 3,44; IC95% 2,31–5,11), prematuridade (RR = 3,85; IC95% 1,87–7,92), uso de ventilação mecânica (RR = 3,16; IC95% 2,21–4,50), e asfixia (RR = 1,68; IC95% 1,04–2,71). Este trabalho também associou IRAS a prematuridade e ventilação mecânica. Em estudo indiano, houve associação com prematuridade (OR = 3,05; IC95% 1,94–9,88), CVC (OR = 15,11; IC95% 3,40–67,01), ventilação mecânica (OR = 8,94; IC95% 1,32–60,31) e tempo de permanência em UTIN maior do que 10 dias (OR = 4,09; IC95% 1,05–16,70)2525 Su BH, Hsieh HY, Chiu HY, Lin HC, Lin HC. Nosocomial infection in a neonatal intensive care unit: a prospective study in Taiwan. Am J Infect Control. 2007;35(3):190-5. https://doi.org/10.1016/j.ajic.2006.07.004
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, o que também ocorreu neste estudo, embora com valores menores. A utilização de cateteres intravasculares tornou-se nos últimos anos uma prática quase indispensável em cuidados intensivos, por ser um acesso vascular de alto débito1818 Alves JB, Gabani FL, Ferrari RAP, Tacla MTGM, Linck Júnior A. Neonatal sepsis: mortality in a municipality in Southern Brazil, 2000 to 2013. Rev Paul Pediatr. 2018;36(2):132-40. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;2;00001
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, além da dificuldade de acesso vascular periférico em recém-nascidos. A desvantagem do acesso central é o aumento do risco de infecção local ou sistêmica, podendo ocasionar infecção da corrente sanguínea associada ao CVC1818 Alves JB, Gabani FL, Ferrari RAP, Tacla MTGM, Linck Júnior A. Neonatal sepsis: mortality in a municipality in Southern Brazil, 2000 to 2013. Rev Paul Pediatr. 2018;36(2):132-40. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;2;00001
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. Como frequentemente o recém-nascido faz uso de mais de um acesso central, maior é o manuseio e maior o risco de IRAS1818 Alves JB, Gabani FL, Ferrari RAP, Tacla MTGM, Linck Júnior A. Neonatal sepsis: mortality in a municipality in Southern Brazil, 2000 to 2013. Rev Paul Pediatr. 2018;36(2):132-40. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;2;00001
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. Quanto maior o tempo de internação e mais procedimentos invasivos forem necessários para assistência ao recém-nascido, com o uso de dispositivos invasivos como cateteres centrais e ventilação mecânica, por exemplo, maior o manuseio e risco de IRAS.

Apesar dos resultados encontrados neste estudo serem consistentes com a literatura nacional e internacional, existem limitações dignas de nota. O uso de dados secundários retrospectivamente pode levar a registros incompletos no prontuário, principalmente em relação aos dados do recém-nascido e ao tempo de uso dos procedimentos invasivos. Isso foi contornado através de revisão de todo o internamento por meio dos registros de declaração de nascido vivo e/ou de relatório de transferência inter-hospitalar e das evoluções diárias de toda a equipe multiprofissional.

Foi evidenciado que a IRAS tardia ainda é muito frequente em UTIN, que os prematuros ainda são um grupo de risco bastante vulnerável à infecção e que os procedimentos invasivos, essenciais para a maioria dos neonatos criticamente doentes, devem ser criteriosamente indicados.

CONCLUSÕES

Concluímos que, embora não seja possível evitar procedimentos invasivos em neonatos críticos, as práticas de inserção, instalação e manutenção desses dispositivos devem ser rigorosamente revisadas junto às comissões de controle de infecção hospitalar e de segurança na assistência, obedecendo a protocolos atualizados e vigilantes. O uso criterioso de antimicrobianos, aplicados para evitar o aparecimento de bactérias multirresistentes também é ação prioritária. Para a prematuridade, a melhor estratégia é prevenir a ocorrência de partos prematuros, pois o meio intrauterino na maioria das vezes, com o seguimento pré-natal adequado, é o mais seguro para a permanência do feto o maior tempo possível, até próximo ou atingir a idade gestacional de termo.

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  • Financiamento: Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap - Edital Jovens Doutores - nº 02/2017).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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