“Desculpe a demora!”: métodos online como estratégia para desenvolvimento de pesquisas sobre maternidades11Essa pesquisa foi financiada pelo Ministério da Educação do Brasil através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradecemos ao Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, que mantém no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública a execução de pesquisas como essas.

“Sorry for the delay!”: online methods as a strategy for developing research on maternity

Stephany Yolanda Ril Virginia de Menezes Portes Rodrigo Otávio Moretti-Pires Sobre os autores

Resumo

A partir da experiência de pesquisa com mulheres mães lésbicas e bissexuais e das dificuldades encontradas para realização de encontros síncronos para a coleta de dados, observou-se que métodos de pesquisa online assíncronos se apresentam como estratégias em potencial para esse grupo em específico, considerado de difícil acesso. Este trabalho visa retratar o percurso metodológico para desenvolvimento de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, desenvolvida por meio de métodos online, utilizando-se de estratégias como entrevistas abertas e grupo focal online, por meio da mídia social WhatsApp.

Palavras-chave:
Metodologia; Pesquisa Qualitativa; Grupos Focais Online; Maternidade

Abstract

From a research experience with lesbian and bisexual mothers and the difficulties found in the management of synchronous meetings for data collection among these women, it was found that asynchronous methods of online research are potential strategies for this group in specific, considered of difficult access. This work aims to demonstrate the methodological path to develop exploratory research, with a qualitative approach, by online methods, applying strategies such as open-ended interviews and online focus groups, by using WhatsApp as social media.

Keywords:
Methodology; Qualitative research; Online Focus Groups; Maternity

Introdução

No cenário da pesquisa social, destacam-se as dificuldades impostas pelos modos tradicionais de pesquisa, que, diante de barreiras e desafios, em muitas ocasiões não dispõem de recursos necessários para examinar grupos minoritários que apresentam vulnerabilidades econômicas, sociais e políticas. Estes grupos têm sido identificados como populações pouco estudadas ou de difícil acesso, devido a sua heterogeneidade, escassez financeira ou estigmas relacionados à identidade de gênero e sexualidades não-hegemônicas (Prickett; Angel, 2012PRICKETT, K.; ANGEL, J. Métodos Empíricos em Pesquisa do Envelhecimento entre Minorias: um caso para triangulação sociológica. Sociologias, Porto Alegre, v. 14, n. 31, p. 146-165, 2012. DOI: 10.1590/S1517-45222012000300007
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).

Mesmo frente a essas adversidades, cresce a emergência da investigação - como objeto da pesquisa social - sobre como vivem tais grupos na contemporaneidade. A incorporação de novos recursos disponíveis no espaço virtual, especialmente aqueles que representam inovações no campo metodológico, tem ganhado espaço na investigação social e ampliado as possibilidades científicas (Santos, 2009SANTOS, T. S. dos. Do artesanato intelectual ao contexto virtual: ferramentas metodológicas para a pesquisa social. Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n. 21, p. 120-156, 2009. DOI: 10.1590/S1517-45222009000200007
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).

De forma paralela, a internet tem se constituído cada vez mais como um importante espaço de práticas sociais. Pois se trata de uma ferramenta que tem sido incorporada às subjetividades humanas à medida que cada pessoa se relaciona diária e constantemente com seus dispositivos tecnológicos conectados a ela (Lupton, 2015LUPTON, D. Digital Sociology. New York: Routledge, 2015. eBook). Os modos de relacionalidade no universo virtual se dão, principalmente, através das mídias sociais - acessadas por meio de plataformas que proporcionam interações simultâneas entre as(os) participantes. Atualmente, dentre as principais mídias sociais, estão: Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, entre outras.

As mídias sociais podem ser vistas como agrupamentos humanos complexos, constituídos através das interações sociais mediadas por tecnologias digitais de comunicação, sendo assim, produtos de objetivos e propósitos de sua população usuária. Assim, cresce a sua valorização para coletar informações a partir dos recursos de navegação e interação, no recrutamento de participantes em potencial, além de se constituírem como instrumentos para viabilização de entrevistas e grupos focais (Medeiros, 2012MEDEIROS, M. Thinking about qualitative research [editorial]. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 226-227, 2012. DOI: 10.5216/ree.v14i2.13628
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).

Cada mídia social tem sua própria característica e dinâmica de conexão. A plataforma Instagram, desenvolvida em 2010, possibilita o compartilhamento e edição de fotos e vídeos, apresentando diversas ferramentas para interação entre os(as) usuários(as), como publicações no feed - campo que abrange todas as postagens de um perfil -, os stories - fotos e vídeos que podem ser acessadas por um período de 24 horas - e os reels - ferramenta que permite a criação e a publicação de vídeos de até 60 segundos. Uma das marcas mais populares do Instagram, por exemplo, é a utilização de hashtags que englobam imagens de acordo com determinadas temáticas.

Para Nascimento, Barros e Gonçalves (2016NASCIMENTO, D. C. da S.; BARROS, J. G.; GONÇALVES, L. B. Uma reflexão sobre o ‘emitir para existir’ na linguagem do Instagram @reveillondosmilagres. In: COLÓQUIO SEMIÓTICA DAS MÍDIAS. 5. 2016, Japaritinga. Anais… Japaritinga: Centro Internacional de Semiótica e Comunicação, 2016.), dentre as especificidades do Instagram, destaca-se o fato de ser um aplicativo funcional em que se atribui cor, filtros e molduras à imagem. Assim, a pessoa usuária atua como câmera e editora de suas publicações, uma vez que controla os realces, a nitidez e o brilho das fotos. Tais elementos permitem reconhecer as dinâmicas de sociabilidade do Instagram, uma vez que demonstram a valorização da estética na apresentação do sujeito na vida pública. As imagens publicadas referem-se à uma resposta social acerca do que, quando e como compartilhar as experiências dos grupos sociais.

Foi neste cenário, que foi descoberta a hashtag #duplamaternidade, utilizada por um número significativo de casais de mulheres lésbicas e bissexuais com o intuito de dar visibilidade às suas famílias. O uso de hashtags é comum e objetiva agrupar conteúdos de diferentes usuários(as) que postam sobre o mesmo tema. Desta forma, ao publicar uma foto, cada usuário(a) do Instagram pode utilizar na descrição uma hashtag que a vincula a um universo amplo com as demais fotos publicadas com essa mesma hashtag, facilitando encontrar temáticas específicas.

É neste horizonte que este artigo pretende retratar o percurso metodológico de uma pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida em um mestrado de Saúde Coletiva, cujo propósito foi conhecer as relações societárias implicadas nas experiências de gestação e parto de mulheres lésbicas e bissexuais. Não haverá, neste trabalho, um aprofundamento sobre os resultados empíricos do estudo, mas uma discussão em torno de como a internet e suas mídias sociais possibilitaram o encontro das interlocutoras e intermediaram a coleta de dados.

Em suma, procurar-se-á destacar o potencial dos métodos online para acesso e desenvolvimento de investigações sociais com grupos populacionais considerados de difícil alcance, como mulheres mães lésbicas e bissexuais, uma vez que o preconceito e as inúmeras tentativas de controle de seus corpos, resultantes de processos heteronormativos, tendem a invisibilizar suas existências, as afastando dos espaços públicos. Sobretudo, por compreender que a internet permite estudar de forma aprofundada as relações nos espaços virtuais, uma vez que representa a interface do modo de viver dos indivíduos, esse cenário viabiliza formas inovadoras de conhecimento e coleta de dados, assim como permite explorar o contexto de grupos específicos com características similares (Salvador et al, 2020SALVADOR, P. T. C. de O. et al. Estratégias de coleta de dados online nas pesquisas qualitativas da área da saúde: scoping review. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 41, e20190297, 2020. DOI: 10.1590/1983-1447.2020.20190297.
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).

Nessa direção, este artigo tem como objetivo analisar as potencialidades e os desafios do uso dos métodos online assíncronos, na busca por informações de populações de difícil alcance.

Os desafios e o percurso metodológico estabelecido

Nesta pesquisa, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas assíncronas, as quais tiveram o intuito de proporcionar um espaço de comunicação espontânea, sem receio de críticas ou julgamentos. Associado às entrevistas, foi desenvolvido um Grupo Focal Online (GFO), por compreender que se trata de uma técnica consagrada em pesquisas qualitativas, nas diversas áreas do conhecimento.

A coleta de informações no GFO ocorre por meio da constituição de um grupo de sujeitos com características que interessam para a investigação, objetivando acompanhar o diálogo acerca das suas percepções, crenças e atitudes sobre um tema de interesse (Trad, 2009TRAD, L. B. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 777-796, 2009. DOI: 10.1590/S0103-73312009000300013.
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). Neste contexto, uniu-se a oportunidade da comunicação mediada por dispositivos eletrônicos, utilizando, assim, métodos online assíncronos para viabilizar discussões de grupos focais com as especificidades das populações de difícil alcance.

Tendo em vista o objetivo da dissertação de mestrado, conhecer as relações societárias implicadas nas experiências de gestação e parto de mulheres lésbicas e bissexuais, foi recrutada uma amostra intencional de mães que conceberam seus filhos em relacionamentos homoafetivos. Para o recrutamento inicial, buscou-se participantes do estudo em grupos de discussão auto-organizados por mulheres lésbicas e bissexuais no Facebook, no entanto, após o levantamento e observação sistemática da dinâmica dos grupos, percebeu-se que esses espaços eram utilizados para socialização entre as integrantes, distanciando-se da proposta da pesquisa.

Embora houvesse a suspeita de inexistência de mulheres lésbicas e bissexuais que experienciaram os processos de gestação e parto, foi divulgada em cada um desses grupos uma carta convite com um link para preenchimento de formulário com e-mail e/ou WhatsApp para que fosse possível contactá-las. Apenas uma mulher se voluntariou, demonstrando a inexpressividade desta plataforma para a coleta de dados.

Como segunda tentativa de recrutamento, utilizou-se a procura pela hashtag #duplamaternidade no Instagram, os resultados apresentaram um número significativo de perfis construídos por casais de mulheres lésbicas e bissexuais. Para o recrutamento das mulheres mães, foi realizado contato com os perfis que se mostravam mais ativos no uso da hashtag, ou seja, que faziam publicações recorrentemente com essa temática. Frente às respostas positivas, foram agendadas nove entrevistas.

Com a intenção de ampliar as possibilidades de participantes, optou-se por não estabelecer critérios fixos de exclusão da amostra. Outra característica foi a não demarcação de recortes geográficos, movimento que resultou na participação de mulheres de diversas regiões do país, assim como uma domiciliada no exterior, mais precisamente na França, região parisiense. Cabe destacar que este “atravessamento” de fronteiras também é uma marca da pesquisa online, viabilizando o acesso a populações de distintas localizações do mundo (Hinton et al, 2018HINTON, L. et al. Birthplace choices: what are the information needs of women when choosing where to give birth in England? A qualitative study using online and face to face focus groups. BMC Pregnancy & Childbirth, Berlim, v. 18, n. 12, 2018. DOI: 10.1186/s12884-017-1601-4.
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).

Quadro 1
Dados posicionais e métodos de reprodução utilizados

Com relação às características sociodemográficas das participantes, identifica-se a predominância das idades de 20 a 38 anos. Quanto ao marcador cor de pele autodeclarada, a maioria das participantes referiu ser da cor branca. Todas as mulheres informaram serem cisgênero, ou seja, suas identidades de gênero (feminino) estão alinhadas normativamente com os gêneros que lhes foram atribuídos ao nascimento. Em relação à orientação sexual, a maior parte delas se percebe como lésbicas, sendo que três apontaram ser bissexuais.

No que se refere à escolaridade, a maioria das mulheres possuem pós-graduação ou ensino superior completo, seguidas daquelas que estão em processo de formação em ensino superior. Sobre a localidade das famílias, nota-se uma pluralidade de regiões do Brasil, com predomínio da região Sudeste, seguida da Centro-Oeste, uma família que reside no Sul, uma no Nordeste e uma que, no momento da pesquisa, morava na França.

Ao analisar as profissões, destaca-se que a maior parte das integrantes das famílias desenvolvem atividades autônomas, há também três mulheres que são empresárias, uma supervisora de operações, uma advogada, uma engenheira, uma consultora de vendas, uma policial militar, uma corretora de imóveis, uma marceneira/arquiteta, uma gerente de recursos humanos e duas estudantes.

Os dados posicionais demonstram que as famílias que compõem este estudo encontram-se entre as classes D e B, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que as faixas salariais variam de dois a 10 salários mínimos. Percebe-se uma concentração maior de famílias do grupo entrevistado localizado na Classe C, que compreende de quatro a 10 salários mínimos.

Quanto ao método de reprodução utilizado: quatro casais optaram pela inseminação artificial; dois realizaram fertilização in vitro; dois casais alcançaram a gestação por meio da inseminação caseira, sendo que um destes efetuou tentativas de inseminação artificial em clínica de fertilização, porém não obteve sucesso; quanto ao último casal, uma das mulheres engravidou por meio de ato sexual consentido com um homem. Dos casais que optaram pela inseminação artificial, um deles acessou o procedimento em um projeto de reprodução humana do Sistema Único de Saúde (SUS).

A primeira entrevista inicialmente seria realizada via chamada de vídeo no aplicativo messenger, pois havia o entendimento inicial de que a entrevista síncrona permitia uma exploração maior dos fatos. No entanto, devido a rotina intensa de cuidados com as crianças e de trabalho, percebeu-se que a utilização de método assíncrono seria a melhor alternativa para a consecução das entrevistas.

Devido a popularidade e alto número de adesão ao aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, este foi empregado como instrumento de pesquisa e, por meio de mensagens de áudios, ocorriam as entrevistas. Outra característica das entrevistas é que se tratava de métodos abertos, sendo iniciadas por uma questão disparadora: “comente sua trajetória de mulher bissexual/lésbica no processo de gestação e parto”. As entrevistas tiveram durações variadas, apresentando uma média de dois a cinco dias para a conclusão.

A fim de aprofundar as informações trazidas pelas participantes, realizou-se um GFO com seis das nove entrevistadas. Destaca-se que, nessa segunda etapa, houve novamente a tentativa de modo síncrono, sendo agendadas reuniões em aplicativo de conferências online. Porém, mais uma vez não foi possível realizá-las, devido às suas agendas de compromissos, o que levou a necessidade de organizar dois grupos separados.

Diante desse movimento, percebe-se que, mais uma vez, a maternidade impossibilitou a promoção do GFO síncrono, conforme experiências relatadas em estudos anteriores (Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
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), adotando novamente o WhatsApp e o método assíncrono como espaços potentes de interação e sociabilidade. Dessa forma, criou-se um grupo denominado “Grupo Focal Online”, em que foram adicionadas as seis mulheres que aceitaram participar desta nova etapa. Este momento teve duração de dez dias e funcionou como nas entrevistas, por meio de trocas de mensagens de áudio.

Sobre essa etapa, cabe ressaltar que houve interação entre as participantes, que respondiam as mensagens de áudio uma das outras e chegaram a encaminhar fotos de suas famílias, a fim de se apresentarem, de modo espontâneo - ou seja, as pesquisadoras não solicitaram o envio das imagens -, o que demonstra a ocorrência de grupalidade entre as participantes.

A análise dos dados foi do tipo temática, sendo os materiais das entrevistas e do grupo focal transcritos na íntegra. Em seguida, empreendeu-se a leitura sistemática, a pré-análise e a exploração de todo o material, por fim, o tratamento dos dados obtidos, com as demais pesquisas acerca da temática (Perdok et al, 2016PERDOK, H. et al. Opinions of maternity care professionals and other stakeholders about integration of maternity care: a qualitative study in the Netherlands. BMC Pregnancy and Childbirth, Berlim, v. 16, n. 188, 2016. DOI: 10.1186/s12884-016-0975-z.
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; Prabhakar et al, 2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
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; Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
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). Os núcleos de sentido encontrados foram analisados criticamente, a partir da ótica dos estudos de gênero e feministas.

Destaca-se que a intenção deste estudo não é discutir os resultados encontrados na pesquisa original, por isso não haverá um aprofundamento teórico com relação à dupla maternidade e seus desafios na contemporaneidade. Devido ao fato de o percurso metodológico apresentar nuances e etapas distintas, que se complementam, as autoras apostaram na construção de um diagrama, a fim de explanar detalhadamente as etapas metodológicas empregadas.

Figura 1
Diagrama das etapas metodológicas

O diagrama revela as etapas metodológicas, demonstrando a coleta de dados por meio de entrevistas (etapa 1) e GFO (etapa 2). A Dimensão 1 destaca a “Potencialidade de Métodos Assíncronos em Pesquisas com foco na maternidade”, evidenciando aspectos intrínsecos ao estilo de vida das mães, marcados pela falta de tempo e disponibilidade de participar de outras atividades que não sejam aquelas de cuidado dos filhos. Apresenta também os aspectos positivos proporcionados pelo método assíncrono utilizado em pesquisas com grupos específicos, como mulheres lésbicas e bissexuais que exercem a dupla maternidade.

A Dimensão 2, “Papel das mídias sociais como espaços de práticas sociais”, explana os fragmentos encontrados que se configuram como relevantes para a pesquisa social. A partir das relações estabelecidas pelas mulheres, identificou-se a presença de grupalidade e interação, sobretudo pelo fato de compartilharem imagens e observações dos seus núcleos familiares. A compreensão de tal cenário como forma deste grupo minoritário existir e ser reconhecido configura-se como um elemento relevante para a pesquisa social.

Neste sentido, destaca-se que a associação metodológica entre entrevistas e GFO permitiu confiança e conforto, que se traduziu no desenvolvimento de uma relação empática entre as pesquisadoras e as participantes, apresentando-se como fundamental para a obtenção de informação de qualidade (Pegado; Zózimo; Lopes, 2016PEGADO, E.; ZÓZIMO, J.; LOPES, N. Histórias de (uma) vida: desafios e dilemas éticos na investigação com idosos. Sociologia on-line, Lisboa, p. 5-21, 2016. DOI: 10.30553/sociologiaonline.2016.12.1
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).

Por fim, destaca-se que o projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH/UFSC), sob parecer número 3.853.350, com todos os protocolos éticos necessários.

Resultados e discussão

A partir da experiência metodológica, encontrou-se duas dimensões acerca da compreensão sobre a maneira em que a internet tem sido utilizada para a formação de redes de relações sociais que se referem à construção de maternidades compartilhadas por casais de mulheres cisgêneros não heterossexuais: “Potencialidades de Métodos Assíncronos em pesquisas com foco na maternidade” e “Papel das mídias sociais como espaço de práticas sociais”.

Potencialidades de Métodos Assíncronos em pesquisas com foco na maternidade

A utilização do método assíncrono mostrou-se não apenas como uma possibilidade metodológica, mas como uma necessidade, uma vez que as mães expuseram suas rotinas e tarefas diárias com os bebês, impossibilitando suas participações na modalidade síncrona. Neste sentido, a modificação do método de coleta síncrono para assíncrono encontra-se em consonância com os estudos anteriores sobre maternidade, os quais demonstraram a relevância deste formato para populações de difícil acesso e outros temas específicos (Prabhakar et al, 2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
https://doi.org/10.1145/3025453.3025546...
; Hinton et al, 2018HINTON, L. et al. Birthplace choices: what are the information needs of women when choosing where to give birth in England? A qualitative study using online and face to face focus groups. BMC Pregnancy & Childbirth, Berlim, v. 18, n. 12, 2018. DOI: 10.1186/s12884-017-1601-4.
https://doi.org/10.1186/s12884-017-1601-...
; Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
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).

A primeira etapa da pesquisa, que compreendeu as entrevistas, ocorreu de 2019 ao início de 2020, antes da pandemia por SARS-CoV-2 no Brasil e das consequências que as orientações de distanciamento social tiveram na rotina de trabalho, como a adoção do home office. Na realidade das mulheres mães brasileiras que passaram a atuar nesta modalidade houve uma intensificação da rotina de trabalho doméstico, porque as instituições educacionais, em um primeiro momento, cessaram suas atividades e, posteriormente, definiram planos de ensino em formato remoto (Macêdo, 2020MACÊDO, S. Ser mulher trabalhadora e mãe no contexto da pandemia COVID-19: tecendo sentidos. Revista do NUFEN, Belém, v. 12, n. 2, p. 187-204, 2020. DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02rex.33.
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).

Observa-se que a rotina das participantes desta pesquisa também sofreu os impactos da pandemia, sendo que o GFO (segunda etapa de coleta de dados) foi realizado em maio de 2020, ainda nos primeiros meses de confinamento. Em uma das ocasiões, a participante acabou se atrasando para o início do grupo e apontou que “(…) home office com criança pequena tá bem louco”, já outra interlocutora afirmou que não poderia comparecer no grupo, pois familiares haviam solicitado seu auxílio naquele momento. Além disso, outras duas participantes ressaltaram que não poderiam participar devido a demandas domésticas e de cuidados com as crianças.

Os trechos mencionados acima revelam que os desafios impostos pela sobrecarga das tarefas maternas intensificaram-se no contexto do isolamento social, uma vez que as esferas privadas e públicas foram fundidas devido ao home office. Diversos estudos vêm apontando os reflexos da pandemia nas trajetórias femininas, enfatizando o aumento da sobrecarga das mulheres na economia doméstica, sobretudo no que diz respeito aos cuidados com crianças (Zhou et al, 2020ZHOU, M. et al. Gender inequalities: Changes in income, time use and well-being before and during the UK COVID-19 lockdown. [s.l.]: SocArXiv papers, 2020 DOI: 10.31235/osf.io/u8ytc.
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).

Tal cenário torna-se ainda mais complexo se tratando de mães de crianças pequenas, que desenvolvem as atividades laborais em casa (Macêdo, 2020MACÊDO, S. Ser mulher trabalhadora e mãe no contexto da pandemia COVID-19: tecendo sentidos. Revista do NUFEN, Belém, v. 12, n. 2, p. 187-204, 2020. DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02rex.33.
https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN....
). De acordo com Zhou et al (2020ZHOU, M. et al. Gender inequalities: Changes in income, time use and well-being before and during the UK COVID-19 lockdown. [s.l.]: SocArXiv papers, 2020 DOI: 10.31235/osf.io/u8ytc.
https://doi.org/10.31235/osf.io/u8ytc...
), a realidade imposta pelo isolamento social impacta drasticamente no bem-estar das mulheres, principalmente das que são mães. Assim, o método assíncrono para investigações acerca da maternidade e temas relacionados torna-se uma proposta metodológica possível - e consideravelmente potente - em contextos de restrições e sobrecarga, como o estipulado pela pandemia.

No que tange ao papel proeminente voltado para a função de cuidados maternos das interlocutoras, havia mensagens de voz em que foi possível escutar os sons das crianças, fazendo perguntas para as mães ou solicitando algum objeto. Em suas falas, as participantes também enfatizavam que a morosidade para responder decorria das atividades, tanto trabalhistas, quanto do domicílio. O que, novamente, reforça a utilidade dos métodos assíncronos em estudos acerca da maternidade.

Tais aspectos, relacionados ao tempo para responder, podem ser identificados na síntese desenvolvida pelas autoras, em que se procurou demonstrar o grande volume de informações produzidas nas entrevistas e GFO. Além disso, na Figura 2, é possível perceber o longo tempo de duração das duas etapas:

Figura 2
Tempo de duração e quantidade de palavras transcritas das entrevistas e do grupo focal

Destaca-se que o período de duração das entrevistas - dias em que ocorreram interações - foi de 27 de julho de 2019 a 05 de março de 2020, que culminou em 65 dias ativos de interação entre pesquisadoras e interlocutoras, já no GFO, o contato foi de 24 de maio de 2020 a 23 de junho de 2020, possibilitando a interação de forma ativa entre as participantes durante 10 dias. O tempo de duração das entrevistas variou entre 1 (entrevista 1) e 36 dias (entrevista 9), no que se refere à quantidade de palavras transcritas, a variação foi de 1.287 (entrevista 3) a 9.762 (entrevista 1). O total de palavras transcritas no GFO foi de 11.584.

A interação entre as participantes mostrou-se como um fator relevante no GFO. As mulheres respondiam as mensagens de áudios uma das outras, discorrendo sobre as suas experiências a partir do relato ouvido, além disso, davam dicas e conselhos acerca dos temas que causam ansiedade ou desconforto com relação à dupla maternidade. A interatividade representa um aspecto relevante em grupos focais, seja face-a-face ou online, assim, identificou-se neste aspecto, bem como em estudos anteriores, a capacidade de interagir uns com os outros no grupo (Prabhakar et al, 2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
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; Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
https://doi.org/10.1177/2055207618777675...
).

No ambiente online, a interatividade também pode ser visualizada por meio do uso de ferramentas como o botão “curtir”, disponível em mídias sociais (Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
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) - no caso da plataforma utilizada, na época da pesquisa não havia a opção de curtidas, porém, no grupo focal, as mulheres enviaram emoticons que representam corações, arco-íris, rostos com corações nos olhos e sorrisos para expressar emoções frente às afirmações das participantes.

Com relação a interatividade e o desenvolvimento de grupalidade entre as interlocutoras, foram selecionados pelas pesquisadoras registros do GFO que podem ser observados a seguir:

Figura 3
Registros do GFO

Destaca-se que o envio das imagens ocorreu como forma de apresentação do núcleo familiar, iniciativa realizada por uma das participantes, na sequência, todas as demais vincularam-se, demonstrando uma forma exclusiva de apresentação eleita pelo coletivo de mulheres. A iniciativa demonstrou autonomia e características próprias, o que revela a ocorrência de grupalidade e confiança entre elas. Destaca-se que essa iniciativa não seria possível em grupos focais presenciais ou algum outro formato síncrono, uma vez que as participantes não teriam a possibilidade - material e temporal - de escolher algum artefato para apresentar a família, sendo assim, acredita-se na potencialidade da escolha imagética como uma narrativa de apresentação eleita individualmente a partir da proposta coletiva. Para Prabhakar et al (2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
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), o senso de grupo e camaradagem são identificados na medida em que os participantes têm a oportunidade de se conhecer e compartilhar informações pessoais sobre si próprios.

A maioria dos estudos que utilizam métodos assíncronos desenvolveram coletas de dados através de plataformas como Facebook (Prabhakar et al, 2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
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; Skelton et al, 2018SKELTON, K. et al. Utilization of online focus groups to include mothers: A use-case design, reflection, and recommendations. Digital Health, Thousand Oaks, v. 4, 2018. DOI: 10.1177/2055207618777675.
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) ou outras que possibilitam a troca de mensagens de textos (Hinton et al, 2018HINTON, L. et al. Birthplace choices: what are the information needs of women when choosing where to give birth in England? A qualitative study using online and face to face focus groups. BMC Pregnancy & Childbirth, Berlim, v. 18, n. 12, 2018. DOI: 10.1186/s12884-017-1601-4.
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), um diferencial desta pesquisa foi o uso da ferramenta de mensagens de voz no WhatsApp, que possibilitou às mulheres falarem de forma mais livre, expressando emoções por meio de tons de voz. Tal situação revela potência significativa no que se refere à utilização da ferramenta, uma vez que dentre os desafios apresentados ao utilizar os métodos online, destaca-se a limitação da análise das expressões como o choro, entre outras. Além disso, ressalta-se o baixo custo nas pesquisas que utilizam esta plataforma (Anderson et al, 2021ANDERSON, E. et al. WhatsApp-Based Focus Groups Among Mexican-Origin Women in Zika Risk Area: Feasibility, Acceptability, and Data Quality. JMIR formative research. Toronto, v. 5, n. 10, e20970. DOI: 10.2196/20970.
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).

A participação e capacidade de resposta das perguntas merecem destaque como benefícios da utilização do método assíncrono. Evidenciou-se, por meio da taxa de participação relativamente alta (>90%) ao longo do estudo, que o método assíncrono permitiu o envolvimento com as atividades em grupo ao longo do estudo, semelhantes a um grupo focal, caracterizando-o assim como participação sustentada, em que os participantes se envolvem em discussão conduzida por pesquisadores (Prabhakar et al, 2017PRABHAKAR, A. S. et al. Investigating the suitability of the asynchronous, remote, community-based method for pregnant and new mothers. In: Conference on Human Factors in Computing Systems, 17., 2017, Mendoza. Proceedings… Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, 2017. p. 4924-4934. DOI: 10.1145/3025453.3025546.
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; Anderson et al, 2021ANDERSON, E. et al. WhatsApp-Based Focus Groups Among Mexican-Origin Women in Zika Risk Area: Feasibility, Acceptability, and Data Quality. JMIR formative research. Toronto, v. 5, n. 10, e20970. DOI: 10.2196/20970.
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).

Outro aspecto relevante encontrado é a capacidade de resposta no método assíncrono, uma vez que, mesmo as participantes não respondendo rapidamente, as questões apresentadas pelas pesquisadoras eram respondidas em sua totalidade.

Papel das mídias sociais como espaço de práticas sociais

No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, 82,7% dos domicílios brasileiros possuíam algum tipo de acesso à internet, seja através de computadores, televisões, tablets ou por meio de telefones celulares, sendo este último a principal via de conexão (IBGE, 2021IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD Contínua. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2019. Rio de Janeiro, 2021.).

Os cenários online apresentam interações entre pessoas que circulam em ambientes virtuais e se encontram em contextos sociais diversos, estabelecendo distintas conversas simultâneas. Os diferentes métodos online, como entrevistas, questionários por e-mail e chats são capazes de explorar diversos aspectos sociais da internet.

Nesse sentido, a identificação das mídias sociais como espaços de práticas sociais circunscreve-se na concepção de que a internet é a interface cotidiana da vida das pessoas e lugar de encontro que permite a formação de comunidades, grupos estáveis e a emergência de novas formas de sociabilidade. Assim, torna-se um campo fértil para investigar as experiências pessoais presentes na comunicação mediada pelo computador, escrita e imagem, a partir das observações de campo e entrevistas em profundidade (Hine, 2000HINE, C. Virtual ethnography. London: SAGE Publications, 2000.). Considerando o papel relevante e presente de forma diária da internet e de suas mídias sociais, pesquisas com enfoque na maternidade tem se debruçado sobre este campo, com o intuito de empreender investigações a partir de dados disponíveis em grupos de suporte online existentes no Facebook, por exemplo (Aguiar, 2015AGUIAR, A. M. de. Construção da maternidade contemporânea e a participação em um grupo de suporte online no Facebook. 2015. 163 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.; Felipe, 2019FELIPE, M. G. Maternidade lésbica por meio de inseminação caseira: dinâmicas e processos de escolha dos doadores nas redes sociais. 2019. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.).

No entanto, no contexto desta pesquisa, a aposta inicial no Facebook como um potencial campo de investigação mostrou-se não aplicável, possibilitando o essencial amadurecimento do método, indicando o Instagram como campo de coleta e recrutamento. Neste sentido, a temática apontou para o percurso a ser traçado, demonstrando os fragmentos das vidas destas mulheres. Assim, identificou-se a potencialidade dessa rede social para expor a realidade das mulheres no diálogo entre digitalidade e materialidade (Travancas; Piera, 2021TRAVANCAS, I. S.; PIERA, E. A. Gênero epistolar e redes sociais: cartas para presos políticos no Brasil e na Catalunha. FAMECOS, Porto Alegre, v. 28, n. 1, e39778, 2021 DOI: 10.15448/1980-3729.2021.1.39778.
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).

Parafraseando Castells (2003CASTELLS, M. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003., p. 34), “os sistemas tecnológicos são socialmente produzidos”, isso significa dizer que a produção social é construída culturalmente. A internet, enquanto espaço de práticas sociais, não é exceção, sendo a cultura de sua população usuária estruturante dos cenários online. A plataforma Instagram, pertencente ao contexto das mídias sociais, é utilizada para o compartilhamento das situações cotidianas com a rede de amizade estabelecida em tempo real, por meio da publicação de imagens e vídeos (Bergström; Bäckman, 2013BERGSTRÖM, T.; BÄCKMAN, L. Marketing and PR in social media: how the utilization of Instagram builds and maintains customer relationships. 2013. 57 p. Independent thesis (Degree of Bachelor) - Department of Media Studies, Faculty of Humanities, Stockholm University, Stockholm, 2013.).

Ao considerar as especificidades de mulheres mães lésbicas e bissexuais - aspectos citados e desenvolvidos ao longo da escrita - a aposta na rede social mencionada e a utilização do WhatsApp como ferramenta de maneira assíncrona revelam a potência da construção do processo de pesquisa, uma vez que o desafio é criar ferramentas possíveis, que deem abertura para novas formas de existência e permitam que a vida encontre vazão (Rolnik, 2012ROLNIK, S. Cartografia Sentimental: Transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2012.). Os elementos do cenário social no Instagram explanam aspectos relevantes e explicativos acerca da experiência social deste grupo.

Breve busca em uma plataforma de pesquisa revelou estudos com enfoque na maternidade e nos discursos propagados sobre tal temática no Instagram, os trabalhos de Ávila (2018ÁVILA, P. S. A construção da maternidade no Instagram: uma análise dos perfis “Mãe de sete” e “A maternidade”. 2018. 117 f. Monografia (Graduação em Jornalismo) - Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2018.) e Silva (2021SILVA, C. G. Maternidade, cultura e redes sociais: análise da interação social de mães solo através de netnografia e mineração de dados no Instagram. 2021. 64 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.) são exemplos, em ambos, as autoras analisaram criticamente as postagens publicadas nesta rede. Já voltada para especificidade da maternidade compartilhada entre mulheres não heterossexuais, Amorim (2019AMORIM, A. C. H. Dupla Maternidade no Instagram: entre fotos, ativismo e parentesco. Movimentação, Dourados, v. 6, n. 10, p. 170-184, 2019. DOI: 10.30612/mvt.v6i10.10709.
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) também analisou o Instagram como campo para desenvolvimento de seu processo de investigação, o estudo citado analisou publicações das hashtags #duplamaternidade, #mãeslésbicas e #maternidadelésbica, bem como demonstrou que as mídias sociais compreendem espaços potentes para o desenvolvimento do ativismo sobre a dupla maternidade como uma forma legítima de parentesco.

No presente estudo, utilizou-se o Instagram como forma de recrutamento das interlocutoras, apesar de não ser cenário direto de coleta de dados e informações. Além disso, aspectos relevantes nas práticas sociais foram identificados no campo online, uma vez que a grupalidade, a interação e o compartilhamento de imagens do núcleo familiar estiveram presentes. Diante da reflexão acerca do papel das mídias sociais como espaço de práticas sociais, Mário Guimarães Jr (2000GUIMARÃES JUNIOR, M. J. L. O ciberespaço como cenário para as ciências sociais. Ilha. Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 139-154, 2000.) ressalta a importância de identificar a virtualidade não como uma “não realidade”, ao refletir sobre as ciências sociais e as pesquisas no ciberespaço. Para o autor, o virtual não pode ser interpretado como oposição ao real, mas como uma complementação, além de uma possibilidade de transformação da realidade, por ser capaz de subvertê-la em seus limites temporais e espaciais (Guimarães Jr, 2000GUIMARÃES JUNIOR, M. J. L. O ciberespaço como cenário para as ciências sociais. Ilha. Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 139-154, 2000.).

Tal reflexão permite afirmar que o virtual representa uma dimensão singular do real, não oposição a ele. Neste mesmo sentido, Jean Segata e Theophilos Rifiotis (2016SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. Antropologia e Cibercultura. In: SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. Políticas Etnográficas no Campo da Cibercultura. Brasília, DF: ABA; Joinville: Letradágua, 2016, p. 9-21.) afirmam que, do ponto de vista antropológico, o que se torna relevante é a vida das pessoas no ciberespaço, bem como este em suas vidas, não como dimensões apartadas. Por fim, ao utilizar as mídias sociais como instrumento investigativo, identificou-se que tais espaços se apresentam como cenários de práticas sociais, em que essas mulheres se expressam e se tornam visíveis, na contramão das mídias convencionais, as quais, predominantemente, continuam silenciando-as, secundarizando-as e excluindo-as. Entretanto, a utilização das mídias representa a quebra do silenciamento, uma vez que busca visibilizar a existência deste grupo no espaço público (Cerqueira; Ribeiro; Cabecinhas, 2009CERQUEIRA, C. P. B.; RIBEIRO, L. T.; CABECINHAS, R. Mulheres & Blogosfera: contributo para o estudo da presença feminina na “rede”. Ex Aequo, Lisboa, n. 19, p. 111-128, 2009.).

Nesse sentido, este estudo revelou o importante papel das mídias sociais como espaços de práticas sociais relacionadas à realidade contemporânea da dupla maternidade, investigada em múltiplas plataformas online, considerando as potencialidades e os desafios de cada uma delas, identificadas a partir de suas especificidades de alcance quando a maternidade é vivida duplamente na sociedade contemporânea.

Considerações finais

Buscou-se, através da experiência de um estudo com mulheres mães não-heterossexuais, enfatizar a potencialidade de métodos de pesquisa online assíncronos. Os cenários online têm se destacado como campo de coleta de dados e recrutamento de participantes para o desenvolvimento de pesquisas científicas, movimento que acompanha o aumento do uso das mídias sociais como espaço de práticas sociais. A pandemia de covid-19, o distanciamento social e a adoção da quarentena intensificaram o acesso à internet e o emprego de suas ferramentas para interações.

A utilização do WhatsApp como intermediador na realização de entrevistas e GFO demonstra-se como uma inovação metodológica com potencialidade para alcançar populações consideradas dissidentes, pessoas vivenciando a maternidade, com pouca disponibilidade de tempo e que residem em diferentes localidades geográficas. Também se apresenta como uma alternativa acessível economicamente, pois não requer gastos com espaços físicos e locomoção. Além disso, tem se mostrado uma técnica promissora no que tange à garantia de anonimato, aspecto relevante em investigações com temas desafiadores e que envolvam minorias sociais.

Com relação ao GFO, destaca-se a interação entre as participantes, que espontaneamente buscaram apresentar suas famílias por meio de imagens e o uso de emoticons, fator que também reforça a grupalidade. Além da troca imagética, as interlocutoras responderam os áudios e as argumentações, constituindo um espaço de reflexão conjunta.

Por fim, destaca-se que as reflexões aqui levantadas apontam para a importância do desenvolvimento de pesquisas que compreendam cenários online, bem como apresentem a experiência do desenvolvimento de estudos que utilizam as ferramentas disponíveis na internet que, apesar de fazerem parte do cotidiano da população mundial, ainda são vistas com desconfiança quando comparadas às pesquisas presenciais. Desta forma, o investimento no formato assíncrono possibilita maior tempo de reflexão das interlocutoras da pesquisa, resultando na fluidez ao narrar a sua experiência com o tema investigado.

Além disso, planejar o percurso metodológico da pesquisa social, a partir da tríade online-assíncrono-grupos específicos, circunscreve-se em uma iniciativa de maior inclusão política e representação dos grupos sub-representados, especialmente quando esses grupos são minorias ou estão sujeitos a desigualdades estruturais. Lembremos que investigações e resultados produzidos por cenários dominantes não podem representar devidamente as minorias, como as mulheres que vivem a dupla maternidade.

Trata-se de aposta em que o próprio campo pede e traça seus caminhos, um formato no qual as interlocutoras são protagonistas dos meios em que serão ouvidas, desenhando “como” e “quando”, como um ato político específico daquele grupo. Compreende, assim, um convite para a inversão de papéis na investigação científica marcada pela triangulação: pesquisadora-pesquisa-pesquisado.

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  • 1
    Essa pesquisa foi financiada pelo Ministério da Educação do Brasil através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradecemos ao Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, que mantém no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública a execução de pesquisas como essas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Aceito
    13 Jan 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br