Projeto Larga Escala: conceitos, história e atualidade a partir da resolução CIPLAN n.º 15, de 11 de novembro de 1985

Large-Scale Project: concepts, history and actuality from the CIPLAN resolution n.º 15, November 11, 1985

Tereza Miranda Rodrigues Guillermo Alfredo Johnson Sobre os autores

RESUMO

O Projeto Larga Escala é foco deste artigo. Não obstante inúmeras publicações, nossa intenção foi investigá-lo na perspectiva histórica, por sua importância no processo de formulação de políticas educacionais em saúde. Apresentamos, de forma sistematizada, aspectos conjunturais, históricos e conceituais que revelam decisões, posições e escolhas, nos planos do discurso e da política em seu entorno. O método utilizado foi de análise documental. Conceitos como ‘formação’, ‘integração ensino-serviço’ e ‘metodologia’ mostram a dinamicidade do Projeto Larga Escala no tempo. Sua base conceitual oferece substrato para novas propostas educacionais no setor, como a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, do Ministério da Saúde.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Profissionalizante; Políticas Públicas; Formação de Recursos Humanos

ABSTRACT

The Large Scale Project is the focus of this article. Despite numerous publications, we proposed investigate it in a historical perspective for its importance in the formulation of educational policies in health. We present a systematic manner, situational aspects, revealing historical and conceptual decisions, positions and choices, plans and policy discourse around it. The method used was document analysis. Concepts such as ‘training’ ‘education service integration’ and ‘metodology’ shows the dynamics of the Large Scale Project in time. Its conceptual basis for substrate offers new educational proposals in the sector, such as the National Policy on Permanent Education in Health, the Ministry of Health.

KEYWORDS:
Education, Professional; Public Policies; Human Resources Formation

Introdução

Quando o Projeto Larga Escala (PLE) foi aprovado, ocorria forte ebulição na sociedade brasileira, cujo reflexo no cenário político favoreceu a representação de interesses contra hegemônicos na formulação de políticas para o setor de saúde. Mudanças implicavam aumento dos serviços no setor, o que demandava trabalhadores qualificados. Pereira e Ramos (2006)PEREIRA, I.B.; RAMOS, M.N. Educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. lembram a luta de educadores da saúde, nessa época, por projetos a favor de instituições que respondessem pela educação profissional dos trabalhadores de nível médio e fundamental, Esse projeto foi

o esforço de um país para qualificar e legitimar sua força de trabalho de nivel médio, empregada no setor saúde, sem formação específica. (SANTOS; SOUZA, 1989, p, 61SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64.).

O documento analisado evidencia os campos ‘educação’ e ‘saúde’ como espaços discursivos, de transformação, de incorporação de conceitos e de formulação de políticas. Nesses cenários, pioneiros militantes em busca de superação de uma dívida social para com os trabalhadores de saúde, pessoal de nível médio e elementar que não teve oportunidade de formação anterior, além de lograrem a consolidação de seus ideais no âmbito institucional, deixaram um contra domínio epistemológico como legado na área de educação profissional em saúde, a despeito de toda uma conjuntura societal (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

A aprovação do PLE como estratégia prioritária para a preparação de recursos humanos no âmbito das Ações Integradas de Saúde (AIS) fortaleceu os laços entre educação e saúde, naquele momento de reorganização dos serviços e de reorientação política. Nesse sentido, havia a perspectiva de uma formação capaz de por em movimento trabalhadores aptos a contracenar junto a democratização da saúde, palco de processos que apontavam para significativas transformações que culminaram, logo adiante, no Sistema Único de Saúde (SUS).

Mais do que promover a formação de recursos humanos, a institucionalização do PLE o caracteriza como uma política que trouxe nova cultura no campo educacional da saúde, Hoje, de sua plataforma conceitual, são legatárias novas propostas educacionais no setor, como a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). Isso nos motivou revisitar o tema, num compromisso com a história e sua importância para os dias atuais.

Aspectos históricos, contextuais e conceituais da formulação do PLE

Localização temporal e circunstancial do PLE

A resolução foi publicada no dia 11 de novembro de 1985, no Diário Oficial da União (DOU), conforme ofício número 231/85. A esse período, berço da proposição do PLE, correspondia ao percurso da Nova República, sob o governo de José Sarney (1985-1989), que completaria a transição democrática, iniciada pelo governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979), As bases políticas do regime militar de 1964, já enfraquecido em meados da década de 1970, agora, nos anos 1980, cediam espaço para a democracia.

Essa década conheceu intensos debates nos palcos da educação e da saúde, mediados por pioneiros, que, comprometidos com a reestruturação desses setores, conclamavam profissionais afins. As questões ali emanadas seriam discutidas na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e, posteriormente, poderiam ser proclamadas no corpo textual da Constituição Federal, em 1988, Esses fatos, ladeados por inúmeros outros, selariam o fim da ordem autoritária com retorno da democracia. Não desconsiderando o caráter polissêmico desse termo, entendemos que

a democracia, enquanto uma modalidade plural de exercício do poder político, passa a ser vista como o espaço ideal de formulação de uma contra-hegemonia. (TEIXEIRA, 1989, p. 32TEIXEIRA, S.F. Reforma sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.).

O país insurgia do longo período ditatorial para o processo de redemocratização. Esta foi a contrapartida do povo brasileiro, que, mesmo não ficando imune aos efeitos do autoritarismo, assumiu identidades políticas e sociais, e reagiu construindo um processo de maturação política e teórica. Dessa forma, atores sociais da área da saúde, orientados ideologicamente à esquerda, desenvolvendo a luta política, reformularam o sistema de saúde, como parte do movimento de oposição ao regime militar (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.; DÂMASO, 1989DÂMASO, R. Saber e práxis na Reforma Sanitária, avaliação da prática científica no Movimento Sanitário. In: TEIXEIRA, S.F. (org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989. cap. 2, p. 61-90.), Era o Movimento Sanitário, que propunha novos conceitos, como a determinação social da doença, inquirindo uma atuação ao nível das condições sociais de produção da doença (DÂMASO, 1989DÂMASO, R. Saber e práxis na Reforma Sanitária, avaliação da prática científica no Movimento Sanitário. In: TEIXEIRA, S.F. (org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989. cap. 2, p. 61-90.), Assim, lutavam por mudanças na atenção à saúde e pela melhoria das condições de saúde da população, Esse movimento engendrou uma intervenção na realidade política do setor saúde com a Reforma Sanitária (RS), demarcando ideologicamente seu espaço no cenário da formulação de políticas públicas. Estrategicamente, entre 1985 e 1987, a RS já se institucionalizava por meio da ocupação, em postos da burocracia técnica estatal, de militantes como, por exemplo, Sérgio Arouca, na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Hésio Cordeiro, no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e Eleutério Rodrigues Neto, como Secretário Geral do Ministério da Saúde (MS), Estes, identificados com políticas democratizantes, instauravam rapidamente um processo de aceleração das mudanças na área da saúde, pela determinação de ações que rumavam à reorganização dos serviços (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

A RS insere-se no processo de redemocratização, na medida em que propõe o deslocamento efetivo de poder, formulando propostas contra-hegemônicas e organizando uma aliança entre as forças sociais comprometidas com transformação. Rumava-se a uma inflexão no âmbito da saúde e da sociedade civil, alterando os padrões da política pública e “construindo identidades, solidariedades e mecanismos democráticos de representação de interesses” (TEIXEIRA, 1989, p, 42TEIXEIRA, S.F. Reforma sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.).

Avançava-se nas lutas democráticas, seccionando-se os nós do autoritarismo. Em 1985 o setor da saúde vivenciava os desdobramentos da implantação das AIS, ocorrida em maio de 1984, que, segundo Paim, (2008, p, 97)PAIM, J.S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão crítica. Salvador: EDUFBA, Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008.

foram expandidas e fortalecidas em termos orçamentários e consideradas corno uma estratégia-ponte para a reorientação das políticas de saúde e para a reorganização dos serviços.

Essa estratégia significava uma redefinição democratizante de uma política racionalizadora, e era possível observar o estímulo à integração das ações de saúde, o apoio à descentralização gerencial, o planejamento na prática institucional e a abertura à participação popular. Dessa forma consolidavam-se os ideais do movimento reformador, Não obstante, os avanços da RS permaneciam, do regime anterior, A presença de forças progressistas e conservadoras, cujos interesses eram opostos, estatizantes de um lado e privativistas de outro, além de conferir um caráter heterogêneo ao governo Sarney, figurava como fonte de conflitos no âmbito do Estado. Consequentemente reverberava, no campo da saúde, em polêmicas discussões, A fusão INAMPS e MS foi um exemplo: muito mais do que uma reformulação institucional, ela transcendia o aspecto burocrático de reorganização de aparelhos do Estado.

Nesse cenário, a estratégia das AIS ia se configurando como a forma de viabilização concreta das políticas de saúde da Nova República, que rumavam para a construção do SUS (PAIM, 2008PAIM, J.S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão crítica. Salvador: EDUFBA, Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008.), Para Dâmaso (1989)DÂMASO, R. Saber e práxis na Reforma Sanitária, avaliação da prática científica no Movimento Sanitário. In: TEIXEIRA, S.F. (org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989. cap. 2, p. 61-90., a força da RS estava em conceber e fazer da saúde o fundamento revolucionário de uma transformação setorial que tivesse ressonâncias estruturais sobre o conjunto social. O avanço da RS e o alcance de seus princípios finalísticos requeriam estratégias políticas capazes de vitalizar a qualificação dos trabalhadores – um dos componentes infraestruturais do sistema de saúde. Reorganizar a assistência e a prática, com base em princípios éticos voltados para os problemas de saúde da população, passaria, necessariamente, pela transformação dos atores sociais, que, “no caso do pessoal de nível médio e elementar, só poderá ser realizada através da qualificação específica” (SANTOS; SOUZA, 1989, p, 62SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64.), Nessa perspectiva, o PLE foi implantado, e o documento expressa o reconhecimento oficial ao projeto como proposta de formação de recursos humanos de nível médio adequada ao contexto da saúde.

Na época, estava em vigência o Acordo para um Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde no Brasil (Acordo de Cooperação Técnica OPAS-Brasil), que tinha como objetivo o desenvolvimento de recursos humanos para a saúde no país, firmado em Brasília, em 14 de novembro de 1973, inicialmente entre a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o MS e o Ministério da Educação e Cultura (MEC), com incorporação posterior do MPAS, em 1980. O acordo avançou ao lado da estruturação dos serviços de saúde e perdurou até 1986, Muitas ações foram realizadas para a formação de recursos humanos em saúde, com vistas à adequação desse processo às reais necessidades dos serviços de saúde, o que incluía a oferta proporcional de trabalhadores de nível médio em relação à oferta de profissionais de nível superior, à densidade demográfica e às necessidades da população. O Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) foi criado no âmbito desse acordo, em 1975, com amplos objetivos, visando à reformulação das práticas educacionais na saúde. Um de seus princípios, a integração ensino-serviço, foi um dos pilares do PLE e figura até hoje com a PNEPS.

Em 1980, foi criado o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREVSAÚDE), no âmbito do INAMPS, com o objetivo de universalizar os cuidados primários de saúde, Para fazer frente às suas metas de extensão da cobertura dos serviços de atenção básica, pensou-se em uma formação em massa de pessoal de saúde, Como resposta, em 1981, foi proposto

o Programa de Desenvolvimento de Sistemas de Capacitação em Serviço de Pessoal Auxiliar de Saúde, que rapidamente passou a ser referido no setor pela denominação Projeto Larga Escala. (ALVES; PAIVA, 2006, p. 77ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Bassinello (2007)BASSINELLO, G.A.H. Projeto Larga Escala: análise história e compreensão dos resultados para a Enfermagem no Estado de São Paulo. 2007. 217f., Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135>. Acesso em: 10 ago. 2010.
http://cutter.unicamp.br/document/?code=...
informa que, em 1981, surgiu o Programa de Formação de Pessoal de Nível Médio – Projeto Larga Escala, do Instituto Nacional de Previdência Social, com a preocupação inicial de capacitar pessoal de nível médio, em larga escala, para atender a demanda dos serviços públicos de saúde, face ao Prevsaúde.

Em documento do INAMPS consta o surgimento do PLE em 1981,

junto com a proposta de reformulação dos serviços de saúde, tendo sido concebido inicialmente visando a extensão de cobertura da rede. (BRASIL, 1987, p. 1BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Programa de Formação de Pessoal de Nível Médio, 1987, Rio de Janeiro: INAMPS, 1987.).

Entretanto, essa perspectiva massiva de formação foi superada pela valiosa contribuição de Isabel dos Santos, idealizadora do PLE, que foi situado, naquele contexto de transformações nos serviços de saúde, como o meio de acrescer forças nesse processo, por meio de uma formação diferenciada de seus trabalhadores (BASSINELLO, 2007BASSINELLO, G.A.H. Projeto Larga Escala: análise história e compreensão dos resultados para a Enfermagem no Estado de São Paulo. 2007. 217f., Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135>. Acesso em: 10 ago. 2010.
http://cutter.unicamp.br/document/?code=...
).

O desencadeamento das ações do acordo, nos anos 1980 (precisamente entre 1982 e 1984) e a ampliação de seus objetivos, culminaram na adoção de três componentes programáticos:

  1. Pessoal de Saúde;

  2. Ciência & Tecnologia em Saúde;

  3. Sistemas e Serviços de Saúde.

O componente Pessoal de Saúde reunia, no início de 1985, sete projetos, sendo um deles o PLE, sob a denominação oficial de Formação de Pessoal Auxiliar em Serviço (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

O PLE foi resultado de grande movimentação de profissionais em uma frente de trabalho envolvida, que entendia o valor da formação para a reorganização dos serviços de saúde num período de concretização da democracia. Alves e Paiva (2006)ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. citam, em sua obra, militantes como Danilo Garcia, Hésio Cordeiro, Francisco Lopes, José Paranaguá de Santana, Regina Celi S. Marques, Ena Galvão, Isabel dos Santos, Cesar Vieira, Roberto Nogueira e Carlyle Guerra de Macedo, que atuavam no espaço das instituições signatárias da cooperação técnica OPAS-Brasil.

A consideração de viabilidade do PLE, a partir do Acordo de Recursos Humanos, firmado entre MS, MPAS, MEC e OPAS, transmite a ideia da relevância da articulação interinstitucional, a fim de alcançar objetivos comuns.

Ao ratificar a participação do MS, do MEC, das Secretarias Estaduais de Saúde, das Secretarias Estaduais de Educação e da OPAS no desenvolvimento e na consolidação do projeto, os autores dessa resolução confirmam a arquitetura institucional necessária à sua efetivação, além de denotarem a demanda de articulação em seu devir. Há uma reafirmação do MS, do MEC e da OPAS, e a afirmação das Secretarias Estaduais de Saúde e Educação, como instâncias de execução local do projeto, uma vez que tal execução implicará a criação dos centros formadores, com todo seu corolário nos Estados. O desenvolvimento e a consolidação do projeto nos Estados vão estar diretamente ligados à capacidade de articulação e de negociação entre os interlocutores em todas essas instâncias. Essa ratificação, além de atender o princípio da integração interministerial, implica aperfeiçoamento do diálogo entre as instituições e seus contextos sociopolíticos. Nesse sentido, foram envolvidos ainda os Conselhos Estaduais de Educação e a rede básica de prestação de serviços de saúde.

Esse processo mostra a influência do aspecto relacional do Estado com organismos internacionais, na determinação para que um tema de interesse de ambos se constitua em domínio cognitivo e até campo de práticas sociais e de políticas públicas. Foi o que aconteceu no terreno da formação de recursos humanos, sob a denominação ‘Desenvolvimento de Recursos Humanos’ no Brasil, a partir da celebração desse acordo (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Concepções e princípios da plataforma do PLE

Das considerações tecidas a respeito do PLE na resolução, podemos extrair alguns conceitos e princípios teóricos que traduzem a face ideológica contra-hegemônica que permeava aquele momento histórico e revelam um pouco da essência do projeto naquelas circunstâncias.

Formação, integração ensino-serviço e metodologia: ontem e hoje

A consideração ao PLE, por sua proposta de formação de recursos humanos de nível médio, revela que os trabalhadores de saúde passavam por processos de treinamento ministrados pelas instituições de saúde, sem, por isso, alcançarem legitimidade, e que havia a necessidade de se promover melhorias nesses processos.

Para sanar tal necessidade, o PLE propõe uma formação profissional para os trabalhadores de nível médio, apoiada legalmente pela Lei de Diretrizes e Bases 5.692/71 e pelo parecer 699/72. Mesmo esse aparato legal sendo originário do Estado militar em face de interesses capitalistas, pelas brechas que apresentava, foi possível viabilizar uma formação diferenciada. Consistia, então, o PLE uma política para os trabalhadores empregados, sendo que a referida lei foi trabalhada para viabilizar a certificação (PEREIRA; RAMOS, 2006PEREIRA, I.B.; RAMOS, M.N. Educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Segundo Santos e Souza (1989)SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64. esses trabalhadores, adultos, marginalizados pelo processo formal de ensino, provinham de camadas populares e, como sujeitos historicamente determinados, precisavam de uma formação para a cidadania. Com sua concepção de formação, o PLE assume o caráter de ultrapassar a visão utilitarista das capacitações realizadas até então e introduz sua dimensão política de

viabilizar a formação para a cidadania plena através da legitimação social da sua prática e sua qualificação específica. (SANTOS; SOUZA, 1989, p. 64SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64.).

O PLE surgiu “com base filosófica no conceito de formação, o qual transcende a mera aquisição de habilidades intelectuais e psicomotoras” (BRASIL, 1987, p. 1BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Programa de Formação de Pessoal de Nível Médio, 1987, Rio de Janeiro: INAMPS, 1987.).

Conceitualmente, a noção de formação no âmbito do PLE compreendia o

desenvolvimento integral das capacidades e potencialidades cognitivas do indivíduo, o estímulo ao aprimoramento de habilidades intelectuais e psicomotoras que não apenas se vinculariam ao exercício profissional. (ALVES; PAIVA, 2006, p. 77ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Esses fatores vinculados com amplitude à constituição do cidadão e ao desenvolvimento da cidadania.

Um dos referenciais teóricos utilizados nos processos de formação do PLE, o Treinamento Mental, de Silvia Brusilovscky, visava cultivar

metodicamente a inteligência e racionalizar a aprendizagem cotidiana, preparando o adulto para desenvolver-se em seu meio, de forma ativa, reflexiva e solidária. (BAGNATO; BASSINELLO, 2009, p. 625BAGNATO, M.H.S.; BASSINELO, G.A.H. Osprimórdiosdo Projeto Larga Escala: tempo de rememorar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 62, n. 4, jul./ago. 2009, p. 620-626. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000400022>. Acesso em: 3 nov. 2011.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Essas mesmas autoras informam que, para Joffre Dumazedier (2002)DUMAZEDIER, J. Ouvriers de I‘entrainement mental. La Lettre Peuple et Culture, v. 27, 2002, p. 22., o treinamento mental “calcava-se na arte de aprender por si mesmo, em todas as idades da vida [...]” (p. 625), visando preparar militantes culturais que resistissem às influências sociais dominantes de infantilização de adultos e das alienações que privam as pessoas de seus direitos de se tornarem cidadãos ativos.

O PLE, ao propor a aprendizagem a partir do estudo e da reflexão de situações reais e cotidianas, experimentadas pelos próprios trabalhadores em seu ambiente de trabalho, possibilitava a formação de um sujeito ativo, produtor de conhecimentos e com capacidade de modificar seu meio. Sua proposta, de formar Agentes de Transformação Social, tem vida hoje na PNEPS, por meio do princípio da Aprendizagem Significativa, imprescindível para a melhoria dos serviços prestados no SUS.

A consideração de que o PLE vem trazendo resultados relevantes na integração ensino-serviço [...] mostra a legitimidade alcançada por ele ao trazer conceitos inovadores em sua proposta de formação, marcando definitivamente sua opção político-pedagógica, contrária à perspectiva utilitarista que caracterizava os processos de treinamento (BRASIL, 1985BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Ministério da Saúde. Resolução CIPLAN n.º. 15 de 11 de novembro de 1985. Dispõe sobre a aprovação do Projeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio. Diário Oficial da União, Brasília, 19 nov. 1985. Seção 1, p. 167, 83-84.). Assim, possibilitando uma formação coerente com o ideário da RS, imprimiu-se concretude ao princípio de integração ensino-serviço na qualificação dos trabalhadores de nível médio. Essa integração se efetivava a partir do currículo integrado, que tornava possível a análise crítica da realidade dos serviços, com a participação de outros atores no processo de ensino além dos alunos e instrutores, como, por exemplo, gestores e componentes de equipe, com vistas à reorganização desses serviços. O currículo integrado gera mudança no processo de trabalho, “instaura-se uma nova relação entre as pessoas da equipe, alteram-se os instrumentos e equipamentos de trabalho” (ALVES; PAIVA, 2006, p. 170ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Nesse processo, resgatou-se o real papel do sistema de supervisão, por meio das Capacitações Pedagógicas, no preparo de pessoal de nível superior engajado nos serviços de saúde para o desempenho das atividades de instrução e supervisão, que era uma das ações estratégicas do PLE. Era “uma qualificação antitaylorista, fazer pensar o mundo a partir da função que se desempenha” (ALVES; PAIVA, 2006, p. 155ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.). Supervisão foi um conceito redimensionado, deixando para trás o caráter fiscalizador e adquirindo nova dimensão, que integrava ensino e serviço, a partir da problematização, reflexão e percepção da realidade concreta (CASTRO 2002CASTRO, J.L.; NOGUEIRA, R.P.; SANTANA, J.P. Isabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo. Natal: Editora Observatório RH NESC/UFRN, 2002.).

Nessas capacitações, difundiam-se os princípios de uma abordagem pedagógico-metodológica crítico-reflexiva, expressa na problematização, pelo uso do Método do Arco de Charles Maguerez11Veja-se descrição completa desse método, que consta de um diagrama com cinco etapas, desde observação da realidade análise dos pontos-chave, teorização, levantamento de hipóteses de solução até aplicação à realidade, em BORDENAVE, J.D.; PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino aprendizagem. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.. Tanto os instrutores-supervisores, como os trabalhadores em formação, deveriam se libertar de modelos prescritivos, pois ambos são requeridos no processo ensinoaprendizagem. O aprendiz, trazendo suas experiâncias concretas do serviço, e o instrutor, numa compreensão avançada de sua função, articulando conhecimento e realidade do serviço.

Essa modalidade de trabalho educativo contemplava alguns pressupostos do projeto, como a indissociabilidade entre conteúdo e método, e o novo conceito de aluno e professor, importantes para a prática da integração ensino-serviço. A abordagem metodológica, relacionada à dimensão política do projeto, visava proporcionar ao trabalhador de saúde uma formação para a cidadania, conferindo-lhe identidade profissional (ALVES; PAIVA, 2006ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.). O PLE expressava, desse modo, seu compromisso com a reorganização dos serviços de saúde, articulando-os ao processo de formação de pessoal.

Num contexto educacional de tendências pedagógicas tradicionais, baseadas na transmissão verticalizada do conhecimento ao aluno, o PLE vem redimensionar o ato educativo na saúde. Caracterizava uma formação de pessoal articulada à experiência em serviço. Então, quando a Resolução CIPLAN se refere ao PLE, ela responde “às necessidades de preparo de recursos humanos [...] inerentes à proposta de integração na prestação de serviços” (BRASIL, 1985BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Ministério da Saúde. Resolução CIPLAN n.º. 15 de 11 de novembro de 1985. Dispõe sobre a aprovação do Projeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio. Diário Oficial da União, Brasília, 19 nov. 1985. Seção 1, p. 167, 83-84.), fazendo referência a um aspecto peculiar do projeto, que é a formação diferenciada a partir da articulação de currículo e conhecimento às necessidades do serviço, e do uso de metodologia que prima pela reflexão acerca da realidade dos serviços. Assim, os recursos humanos, com um perfil crítico-reflexivo, estariam aptos a atuar num sistema de saúde em processo de transformação.

Por suas consequências nos âmbitos individual e coletivo do aluno, podemos inferir, sob a ótica de Demerval Saviani, que essa metodologia utilizada pelo PLE situa-se naquele ponto de equilíbrio entre as duas grandes correntes da Educação, a Pedagogia Tradicional e o Escolanovismo. Buscando superar a forma tradicional de transmissão de conteúdos, bem como a secundarização dessa transmissão, o PLE trouxe uma metodologia que privilegiava a construção de conhecimentos para a prática social. Saviani (2008)SAVIANI, D. Escola e democracia. 40. ed. Campinas: Autores Associados, 2008., em sua Teoria da Curvatura da Vara, diz que, para além dos métodos tradicionais e novos

trata-se de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social. (p. 71).

Essa forma de se produzir conhecimento pode fortalecer e munir os trabalhadores das condições necessárias a um agir resolutivo no SUS hoje.

Escola Função versus Escola Endereço: princípio da inclusão

A consideração de que o PLE tem sua execução a nível de cada Estado, respeitando as características regionais e decisões de autoridades estaduais nos setores de educação e saúde, traduz a aplicação de um princípio próprio do PLE, que é o respeito ao ritmo de aprendizagem do aluno, isto é, se aprende por meio de sucessivas aproximações ao objeto, ao macrocontexto. As ações de implementação eram realizadas de acordo com as condições locais, não de forma impositiva. O PLE “foi se desenvolvendo conforme os limites e possibilidades de cada realidade locoregional” (BASSINELLO, 2007, p. 62BASSINELLO, G.A.H. Projeto Larga Escala: análise história e compreensão dos resultados para a Enfermagem no Estado de São Paulo. 2007. 217f., Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135>. Acesso em: 10 ago. 2010.
http://cutter.unicamp.br/document/?code=...
).

Era imprescindível a existência de infraestrutura de ensino adequada em cada Estado da federação, o que se concretizou na constituição de uma rede de Centros Formadores de Recursos Humanos, criados nos Estados e reconhecidos pelo sistema educacional local por meio da aprovação de seu Regimento Interno, com duas funções básicas: administrativa e pedagógica. A função administrativa, centralizada na Secretaria Escolar desses centros formadores, compreende os processos que conferem as condições formais de validade, como matrícula e documentação. A função pedagógica compreende um universo de ações ligadas à descentralização da execução curricular, como o preparo de instrutores supervisores por meio das Capacitações Pedagógicas, acompanhamento do processo ensino-aprendizagem dos alunos, elaboração de material didático etc. (PEREIRA; RAMOS, 2006PEREIRA, I.B.; RAMOS, M.N. Educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.).

Essas duas funções cristalizam o ineditismo dos centros formadores, sendo que a descentralização da execução curricular concretiza a base conceitual dos mesmos, que é a concepção de escola-função, em vez de escola-endereço, conceito próprio no sistema formal de ensino, rompendo com os pressupostos da escola regular. Com isso, contemplava o princípio da descentralização, corrente no mundo da saúde.

A escola-função, segundo Isabel dos Santos, vai até onde o aluno está, primando, assim, pelo princípio da inclusão daquele trabalhador, sem deslocá-lo de seu local de domicílio e trabalho, possibilitando sua permanência até o final do curso, com vistas à sua titulação. Essa escolafunção, portanto, tem base num corpo filosófico, isto é,

todos aqueles que fazem aquela escola devem ter uma concepção de homem, de sociedade, de educação, de direitos à saúde, de serviços de saúde. (CASTRO 2002, p. 60CASTRO, J.L.; NOGUEIRA, R.P.; SANTANA, J.P. Isabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo. Natal: Editora Observatório RH NESC/UFRN, 2002.).

Esse conceito de escola função está na gênese do PLE. Em entrevista a Janete Lima de Castro, Isabel dos Santos, ao responder a questão ‘O que a levou a conceber o Projeto Larga Escala?’, referiu sua experiência com uma aluna em Minas Gerais, que referira estar cansada de treinamentos e perguntara se havia um jeito de se beneficiar dos mesmos. A partir daí, Isabel passou a pensar na diferença que um diploma faria para essas pessoas, que teriam uma profissão reconhecida. Iniciava-se, assim, a concepção de outra escola, de inclusão, descentralizada, com currículo diferente, e a necessidade de instrutores supervisores, enfim, outro processo educacional. Na mesma entrevista, respondeu a questão de José Paranaguá de Santana ‘Você não pensou a partir de uma teoria, de uma concepção de educação já posta?’ dizendo

eu achava que a situação real que eu vivia com as pessoas é que iria me dar os elementos para pensar uma nova escola, e não o que estava escrito, porque ninguém tinha vivenciado aquilo. (CASTRO 2002, p. 59CASTRO, J.L.; NOGUEIRA, R.P.; SANTANA, J.P. Isabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo. Natal: Editora Observatório RH NESC/UFRN, 2002.).

Esses fatos constituem uma breve lembrança do quão importante foi a atuação de Isabel dos Santos e seus pares do INAMPS, MS, MEC e OPAS, na luta por um projeto com base no princípio da inclusão, que propiciasse ao aluno, trabalhador que já atuava há anos nos serviços de saúde, o resgate de sua cidadania.

É oportuno lembrar a agregação de novos valores e saberes ao PLE. Bassinello (2007)BASSINELLO, G.A.H. Projeto Larga Escala: análise história e compreensão dos resultados para a Enfermagem no Estado de São Paulo. 2007. 217f., Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135>. Acesso em: 10 ago. 2010.
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informa que os diversos encontros com Maria Cristina Davini, professora argentina, possibilitou, além de trocas de saberes, que Isabel viesse a conhecer um método pedagógico desenvolvido por especialistas franceses, entre eles Joffre Dumazedier e Paul Lengrand, fundadores do Movimento Povo e Cultura, originário na França no final da 2ª Guerra Mundial – método este que problematizava a formação integral do adulto de classe popular. Esses acontecimentos configuram o entorno conceitual do PLE.

Conclusões

A base conceitual presente no documento (embora neste trabalho apenas alguns conceitos são tratados) aliada à sua materialidade, os centros formadores, caracterizam a face política do PLE.

O PLE representou um modelo inovador no preparo de recursos humanos de nível médio e elementar, necessário àquela dinâmica do setor saúde em que a proposta de integração institucional na prestação de serviços apontava para a reorganização da política de saúde. Naquele contexto da década de 1980, as transformações ocorreriam não só na oferta de serviços, mas obrigatoriamente na prática profissional dos trabalhadores do setor (SANTOS; SOUZA, 1989SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64.). Para essas autoras, na época, trabalhadores sem qualificação específica, desempenhando funções as mais diversas, representavam aproximadamente 50% da força de trabalho em saúde no país.

Os desafios desse projeto, além de atingir seu objetivo principal de qualificar pessoal de nível médio e elementar, engajado no setor saúde e que não teve oportunidade de formação anterior, incluíam uma formação adequada àquele momento. Isso implicava outros desafios enfrentados por Isabel dos Santos e seus pares, como a estruturação da escola não excludente – a escola função; o desenvolvimento de uma metodologia – a problematização, passível de proporcionar a qualquer pessoa, em qualquer nível, construir novo conhecimento; e o preparo de profissionais de saúde para instrutoria, (considerando suas heranças pedagógicas oriundas da escola elitista), por meio das capacitações pedagógicas (BAGNATO; BASSINELLO, 2009BAGNATO, M.H.S.; BASSINELO, G.A.H. Osprimórdiosdo Projeto Larga Escala: tempo de rememorar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 62, n. 4, jul./ago. 2009, p. 620-626. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000400022>. Acesso em: 3 nov. 2011.
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).

Como dissemos no início deste trabalho, o PLE se constituiu numa política, uma vez que marca a institucionalização de um processo de formação profissional em saúde cuja evolução culminou, em 2003, na instituição da atual política, a PNEPS. Esta, como nova proposta educacional em saúde, certamente é legatária da plataforma conceitual do PLE. Podemos citar, como exemplo, a utilização da problematização nos processos educativos para a transformação das práticas educativas e de trabalho na saúde. Uma transformação importante nessas práticas é a disposição de trabalhadores conectados com seu mundo, articulados, despertos, instigadores e investigativos, que atuem efetivamente, não apenas compondo o mundo do trabalho em saúde, mas, principalmente, contribuindo para que ele seja resolutivo para seus usuátios.

Por seu caráter dinâmico, o PLE é visto hoje como um movimento. Por seu ideário, ele alcançou novo status:

Então essa ideia do movimento é porque ele ressurge, de modos diferentes, apoiando uma mesma politica, que é a politica da estruturação da formação dos recursos humanos em saúde [...]. E assim vai continuar sendo porque eles se constituíram naquilo que eu digo, nos clássicos da saúde! E o Projeto Larga Escala é um CLÁSSICO DA SAÚDE e da integração ensino-serviço! (SCUCATO, p. 138)

Isso testifica a importância desse projeto no processo histórico corrente à dinâmica da implementação de mudanças no campo pedagógico da saúde, o que nos impulsionou a revisitar o tema.

  • Suporte financeiro: Inexistente
  • 1
    Veja-se descrição completa desse método, que consta de um diagrama com cinco etapas, desde observação da realidade análise dos pontos-chave, teorização, levantamento de hipóteses de solução até aplicação à realidade, em BORDENAVE, J.D.; PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino aprendizagem. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.

Referências

  • ALVES, F.A.P.; PAIVA, C.H. A. Recursos críticos: história da cooperação técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.
  • BAGNATO, M.H.S.; BASSINELO, G.A.H. Osprimórdiosdo Projeto Larga Escala: tempo de rememorar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 62, n. 4, jul./ago. 2009, p. 620-626. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000400022>. Acesso em: 3 nov. 2011.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000400022
  • BASSINELLO, G.A.H. Projeto Larga Escala: análise história e compreensão dos resultados para a Enfermagem no Estado de São Paulo. 2007. 217f., Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135>. Acesso em: 10 ago. 2010.
    » http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000411135
  • BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Programa de Formação de Pessoal de Nível Médio, 1987, Rio de Janeiro: INAMPS, 1987.
  • BRASIL. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Ministério da Saúde. Resolução CIPLAN n.º. 15 de 11 de novembro de 1985. Dispõe sobre a aprovação do Projeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio. Diário Oficial da União, Brasília, 19 nov. 1985. Seção 1, p. 167, 83-84.
  • CASTRO, J.L.; NOGUEIRA, R.P.; SANTANA, J.P. Isabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo. Natal: Editora Observatório RH NESC/UFRN, 2002.
  • DÂMASO, R. Saber e práxis na Reforma Sanitária, avaliação da prática científica no Movimento Sanitário. In: TEIXEIRA, S.F. (org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989. cap. 2, p. 61-90.
  • DUMAZEDIER, J. Ouvriers de I‘entrainement mental. La Lettre Peuple et Culture, v. 27, 2002, p. 22.
  • PAIM, J.S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão crítica. Salvador: EDUFBA, Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008.
  • PEREIRA, I.B.; RAMOS, M.N. Educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.
  • SANTOS, I.; SOUZA, A.A. A formação de pessoal de nível médio pelas instituições de saúde: Projeto Larga Escala, uma experiência em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, 1989, p. 61-64.
  • SAVIANI, D. Escola e democracia. 40. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
  • SCUCATO, R. Rosângela Scucato: depoimento [junho de 2009]. Curitiba: Centro Formador de Recursos Humanos Caetano Munhoz da Rocha – PR. Entrevista concedia a Tereza Miranda Rodrigues para a conclusão da Dissertação de Mestrado intitulada Políticas de Educação Profissional em Saúde: Projeto Larga Escala e Educação Permanente – uma análise comparativa.
  • TEIXEIRA, S.F. Reforma sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2012

Histórico

  • Recebido
    Jul 2011
  • Aceito
    Dez 2011
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