Dança circular e qualidade de vida em mulheres mastectomizadas: um estudo piloto

Sacred dance and quality of life in women mastectomy: a pilot study

Fernanda Sucasas Frison Antonieta Keiko Kakuda Shimo Mairany Gabriel Sobre os autores

Resumos

Avaliou-se a qualidade de vida de mulheres mastectomizadas que participaram do grupo de estudo e do grupo de controle antes e após a prática da dança circular. Trata-se de estudo de intervenção com duração de três meses e amostragem de 35 mulheres. Aplicaram-se os questionários World Health Organization Quality of Life-bref para avaliar a qualidade de vida e outros para caracterização da amostra. Após a intervenção, análises estatísticas mostraram diferenças significativas no grupo de estudo quanto aos domínios psicológico, físico e meio ambiente, dado congruente com o discurso das participantes da pesquisa sobre o benefício da dança. O resultado incentiva a continuação da prática da dança circular na promoção da saúde.

Enfermagem; Mastectomia; Qualidade de vida; Neoplasias da mama; Dança


This interventional study evaluated the life quality of women who underwent mastectomy that participated in the study and in the control group carried out before and after the application of sacred dance. The World Health Organization Quality of Life-BREF version was applied as well as other demographics questionnaires. Statistical analysis revealed significant differences after the intervention as for the study group in what psychological, physical and environmental perspectives are concerned. The sacred dance has provided benefits and changes in life quality of women in the study group. The results of this study may encourage health professionals to carry on alternative forms of care.

Nursing; Mastectomy; Quality of life; Breast neoplasms; Dancing


Introdução

As mulheres que passam pela experiência do câncer de mama e da mastectomia podem apresentar diversas complicações tanto no aspecto emocional, relacionados com sentimentos de inadequação da imagem corporal, depressão, angústia, baixa autoestima, como na parte física, com limitações nos movimentos dos braços e ombros, principalmente nos primeiros meses de pós-operatório, assimetria corporal, linfedema e alterações posturais (FERREIRA; MAMEDE, 2003FERREIRA, M.L.S.M.; MAMEDE, M.V. Representação do corpo na relação consigo mesma após mastectomia. Rev. Latino-am Enfermagem, Ribeirão Preto, v.11, n.3, p.299-304, maio/jun., 2003.; AMORIM, 2006AMORIM, C. Doença Oncológica da mama: vivências de mulheres mastectomizadas. Revista de Ciências da Saúde de Macau, Macau, v.6, n.2, p.108-13, jun. 2006.; PRADO, 2004PRADO, M.A.S. et al. A prática da atividade física em mulheres submetidas à cirurgia por câncer de mama: percepção de barreiras e benefícios. Rev. Latino-am Enfermagem, Ribeirão Preto, v.12, n.3, p.494-502, maio/junho. 2004.).

O câncer é uma enfermidade carregada de estigmas, sendo comum a sua associação com a morte e a dor (psicológica e física), apesar dos avanços tecnológicos e das possibilidades de tratamento existentes atualmente (SANTOS, 2007SANTOS, M.C. Mastectomia e feminilidade: uma questão perante o câncer. 2007. 108p. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). - Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007.). Dessa forma receber o diagnóstico de uma doença tão temida e realizar os tratamentos disponíveis, como a quimioterapia, radioterapia, cirurgia e terapia hormonal, que geram efeitos adversos, fazem com que as mulheres mastectomizadas alterem suas vidas no âmbito social, familiar, conjugal, e consequentemente, na qualidade de vida como um todo (DUARTE; ANDRADE, 2003DUARTE, T.P.; ANDRADE, A.N. Enfrentando a mastectomia: análise dos relatos de mulheres mastectomizadas sobre questões ligadas à sexualidade. Estudos de Psicologia, Natal, v.8, n.1, p. 155-163, jan./abr. 2003.; KEBBE, 2006KEBBE, L.M. Desempenho de atividades e imagem corporal:representações sociais de um grupo de mulheres com câncer de mama. 2006. 160p. Tese (Doutorado em Enfermagem). - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2006.; BALLATORI; ROILA, 2003BALLATORI, E.; ROILA, F. Impact of nausea and vomiting on quality of life in cancer patients during chemotherapy. Health and Quality of Life Outcomes, London, v. 1, n. 47, set. 2003. Disponível em: <http://www.hqlo.com/content/pdf/1477-7525-1-46.pdf >. Acesso em: 19 maio 2014.
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).

A definição de qualidade de vida tem gerado reflexões ao longo dos anos, mas, a partir do início da década de 1990, tem havido certo consenso entre os estudiosos quanto aos aspectos relevantes do conceito, como a subjetividade e a multidimensionalidade (SEIDL; ZANNON, 2004SEIDL, E.M.F.; ZANNON, C. M. L. C. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.2, p.580-588, mar./abr. 2004.). A Organização Mundial da Saúde, em 1993, definiu qualidade de vida como

  1. a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (WHO, 1993, P.154WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Study protocol for the World Health Organization Project to develop a Quality of Life assessment instrument (WHOQOL). Rev. Qual. Life, Oxford, v.2, n.2, p.153-159, 1993.).

Esse conceito foi o utilizado neste estudo em que o próprio sujeito é o principal protagonista na avaliação de sua qualidade de vida.

Durante a experiência profissional das autoras, observaram-se alterações na qualidade de vida de mulheres mastectomizadas, e, pensando em uma maneira de contribuir para o enfrentamento dessa realidade, elaborou-se um programa de intervenção que utilizou a dança circular como instrumento central. Esse tipo de estratégia de intervenção, além de proporcionar benefício social, é uma alternativa que se contrapõe aos modelos de atendimento fortemente biomédicos, que muitas vezes desconsideram aspectos psicológicos, sociais e culturais nas ações de promoção, proteção e prevenção da saúde.

A escolha da dança vai além do fato de, por meio dela, favorecer a atividade física, mas também porque possibilita a articulação entre a mente e o corpo, proporcionando relaxamento, distração, conscientização corporal, concentração, resgate da feminilidade, sensualidade, graça, expressão dos sentimentos por meio da linguagem corporal, permitindo prestar maior atenção ao próprio corpo (ALMEIDA, 2005ALMEIDA, L.H.H. Danças circulares sagradas: imagem corporal, qualidade de vida e religiosidade segundo uma abordagem Junguiana. 2005. 311p. Tese (Doutorado em Ciências Médicas). - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.).

A dança circular apresenta significação dos gestos, nos passos efetuados, resgatando a sensibilidade, a emoção e a valorização da experiência interna dos envolvidos (ALMEIDA, 2005ALMEIDA, L.H.H. Danças circulares sagradas: imagem corporal, qualidade de vida e religiosidade segundo uma abordagem Junguiana. 2005. 311p. Tese (Doutorado em Ciências Médicas). - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.). Na maioria das vezes, realiza-se em círculo, com homogeneidade entre as participantes, que ficam de mãos dadas, voltando à atenção para o centro da roda (eixo). Durante a atividade, trabalha-se o equilíbrio entre a pessoa e o coletivo, com a experiência de enraizamento e de união, onde os componentes do grupo percebem que não estão sozinhos, pelo contrário, encontram-se amparados e reconhecem a igualdade no centro da roda, visualizando a presença singular e insubstituível de cada componente ali presente (LEONARDI, 2007LEONARDI, J. O caminho noético: o canto e as danças circulares como veículos da saúde existencial no cuidar. 2007. 140p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem Psiquiátrica). - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007.; COSTA, 2002COSTA, A.L.B. et al. Danças circulares sagradas: uma proposta de educação e cura. 2 ed. São Paulo: TRIOM, 2002.).

Dessa forma, seja utilizando a dança circular ou outra estratégia de intervenção, os profissionais da equipe de saúde têm papel importante no processo de reabilitação das mulheres mastectomizadas. Por isso, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a qualidade de vida de mulheres mastectomizadas que participaram do grupo de estudo (E) de dança circular, antes e após a intervenção, comparando com o grupo controle (C).

Material e métodos

Optou-se por um estudo de intervenção piloto com desenho quase-experimental, de abordagem quantitativa. A natureza do estudo piloto baseia-se no fato de se tratar de iniciativa que aponta para tendências com resultados preliminares, familiarização com o tema, podendo subsidiar outros trabalhos na área, de maior escala e com uma amostragem maior.

O programa de intervenção foi desenvolvido durante três meses, com encontros semanais de uma hora, totalizando doze encontros, que aconteceram em um salão de uma paróquia católica que cedeu o espaço para realização das práticas.

A divulgação da pesquisa e o processo de recrutamento das mulheres ocorreram durante o período de agosto de 2010 a janeiro de 2011 no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti - Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM), um dos principais centros de referência do município de Campinas e região, e em dois centros de saúde próximos ao local em que foram realizadas as atividades.

O convite às mulheres deu-se por meio de conversa informal, adaptada às diversas situações, as quais eram informadas sobre os objetivos do estudo e a forma de participação. Os critérios de inclusão utilizados foram: mulheres submetidas à mastectomia parcial ou total, sem reconstrução mamária, com três meses a um ano de operadas, idade maior ou igual a 18 anos, sem metástase diagnosticada, conseguirem comunicar-se verbalmente e não apresentarem dificuldade de compreensão para responder ao instrumento de coleta de dados. Abrangeram-se sujeitos que se mostraram de fácil acesso, sendo, portanto, utilizada a amostragem por conveniência para formação de dois grupos: controle (C) e de estudo (E). O grupo de estudo constituiu-se de 11 mulheres e o de controle, de 24, totalizando uma amostra de 35 mulheres.

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (CEP/FCM/UNICAMP) em 24/11/2009, CAAE: 0861.0.146.000-09, parecer CEP: N. 1098/2009.

Utilizaram-se dois instrumentos de coleta de dados: o World Health Organization Quality of Life, versão bref (WHOQOL-bref), e um questionário sócio-demográfico. Antes da aplicação do WHOQOL-bref, os dados de identificação, de aspectos sociais e cirúrgicos para caracterização da amostra do estudo foram colhidos em um instrumento construído especificamente para essa finalidade e aplicado na forma de entrevista.

A pesquisadora realizou a coleta dos dados de ambos os grupos no primeiro encontro e, após três meses, somente do grupo controle (C). Para evitar vieses na pesquisa, outra pessoa, devidamente treinada, acompanhou a aplicação do instrumento no grupo de estudo (E) após os três meses de intervenção, colocando-se à disposição caso as mulheres tivessem alguma dúvida no questionário.

Há instrumentos genéricos e específicos para avaliar a qualidade de vida: os genéricos são multidimensionais, permitindo a mensuração de vários aspectos como capacidade funcional, dor, estado de saúde, emocional e vitalidade, podendo ser aplicados em diversos tipos de doenças, intervenções e culturas; já os específicos, avaliam uma percepção geral, enfatizando informações sobre os sintomas, incapacidades e limitações (MASSON, 2010MASSON, V.A. et al. Qualidade de vida e instrumentos para avaliação de doenças crônicas- revisão de literatura. In: VILARTA, R. et al. Qualidade de vida: evolução dos conceitos e práticas no século XXI. Campinas: IPES, 2010. p. 45-54.).

Optou-se por um instrumento genérico como o WHOQOL-bref porque avalia a qualidade de vida de maneira mais ampla, não pontuando ações nem focando em demasia suas atenções nas incapacidades físicas decorrentes das sequelas da mastectomia. O questionário constitui-se de 26 questões divididas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente (FLECK , 2000FLECK, M.P. et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida WHOQOL-bref. Rev. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.34, n.2, p. 178-183, 2000.). As participantes deveriam responder às perguntas tendo como base as duas semanas imediatamente anteriores a realização da entrevista.

Para avaliar o efeito da intervenção sobre a qualidade de vida, estudaram-se outras variáveis, além da dança, que poderiam influenciar nos resultados e domínios do WHOQOL-bref, como o fato de estar em tratamento quimioterápico ou radioterápico, e o tipo de cirurgia realizada - mastectomia total ou quadrantectomia.

A prática da atividade física deveria ser considerada, porém, devido ao pequeno número de participantes que praticavam algum exercício regularmente, não foi possível fazer uma análise estatística que correlacionasse essa variável à qualidade de vida.

Para a análise dos dados, utilizou-se o software SAS versão 9.1.3 (SAS Institute Inc., Cary, NC, USA, 2002-2003). Os escores de qualidade de vida do questionário WHOQOL-bref foram comparados intragrupos por meio do teste t pareado e, intergrupos, do teste t de Student. Este último também foi utilizado para comparação intragrupos, no momento pós-sessão, nos domínios do WHOQOL-bref, segundo o tipo de cirurgia: mastectomia ou quadrantectomia.

Para avaliar o efeito da intervenção sobre a qualidade de vida, utilizou-se a análise de Modelos Lineares Generalizados, com estimativa por meio das Equações de Estimação Generalizada (EEG) (VEIGA , 2010VEIGA, D.F. et al. Mastectomia versus tratamento cirúrgico conservador: impacto na qualidade de vida de mulheres com câncer mamário. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. Recife, v.10, n.1, p.51-57, jan./mar. 2010.). Além do efeito do grupo de tratamento, consideraram-se também os efeitos de tratamentos adjuvantes - quimioterapia ou radioterapia - e as interações no período da intervenção com o grupo e tratamentos adjuvantes. Análises de contrastes também foram realizadas para avaliar o efeito de cada grupo entre os períodos. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%.

Resultados

A idade média das 35 mulheres estudadas foi de 52,4 anos, com variação entre 34 e 72 anos, estando 65,7% na faixa etária de 40 a 59 anos. Quanto ao estado civil, duas (5,7%) eram solteiras; vinte (57,1%), casadas; oito (22,9%), separadas; quatro (11,4%), viúvas e uma (2,9%) vivia como casada.

A faixa etária que predominou na amostra confirma dados da literatura sobre o aumento da incidência do câncer de mama na faixa etária acima dos 35 anos, sendo relativamente raro desenvolver a doença antes dessa idade (INCA, 2011INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Tipos de câncer. Disponível em: <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/mama>. Acesso em: 15 mar. 2011.
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).

Em relação ao grau de instrução, duas (5,7%) eram analfabetas, 24 (68,6%) tinham menos que oito anos de estudo e nove (25,7%) possuíam oito ou mais anos de estudo. Quanto à atividade laboral e ocupação, 12 (34,3%) eram donas de casa e 23 (65,7%) exercia alguma profissão, dentre elas: empregada doméstica, inspetora de alunos, promotora de vendas, distribuidora de produtos de beleza, comerciante, consultora de negócios, trabalhadora rural (extração de látex de seringueira), artesã, analista financeira.

Verificou-se que não houve participante que tivesse feito mastectomia bilateral ou quadrantectomia bilateral. A mastectomia unilateral foi feita por 14 (40%) delas e a quadrantectomia unilateral, por 21 (60%). A quadrantectomia, cirurgia que predominou em ambos os grupos, é uma forma de tratamento cirúrgico conservador e uma opção que favorece as mulheres quanto a uma melhor aceitação da imagem corporal (KRAUS, 1999KRAUS, P.L. Body image, decision making, and breast cancer treatment. Cancer Nursing, Philadelphia, v.6, n.22, p.421-427, dez. 1999.).

Perguntou-se às mulheres se praticavam atividade física para verificar possível associação com a qualidade de vida. No entanto, não foi possível estabelecer essa correlação, pois a maioria da amostra, 30 (85,7%), considerava-se sedentária.

No que se refere às modalidades de tratamento vigentes, no período pré-intervenção, 12 (34,3%) mulheres realizavam quimioterapia e quatro (11,4%), radioterapia. No segundo momento, ou seja, pós-intervenção (após os três meses), o número de mulheres que estavam em radioterapia se elevou para 15 (42,8%), diminuindo para oito (22,8%) o número das mulheres que estavam em quimioterapia.

O acréscimo de pessoas em radioterapia no período pós-intervenção deve-se, em parte, ao fato de algumas mulheres, após terem encerrado os ciclos de quimioterapia, começarem a radioterapia. Outras, na primeira entrevista, não haviam iniciado o tratamento, classificadas como casos novos na instituição, e após avaliação médica, em um momento posterior, iniciaram a radioterapia.

Para verificar se existia uma diferença significativa entre os dois grupos quanto à caracterização da amostra em relação às variáveis estado civil, anos de estudo, tipo de cirurgia, tratamento, e atividade física, utilizou-se o teste exato de Fisher. O resultado dessa análise mostrou que os grupos eram homogêneos quanto a essas variáveis (p>0,05).

A comparação intragrupos e entre os grupos de controle (C) e de estudo (E), nos domínios (físico, psicológico, social e meio-ambiente) do instrumento de qualidade de vida, encontra-se na tabela 1.

Tabela 1
Comparação dos domínios do instrumento WHOQOL-bref, entre e intra-grupos, antes e depois da intervenção. Campinas-SP, 2010

A tabela 1 exibe a comparação dos domínios intragrupo dos grupos de controle (C) e estudo (E) seguindo os valores das linhas e encontrando o valor do p‡, e entre os grupos seguindo os valores das colunas e o valor do p£. Dessa forma, pode-se correlacionar os valores antes e depois da intervenção. Vale lembrar que nessa análise não estão sendo consideradas outras variáveis, como quimioterapia, radioterapia e o fator tempo, somente os escores obtidos dos domínios antes e depois da intervenção.

No grupo de estudo (E), por meio da análise das médias relacionadas aos domínios físico, psicológico e meio ambiente apresentadas na tabela 1, pode-se dizer que houve uma melhoria dos escores quando se comparou os momentos antes e depois da intervenção. Esse aumento das médias não aconteceu no grupo de controle (C).

Os resultados informam, ainda, que houve uma diferença significativa nos domínios físico (p=0,0006), psicológico (p=0,0018) e meio ambiente (p=0,0297) do grupo de estudo (E) na comparação intragrupo. Esse dado demonstra que a intervenção (dança circular) provocou uma melhora significativa na qualidade de vida do grupo.

Esse achado entra em consonância com trabalhos da literatura que mencionam a prática da dança circular como um estímulo ao bem-estar psicológico, promoção da saúde mental, melhoria da autoestima e favorecimento de uma relação mais harmoniosa consigo mesmo e com o coletivo (OSTETTO, 2006OSTETTO, L.E. Educadores na roda da dança:formação-transformação. 2006. 250p. Tese (Doutorado em Educação). - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.; PEREIRA, 2010PEREIRA, D.F. O processo de criação sob a perspectiva da psicologia analítica: danças circulares sagradas coligadas ao processo de criação em dança. 2010. 181p. Dissertação (Mestrado em Artes). - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.).

Em relação ao grupo controle (C), não ocorreu mudança significativa nos domínios, o que significa que o fator tempo ou outra variável extrínseca não foram capazes de provocar efeitos observáveis.

Quando se comparam, na tabela 1, os resultados intergrupos dos dois períodos, não se verificam mudanças significativas nos domínios, exceto no momento antes do domínio psicológico (p=0,0484). Essa diferença, no entanto, não se mantém depois da intervenção.

Em uma nova abordagem, para avaliar o efeito da intervenção sobre a qualidade de vida, além do efeito do grupo de tratamento, foram considerados também os efeitos dos tratamentos adjuvantes (quimioterapia ou radioterapia). Para isso utilizou-se análise de Modelos Lineares Generalizados com estimativa por meio de Equações de Estimação Generalizada (EEG).

Na análise dos efeitos da variável grupo (dança/controle), tratamento adjuvante (quimioterapia ou radioterapia), tempo (pré/pós) e suas interações sobre os domínios do WHOQOL-bref, não se detectaram efeitos significativos (p>0,05) dessas variáveis sobre os domínios nos dois grupos em estudo. Análises de contrastes também foram realizadas para avaliar o efeito em cada grupo entre os períodos, analisando-os separadamente, observaram-se diferenças significativas no grupo de intervenção, apenas no domínio psicológico (p=0,0001). Já no grupo controle, não se observaram mudanças significativas em nenhum domínio (p>0,05).

A literatura afirma que o tipo de cirurgia (mastectomia ou quadrantectomia) às quais as mulheres com câncer de mama são submetidas pode alterar negativamente a imagem corporal, qualidade de vida, autoestima, dentre outros fatores. Artigo demonstrou uma pior qualidade de vida das mulheres mastectomizadas quando comparadas com as que fizeram cirurgia conservadora (VEIGA , 2010VEIGA, D.F. et al. Mastectomia versus tratamento cirúrgico conservador: impacto na qualidade de vida de mulheres com câncer mamário. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. Recife, v.10, n.1, p.51-57, jan./mar. 2010.).

Dessa forma, com a finalidade de identificar se haviam diferenças significativas nos escores dos domínios do WHOQOL-bref de quem realizou quadrantectomia ou mastectomia, fez-se uma análise estatística utilizando o teste t de Student, não sendo observadas diferenças significativas nos domínios correlacionadas com o tipo de cirurgia.

Conclusões

Pode-se concluir que, para o grupo de estudo, houve benefícios advindos da prática da dança circular, conforme verificado pelas análises estatísticas que compararam os escores do instrumento de qualidade de vida nos momentos antes e depois da intervenção.

Além dos escores obtidos, os comentários espontâneos feitos pelas participantes do grupo de dança em relação ao programa desenvolvido - como foi importante o fato de não se sentirem sozinhas, estarem com outras pessoas que passavam pelo mesmo problema, procurando melhorar e 'nascer' a cada dia - também revelaram benefícios e devem ser considerados.

A iniciativa deste trabalho em envolver a dança circular no processo terapêutico das mulheres mastectomizadas reforça a importância dos profissionais de saúde que trabalham com essas mulheres na busca de ações que auxiliem na melhoria do estado biopsicoemocional, enxergando o indivíduo em sua integralidade, atuando na promoção da saúde.

Os resultados da pesquisa podem servir como estímulo a outras propostas de intervenções que queiram utilizar a dança circular.

Algumas limitações do modelo de estudo incluem o pequeno tamanho amostral, a falta de randomização e pareamento e a impossibilidade de generalizações dos achados.

Referências

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  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    Mar 2013
  • Aceito
    Mar 2014
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