‘Coringas do cuidado’: o exercício da interprofissionalidade no contexto da saúde mental

‘Jokers of care’: the exercise of interprofessionality in the context of mental health

Gerfson Moreia Oliveira Mônica Ramos Daltro Sobre os autores

RESUMO

A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o campo da saúde mental tem sido marcado pela importância do debate teórico-prático e político sobre a interprofissionalidade devido à complexidade dos cuidados psicossociais. Nesse contexto, as transformações laborais colocam em relevo as identidades individuais e coletivas dos profissionais. Este estudo discute e analisa o trabalho em equipe de um grupo de trabalhadores da saúde mental como território de constituição de identidades coletivas que podem dar suporte a um fazer clínico interprofissional sintônico às demandas da reforma psiquiátrica.

PALAVRAS-CHAVE
Assistência à saúde mental; Equipe interdisciplinar de saúde; Processos grupais

ABSTRACT

From the Psychiatric Reform movement in Brazil, the field of mental health has been marked by the importance of the theoretical-practical and political debate on interprofessionality, due to the complexity of psychosocial care. In this context, labor transformations highlight the individual and collective identities of professionals. This study discusses and analyzes the teamwork of a group of mental health workers as a territory for the constitution of collective identities that can support an interprofessional clinical practice in tune with the demands of psychiatric reform. It is a descriptive, exploratory and qualitative research conducted with workers of a Psychosocial Care Center located in Salvador-Bahia. A focus group and research with documents were carried out and, later, their contents were analyzed. As results, we identified three analytical categories that circumscribed the collective identity of the workers: the embarrassments of group cohesion, the jokers of care and the insufficiencies of the team for integral care. The praxis in this context is marked by the logic of interprofessionality, however, just as the psychiatric reform, the interprofessional mode is not ready and finished, it is built as an exercise in daily care.

KEYWORDS
Mental health assistance; Interdisciplinary health team; Group processes

Introdução

A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica (RP) no Brasil, o campo da saúde mental tem sido marcado pela importância do debate teórico-prático e político sobre a interprofissionalidade devido à complexidade dos cuidados psicossociais. Nesse contexto, a Lei nº 10.216/200111 Brasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União. 6 Abr 2001. [acesso em 2020 set 16]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm.
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redireciona o modelo assistencial em saúde mental rompendo com os fundamentos asilares realizados pelos hospitais psiquiátricos nos quais os pacientes, em regra, permaneciam institucionalizados.

O paradigma da desinstitucionalização aposta na reinvenção da saúde mental, na produção de vida e sociabilidade que amplia e complexifica os modelos assistenciais. Desse modo, o paciente, que outrora era visto como objeto de intervenção de um saber predominantemente psiquiátrico, começa a construir diferentes lugares sociais requisitando reconhecimento e autonomia para além da doença, como um ser capaz de reinventar-se com maior protagonismo diante das suas condições de saúde22 Milhomem MAGC, Oliveira AGB. O trabalho em equipe nos centros de atenção psicossocial – caps. Cogitare Enferm. 2007; 12(1):101-108.. Os serviços públicos estratégicos para articulação do cuidado psicossocial no País, substitutivos aos hospitais psiquiátricos, são os Centros de Atenção Psicossociais (Caps) em suas diversas especificidades, entre elas, os Caps Álcool e Drogas (Caps AD) voltados para a assistência às pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas33 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 12 Dez 2012. [acesso em 2020 set 16]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html.
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Especificamente na modalidade do Caps AD, contexto de realização deste estudo, para dar continência aos projetos terapêuticos dos usuários, as equipes são orientadas a operar na lógica das políticas públicas de saúde mental, álcool e outras drogas, que foram impulsionadas pelos princípios da RP e da luta antimanicomial e implementadas com o processo de democratização da saúde pública no País44 Pitta AMF. Um balanço da reforma psiquiátrica brasileira: instituições, atores e políticas. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(12):4579-4589..

Conforme portarias do Ministério da Saúde, as equipes técnicas de um Caps são multiprofissionais, podendo ser compostas por um médico com formação em saúde mental, um enfermeiro, três profissionais de nível superior (psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico) e quatro profissionais de nível médio55 Brasil. Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Brasília, DF: 2002. Diário Oficial da União. 19 Fev 2002. [acesso em 2020 set 16]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html.
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. As demais equipes têm formação semelhante, variando em número e em algumas especialidades multidisciplinares.

A composição das equipes multidisciplinares e multiprofissionais também representam avanços importantes em relação à lógica manicomial de atuação profissional especializada e isolada. Embora sejam expressões semelhantes, Reeves66 Reeves S. Developing and Delivering Practice-based Interprofessional Education. Berlin: Verlag Dr. Müller; 2008. aponta diferenças entre os termos multidisciplinar e multiprofissional, afirmando que o primeiro está relacionado com diferentes campos de conhecimentos ou áreas de estudos, e o segundo faz referência ao campo de práticas, sendo que ambos mantêm uma relação de interdependência.

O trabalho interprofissional em saúde é dinâmico e consiste no desenvolvimento de uma prática convergente entre os trabalhadores de diferentes áreas e funções, visando responder às necessidades em saúde de uma pessoa ou uma comunidade. Contempla, portanto, aspectos relacionais, processuais e territoriais do trabalho que envolvem diversos conceitos, como cooperação, práticas colaborativas e trabalho em equipe, sendo este último permeado por dimensões afetivas e ocorrendo com intensa interdependência de suas ações uma vez que o coletivo de trabalhadores compartilha uma identidade de equipe77 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001; 35(1):103-9.,88 Reeves S, Xyrichis A, Zwarestein M. Teamwork, collaboration, coordination, and networking: Why we need to distinguish between different types of interprofessional practice. J Interprof Care. 2018; 32(1):1-3..

No âmbito da saúde mental, essas transformações laborais colocam em relevo uma identidade de profissional da saúde mental que retoma os discursos da década de 1960, na qual emergiram políticas de identidade atreladas aos movimentos sociais. Tais políticas concentraram-se em afirmar a identidade cultural das pessoas, grupos e instituições, fundamentada na ideia do pertencimento99 Bauman Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar; 2005..

Na perspectiva dos estudos culturais, o conceito de identidade (individual e coletiva) é construído em relação à diferença, sendo, portanto, um construto relacional, ou seja, necessita de outras identidades. Tanto a identidade quanto a diferença são concebidas como produções históricas e socioculturais, o que se contrapõe a ideia essencialista de identidade1010 Silva TT. Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes; 2014..

Embora algumas linhas de pesquisas das ciências sociais contemporâneas questionem o conceito de identidade, sobretudo pelo seu caráter difuso e polissêmico, elas reconhecem a sua importância para a compreensão do funcionamento de grupos e coletivos e na construção e consolidação de políticas identitárias protetivas de seguimentos populacionais marginalizados1111 Brubaker R, Cooper F. Para além da Identidade. Antropolítica. 2018; 45(2):266-324,.

Dessa forma, este estudo discute e analisa o trabalho em equipe de um grupo de profissionais da saúde mental como território de constituição de identidades coletivas que podem dar suporte a um fazer clínico interprofissional sintônico às demandas da RP brasileira.

Material e métodos

Estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa. Segundo Minayo1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014., no contexto das ciências sociais em saúde, a pesquisa qualitativa busca compreender a construção de uma realidade que se processa em uma dimensão não facilmente quantificável, ou que a quantificação represente uma perda considerável de informações subjetivas úteis.

O estudo foi realizado em um Caps AD localizado em Salvador, capital da Bahia, Brasil. As técnicas utilizadas para a produção de dados foram a análise de documentos institucionais (Projeto Terapêutico Institucional – PTI)1313 Universidade Federal da Bahia. Plano Terapêutico Institucional do Caps AD Gregório de Matos. Salvador: UFBA; 2015. 109 p. e a realização de um grupo focal1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.. Em cada uma dessas abordagens, foram elaborados roteiros para orientar a realização do trabalho. A escolha desse Caps AD ocorreu pela disponibilidade de acesso do pesquisador ao centro, por ele ter atuado como coordenador técnico-pedagógico nos anos de 2012 a 2017. Na pesquisa qualitativa, a presença do pesquisador no contexto em estudo e sua relação de intersubjetividade com os grupos investigados é parte essencial do processo da pesquisa, demandando permanente reflexividade sobre os seus acontecimentos e efeitos no contexto empírico, perspectiva que valoriza a produção científica e fortalece a práxis profissional1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.,1414 Freire P. Conscientização. São Paulo: Cortez; 2016..

A técnica de grupo focal utilizada na coleta de narrativas consiste em reunir pequenos grupos de pessoas para avaliar, discutir e identificar ideias, conceitos, sentimentos, percepções e atitudes dos participantes sobre determinados temas1515 Stalmeijer RE, Mcnaughton N, Van Mook WN. Using focus groups in medical education research: AMEE Guide nº 91. Med Teach. 2014; 36(11):923-39.. A partir da expressão os participantes, podem fazer associações favorecendo a diversidade e a profundidade de respostas.

O grupo focal foi composto por oito trabalhadores do Caps AD: três redutores de danos; três profissionais de nível superior; e dois técnicos administrativos. Para inclusão no estudo, utilizaram-se como critérios: a participação voluntária; trabalhar no Caps AD há mais de um ano; ter diversidade nos núcleos de formação e funções; e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Assim, foi realizada uma sessão de grupo focal com duração aproximada de 90 minutos em sala reservada na sede do próprio Caps AD, garantindo-se condições adequadas de conversação e sigilo dos participantes15.

Os trabalhos de grupo foram conduzidos pelos autores, que se distribuíram entre moderadora e observador. A opção por essa divisão de tarefas fundamentou-se no cuidado para minimizar possíveis induções (conscientes e/ou inconscientes) na condução da pesquisa1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014., uma vez que o autor-observador já havia trabalhado com o grupo de participantes na função de gestor. Depois dos esclarecimentos sobre a finalidade do encontro e assinatura do TCLE, solicitou-se permissão para gravação em dois equipamentos distintos. Houve garantia de anonimato da entrevista e sigilo da autoria das respostas.

O roteiro usado na sessão foi composto por uma pergunta disparadora: como acontece o trabalho em equipe nesse Caps AD?

As audiogravações com os relatos do grupo foram transcritas na íntegra, e, posteriormente, conferidas com as observações realizadas pelo pesquisador, buscando-se evidenciar os temas emergentes da discussão entre os participantes. Esses temas foram obtidos mediante a apreensão das unidades de significado presentes, reunidos no discurso dos sujeitos participantes do grupo focal e analisados conforme sua pertinência em relação aos objetivos da pesquisa. Por definição

fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.(316).

Foi observada a Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução n° 466 de 12/12/2012. [acesso em 2020 out 1]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html.
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. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública sob parecer nº 2809.812; CAAE 90497418.0000.5544. Para preservar o sigilo dos profissionais, no fim de cada transcrição, foi acrescida a codificação dos oitos participantes do grupo focal com a palavra (Trabalhador) seguida do algarismo numérico.

Resultados e discussão

Para a equipe do Caps AD, tomado como cenário para o desenvolvimento desta pesquisa, a práxis nesse contexto está marcada pela lógica da interprofissionalidade. Esse modo interprofissional, entretanto, não está pronto e acabado, ele se constrói como um exercício no cotidiano profissional.

O Caps AD constitui-se serviço docente assistencial. Fruto de uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), nasceu ancorado em um contexto sociocultural, econômico e político marcado pelo aumento do uso problemático de álcool, crack e outras drogas no município, particularmente na região do centro histórico de Salvador-Bahia. Trata-se de um território complexo, historicamente marcado pela violência e pela exclusão da população negra e que ainda abriga populações com vulnerabilidades psicossociais importantes, muitas delas com baixo poder aquisitivo e um número elevado de pessoas em situação de rua.

Com esse cenário, a equipe do Caps AD tem, segundo o PTI, o compromisso técnico de

oferecer uma clínica ampliada através de equipe multidisciplinar [...] adotando estratégias de cuidado articuladas com o usuário no serviço e no seu território de referência1313 Universidade Federal da Bahia. Plano Terapêutico Institucional do Caps AD Gregório de Matos. Salvador: UFBA; 2015. 109 p.(14).

Esse documento técnico de orientação para o trabalho expressa a necessidade de múltiplos profissionais e utiliza os termos interdisciplinar ou multidisciplinar para se referir ao trabalho em equipe.

Entre outras considerações referentes aos processos de trabalho em equipe, o documento sinaliza sobre a necessidade de realização periódica de reuniões técnicas e assembleia com usuários, composição e atribuições da equipe multiprofissional distribuídas entre profissionais de nível médio e superior, ressaltando, como possibilidade, a realização de supervisão clínico-institucional (dispositivo organizacional destinado à discussão das questões clínicas e institucionais dos serviços e da rede de saúde mental) como condição para o desenvolvimento do trabalho em equipe de natureza interprofissional1717 Brasil. Portaria nº 1.174/GM, de 7 de julho de 2005. Destina incentivo financeiro emergencial para o Programa de Qualificação dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Jul 2005. Seção I:38..

A concepção de interprofissionalidade, nasceu no âmbito da formação de profissionais da saúde. A Educação Interprofissional em Saúde (EIP) tem como princípios criar contextos de aprendizagem em que os trabalhadores da saúde aprendam conjuntamente sobre o trabalho, sobre as especificidades de cada profissão e função, sobre a integração dos saberes e sobre a ampliação do olhar sobre o cuidado aos pacientes1818 Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS;2012; 2. [acesso em 2020 out 2]. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/artigos_caderno/v2/educacao_interprofissional.pdf.
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A interprofissionalidade, portanto, sustenta-se no trabalho da equipe; um trabalho de saberes interdisciplinares confeccionado com processos de negociação e integração relativos às tomadas de decisão para a solução de problemas dos usuários e atendimento das necessidades biopsicossociais das populações assistidas1919 Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuições de uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013.. Preservam-se, nessa prática, a história e as diferenças de cada uma das profissões, todas consideradas legítimas para a construção dos conhecimentos em saúde. Essa proposta educacional (ancorada na relação) focaliza o desenvolvimento de competências colaborativas, de planejamento participativo, exercício de diálogo, tolerância e negociação1818 Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS;2012; 2. [acesso em 2020 out 2]. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/artigos_caderno/v2/educacao_interprofissional.pdf.
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A análise das narrativas produzidas a partir do grupo focal identificou que a experiência do ‘fazer-se equipe’ no Caps AD coloca a interprofissionalidade no centro do exercício de existir como equipe. Assim, três categorias analíticas emergiram circunscrevendo a identidade coletiva dos trabalhadores: os embaraços da coesão grupal – o olhar para dentro; corpos-coringas do cuidado – os furos do instituído; e as insuficiências da equipe para o cuidado integral – o olhar para fora.

Os embaraços da coesão grupal – o olhar para dentro

Na dimensão coletiva do trabalho, emergiram conteúdos que referenciavam como as expectativas individuais circulavam em confronto com as expectativas coletivas:

É meio que esperado que no Caps você vai trabalhar em equipe, já é um pressuposto que você vai funcionar como equipe [...] só que, pra isso, você vai depender das pessoas que estão compondo, vai depender de um monte de fatores, um monte. (Trabalhador 1).

Um conjunto de fatores emerge como reais impeditivos para a práxis em equipe interprofissional. Costa-Rosa1919 Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuições de uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013. alerta sobre as contradições entre os discursos e as práticas do trabalho em equipe nos Caps, enfatizando dificuldades no âmbito político, organizacional e relacional, como, por exemplo, características restritivas das políticas governamentais, fragmentação das equipes, articulação fragilizada dos trabalhadores, conflito nas relações de poder entre os trabalhadores, ruídos de comunicação, foco excessivo na tarefa e falta de apoio aos processos de desenvolvimento organizacional.

Dessa forma, os processos de trabalho envolvendo as equipes dos serviços substitutivos são constantemente afetados pela complexidade do cotidiano em que se encontram inseridos, sendo-lhes exigido o enfrentamento cotidiano dos impasses acima citados. O cuidado psicossocial nos Caps requer uma trama delicada, em que a clínica e a gestão do trabalho em equipe, embora operem sob lógicas próprias, formam um mesmo tecido assistencial2020 Palombini AL. Planejamento e gestão coletiva do trabalho no CAPS: uma experiência de supervisão. In: Anais do14º. Encontro Nacional da ABRAPSO. Diálogos em Psicologia Social: Rio de Janeiro; 2007. [acesso em 2019 maio 1]. Disponível em: http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_313.pdf.
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Imerso nesse cotidiano marcado por encontros e desencontros, o trabalho em equipe na saúde mental demanda tempos distintos de compreensão, integração e intervenção, e mesmo de sustentação do ‘não saber o que fazer’, seja no início ou ao longo dos processos de atendimentos de casos mais complexos que não respondem aos investimentos da equipe. Para Endo2121 Endo TC. Sofrimento Psíquico à Margem do SUS: Vastidão e Confinamento na Clínica. São Paulo; Zagodoni; 2017., embora as diretrizes de funcionamento do cotidiano institucional dos Caps estejam descritas nos documentos institucionais e portarias do Sistema Único de Saúde (SUS), as mudanças propostas pela RP ainda produzem dissoluções identitárias nos técnicos e ambivalências diante dos desafios de construir coletivamente um cuidado diversificado, amplo e integrado que acolha e auxilie o deslocamento do sujeito em sofrimento com seus complexos, necessidades e singularidades.

No Caps AD em estudo, as capacidades de pactuação e flexibilidade para o trabalho em equipe emergiram como estratégias de enfrentamento alternativas para construção de cultura de trabalho coletivo em atenção psicossocial.

Uma equipe coesa ela não precisa ter as mesmas ideias e aceitar da mesma forma o que é proposto pelos diferentes profissionais, né? [...], mas ela precisa fazer articulações em prol daquele cuidado [...] mesmo que nem sempre acerte. (Trabalhador 2).

A análise desse campo social nos permite perceber diferenças entre os trabalhadores e como cada um deles pode posicionar-se diferentemente, de acordo com o papel social que está protagonizando, ainda que sob condições de imprevisibilidade. Nessa perspectiva, os Estudos Culturais consideram que, em diferentes contextos sociais, diferentes identidades se precipitam2222 Hall S. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro; DP&A; 2011.:

O trabalho aqui é formado por diferentes, por múltiplas racionalidades [...] são várias clínicas aqui no Caps: a do médico, a do enfermeiro, do psicólogo, da assistente social, e por ai vai. (Trabalhador 3).

Assim, o trabalho em equipe é afirmado pelos profissionais a partir da diversidade clínica. A operacionalização do processo de trabalho e cuidado, bem como a formação identitária da equipe desse serviço estiveram constantemente atravessadas por um conjunto de crenças, técnicas e saberes (individuais e compartilhados). Uma multiplicidade de visões, versões e soluções diferentes sobre determinadas situações cotidianas surgiram nas narrativas dos técnicos, que, por sua vez, geravam tensionamentos diante das exigências de condutas alinhadas entre os profissionais.

Mas a gente tem toda essa quantidade grande de signos sociais que interferem no nosso dia a dia, que informam quem a gente é, quem a gente diz que é, e tudo isso interfere em como a gente pensa o trabalho [...] mesmo com as desavenças em não concordar com a fala ou a conduta do colega. (Trabalhador 4).

Essa diversidade nas formas de trabalhar e cuidar traz novos desafios à perspectiva identitária que circunscreve esses fazeres. O Caps AD é uma instituição, cujos princípios oferecem ao trabalhador a possibilidade de exercer graus distintos e variados de escolha e autonomia para manejar um variado repertório de recursos simbólicos2323 Lancetti A. Contrafissura e plasticidade psíquica. São Paulo: Hucitec; 2015.. Afirma-se, portanto, que, nesse contexto laboral, com suas regras, serviços e bases epistemológicas, determinados tipos de identidades profissionais são produzidos.

Em uma equipe de trabalho, podemos identificar a circulação de duas concepções de identidade: a essencialista, que trata de representar a unidade comum de uma história construída no tempo e no interior de um território, como, por exemplo, ser médico, psicólogo ou redutor de danos; identidades construídas no filtro de representações hegemonicamente pactuadas a partir de referenciais gerais de uma cultura que diferencia uma identidade de outra. A segunda concepção, a não essencialista, focaliza as diferenças, o movimento de tornar-se, afirmando posições de sujeitos e identidades que não se produzem por sistemas unificados, mas a cada contexto e em cada tempo2424 Woodward K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Silva TT, organizador. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes; 2014.:

Bom, não tem um manual de como tem que funcionar o trabalho em equipe no Caps [...] no final das contas é a equipe que ‘se monta’, ela é o resultado da interação entre os profissionais. (Trabalhador 1).

Nas narrativas identificadas, coloca-se como campo de sustentação esse ‘tornar-se’, revelando um permanente movimento de deslocamento e autoconstrução dos trabalhadores. Para Giddens2525 Giddens A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar; 2002., as identidades contemporâneas estão em constante reformulação, tendo em vista a rapidez e a quantidade de novas informações que precipitam um cotidiano de imprevisibilidade e consequente revisão de práticas sociais.

O trabalho em equipe se expressa, portanto, como um território que produz representações dos sentidos do trabalho a ser desenvolvido por cada profissional. Nesse processo de interação, diferentes significações são produzidas por distintos sistemas simbólicos. Seus discursos e representações contestadas e conflitantes constroem lugares nos quais os sujeitos podem se posicionar e falar2424 Woodward K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Silva TT, organizador. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes; 2014..

Corpos-coringas do cuidado – os furos do instituído

A vida profissional contemporânea demanda uma diversidade de papéis e posições, o que implica dizer que distintas representações identitárias podem entrar em conflito. No trabalho em equipes de saúde mental, uma prática social marcadamente simbólica, um conjunto inumerável de identidades se expressam de maneira diversa e vacilante.

No Caps, essa clínica meio que pressupõe um desvio de função [...] você não vai fazer aquela descrição exata do que está descrito na sua profissão lá, não dá pra trabalhar em Caps só desta forma [...] na verdade a gente se sente meio coringa no Caps. (Trabalhador 1).

Observamos aqui o símbolo do coringa como metáfora compreensiva das funções profissionais dessa equipe. Podemos dizer que a palavra ‘coringa’ possui diferentes nomes e representações pelo mundo, porém, o seu núcleo de significações manteve-se praticamente preservado na base histórica da cultura ocidental e está fortemente associado à imprevisibilidade, à improvisação, a provocações e a revelações2626 Brondani JA. Verda Che Baucco! Transcursos fluviais de uma pesquisatriz: Bufão, commedia dell’arte e manifestações espetaculares populares brasileiras. Salvador: Fest Desing; 2014.. Tais caraterísticas aproximam-se do dinamismo ambivalente da equipe de trabalho desse Caps AD em perspectivas interdependentes.

A primeira representação relaciona-se com o jogo de cartas, na qual o coringa é aquela carta que substitui outras. Assim, o trabalhador coringa seria aquele que ‘flexibiliza’ a função exercendo ‘outras’ atividades fora do seu núcleo de formação, aquele que denota ambivalência e versatilidade, ligando os sujeitos e coletivos a dois mundos: o cotidiano das coisas instituídas, em que se está presente na maior parte do tempo, e o mundo imaginativo e inusitado que nos retira da inércia cotidiana2727 Nogueira MO, Velloso SL. Reflexões estéticas: um caminho para um novo curinga. DAPesquisa. 2012; 7(9): 96-106..

A ‘flexibilização’ aqui apresentada não tem correlação como a flexibilização das relações de trabalho em seus modelos de contração que, geralmente, fragilizam a proteção social do trabalhador da saúde e precarizam as condições laborais, conforme apontam os estudos de Vazquez2828 Vazquez DA. Reestruturação produtiva e flexibilização do trabalho no Brasil – anos de 1990. ABET 2008; 7(1):80-96.. Também não propõe a substituição de um trabalhador por outro, visto que a divisão técnica e jurídica do trabalho prevê que cada profissional seja orientado por um corpo de conhecimento que legitime sua prática, incorporando a ela valores, competências e relevância social2929 Freidson E. Professionalism, the third logic: on the practice of knowledge. Chicago: University of Chicago Press; 2001.. Trata-se, entretanto, de uma posição atitudinal do trabalhador diante das exigências do manejo de cuidado com os usuários do serviço de saúde mental.

No âmbito da saúde coletiva, Campos3030 Campos GWS. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciênc. Saúde Colet. 2000; 5(2):219-230. ressalta que o trabalho das equipes estrutura-se em núcleos e campos de saberes e práticas, em que o núcleo está ligado aos conhecimentos técnicos e às funções mais específicas, e o campo, a saberes e fazeres comuns aos trabalhadores que produzem o cuidado; e eles estão em constante movimento dialético exigindo dinamismo e flexibilidade do trabalhador da saúde. Especificamente no cotidiano da atenção à saúde mental, à medida que as equipes trabalham com flexibilidade, integração e compartilhamento, qualquer profissional que entra em contato com os usuários deverá ser considerado integrante do coletivo interprofissional, sem perturbar a distinção dos trabalhadores das atividades-fim assistenciais e das atividades-meio administrativas1919 Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuições de uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013..

Imageticamente, o coringa é representado por aquele cujas palavras e ações tocam a realidade vivenciada, desvelando e expondo frágeis estruturas sociais estabelecidas2626 Brondani JA. Verda Che Baucco! Transcursos fluviais de uma pesquisatriz: Bufão, commedia dell’arte e manifestações espetaculares populares brasileiras. Salvador: Fest Desing; 2014.. Dessa forma, a articulação do trabalho dessa equipe tensiona o campo social e produz conflitos nas relações com quem ‘não quer saber’, dando visibilidade a essa população estigmatizada e excluída a partir da intermediação de acesso ao cuidado aos serviços e aos direitos:

A gente está sempre atento nos cuidados dentro e fora do serviço, a gente tem que também está fazendo de tudo, é um trabalho delicado porque trabalhamos com usuário de drogas, gente em situação de rua que a família e a sociedade nem quer saber, e isso nos afeta muito. (Trabalhador 5).

Na perspectiva psicossocial, a equipe interprofissional ‘atenta’ e intensifica o investimento humano com seus corpos, com presença clínica e vincular como tecnologias de cuidado em prol dos sujeitos e suas necessidades; assim, a subjetividade dos trabalhadores está sempre indissociada do corpo subjetivado, constituindo-se meio de produção de cuidado1919 Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuições de uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013.. Ressalta-se ainda que, em suas narrativas, “estar fazendo de tudo” (Trabalhador 5) não significa atender a todas as demandas; corresponde ao esforço para agenciar relações de cuidado que favoreçam a construção de autonomia, a garantia de direitos e o bem-estar clínico dos usuários, dimensões essas que se distinguem, mas não se separam, conforme proposto por Silva3131 Silva MVO. A clínica Psicossocial das Psicoses: Programa de Intensificação de Cuidados de Pacientes Psicóticos. Salvador; Laboratório de Estudos Vinculadores. Universidade Federal da Bahia: 2007. [acesso em 2020 out 2]. Disponível em: http://picica.dominiotemporario.com/intesaextensa%283%29.pdf.
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em pesquisas desenvolvidas no laboratório de estudos vinculares e saúde mental da UFBA.

Dessa forma, a equipe de trabalhadores impregna-se continuamente de afetações, intensidades e transmutações, atualizando-se em coletivos de corpos porosos, disformes e ambíguos que transbordam no encontro com o outro, tal qual o bufão, uma das insígnias do coringa na cultura ocidental3232 Ferraz AR. Um corpo que ri: paradoxos de um corpo-professora. As artes entre urgência e inoperância. In: Anais do 3º. Seminário de Estética e Crítica de Arte; 2017 set 04-06; São Paulo, Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo. São Paulo; 2017:42-54.. A autora supracitada recorre a Deleuze e Guattari3333 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2012. (vol. 4). para falar das insuficiências do corpo-trabalhador codificado com funções predefinidas-prescritivas e engendradas pelo sistema de modelização das funções sociais do trabalho. Como contraponto, destaca a potência do corpo-bufão (ou corpo-coringa), aquele que bufa e deixa vazar o registro codificado do dever-ser imposto protocolar e prescritivo, fazendo emergir a criação e a invenção, desterritorializando práticas e ampliando o escopo das intervenções3232 Ferraz AR. Um corpo que ri: paradoxos de um corpo-professora. As artes entre urgência e inoperância. In: Anais do 3º. Seminário de Estética e Crítica de Arte; 2017 set 04-06; São Paulo, Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo. São Paulo; 2017:42-54..

As pessoas que vêm das escolas de enfermagem, medicina etc. têm já um certo treinamento de como funcionar naquele modelo de atendimento clássico que é o treinamento no hospital, nas clínicas e tal, e aí você meio que aproveita um pouco dessa experiência, mas não dá conta. No Caps, as demandas são diferentes, são lugares e funções específicas como as dos técnicos de referência, por exemplo, as decisões são compartilhadas na equipe e isso tudo meio que meio que a gente aprende fazendo. (Trabalhador 1).

Nesse contexto de transitoriedade e deslocamento, precipitam-se divergências e crises, especialmente pelo encontro de identidades que foram marcadas e localizadas em diferentes lugares, e elas são tomadas em uma perspectiva positiva, na medida em que fomentam mudanças na dimensão do tornar-se. As identidades em conflito estão no bojo dos processos de mudanças políticas e socioculturais e provocam rupturas nos saberes instituídos, produzindo novas formas de posicionamentos. Para Woodward2424 Woodward K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Silva TT, organizador. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes; 2014., contestação e disputa são características da construção cultural das identidades no mundo contemporâneo.

Fazendo uma apropriação metafórica da lógica da identidade cultural proposta por Hall3434 Hall S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília, DF: Unesco; 2006., que fala do processo pelo qual se busca autenticar uma determinada identidade por meio de um passado supostamente comum, pode-se observar como alguns trabalhadores ainda falavam a partir de uma posição histórica e cultural específica: sua profissão, sua função no Caps AD e suas experiências.

A gente tem uma assistência muito voltada para o social, quando, na verdade, isso deveria ser uma função de outros serviços, de outros profissionais e dispositivos que não o da saúde [...] é claro que a gente acaba contribuindo, mas não deveria ser foco do nosso serviço. (Trabalhador 6).

Algumas pesquisas sobre o trabalho em equipe no contexto de saúde abordam sobre a percepção limitada da saúde por parte de alguns profissionais e destacam a formação uniprofissional que coloca em evidência a cultura da formação isolada que favorece a construção de identidades profissionais rígidas, com compreensões restritas do cuidado e que, no futuro, acabam por expressarem dificuldades para comunicação com profissionais de diferentes categorias e setores da sociedade3535 Weller J, Body M, Cumin D. Teams, tribes and patient safety: overcoming barriers to effective teamwork in healthcare. Postgrad Med. 2014; 90(1061):149-15..

Assim, em uma dinâmica ambivalente, ora os trabalhadores respondem discursivamente a partir de uma posição herdada e instituída de um sistema cultural específico para reafirmar a sua identidade profissional, ora colocam-se em identidade compartilhada, sem negar o passado, mas reivindicando-se como outras identidades. Esta última perspectiva desafia o território do trabalho em equipe interprofissional a desconstruir identidades fixas e binárias, tal como um coringa, provocando deslizamentos e fluidez de identidades.

Insuficiências da equipe para o cuidado integral – o olhar para fora

Uma preocupação constante relatada como difícil para o trabalho em equipe nesse Caps AD, foi a convivência cotidiana com situações de tensão e conflitos com os usuários de substâncias psicoativas assistidos. Tais situações produziam desconfortos e reflexões sobre os caminhos para o cuidado mais efetivo, revelando potencialidades e limites do trabalho em equipe.

Percebemos que os conflitos estão aumentando porque eles estão mais aqui dentro do Caps, então quando deixa todo mundo muito enclausurado é aquela coisa, a panela de pressão. (Trabalhador 8).

Por maior que seja o trabalho em equipe, porque o vínculo não é só com os usuários, a gente também se vincula entre si, sozinhos não conseguimos dar continência, sabe. Trabalhamos com uma população marginalizada com muita dificuldade de acesso a outros serviços [...] isolada a equipe não consegue trabalhar bem. (Trabalhador 1).

A invenção dos Caps enquanto dispositivos institucionais substitutivos que possibilitaram avanços e ampliação de novos modelos de cuidado implica, concomitantemente, riscos de isolamento uma vez que eles podem fechar-se sobre si mesmos e resgatar práticas restritivas de institucionalização e resquícios do modelo manicomial2020 Palombini AL. Planejamento e gestão coletiva do trabalho no CAPS: uma experiência de supervisão. In: Anais do14º. Encontro Nacional da ABRAPSO. Diálogos em Psicologia Social: Rio de Janeiro; 2007. [acesso em 2019 maio 1]. Disponível em: http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_313.pdf.
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.

O cuidado em saúde mental às pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, as situações de crises e os desconfortos diante dos tensionamentos do trabalho ultrapassam as fronteiras da prática das equipes e se constituem importantes desafios para a sustentação da RP3636 Vasconcelos EM. Desafios políticos no campo da saúde mental na atual conjuntura: uma contribuição ao debate da IV Conferência Nacional. In: Vasconcelos EM, organizador. Desafios políticos da reforma psiquiátrica brasileira. São Paulo: Hucitec; 2010.. Se por um lado a literatura sinaliza que os planos terapêuticos estão muito ‘encapsulados’ (centralizados entre os muros dos próprios Caps), por outro, as equipes de saúde mental apontam dificuldades em dialogar com a rede intra e intersetorial, seja por ausência ou pela desestruturação dos equipamentos públicos assistenciais3737 Vilar EB, Charão RB, Rocha BV, et al. O cuidado às pessoas que fazem uso de drogas: alguns apontamentos. Cad. Cuidado. 2019 [acesso em 2019 jul 23]; 3(1). Disponível em: https://cadernosdocuidado.observatoriodocuidado.org/index.php/CC/article/view/88.
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.

Sobre esse aspecto, os trabalhadores sinalizam a instabilidade e a insuficiência de ações governamentais que contemplem a continuidade da atenção psicossocial aos usuários:

Tem outras iniciativas, tem uns projetos que trabalham também com esta população, mas geralmente, são projetos temporários, são muito frágeis, funcionam durante um ano, depois fecha, não tem recurso e acaba [...] A gente fica nessa coisa meio armengada na rede, daí vem essa sensação de que a gente está tapando buraco, é por conta disso, por conta dessa dificuldade de conseguir apoio fora, mas ai o impacto que gera, gera tensão nas relações de trabalho entre nós. (Trabalhador 2).

As narrativas apresentadas dão visibilidade aos desafios vivenciados pelas equipes de saúde mental que, a depender do contexto e dos interesses dos gestores públicos, acabam por produzirem questionamentos quanto à qualidade e à eficácia do modelo de assistência psicossocial e contribuem para a marginalização das práticas desses profissionais.

D’Amour3838 D’Amour D, Videla MF, Rodriguez LSM, et al. The conceptual basis for interprofessional collaboration: core concepts and theoretical frameworks. J Interprof Care. 2005 19(1):116-131. mapeou dimensões para o trabalho em equipe interprofissional e as categorizou em nível micro (relações interpessoais), meso (nível institucional) e macro (sistemas políticos e socioculturais), reforçando a necessária integração das equipes, não apenas entre si, mas com todos os sistemas políticos e socioculturais do território. Ademais, a expansão do trabalho interprofissional integrado à rede psicossocial, intersetorial e às comunidades tem o potencial de consolidar os princípios da RP no sentido de não restringir as ações das equipes aos serviços de saúde em sentido estrito e favorecer a construção de um novo lugar social para os usuários dos serviços de saúde mental3939 Amarante P, Nunes MO. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):2067-2074..

Romagnoli, Lima e Pastana4040 Romagnoli RC, Lima TAS, Pastana DH. Saúde Mental e Práticas Intersetoriais: os Desafios da Transversalidade. Porto Alegre: Redeunida: 2019., em estudos com usuários de Caps de Minas Gerais, destacam que, em relação à atenção psicossocial, quando os usuários demandam algum serviço fora da rede de atenção à saúde, como assistência social, trabalho, justiça ou educação, por exemplo, os profissionais dessas áreas tendem a interpretar suas necessidades como oriundos exclusivamente do diagnóstico de saúde. Essa compreensão, portanto, restringe o conceito de saúde mental e acaba contribuindo para formar lógicas identitárias rígidas que impedem articulações intersetoriais, comprometem a autonomia dos usuários e o exercício da interprofissionalidade, distanciando-se das diretrizes da RP.

Considerações finais

Em seu conjunto de análise, o trabalho em equipe interprofissional desse Caps AD ultrapassa a concepção identitária essencialista de força, união e coesão e coloca-se em uma dimensão mais ampla de movimento, conflito e permanente reconstrução e invenção de si.

O exercício da interprofissionalidade produz novas e distintas possibilidades de operar o campo de prática, o que significa dizer que ela se configura como uma estrutura aberta que implica o imprevisto, o improviso e a criação, mas também singularidades, como propostos pelos princípios da RP e pelos movimentos sociais de luta antimanicomiais.

Esses princípios que, depois de 30 anos do seu lançamento, foram reafirmados no ano de 2017 pelos diversos trabalhadores e atores dos movimentos de saúde mental brasileiros na cidade de Bauru em São Paulo4141 Encontro de Bauru: “Por uma sociedade sem manicômios”. Relatório final. São Paulo, 2017. [acesso em 2020 out 2]. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/11/relatorio-encontro-de-bauru-1.pdf.
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, e que fundamentaram a construção de uma das mais relevantes políticas públicas nacionais, continuam vivos e em movimento; sustentados na defesa dos direitos humanos essenciais para todos os cidadãos, no respeito à liberdade de escolhas e na valorização das expressões singulares de cada forma de ser e existir no mundo.

Nesse sentido, o trabalho em equipe interprofissional envolve sentimentos, pensamentos, disputas e comportamentos dos trabalhadores que, imersos na linguagem e na cultura dos movimentos de RP, produzem resistências e dão significado às experiências que proporcionam a emergência de uma identidade grupal.

Na perspectiva dos estudos culturais adotada para a análise dos resultados desta pesquisa, o hibridismo está colocado como fenômeno de construção de identidades, afirmado a partir de processos que tendem a conceber as identidades como fundamentalmente segregadas. O processo de hibridização confunde a suposta pureza e solubilidade dos grupos que se reúnem sob as diferentes identidades, mas que orbitam em torno dos princípios do SUS.

As dimensões políticas das identidades colocadas em conflito no cotidiano do trabalho da equipe estão fortemente baseadas na construção de diferenças, e não de igualdades. A marcação da diferença é crucial no processo de conhecimento das posições identitárias que possam se opor ao binarismo em modelo assistencial. Não se trata de identidades profissionais em uma lógica disciplinar, e, sim, de uma identidade múltipla, fluida, cambiante e ‘coringa’ que as equipes e os diversos núcleos profissionais que configuram a interprofissionalidade constroem.

Outrossim, por que importa falar de identidades coletivas e interprofissionalidade no contexto da RP brasileira? O movimento constate de mudanças socioculturais tem produzido uma profunda crise de identidade no mundo contemporâneo – e no País, embora se evidenciem importantes contribuições da RP no SUS, as diretrizes que apontam para a superação do modelo manicomial não estão consolidadas, conforme as pesquisas referenciadas acima. No específico contexto do trabalho em saúde mental, álcool e outras drogas, o modelo biomédico que sustentava a fixação de certas identidades e modos de atuação e interação profissional já, há muito, não serve para assistir a essa população de brasileiros em sofrimento psíquico, usuários de substâncias psicoativas, pessoas em situação de rua que, em seu cotidiano, estão privadas de quase todos os direitos civis. Essa população de sujeitos, verdadeiramente expatriados, abrem mão, voluntariamente ou não, de suas identidades de origem fixas e, como caminhantes que são, desafiam as equipes a também forjarem novas identidades sobre si, sobre o trabalho e sobre o cuidado psicossocial.

Quanto aos limites do estudo, a interação dos participantes da pesquisa em diálogos sobre as relações profissionais do próprio grupo pode ter suprimido informações. Apesar das reflexões acima circunscreverem a realidade identitária da equipe de um Caps AD e a singularidade de um contexto específico, acreditamos que as considerações apresentadas podem revelar aproximações com a realidade das equipes de outros serviços.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2019
  • Aceito
    25 Ago 2020
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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