Multicampi Saúde da Criança: contribuições extensionistas na formação médica no Norte do Brasil

Multicampi Saúde da Criança: extension contributions to medical training in Northern Brazil

Lídia Dias Gonçalves Silvia Helena Arias Bahia Sobre os autores

RESUMO

Este relato de experiência trata da descrição das vivências durante o projeto de extensão ‘Multicampi Saúde’ na cidade de Abaetetuba, Pará, em janeiro de 2020, sob o olhar de uma acadêmica do Curso de Medicina. O projeto propôs o fortalecimento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, da integração ensino-serviço, da educação permanente, e a qualificação da formação profissional dos graduandos de dez cursos da área da saúde da Universidade Federal do Pará. As atividades extensionistas realizadas no município abrangeram ensino, pesquisa, experiência de gestão de pessoas e de serviços, com oportunidade de atuação interprofissional e prática colaborativa de acadêmicos de outros cursos e de atores locais do serviço e da comunidade, resultando em ações de intervenção e construção de materiais para educação em saúde da criança. A relação ensino-serviço possibilitou novos olhares sobre o aprendizado e a formação dos alunos, qualificou a prática dos profissionais nos serviços, possibilitando reflexão de práticas inadequadas. Essa inserção na atenção primária durante a graduação influenciou sobremaneira a formação médica e a escolha da especialidade de medicina de família e comunidade após a finalização do curso.

PALAVRAS-CHAVES
Saúde da criança; Capacitação de recursos humanos em saúde; Relações comunidade-instituição

ABSTRACT

This experience report addresses the description of experiences for the extension project ‘Multicampi Saúde’ in the city Abaetetuba, Pará, in January 2020. This experience report has been written from the perspective of a medical student. The project proposes the strengthening of the National Policy of Integral Care for Child Health, Teaching-Service Integration, Permanent Education, and the Professional Qualification of Graduates of 10 Health Courses from the Federal University of Pará. The extension activities carried out included teaching, research, human resources with experience of different professionals and collaborative practice together with bachelors from other courses and local actors from work and from the community. The results were actions of the intervention and construction of material for education on child health. The Teaching-Service Integration made possible new eyes on the learning and ’training of students, qualified the practice of the professionals in their work, making it possible to reflect upon ineffective practices. This insertion in primary health care throughout the bachelor’s course has major influence on medical training and choice of the specialty of family and community doctor after the completion of the course.

KEYWORDS
Child health; Health human resource training; Community-institutional relations

Introdução

Este manuscrito consiste no relato de experiência vivenciada por aluno/bolsista no âmbito da extensão no projeto ‘Multicampi Saúde’, desenvolvido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com financiamento do Ministério da Saúde (MS), em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde do Pará (Sespa) e apoio das Secretarias de Saúde dos municípios de Belém, Abaetetuba, Bragança, Cametá, Castanhal e Soure, que foram escolhidos em virtude de sua extensão territorial, diversidade regional e demanda populacional. O projeto nasceu sob a égide dos princípios organizacionais da instituição de ensino proponente, como integração com a sociedade, reestruturação do modelo de ensino com foco no desenvolvimento amazônico e modernização da gestão11 Universidade Federal do Pará. Projeto de atenção à saúde da criança. Belém: UFPA; 2019..

A extensão assume protagonismo nesse projeto; nesse sentido, buscou-se fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), por meio da integração ao ensino-serviço, propondo em seus objetivos fortalecer a educação permanente, discutir os processos de trabalho em saúde, qualificar a formação profissional dos graduandos inseridos no penúltimo semestre de dez cursos da área da saúde (medicina, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, odontologia, farmácia, nutrição, biomedicina, psicologia e serviço social), e, por fim, qualificar a atenção dispensada aos usuários, possibilitando aos participantes vivências em saúde da criança11 Universidade Federal do Pará. Projeto de atenção à saúde da criança. Belém: UFPA; 2019..

Considerando o cenário amazônico, em que vários municípios paraenses se encontram com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), pensar e implementar a política de formação de recursos humanos em nível de graduação e pós-graduação, com o envolvimento permanente dos profissionais de saúde que atuam nos serviços, torna-se estratégico para a superação de assimetrias e desigualdades regionais. Nesse cenário, a capacitação dos discentes e dos profissionais da atenção básica à saúde da criança se constituiu como a principal etapa do projeto, oportunizando vivências na Rede de Atenção à Saúde (RAS), em especial, da Atenção Básica (AB), em um processo de ação-reflexão das ações no cotidiano dos serviços. As temáticas desenvolvidas – acompanhamento e vigilância do desenvolvimento infantil, caderneta de saúde da criança com práticas de puericultura e aleitamento materno, e Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) – estiveram em consonância com a PNAISC, e consideraram a realidade epidemiológica dos municípios e fatores determinantes do processo saúde-doença nos teritórios11 Universidade Federal do Pará. Projeto de atenção à saúde da criança. Belém: UFPA; 2019..

A UFPA, instituição acadêmica multicampi, é reconhecida nacional e internacionalmente por seu elevado nível de produção científica, capacidade extensionista e por seu pioneirismo na formação de recursos humanos na Região Amazônica. Nesse cenário, seus programas de extensão seguem os pressupostos estabelecidos no Fórum de Pró-Reitores de Extensão Universitária (Forproex) que a entende como um ‘processo educativo, cultural e científico, articulado ao ensino e à pesquisa de forma indissociável, que visa estabelecer uma relação transformadora entre a Universidade e a sociedade por meio de ações interdisciplinares da comunidade acadêmica’22 Universidade Federal do Pará. Estatuto e regimento geral. Belém: UFPA; 2009. [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: http://www.ufpa.br/sege/boletim_interno/downloads/estatuto/estatuto.pdf.
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O projeto ‘Multicampi Saúde’ é coordenado pelo Instituto de Ciências da Saúde (ICS), unidade acadêmica reconhecida pelo potencial extensionista, que, na última década, vem avaliando o impacto de seus projetos de extensão na formação discente. Dessa forma, este relato de experiência dialoga, mesmo que na perspectiva pessoal, com aspectos importantes da prática interdisciplinar e interprofissional, e pretende abordar questões pertinentes sobre a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão33 Nascimento DM, Souza CFL. Política Nacional de Extensão Universitária: análise da experiência do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA. Extensio: R. Eletr. de Extensão. 2017 [acesso em 2022 jun 10]; 14(26):23-30. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/extensio/article/view/1807-0221.2017v14n26p23.
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relacionadas com a atenção à saúde da criança durante a imersão no projeto no município de Abaetetuba, Pará.

Material e métodos

Trata-se de um relato de experiência apresentado por profissional médica, descrevendo a vivência enquanto acadêmica, cursando o último ano do Curso de Medicina, ao participar do projeto ‘Multicampi Saúde’ como estagiária no município de Abaetetuba, Pará, em janeiro de 2020. Este tipo de estudo, enquanto método científico, representa a descrição de determinado fato contextualizado, com apresentação da experiência individual ou coletiva sobre uma situação, identificando-se procedimentos, dificuldades, resultados de intervenções e aprendizados que permitam reflexões para vivências correlatas44 Casarin ST, Porto AR. Relato de Experiência e Estudo de Caso: algumas considerações. J. nurs. Health. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 11(2):e2111221998. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/en-fermagem/article/view/21998.
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. Mussi, Flores e Almeida55 Mussi RFF, Flores FF, Almeida CB. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Rev Práxis Educac. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 17(48):1-18. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8089493.
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identificam esse modelo de trabalho como um tipo de produção de conhecimento, cujo texto trata de uma vivência acadêmica e/ou profissional em um dos pilares da formação universitária (ensino, pesquisa e extensão), o qual apresenta como característica principal a descrição da intervenção; e destacam na construção do estudo a importância do embasamento científico e da reflexão crítica, uma vez que o saber científico contribui para a formação do sujeito e que a sua propagação está relacionada com a transformação social. Nesse contexto, é possível aproximar características do relato de experiência e da pesquisa qualitativa, pois acredita-se que é a que melhor se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações66 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010. em que os sujeitos participantes (re)elaboram a partir de seus pensamentos, sentimentos e vivências.

Com 127 anos de fundação, a cidade de Abaetetuba, localizada na região nordeste do Pará, tem como atividade econômica predominante o setor de comércios e serviços. Dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam a população em 160.439 pessoas, e densidade demográfica de 87,61 hab/km², com IDH de 0,628, ocupando a 28ª posição entre os municípios paraenses, e renda média mensal de 1,6 salário mínimo77 IBGE. Abaetetuba. Rio de Janeiro: IBGE; s.d. [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/abaetetuba/panorama.
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. De acordo com o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), em 2019, as gestantes abaetetubenses realizaram entre 1 e 3 consultas no pré-natal, número aquém do ideal de 6 consultas, de enfermagem e/ou médica, mínimas, fato possivelmente associado à taxa de mortalidade infantil de 14,89 óbitos por mil nascidos vivos em 2020. Os determinantes sociais em saúde dessa população estão atrelados ao índice ainda alto de analfabetismo (cerca de 25%), ao trabalho informal sem contribuição previdenciária, ao saneamento básico insuficiente no município que expõe a população ao risco de doenças infecciosas e parasitárias, com internações devido a diarreias, em 2016, na taxa de 4,2 para cada mil habitantes. Além disso, é possível observar nas ruas lixo doméstico e entulho acumulado – a despeito da coleta regular dos resíduos sólidos –, ruas sem pavimentação com alagamentos e calçadas insuficientes, constituindo barreiras arquitetônicas para pessoas com dificuldades de locomoção77 IBGE. Abaetetuba. Rio de Janeiro: IBGE; s.d. [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/abaetetuba/panorama.
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O projeto garantiu transporte, estadia, alimentação e uma bolsa no valor de R$ 400,00 para cada aluno. O estágio realizado em janeiro de 2020 foi precedido de oficina preparatória, ministrada pela equipe da Coordenação Estadual de Saúde da Criança da Sespa, sobre a Caderneta da Criança, e esteve de acordo com princípios, diretrizes e eixos estratégicos da PNAISC. Ao chegar ao município, os acadêmicos foram divididos entre as quatro unidades de saúde participantes, e este relato de experiência ocorreu na Unidade de Saúde de Família (USF) São João ‘Dr. Everaldo Araújo’, no bairro de São João. Durante a execução das atividades do projeto, a abordagem foi a da integração ensino-serviço-gestão por meio do desenvolvimento de competências, desde a compreensão da gestão do serviço até o monitoramento de indicadores de saúde, para qualificar a reflexão sobre a formação. As ferramentas utilizadas foram rodas de conversa com usuários, diário de campo e capacitações, e utilização de bancos de dados secundários do SUS sobre as temáticas do projeto.

O profissional médico egresso do Curso de Medicina, além do conhecimento científico, deve ter formação humanística crítica e reflexiva desenvolvendo competências e habilidades em todos os níveis de atenção em saúde, com ênfase na integralidade dos indivíduos e conhecimento dos determinantes sociais individuais e coletivos envolvidos no processo saúde-doença, ratificando sua responsabilidade social e compromisso com a defesa dos direitos fundamentais88 Moreno PCB. Competências para a formação do médico generalista: perspectiva do aluno e do preceptor da Atenção Primária à Saúde. [dissertação]. Campo Grande: Fundação Oswaldo Cruz; 2021.,99 Universidade Federal do Pará. Faculdade de Medicina. Projeto Pedagógico Curso de Medicina. Belém: UFPA; 2010. [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: http://www.faculdademedicina.ufpa.br/doc/ppc.pdf.
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Nessa perspectiva, o projeto ‘Multicampi Saúde’ fortalece o movimento já implementado no Curso de Medicina da UFPA desde 2010 com o novo projeto pedagógico, visando maior articulação com a rede de AB, e ampliação dos cenários de prática, rompendo com o princípio rígido da formação hospitalocêntrica. Essa experiência de maior contato com a atenção primária favorece ainda, durante a formação, novas perspectivas sobre a prática multiprofissional em saúde, quiçá interprofissional, ainda pouco explorada no âmbito acadêmico, permitindo, assim, interação singular com outros saberes99 Universidade Federal do Pará. Faculdade de Medicina. Projeto Pedagógico Curso de Medicina. Belém: UFPA; 2010. [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: http://www.faculdademedicina.ufpa.br/doc/ppc.pdf.
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A coordenação de cada curso participante do projeto estabeleceu um plano de trabalho a ser seguido pelos alunos no período de imersão em campo. Nesse processo, o acadêmico de medicina deveria ser capaz de: 1) Compreender e aplicar a integralidade como princípio da atenção à saúde da criança; 2) Conhecer e aplicar as ações básicas de promoção e prevenção da saúde infantil; 3) Identificar e tratar doenças prevalentes da infância (doença diarreica aguda, infecção respiratória aguda; parasitose intestinal; anemia carencial); 4) Detectar e corrigir agravos nutricionais da criança; orientação alimentar; 5) Realizar busca ativa às crianças vulneráveis; 6) Promover visitas domiciliares às crianças de risco; 7) Comunicar-se efetivamente com a criança, seus familiares e com outros profissionais da equipe de saúde; 8) Reconhecer os elementos essenciais à profissão médica, incluindo os princípios éticos e as responsabilidades legais relacionadas com a atenção à saúde da criança; 9) Conhecer a aplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O cotidiano do serviço

No município de Abaetetuba, foram realizadas três edições do Multicampi Saúde, durante os meses de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020. Essa experiência foi vivenciada na segunda edição com os acadêmicos dos cursos de enfermagem, odontologia e serviço social, sob a preceptoria da enfermeira coordenadora da unidade e tutoria de docente da UFPA. A USF São João atendia, à época, cerca de 10 mil usuários de dois bairros periféricos do município, totalizando 24 microáreas com duas equipes de saúde da família e uma de saúde bucal.

Os serviços oferecidos incluíram: consultas de enfermagem e médica; imunização; aferição de pressão arterial e glicemia; registro do peso para o Programa Bolsa Família; coleta de material biológico para citopatológico de colo de útero; serviços odontológicos; realização de testes rápidos para hepatites B e C e para HIV 1 e 2; emissão de cartão do SUS; visita domiciliar; atendimento do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf ) – disponível na época, sendo posteriormente extinto pelo MS –; ações coletivas (grupo Melhor Idade, grupo de gestantes, Programa Saúde na Escola (PSE), Pastoral da Criança e meses comemorativos); e atendimentos de nebulização e curativos, com fornecimento mínimo, devido à falta de insumos para sua realização.

Na unidade, eram desenvolvidos todos os programas estratégicos do MS, cujo acesso ocorria por agendamento prévio pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) ou pelo próprio usuário na recepção da unidade, ou, ainda, por demanda espontânea, chamados de ‘atendimento no dia’ e/ou de urgência. Os desafios nesse fluxo de trabalho eram devidos à elevada demanda espontânea e à inexistência de um serviço de acolhimento na unidade, em dissonância com as orientações do MS, que preconiza a realização de acolhimento e escuta do paciente no dia de procura pelo serviço, com resolutividade imediata sempre que possível, encaminhamento interno ou agendamento oportuno de sua demanda1010 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.. Outra dificuldade recorrente era o registro da produção diária, pela ausência de documentos do usuário, especialmente o cartão SUS, instrumento essencial de comprovação do atendimento realizado e posterior financiamento do sistema público de saúde.

Ademais, a assistência em saúde na rede municipal carecia da elaboração e da divulgação interna de fluxogramas de encaminhamentos diretos e acessíveis, permitindo a redução de barreiras para o usuário alcançar os diferentes níveis de cuidado, conforme preconizado pelas diretrizes da RAS. Durante o estágio Multicampi, ao necessitar de um encaminhamento para avaliação de especialista focal, ou mesmo para realização de exames, o acesso do usuário ao atendimento na atenção secundária ocorria de maneira facilitada por contatos informais entre os gestores das unidades, ferindo princípios doutrinários e organizacionais do SUS, práticas comuns e inadequadas, constituindo desafios para a gestão1111 Brasil. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 30 Dez 2010 [acesso em 2022 jun 10]. Disponível em: https:// bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html.
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A imersão no cotidiano

A aproximação da rotina diária da unidade foi uma experiência exitosa, em especial, quanto ao conhecimento sobre cada campo de atuação profissional, principalmente quanto ao trabalho do assistente social na atenção primária, que era desconhecido pela maioria dos participantes do Multicampi e mesmo da preceptora. O papel do serviço social na área da saúde, historicamente, tem íntima relação com o advento da Constituição Federal de 1988 e a criação do SUS, à luz do alcance do movimento de participação popular, além da abordagem centrada na pessoa, cujos determinantes sociais influenciam em sua situação de saúde e enfrentamento de agravos1212 Martini D, Dal Prá KR. A inserção do Assistente Social na Atenção Primária à Saúde. Argumentum. 2018 [acesso em 2022 jun 10]; 10(1):118-132. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/index.php/argumentum/article/view/18648/.
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. Assim, sua atuação engloba o conhecimento dos direitos e deveres dos usuários, além da melhoria do acesso aos serviços de saúde, programas de distribuição de renda, fortalecimento de vínculo com as equipes e melhor gestão das demandas nos serviços.

Essa convivência em equipe provoca uma reflexão crítica sobre o distanciamento dos diversos saberes existentes no cenário da graduação, e da necessidade de mudança da formação uniprofissional para a educação interprofissional na área da saúde. Faz-se necessária a implementação de atividades interdisciplinares, já previstas nos projetos pedagógicos dos cursos da saúde, que busquem o aprendizado interprofissional cooperativo desde o início da graduação, pois trabalhar em equipe não é somente lidar com profissionais diferentes, mas conhecer e respeitar as particularidades de todos os envolvidos no processo de cuidado, inclusive do próprio paciente, além de prezar pelo trabalho interdependente, integrado e colaborativo1313 Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in Primary Health Care. Interface. 2018 [acesso em 2022 jun 10]; 22(2):1525-34. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329714652_Teamwork_and_collaborative_practice_in_Primary_Health_Care.
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Dessa forma, os atendimentos multiprofissionais foram realizados sob a orientação da enfermeira da unidade, e cada acadêmico pôde contribuir com seus conhecimentos prévios construindo em conjunto o plano terapêutico do paciente, melhorando a efetividade do cuidado prestado. Destacam-se ainda o planejamento e a execução conjunta de atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão dentro da unidade, de acordo com os planos de trabalho dos respectivos cursos, observando o princípio da integralidade. Outra ação importante foi o consultório externo, em que foram realizados atendimentos individuais supervisionados pelo médico da equipe em casos de demandas comuns na AB envolvendo saúde mental, queixas dermatológicas, parasitoses intestinais e queixas respiratórias, que receberam diagnóstico, tratamento e encaminhamentos quando necessário.

As práticas desenvolvidas no período de imersão estiveram em consonância com o plano de trabalho do Curso de Medicina, sendo realizados atendimentos diretamente com as crianças e suas famílias, o que influencia na saúde da criança direta e indiretamente, seja pela orientação quanto ao seu cuidado, seja na adoção de medidas coletivas naquela família. Além disso, um dos objetivos do projeto era elaborar um plano de intervenção para as demandas encontradas para uma criança específica chamada de ‘criança-guia’. Acadêmicos de enfermagem, durante o Multicampi Saúde no município de Castanhal em 2021, observaram que o acompanhamento da criança-guia é uma atividade complexa e longitudinal iniciada com a identificação das demandas, a elaboração do plano de intervenção e o estabelecimento de objetivos em curto, médio e longo prazo1414 Noronha MLF, Martins LCS, Rodrigues DP, et al. Multicampi Saúde: vivências de acadêmicos de enfermagem no Município de Castanhal – Pará. Research, Society and Development. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 10(1):e6310111141. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/11141.
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A criança assistida pela acadêmica de medicina em Abaetetuba era do gênero feminino, com 2 meses de idade, baixo peso, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e apresentava uma síndrome epiléptica em investigação; morava com seus pais em uma casa simples em situação de vulnerabilidade social. Com os alunos de enfermagem e de serviço social, foi realizada discussão do caso clínico e elaboração de um modelo de formulário de controle de crises convulsivas a ser apresentado ao neuropediatria ao qual a menor foi encaminhada, além de orientações à mãe a respeito de benefícios sociais, projetos de geração de renda, e cuidados com a lactente. A empatia, a formação de vínculo, o compromisso com o cuidado da criança e, mais uma vez, o trabalho interprofissional colaborativo foram imprescindíveis na condução desse caso1414 Noronha MLF, Martins LCS, Rodrigues DP, et al. Multicampi Saúde: vivências de acadêmicos de enfermagem no Município de Castanhal – Pará. Research, Society and Development. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 10(1):e6310111141. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/11141.
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Durante o estágio, foi possível participar de atividades de puericultura, visita domiciliar à criança com transtorno neuromotor, bem como conhecer o monitoramento do crescimento (peso e altura) das crianças de zero a 5 anos pelos integrantes da Pastoral do Menor. Esta última é uma estratégia antiga, mas ainda relevante para o cuidado à saúde da criança no município devido ao baixo IDH, estando atrelada ao Programa Bolsa Família. Essa ação ocorreu em ambiente externo à unidade de saúde, no galpão anexo a uma das igrejas da comunidade assistida pela Pastoral do Menor, entidade atuante no município e parceira da AB na proteção contra a desnutrição.

Outra atividade realizada foi a roda de conversa sobre introdução alimentar, em que foi possível analisar os determinantes relacionados com manutenção do aleitamento materno e introdução de novos alimentos baseados não apenas em critérios nutricionais, de cuidado odontológico e de desenvolvimento neuropsicomotor, mas também nos aspectos sociais envolvidos no processo, tais quais o retorno da mãe ao trabalho, orientações sobre os direitos da mulher que amamenta e do lactente e diretrizes quanto a seu acesso. Essa atuação vem ao encontro dos achados de Bartsch et al.1515 Bartsch L, Loronha MF, Pioczkoski NP, et al. Influência da extensão universitária nos atributos da atenção primária a saúde no contexto da puericultura. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 21(2):166-72. Disponível em: https://journal.sobep.org.br/article/influencia-da-extensao-universitaria-nos-atributos-da-atencao-primaria-a-saude-no-contexto-da-puericultura/.
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, em seu trabalho avaliando o efeito de atividades de educação em saúde no acompanhamento de puericultura, que identificou maior adesão ao aleitamento materno exclusivo e ao aleitamento materno até os 2 anos no grupo que recebeu orientações pelo projeto de extensão.

Quanto às atividades coletivas, na primeira semana, os acadêmicos reuniram-se com a equipe da unidade em uma roda de conversa sobre classificação de risco na AB, com os objetivos de nivelar os conhecimentos e de identificar os anseios e dificuldades relativas ao tema, com a possibilidade de implementação de um protocolo de classificação de risco no acolhimento na unidade de saúde1010 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011..

A metodologia empregada durante as atividades educativas utilizou a dinâmica das rodas de conversa com incentivo à participação dos ACS e dos demais funcionários da unidade durante a atividade de classificação de risco, em que foi possível compreender as competências culturais atreladas às escolhas realizadas em relação às situações propostas, que visavam avaliar entre os casos clínicos apresentados quais deveriam ter prioridade de atendimento. Essa situação da classificação de risco foi um problema indicado pela enfermeira gestora da unidade, e a realização da capacitação foi a estratégia de enfrentamento encontrada naquele momento, enquanto primeiro contato com os funcionários.

Outra ação foi a oficina de plantas medicinais, que já havia sido realizada na unidade pela equipe do Nasf com boa receptividade e solicitação de continuidade. Assim, procedeu-se à pesquisa sobre plantas medicinais utilizadas na comunidade constantes na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus) – alho, babosa, boldo, erva-cidreira, gengibre, hortelã. Dessa atividade, surgiu a ideia de implementar uma horta medicinal, a qual foi construída com materiais de baixo custo como resíduo de madeira de construção e garrafas de plástico, recebendo as plantas dos próprios ACS e usuários, intervenção complementada com atividades sobre uso e degustação dos chás e elaboração coletiva de materiais impressos. Esse interesse pelas plantas medicinais na região é tema de vários estudos. Simões e outros1616 Simões M C, Teixeira LC, Cardoso MBS, et al. O conhecimento tradicional para construção de uma horta medicinal em Salvaterra, Ilha de Marajó, Pará. Holos. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 4:1-12. Disponível em: https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/8213.
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, em Salvaterra, Pará, construíram uma horta com a comunidade no espaço de uma universidade estadual, compartilhando saberes tradicionais e culturais do uso dos compostos bioativos presentes nos espécimes enumerados na entrevista inicial, aproximando os saberes popular e científico.

A extensão e o despertar para a residência médica

A formação médica baseia-se no tripé ensino, pesquisa e extensão, esta última representando a inserção do discente nos espaços extramuros, aproximando-o da prática profissional, tanto por meio de projetos relacionados com a assistência em saúde, gestão, educação em saúde quanto educação médica, ou outra vivência que permita a interação entre universidade e sociedade. Essa proximidade viabiliza o reconhecimento de pertencimento do indivíduo enquanto sujeito ativo perante o ambiente universitário, não se limitando ao caráter passivo de paciente1717 Rios DRS, Caputo MC. Para além da formação tradicional de saúde: experiência de educação popular em saúde na formação médica. Rev. bras. educ. Med. 2019 [acesso em 2022 jun 10]; 43(3):184-195. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/333321849_Para_Alem_da_Formacao_Tradicional _em_Saude_Experiencia_de_Educacao_Popular_em_Saude_na_Formacao_Médica.
https://www.researchgate.net/publication...
. Almeida e Barbosa, em projeto de extensão em instituição de longa permanência para idosos, mencionam que a habilidade de comunicação deve abranger aspectos relativos a humanização, respeito e empatia, exercidos juntamente com os aspectos técnicos da formação, com o futuro profissional médico ciente de seu papel social na comunidade na qual está inserido. Apenas conhecer os conteúdos teórico-práticos do Curso de Medicina é insuficiente para uma boa assistência, é essencial respeitar a individualidade do paciente, considerar sua experiência prévia de doença evitando sua desumanização e permitindo o acesso integral aos serviços, além de incentivar sua corresponsabilização e estreitar a relação médico-paciente1717 Rios DRS, Caputo MC. Para além da formação tradicional de saúde: experiência de educação popular em saúde na formação médica. Rev. bras. educ. Med. 2019 [acesso em 2022 jun 10]; 43(3):184-195. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/333321849_Para_Alem_da_Formacao_Tradicional _em_Saude_Experiencia_de_Educacao_Popular_em_Saude_na_Formacao_Médica.
https://www.researchgate.net/publication...
,1818 Almeida SMV, Barbosa LMV. Curricularização da Extensão Universitária no Ensino Médico: o Encontro das Gerações para Humanização da Formação. Rev. bras. educ. Med. 2019 [acesso em 2022 jun 10]; 43(1):672-680. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/338563724_Curricularizacao_da_Extensao_Universitaria_no_Ensino_Médico_o_Encontro_das_Geracoes_para_Humanizacao_da_Formacao.
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,1919 Assis VLB, Fernandes MCB, Valença JTS, et al. Práticas educativas e a formação para a Atenção Primária: o médico como educador em saúde. Research, Society and Development. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 10(7): e9010716369. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/352497979_Praticas_educativas_e_a_formacao_para_Atencao_Primaria_O_Medico_como_educador_em_Saude.
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Enquanto nos estágios curriculares o contato entre acadêmicos e funcionários das unidades de saúde era restrito, no projeto ‘Multicampi Saúde’, foi possível maior proximidade, interação e envolvimento no cotidiano compreendendo suas potencialidades e complexidades, situação excepcional na formação da acadêmica de medicina. Além disso, a inserção no território da unidade e o conhecimento da rede de serviços disponível na cidade de Abaetetuba ofereceram a oportunidade em desenvolver competências e habilidades comunicativas, atitudinais e de interação social, transformando a compreensão acerca dos determinantes sociais em saúde e sobre gestão dos estabelecimentos de saúde1717 Rios DRS, Caputo MC. Para além da formação tradicional de saúde: experiência de educação popular em saúde na formação médica. Rev. bras. educ. Med. 2019 [acesso em 2022 jun 10]; 43(3):184-195. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/333321849_Para_Alem_da_Formacao_Tradicional _em_Saude_Experiencia_de_Educacao_Popular_em_Saude_na_Formacao_Médica.
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A participação ativa na dinâmica de trabalho da USF São João permitiu, ainda, aperfeiçoar a prática de gestão de pessoas, a criatividade, além do trabalho em grupo por meio da interação com outras profissões, usuários dos serviços e funcionários, interferindo positivamente na formação pessoal e profissional e, por conseguinte, na escolha quanto à residência médica após a conclusão do Curso de Medicina.

Apesar das múltiplas experiências vivenciadas durante o período de estágio, o objetivo principal do projeto Multicampi era a saúde da criança, nas atividades relacionadas com seu crescimento e desenvolvimento, aleitamento materno, introdução alimentar, prevenção de acidentes, registro dos dados na Caderneta da Criança, proteção e prevenção de violência ao menor. A ESF representa um local de coordenação desse cuidado longitudinal e integral da criança e fortalecimento de vínculos com seus cuidadores e família, além de ser um espaço de troca de saberes entre os usuários e os funcionários do serviço. Para o acadêmico, participar das atividades permite a ele relacionar os conhecimentos teóricos e a prática profissional, incorporando reflexões atreladas ao eixo ensino-pesquisa-extensão com impacto significativo em seu processo de aprendizagem1515 Bartsch L, Loronha MF, Pioczkoski NP, et al. Influência da extensão universitária nos atributos da atenção primária a saúde no contexto da puericultura. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2021 [acesso em 2022 jun 10]; 21(2):166-72. Disponível em: https://journal.sobep.org.br/article/influencia-da-extensao-universitaria-nos-atributos-da-atencao-primaria-a-saude-no-contexto-da-puericultura/.
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As experiências curriculares e extracurriculares influenciam na escolha da especialidade médica, assim como a idade do acadêmico, o tempo de duração da especialização, a aptidão pessoal, a oferta e a demanda profissional. Em um estudo sobre os fatores relacionados com a escolha da especialidade2020 Maciel Júnior EP, Oliveira MSR, Quintanilha LF. Fatores norteadores da escolha pela especialidade médica entreestudantes de medicina. Graduação em movimento Ciênc Saúde. 2022 [acesso em 2022 jun 10]; 1(1):89. Disponível em: https://periodicos.uniftc.edu.br/index.php/gdmsaude/article/view/130.
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, identificou-se que a participação em ligas acadêmicas representava um tipo de especialização precoce, contribuindo para o menor interesse pela atenção primária, ao passo que atividades de extensão universitária permitiram a aproximação do acadêmico com o trabalho no nível primário de atenção e suas potencialidades de cuidado integral, a porta aberta e primeiro contato do indivíduo com o acesso à saúde.

A rotina em uma USF propiciou o conhecimento das peculiaridades de sua gestão e funcionamento, pois, ao estar inseridos na equipe, participando das atividades multiprofissionais e de reuniões, foi possível complementar as experiências prévias durante o estágio curricular no internato em medicina de família e comunidade, especialidade médica intimamente relacionada com a Atenção Primária à Saúde (APS). Em meio a tantos especialistas focais, com fragmentação do cuidado ao indivíduo, o médico de família realiza a coordenação desse cuidado de maneira longitudinal do início ao final da vida, em seus variados ciclos e dinâmicas, abrangendo aspectos individuais e coletivos de promoção de saúde, prevenção de doenças e assistência, priorizando o alcance dos princípios de integralidade, longitudinalidade e equidade2121 Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores Associados à Escolha da Especialidade de Medicina de Família e Comunidade. R ev. bras. educ. Méd. 2020 [acesso em 2022 jun 10]; 44(3):e078. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1137527.
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Tal qual um maestro, esse profissional atua ainda na gestão dos recursos e, teoricamente, alcança grande resolutividade das demandas mais comuns na APS, reduzindo os custos com exames complementares e encaminhamentos desnecessários. Ao analisar, no estado de Pernambuco, os fatores associados à escolha pela especialidade de medicina de família e comunidade para realização de residência médica dos egressos do Curso de Medicina, Rodrigues2121 Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores Associados à Escolha da Especialidade de Medicina de Família e Comunidade. R ev. bras. educ. Méd. 2020 [acesso em 2022 jun 10]; 44(3):e078. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1137527.
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encontrou que o maior peso para a escolha profissional após a conclusão da graduação estava relacionado com aspectos relativos a personalidade, aspirações, afinidade com a especialidade e contextos pessoais. Além disso, havia contribuição de aspectos como a admiração profissional experienciada por preceptores e vivências no cotidiano da atenção primária durante a graduação, principalmente se ocorrerem desde o início do curso e forem desenvolvidas com os preceptores médicos de família.

A experiência da acadêmica de medicina enquanto estagiária do projeto resgatou a noção de pertencimento ao município, do qual é natural, e hoje, enquanto profissional médica, atua em uma USF na zona rural de Abaetetuba. Participar do cotidiano na unidade de saúde reforçou a identificação com a especialidade de medicina de família e comunidade, área na qual atualmente é médica residente, corroborando que esta experiência representou fator essencial para a escolha profissional na formação médica.

Considerações finais

Por tratar-se de questão relevante para a saúde coletiva, as vivências, as experiências e a formação dos alunos foram de grande colaboração, tanto para os municípios quanto para a população. A relação ensino-serviço possibilitou a transformação do aprendizado em sua formação, a qualificação da prática dos profissionais nos serviços permitiu reflexão sobre práticas inadequadas, com impacto na realidade dos usuários e da gestão, incorporando tecnologias do serviço para o ensino e vice-versa.

O projeto ‘Multicampi Saúde’ intensifica no processo de aprendizagem estabelecido no Curso de Medicina não somente as ações voltadas para a vigilância, acompanhamento, promoção da saúde e prevenção de agravos à saúde da criança, mas também, de forma significativa, permite descobertas na rotina do serviço, na atuação em equipe multiprofissional e no enfrentamento de desafios vivenciados e problematizados, bem como possibilita diálogos com outros saberes que se somam, proporcionando reflexões necessárias no estudante e na academia, sobre a potencialidade dessa experiência transformadora na formação e o impacto dela no SUS.

Faz-se importante estimular a inserção dos graduandos em atividades interdisciplinares com reflexão crítica em cada atuação individual e coletiva desde o início da formação acadêmica, com ênfase na APS, porta de entrada do usuário no SUS, e estabelecer corresponsabilidade e incentivo à participação popular nas decisões relativas à assistência em saúde.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2022
  • Aceito
    07 Out 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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