Tendência da mortalidade por tuberculose e relação com o índice sóciodemográfico no Brasil entre 2005-2019

Tuberculosis mortality trends and the correlation with the socio-demographic index in Brazil between 2010 and 2019

Juliana Rodrigues de Queiroz Nayara Figueiredo Vieira Michele Dias da Silva Oliveira Ludmila Grego Maia Rogério Carvalho de Figueiredo Roxana Isabel Cardozo Gonzalez Rafael Alves Guimarães Sobre os autores

Resumo

O objetivo do artigo é analisar a tendência da taxa de mortalidade padronizada (TMP) por tuberculose e sua correlação com o status de desenvolvimento no Brasil. Estudo ecológico de séries temporais que analisou dados de óbitos por tuberculose notificados entre 2005 e 2019 de todos os estados. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do estudo da Carga Global de Doenças. A tendência temporal foi analisada pela regressão de Prais-Winsten. A análise da correlação de Spearman entre a TMP e o índice sociodemográfico (socio-demographic index - SDI) também foi realizada. De 2005 a 2019, foram registrados 68.879 óbitos por tuberculose no Brasil. A taxa média de mortalidade foi de 2,3 óbitos por 100.000 habitantes. A tendência decrescente da TMP por tuberculose foi observada no Brasil e em todas as regiões. Verificou-se correlação negativa significativa entre o SDI e a TMP. A maioria dos estados apresentou tendência decrescente e nenhum deles teve tendência crescente. Uma relação inversa foi verificada entre o SDI e a mortalidade por tuberculose.

Key words:
Tuberculosis; Mortality; Time series analysis

Abstract

The scope of this article is to analyze the trend of the standardized mortality rate (SMR) for tuberculosis and its correlation with the developmental status in Brazil. An ecological time series study was conducted to analyze data of deaths from tuberculosis reported between 2005 and 2019 in all states. Data were extracted from the Mortality Information System, the Brazilian Institute of Geography and Statistics, and the Global Burden of Disease study. The temporal trend was analyzed using Prais-Winsten regression. Spearman’s correlation analysis between SMR and Socio-Demographic Index (SDI) was also performed. From 2005 to 2019, 68,879 deaths from tuberculosis were recorded in Brazil. The average mortality rate was 2.3 deaths per 100,000 inhabitants. The decreasing trend of SMR due to tuberculosis was observed in Brazil and in all regions. There was a significant negative correlation between SDI and TMP. TMP due to tuberculosis revealed a decreasing trend in Brazil and in all regions. Most states showed a decreasing trend and none of them had an increasing trend. An inverse relationship was found between developmental status and mortality due to tuberculosis.

Key words:
Tuberculosis; Mortality; Time series analysis

Introdução

A tuberculose é um grave problema de saúde pública, gerando alta morbimortalidade e custos para os serviços de saúde e a sociedade como um todo. Em 2020, 9,9 milhões de pessoas foram infectadas com o Mycobacterium tuberculosis no mundo. Até 2019, a doença era a primeira causa global de morte por um único agente infeccioso, sendo ultrapassada apenas pela doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) em 2020 11 World Health Organization (WHO). Global tuberculosis report 2021 [Internet]. 2021. [cited 2022 nov 6]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240037021
https://www.who.int/publications/i/item/...
.

No Brasil foram notificados 68.271 novos casos de tuberculose em 2021, isso representa um coeficiente de incidência de 32 casos por 100 mil habitantes (hab.). Ainda, em 2020, foram registrados 4.543 óbitos por tuberculose no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Isso significa uma taxa de mortalidade de 2,1 óbitos por 100 mil hab. Estudo mostra que a mortalidade por tuberculose não é igual entre as regiões do Brasil. Verificam-se maiores magnitudes da doença nas regiões Norte, Sudeste e Nordeste, quando comparadas ao Sul e Centro-Oeste22 Brasi. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Tuberculose 2022 [Internet] 2022. [acessado 2023 jan 11]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2022/boletim-epidemiologico-de-tuberculose-numero-especial-marco-2022.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
. Investigações anteriores têm mostrado tendência decrescente da taxa de mortalidade por tuberculose em todas as regiões do Brasil33 Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculose, HIV e pobreza: tendência temporal no Brasil, Américas e mundo. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-7.

4 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.
-55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 ..

Os fatores de risco para tuberculose podem ser exógenos e endógenos. Os exógenos aumentam o risco de progressão da exposição à doença, e incluem: carga bacilar e proximidade do indivíduo com caso de tuberculose bacilífero sem tratamento. Os endógenos favorecem a progressão da infecção para a tuberculose ativa, como infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), subnutrição/desnutrição, diabetes mellitus, consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo, entre outros66 Narasimhan P, Wood J, MacIntyre CR, Mathai D. Risk factors for tuberculosis. Pulm Med 2013; 2013:828939.. Além disso, determinantes socioeconômicos desfavoráveis associaram-se à maior morbidade e mortalidade por tuberculose global, sobretudo em países de renda baixa e média55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,77 Castañeda-Hernández DM, Tobón-García D, Rodríguez-Morales AJ. Association between tuberculosis incidence and the human development index in 165 countries of the world. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2013; 30(4):560-568..

As taxas de incidência e mortalidade por tuberculose são menores em locais com melhores condições de vida, maior renda, maior nível educacional populacional e estrutura dos serviços de saúde88 Valencia-Aguirre S, Arroyave I, García-Basteiro AL. Educational level and tuberculosis mortality in Colombia: growing inequalities and stagnation in reduction. Cad Saude Publica 2022; 38(1):e00031721.,99 Mesquita CR, Santos BO, Soares NLS, Enk MJ, Lima KVB, Souza E Guimarães RJP. Spatio-temporal analysis of tuberculosis and its correlation with the Living Conditions Index in an elderly population in Brazil. Brazilian J Med Biol Res 2022; 55:e11544.. Investigações mostram relação inversa entre indicadores socioeconômicos, como o índice de desenvolvimento humano (IDH), e a taxa de incidência e mortalidade por tuberculose77 Castañeda-Hernández DM, Tobón-García D, Rodríguez-Morales AJ. Association between tuberculosis incidence and the human development index in 165 countries of the world. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2013; 30(4):560-568.,1010 Zille AI, Werneck GL, Luiz RR, Conde MB. Social determinants of pulmonary tuberculosis in Brazil: an ecological study. BMC Pulm Med 2019; 19(1):87.. Esse referencial é fundamentado pelo paradigma do Código de Endereçamento Postal, que diz que o lugar de moradia de indivíduos e famílias é mais importante para a sua saúde do que seu código genético1111 Graham GN. Why your ZIP Code matters more than your genetic code: promoting healthy outcomes from mother to child. Breastfeed Med 2016; 11(8):396-397..

Os estudos anteriores se concentraram na análise da associação entre os indicadores socioeconômicos e a taxa de incidência de tuberculose, em vez da taxa de mortalidade. As investigações também usaram, predominantemente, o IDH como indicador de vulnerabilidade socioeconômica. Não foram encontradas pesquisas que analisaram a relação entre o indicador sociodemográfico (socio-demographic index - SDI), indicador de status de desenvolvimento do estudo da Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease - GBD), e a taxa de mortalidade por tuberculose no Brasil e em outros países. Além disso, as tendências temporais desagregadas por unidades da federação e regiões, bem como a identificação das desigualdades regionais com recorte temporal mais recente, não foram analisadas no Brasil. Este estudo acrescenta à literatura informações sobre a tendência da taxa de mortalidade por tuberculose no âmbito nacional e regional, além de investigar a relação entre o status de desenvolvimento dos estados e a taxa de mortalidade por tuberculose.

Identificar a correlação entre indicador de status de desenvolvimento (SDI) e a mortalidade por tuberculose no Brasil contribui para a compreensão dos determinantes sociais em saúde no país. As análises de tendências desagregadas por localidades podem auxiliar no diagnóstico mais preciso da tuberculose e subsidiar o planejamento do governo federal, das unidades da federação e dos municípios na implementação e aperfeiçoamento das estratégias de enfrentamento da doença, incluindo prevenção, promoção da saúde, vigilância e assistência integral. Além disso, podem ser úteis para avaliar o impacto das ações dos programas e políticas nacionais no controle da tuberculose, que tem como objetivo diminuir a magnitude do agravo. Este estudo pode, finalmente, contribuir para o monitoramento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas e da “The End TB Estrategy” (Estratégia para Acabar com a TB) da Organização Mundial da Saúde, que apresentam metas de reduzir a taxa de mortalidade por tuberculose em 95% (até 2030 e 2035, respectivamente)1212 World Health Organization (WHO). The end TB Strategy [Internet]. 2014. [cited 2023 jan 12]. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/the-end-tb-strategy#:~:text=The End TB Strategy builds,Strategy at the country level
https://www.who.int/teams/global-tubercu...
e para o acompanhamento do Programa Nacional de Controle da Tuberculose e do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como problema de Saúde Pública do Ministério da Saúde, que apresenta a meta de reduzir a mortalidade para 1 óbito por 100 mil habitantes até 20251313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
.

O objetivo deste estudo foi analisar a tendência da taxa de mortalidade padronizada (TMP) por tuberculose e sua correlação com o status de desenvolvimento no Brasil.

Métodos

Delineamento

Estudo ecológico de séries temporais que analisou a tendência da taxa de mortalidade padronizada por tuberculose e sua correlação com o status de desenvolvimento no Brasil entre 2005 e 2019.

Contexto

O estudo foi realizado a partir de dados de 1º de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2019 no Brasil. O país tinha uma população estimada de 221 milhões de habitantes em 2021, divididos em 26 estados e no Distrito Federal, como 5.570 municípios. Os estados e o Distrito Federal são divididos em cinco grandes regiões administrativas e geográficas (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), que têm características demográficas, socioeconômicas, estrutura dos serviços de saúde e outros aspectos distintos55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades [Internet]. 2022. [acessado 2023 fev 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panor...
. A área do país é de 8.510.345,540 km², com densidade demográfica de 26,0 hab/km²1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades [Internet]. 2022. [acessado 2023 fev 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panor...
. O produto interno bruto per capita do país é de R$ 35.935,74. A taxa de analfabetismo de 15 anos ou mais de idade é de 6,6%. O IDH é de 0,754, ocupando a 87ª posição no ranking de desenvolvimento de 191 países1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades [Internet]. 2022. [acessado 2023 fev 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panor...
,1515 United Nations Development Programme. Human Development Report 2021/2022 - uncertain times, unsettled lives: shaping our future in a transforming world [Internet]. 2022. [cited 2023 fev 19]. Available from: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22
https://hdr.undp.org/content/human-devel...
. Em 2020 o Brasil tinha uma cobertura de Estratégia de Saúde da Família (ESF) de 65,1%, enquanto a cobertura total da atenção básica era de 75,4%1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). e-Gestor Atenção Básica [Internet]. 2022. [acessado 2023 mar 30]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml;jsessionid=c6HdwiSnCZWPQBJlnwBR7XOy
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/a...
. A atenção primária à saúde (APS) tem sido considerada o principal arranjo organizacional para o controle da tuberculose e a operacionalização do PNCT no país1717 Wysocki AD, Ponce MAZ, Brunello MEF, Beraldo AA, Vendramini SHF, Scatena LM, Ruffino A Netto, Villa TCS. Atenção Primária à Saúde e tuberculose: avaliação dos serviços. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(1):161-175..

População

A população foi composta por todos os óbitos por tuberculose registrados no período em análise. Foram incluídos como óbitos em decorrência da tuberculose os casos em que a causa de morte foi qualquer forma clínica da tuberculose, conforme a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)1818 World Health Organization (WHO). ICD-10 International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems [Internet]. 2011. [cited 2023 mar 28]. Available from: http://www.who.int/classifications/icd/ICD10Volume2_en_2010.pdf
http://www.who.int/classifications/icd/I...
, mais especificamente os códigos A15 (tuberculose respiratória, com confirmação bacteriológica e histológica), A16 (tuberculose das vias respiratórias, sem confirmação bacteriológica ou histológica), A17 (tuberculose do sistema nervoso), A18 (tuberculose de outros órgãos) e A19 (tuberculose miliar).

Fonte de dados

Os dados do número de óbitos por faixa etária, ano e estado de residência foram obtidos do SIM. A fonte de dados deste sistema é a declaração de óbito (DO), que é de preenchimento obrigatório pelo médico em todo o território nacional. A DO apresenta vários blocos e campos que permitem a análise da situação de saúde do perfil de mortalidade da população brasileira. Esses dados, por exemplo, incluem as características sociodemográficas, o local de residência e a ocorrência do óbito e sua causa. Foram usados dados codificados da causa básica de morte, que são extraídos do bloco V. Também foram usados dados sobre a idade e o local de residência disponíveis no bloco I da DO. Os dados da população residente foram extraídos do Censo Demográfico de 2010 e das projeções intercensitárias nos anos seguintes realizadas pelo IBGE1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Declaração de Óbito: manual de instruções para preenchimento [Internet]. 2022. [acessado 2023 jan 10]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigilancia/declaracao-de-obito-manual-de-instrucoes-para-preenchimento.pdf/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
. Os dados foram acessados pelo sítio eletrônico do TABNET do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) em novembro de 2021 (link: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/).

Variáveis

A taxa de mortalidade por tuberculose foi determinada dividindo-se o número de óbitos por tuberculose (CID-10: A15-A19) pela população total residente, e então multiplicando o resultado por 100 mil. A taxa de mortalidade foi padronizada por idade pelo método direto2020 Naing NN. Easy way to learn standardization : direct and indirect methods. Malays J Med Sci 2000; 7(1):10-15.. Esse método se baseia em uma distribuição populacional conhecida, em relação à estrutura etária ou outra variável relevante (por exemplo: sexo), como população-padrão. Inicialmente, foram determinadas as taxas de mortalidade específicas por idade para cada grupo de idade da população em estudo. Os grupos etários foram estratificados em: 0-4 anos, 5-9 anos, 10-14 anos, 15-19 anos, 20-29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e > 80 anos. Em seguida, uma população-padrão (de referência) foi escolhida. A população brasileira do Censo Demográfico de 2010 do IBGE foi utilizada como população-padrão. Finalmente, as taxas de mortalidade específicas por idade foram multiplicadas pelo número absoluto de pessoas em cada grupo de faixa etária da população-padrão. Dessa forma, obteve-se o número de óbitos esperados em cada grupo de faixa etária. A taxa de mortalidade padronizada por idade foi obtida dividindo-se o número total de óbitos esperados pela população-padrão. A padronização das taxas de mortalidade pelo método direto torna possível comparar as taxas de mortalidade segundo estados e regiões, eliminando os efeitos naturais das diferenças nas faixas etárias da população2020 Naing NN. Easy way to learn standardization : direct and indirect methods. Malays J Med Sci 2000; 7(1):10-15..

Ainda foi usado o SDI como variável, que é um dado coletado pelo GBD. O SDI é um indicador composto que representa o status de desenvolvimento de uma localidade, estando fortemente correlacionado com os desfechos de saúde, como a mortalidade2121 Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-...
. É obtido por meio da média geométrica dos índices da taxa de fecundidade total abaixo de 25 anos, escolaridade média das pessoas com 15 anos ou mais e a renda distribuída defasada per capita. Esse índice pode variar de 0 a 1, sendo que 0 indica um nível teórico mínimo de desenvolvimento relevante para a saúde, e 1 um nível teórico máximo2121 Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-...
. O SDI foi usado para a análise de correlação com as taxas de mortalidade padronizadas por tuberculose.

Análise estatística

Os dados foram processados no programa STATA, versão 17.0. As unidades de análise foram compostas pelos anos das séries temporais (2005-2019) de cada estado, Distrito Federal, regiões e Brasil.

Para a análise da tendência temporal, usou-se o modelo de regressão linear de Prais-Winsten com variância robusta2222 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.. A variável dependente (Y) utilizada foi a taxa de mortalidade padronizada por tuberculose. Antes da inclusão nos modelos de regressão, a transformação logarítmica de base 10 das taxas foi efetuada. Esse método reduz a heterogeneidade da variância dos resíduos e contribui para a apuração da tendência temporal. A variável independente (X) foi o ano das séries temporais. A equação de regressão é definida por Log (Y t ) = β0 + β1 + e t , sendo Log (Y t ) as taxas de mortalidade padronizadas por tuberculose após a transformação logarítmica, β0 o intercepto ou constante da regressão, β1 a inclinação da reta e e t o erro aleatório. O “t” estima os tempos do conjunto de dados {t1, ..., t19}, no caso t1 = 2005 e t19 = 2019.

Finalmente, foram calculados a variação percentual anual (VPA) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) a partir dos valores dos coeficientes de regressão linear (β 1 ) e dos erros padrões (EP) robustos. A VPA foi calculada pela seguinte fórmula:

VPA=(1+10)β*100,

sendo β1 a inclinação da reta obtida na equação de regressão.

O IC95% da VPA foi calculado pela seguinte fórmula:

IC95%=(1+10(β±t*EP))*100,

sendo β1 a inclinação da reta, t o valor em que a distribuição t de Student apresenta 18 graus de liberdade a um IC95% bicaudal, e EP o erro padrão.

A estatística t foi usada para estabelecer a significância estatística. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. As tendências foram consideradas crescentes (VPA positiva e valor de p significativo), decrescentes (VPA negativa e valor de p significativo) ou estacionárias (VPA positiva ou negativa e valor de p não significativa), com base na VPA e nos valores de p obtidos na regressão2222 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576..

A análise de correlação de Spearman entre o SDI e a taxa de mortalidade padronizada por tuberculose foi realizada, considerando como unidades de análise a média de ambos os indicadores no período de 2005 a 2019. O coeficiente de correlação (rho) foi classificado como: 0 - nenhuma correlação; +0,1-0,3 - correlação fraca; +0,4-0,6 - correlação moderada; +0,7-0,9 - correlação forte; e 1 - correlação perfeita2323 Dancey CP, Reidy J. Statistics without Maths for Psychology. New Jersey: Prentice Hall; 2011..

Aspectos éticos

O presente estudo utilizou dados de domínio público, sem identificação de participantes, não sendo necessário a análise do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

De 2005 a 2019, ocorreram 68.879 óbitos por tuberculose no Brasil. Os óbitos tiveram a seguinte distribuição entre as regiões do país: 43,6% (n = 30.024) na região Sudeste, 32,9% (n = 22.636) na Nordeste, 10,0% (n = 6.879) na Sul, 8,9% (n = 6.254) na Norte e 4,6% (n = 3.186) na Centro-Oeste.

A distribuição dos casos por faixa etária foi a seguinte: 0-4 anos (n = 324; 0,5%), 5-9 anos (n = 138; 0,2%), 10-14 anos (n = 194; 0,3%), 15-19 anos (n = 762; 1,1%), 20-29 anos (n = 4.581; 6,7%), 30-39 anos (n = 8.161; 11,8%), 40-49 anos (n = 12.859; 18,7%), 50-59 anos (n = 14.915; 21,7%), 60-69 anos (n = 12.004; 17,4%), 70-79 anos (n = 8.849; 12,8%) e > 80 anos (n = 6.092; 8,8%). O grupo com o maior percentual de óbitos é o da faixa etária de 50-59 anos, seguido de 60-69 e 70-79 anos.

A TMP por tuberculose no Brasil foi de 2,8 óbitos/100 mil habitantes em 2005 para 1,8 óbito/100 mil habitantes em 2019, redução de 35,7%. O Brasil apresentou TMP média de 2,25 óbitos/100 mil hab. As TPM médias para as regiões foram: Sudeste (2,2 óbitos/100 mil hab.), Sul (1,4 óbito/100 mil hab.), Centro-Oeste (1,6 óbitos/100 mil hab.), Norte (3,3 óbitos/100 mil hab.) e Nordeste (2,9 óbitos/100 mil hab.).

As TMP entre 2005 e 2019, por região, foram: Sudeste (2,6 para 1,7 óbitos por 100 mil hab.; redução de 36,2%); Sul (1,9 para 1,4 óbitos por 100 mil hab.; redução de 26,3%); Centro-Oeste (2,3 para 1,2 óbitos por 100 mil hab.; redução de 47,8%); Norte (3,8 para 3,4 óbitos por 100 mil hab.; redução de 10,5%) e Nordeste (3,6 para 2,2 óbitos por 100 mil hab.; redução de 38,8%) (Figura 1).

Figura 1
Taxa de mortalidade padronizada por tuberculose, segundo regiões e Brasil, 2005-2019.

O Brasil apresentou tendência decrescente da taxa de mortalidade por tuberculose no período (VPA = -3,01; IC95% = -3,38; -2,63). Esse comportamento também foi observado em todas as regiões: Sudeste (VPA = -3,17; IC95% = -3,38; -2,96); Sul (VPA = -2,27; IC95% = -4,10; -0,40); Centro-Oeste (VPA = -4,05; IC95% = -4,69; -3,40); Norte (VPA = -0,94; IC95% = -1,59; -0,28) e Nordeste (VPA = -3,43; IC95% = -3,95; -2,90) (Tabela 1).

Tabela 1
Tendência da taxa padronizada de mortalidade de tuberculose no Brasil, segundo grandes regiões e unidades da federação, 2005-2019.

As análises por estado mostraram que 19 (70,4%) apresentaram tendência decrescente e oito (29,6%) tendência estacionária. Nenhum estado apresentou tendência crescente (Tabela 1).

A correlação entre o SDI e a TMP por tuberculose está demonstrada na Figura 2. A correlação negativa estatisticamente significativa entre essas duas variáveis (rho = -0,457; valor de p = 0,017) indicou que, à medida que o SDI aumenta, a taxa de mortalidade diminui, e vice-versa.

Figura 2
Análise de correlação entre o índice sociodemográfico (socio-demographic index -SDI) e a taxa padronizada de mortalidade por tuberculose, Brasil, 2005-2019.

Discussão

Este estudo demonstrou tendência decrescente da TMP por tuberculose no Brasil, bem como em todas as regiões e a maioria dos estados. Desigualdades na mortalidade foram observadas entre as regiões, com Norte e Nordeste apresentando as maiores taxas quando comparadas às outras. A correlação entre o SDI e a TMP foi negativa, o que indica relação inversa entre o status de desenvolvimento e a mortalidade por tuberculose no país.

A tendência decrescente observada foi semelhante à verificada em outras investigações com diferentes fontes de dados e recortes temporais conduzidos no Brasil44 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.,55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,2424 Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculosis, HIV, and poverty: temporal trends in Brazil, the Americas, and worldwide. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-517.,2525 Liu Q, Jing W, Liu M, Liu J. Health disparity and mortality trends of infectious diseases in BRICS from 1990 to 2019. J Glob Health 2022; 12:04028.. Pesquisa que utilizou dados do SIM mostrou tendência de queda na taxa de mortalidade por tuberculose no Brasil entre 1990 e 2010, com redução maior do que a verificada no mundo e similar à encontrada nas Américas33 Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculose, HIV e pobreza: tendência temporal no Brasil, Américas e mundo. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-7.. Investigação similar mostrou tendência decrescente da taxa de mortalidade no Brasil e em todas as regiões entre 1990 e 201544 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.. Outra pesquisa com dados do SIM revelou tendência decrescente na taxa de mortalidade por tuberculose no país entre 2006 e 2015, com maior redução na região Nordeste55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. Outro estudo, que utilizou dados do GBD, demonstrou tendência decrescente da taxa de mortalidade por tuberculose no Brasil entre 1990 e 20192525 Liu Q, Jing W, Liu M, Liu J. Health disparity and mortality trends of infectious diseases in BRICS from 1990 to 2019. J Glob Health 2022; 12:04028..

Apesar da redução significativa no período, a redução média anual foi de 3,01%, inferior à meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde, que estabeleciam queda média anual de 4-5% até 20201212 World Health Organization (WHO). The end TB Strategy [Internet]. 2014. [cited 2023 jan 12]. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/the-end-tb-strategy#:~:text=The End TB Strategy builds,Strategy at the country level
https://www.who.int/teams/global-tubercu...
,2626 Brasil. Ministério da Saúde Brasil (MS). Brasil Livre da Tuberculose: Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública [Internet]. 2017. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_livre_tuberculose_plano_nacional.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Além disso, os resultados desta pesquisa mostraram que apenas a região Centro-Oeste teve redução de 4,05% na mortalidade, superior à meta estabelecida até 2020.

Múltiplos fatores podem explicar a redução da TMP por tuberculose no Brasil e regiões. Primeiro, verifica-se tendência decrescente da taxa de incidência e da prevalência da tuberculose no país e na maioria das regiões, assim como redução das taxas de abandono de tratamento e retratamento da doença33 Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculose, HIV e pobreza: tendência temporal no Brasil, Américas e mundo. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-7.,55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,2727 Paiva JPS, Magalhães MAFM, Leal TC, Silva LF, Silva LG, Carmo RF, Souza CDF. Time trend, social vulnerability, and identification of risk areas for tuberculosis in Brazil: an ecological study. PLoS One 2022; 17(1):e0247894.,2828 Melo MC, Barros H, Donalisio MR. Temporal trend of tuberculosis in Brazil. Cad Saude Publica 2020; 36(6):e00081319.. Em segundo lugar, existem diversas estratégias para o enfrentamento da tuberculose no Brasil, como o fortalecimento das ações de enfrentamento nos serviços de APS, aumentando o acesso ao diagnóstico e tratamento da doença.

É importante notar que as estratégias de enfrentamento seguem o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública, lançado em 2017 e atualizado para 2021-2025, baseado na “The End TB Estrategy” da Organização Mundial da Saúde1212 World Health Organization (WHO). The end TB Strategy [Internet]. 2014. [cited 2023 jan 12]. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/the-end-tb-strategy#:~:text=The End TB Strategy builds,Strategy at the country level
https://www.who.int/teams/global-tubercu...
,1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
,2626 Brasil. Ministério da Saúde Brasil (MS). Brasil Livre da Tuberculose: Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública [Internet]. 2017. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_livre_tuberculose_plano_nacional.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Uma das metas do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública 2021-2025 é reduzir a taxa de incidência da doença para menos de 10 casos para cada 100 mil habitantes e 1 óbito por 100 mil habitantes até 20251313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
. As ações de fortalecimento no Brasil incluem a vigilância ativa e passiva da tuberculose, com a busca ativa de sintomáticos respiratórios, diagnóstico precoce, aumento da cobertura da vacina BCG, ações de educação em saúde e acesso universal ao tratamento da tuberculose, que por sua vez podem ter influenciado diretamente na redução da mortalidade por tuberculose1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
. Por exemplo, uma investigação mostrou ligeira diminuição das taxas nacionais de incidência, prevalência e mortalidade por tuberculose após a inclusão do etambutol no esquema de tratamento da doença em 2009 e a expansão da cobertura do tratamento e da estratégia de tratamento diretamente observado55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. Além disso, as ações de prevenção, diagnóstico e tratamento de populações vulneráveis, tais como as pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHIVA), vivendo em situação de rua e indivíduos privados de liberdade, têm contribuído para redução da carga da doença no Brasil1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
.

Outra estratégia que pode ter contribuído para a mortalidade por tuberculose foi a descentralização dos serviços para a APS e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma geral. A descentralização dos serviços permite a adoção de protocolos de atendimento ágeis, a ampliação das ações de prevenção e diagnóstico e a formação de recursos humanos focados nas especificidades de cada nível de atenção à saúde55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,2727 Paiva JPS, Magalhães MAFM, Leal TC, Silva LF, Silva LG, Carmo RF, Souza CDF. Time trend, social vulnerability, and identification of risk areas for tuberculosis in Brazil: an ecological study. PLoS One 2022; 17(1):e0247894..

Contudo, crises políticas e financeiras na década de 2010, que estão relacionadas às políticas públicas de controle fiscal e à redução do orçamento para pesquisas científicas, podem limitar excessivamente os investimentos em saúde, o que pode aumentar a mortalidade por tuberculose, comprometendo a redução da carga da doença no Brasil. Nesse contexto, o aumento da pobreza no Brasil devido à recessão econômica e à deficiência de políticas sociais podem contribuir para o aumento da mortalidade por tuberculose.

Neste estudo, desigualdades regionais significativas nas TMP foram observadas, com as maiores taxas médias encontradas nas regiões Norte e Nordeste. Estudos anteriores demonstraram que as maiores taxas e aglomerados de risco para tuberculose são encontrados nessas regiões44 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.,55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. Essas são as regiões socioeconomicamente menos desenvolvidas do Brasil, apresentando os indicadores mais desfavoráveis (PIB per capita, IDH e índice de Gini) quando comparadas às outras regiões55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .,2929 Albuquerque C, Martins M. Indicadores de desempenho no Sistema Único de Saúde: uma avaliação dos avanços e lacunas. Saude Debate 2017; 41(Esp.):118-137.. O baixo status de desenvolvimento dessas regiões tem impacto direto na oferta de ações e serviços de prevenção, promoção da saúde, vigilância e atenção à saúde para pessoas com tuberculose. A região Norte, por exemplo, tem uma das menores coberturas da APS do país e a menor média anual de hospitalizações por tuberculose, indicadores de barreiras no acesso aos serviços de saúde55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. As regiões Norte e Nordeste apresentam menos recursos de assistência à saúde, com menor densidade de profissionais de saúde e número de médicos55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 ., o que pode influenciar nas taxas de mortalidade por tuberculose.

Verificou-se correlação negativa entre o SDI e a TMP por tuberculose, ou seja, os estados com menor status de desenvolvimento tiveram as maiores taxas de mortalidade. Não foram encontradas evidências anteriores que analisaram a relação entre a taxa de mortalidade e o SDI no Brasil. Contudo, a relação entre baixos níveis de escolaridade, renda e outros indicadores de desenvolvimento socioeconômico (como IDH e índice de Gini) e a morbidade e mortalidade por tuberculose já foi relatada anteriormente55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. Estudo conduzido no Brasil mostrou que as maiores taxas de incidência e mortalidade por tuberculose estão concentradas nas regiões menos desenvolvidas do país (Norte e Nordeste)55 Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .. Outra pesquisa com dados de 165 países mostrou relação inversa entre o IDH e a taxa de incidência de tuberculose77 Castañeda-Hernández DM, Tobón-García D, Rodríguez-Morales AJ. Association between tuberculosis incidence and the human development index in 165 countries of the world. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2013; 30(4):560-568.. Outro estudo conduzido no Brasil demonstrou correlação negativa entre o IDH e a taxa de incidência e mortalidade por tuberculose1010 Zille AI, Werneck GL, Luiz RR, Conde MB. Social determinants of pulmonary tuberculosis in Brazil: an ecological study. BMC Pulm Med 2019; 19(1):87.. Apesar de o SDI ser baseado e comparável ao IDH, o SDI capta três novos aspectos do desenvolvimento: renda, educação e fertilidade. Esse índice é diferente do IDH por excluir a saúde da equação, facilitando a interpretação e aumentando a comparabilidade de desfechos de saúde entre diferentes localidades geográficas2121 Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-...
. A correlação entre SDI e TMP reforça a influência do status de desenvolvimento e a mortalidade por essa doença no Brasil, padrão similar às evidências globais.

O presente estudo apresenta algumas limitações. A cobertura do SIM não é de 100% no Brasil, de modo que, consequentemente, o número de óbitos em decorrência da tuberculose pode estar subestimado. A qualidade dos dados do SIM apresenta variações importantes entre as regiões, o que pode influenciar nas estimativas44 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.. Além disso, os “garbage codes” do SIM podem ser casos de tuberculose, o que também pode contribuir para subestimativas das taxas. Além disso, não foram analisadas as taxas de mortalidade por tuberculose de acordo com raça/cor e escolaridade, impossibilitando análises mais aprofundadas da relação entre os determinantes socioeconômicos e a mortalidade por tuberculose no Brasil. Este estudo analisou o cenário pré-pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19). Dessa forma, não foi possível identificar o efeito da pandemia nas taxas de mortalidade.

Em conclusão, essa investigação demonstrou tendência decrescente nas TMP por tuberculose no Brasil, nas regiões e na maioria dos estados. As regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade. Por fim, verificou-se relação inversa entre o SDI e a mortalidade por tuberculose, sugerindo que as localidades com menor status de desenvolvimento apresentam as maiores taxas de mortalidade e vice-versa. Os resultados sugerem a necessidade de fortalecer as estratégias para aumento do diagnóstico precoce, do tratamento e das ações de prevenção da tuberculose, sobretudo nas regiões mais vulneráveis. Em paralelo, políticas para melhorar as condições de vida e renda são necessárias para reduzir a carga da tuberculose no Brasil.

Referências

  • 1
    World Health Organization (WHO). Global tuberculosis report 2021 [Internet]. 2021. [cited 2022 nov 6]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240037021
    » https://www.who.int/publications/i/item/9789240037021
  • 2
    Brasi. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Tuberculose 2022 [Internet] 2022. [acessado 2023 jan 11]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2022/boletim-epidemiologico-de-tuberculose-numero-especial-marco-2022.pdf
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2022/boletim-epidemiologico-de-tuberculose-numero-especial-marco-2022.pdf
  • 3
    Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculose, HIV e pobreza: tendência temporal no Brasil, Américas e mundo. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-7.
  • 4
    Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.
  • 5
    Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol 2021; 47(2):e20200119 .
  • 6
    Narasimhan P, Wood J, MacIntyre CR, Mathai D. Risk factors for tuberculosis. Pulm Med 2013; 2013:828939.
  • 7
    Castañeda-Hernández DM, Tobón-García D, Rodríguez-Morales AJ. Association between tuberculosis incidence and the human development index in 165 countries of the world. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2013; 30(4):560-568.
  • 8
    Valencia-Aguirre S, Arroyave I, García-Basteiro AL. Educational level and tuberculosis mortality in Colombia: growing inequalities and stagnation in reduction. Cad Saude Publica 2022; 38(1):e00031721.
  • 9
    Mesquita CR, Santos BO, Soares NLS, Enk MJ, Lima KVB, Souza E Guimarães RJP. Spatio-temporal analysis of tuberculosis and its correlation with the Living Conditions Index in an elderly population in Brazil. Brazilian J Med Biol Res 2022; 55:e11544.
  • 10
    Zille AI, Werneck GL, Luiz RR, Conde MB. Social determinants of pulmonary tuberculosis in Brazil: an ecological study. BMC Pulm Med 2019; 19(1):87.
  • 11
    Graham GN. Why your ZIP Code matters more than your genetic code: promoting healthy outcomes from mother to child. Breastfeed Med 2016; 11(8):396-397.
  • 12
    World Health Organization (WHO). The end TB Strategy [Internet]. 2014. [cited 2023 jan 12]. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/the-end-tb-strategy#:~:text=The End TB Strategy builds,Strategy at the country level
    » https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/the-end-tb-strategy#:~:text=The End TB Strategy builds,Strategy at the country level
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil Livre de Tuberculose - Plano Nacional pelo fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública - Estratégias para 2021-2025 [Internet]. 2021. [acessado 2023 jan 12]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/tuberculose/plano-nacional-pelo-fim-da-tuberculose-como-problema-de-saude-publica_-estrategias-para-2021-2925.pdf/view#:~:text=O Plano tem como objetivo,período de 2021 a 2025
  • 14
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades [Internet]. 2022. [acessado 2023 fev 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
    » https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
  • 15
    United Nations Development Programme. Human Development Report 2021/2022 - uncertain times, unsettled lives: shaping our future in a transforming world [Internet]. 2022. [cited 2023 fev 19]. Available from: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22
    » https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). e-Gestor Atenção Básica [Internet]. 2022. [acessado 2023 mar 30]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml;jsessionid=c6HdwiSnCZWPQBJlnwBR7XOy
    » https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml;jsessionid=c6HdwiSnCZWPQBJlnwBR7XOy
  • 17
    Wysocki AD, Ponce MAZ, Brunello MEF, Beraldo AA, Vendramini SHF, Scatena LM, Ruffino A Netto, Villa TCS. Atenção Primária à Saúde e tuberculose: avaliação dos serviços. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(1):161-175.
  • 18
    World Health Organization (WHO). ICD-10 International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems [Internet]. 2011. [cited 2023 mar 28]. Available from: http://www.who.int/classifications/icd/ICD10Volume2_en_2010.pdf
    » http://www.who.int/classifications/icd/ICD10Volume2_en_2010.pdf
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Declaração de Óbito: manual de instruções para preenchimento [Internet]. 2022. [acessado 2023 jan 10]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigilancia/declaracao-de-obito-manual-de-instrucoes-para-preenchimento.pdf/view
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigilancia/declaracao-de-obito-manual-de-instrucoes-para-preenchimento.pdf/view
  • 20
    Naing NN. Easy way to learn standardization : direct and indirect methods. Malays J Med Sci 2000; 7(1):10-15.
  • 21
    Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
    » https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
  • 22
    Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.
  • 23
    Dancey CP, Reidy J. Statistics without Maths for Psychology. New Jersey: Prentice Hall; 2011.
  • 24
    Guimarães RM, Lobo AP, Siqueira EA, Borges TFF, Melo SCC. Tuberculosis, HIV, and poverty: temporal trends in Brazil, the Americas, and worldwide. J Bras Pneumol 2012; 38(4):511-517.
  • 25
    Liu Q, Jing W, Liu M, Liu J. Health disparity and mortality trends of infectious diseases in BRICS from 1990 to 2019. J Glob Health 2022; 12:04028.
  • 26
    Brasil. Ministério da Saúde Brasil (MS). Brasil Livre da Tuberculose: Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública [Internet]. 2017. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_livre_tuberculose_plano_nacional.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_livre_tuberculose_plano_nacional.pdf
  • 27
    Paiva JPS, Magalhães MAFM, Leal TC, Silva LF, Silva LG, Carmo RF, Souza CDF. Time trend, social vulnerability, and identification of risk areas for tuberculosis in Brazil: an ecological study. PLoS One 2022; 17(1):e0247894.
  • 28
    Melo MC, Barros H, Donalisio MR. Temporal trend of tuberculosis in Brazil. Cad Saude Publica 2020; 36(6):e00081319.
  • 29
    Albuquerque C, Martins M. Indicadores de desempenho no Sistema Único de Saúde: uma avaliação dos avanços e lacunas. Saude Debate 2017; 41(Esp.):118-137.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Maio 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2023
  • Aceito
    30 Jun 2023
  • Publicado
    02 Jul 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br