REGISTRO/REGISTER

 

Parasitismo intestinal entre o grupo indígena Zoró, Estado de Mato Grosso (Brasil)1

 

 

Carlos E. A. Coimbra Jr.; Ricardo Ventura Santos

Núcleo de Doenças Endêmicas Samuel Pessôa, Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz

 

 


RESUMO

Essa nota relata os resultados de inquérito parasitológico realizado entre o grupo indígena Zoró (Mato Grosso). Dentre os 173 exames realizados, foram encontradas 9 (5,2%) amostras positivas para Ancilostomtdeos, 4 (2,3%) para Trichuris trichiura, 5 (2,9%) para Hymenolepis nana, 17 (9,8%) para Giardia lamblia, 5 (2,9%) para Balantidium coli e 29 (16,8%) para Entamoeba histolytica. Os autores observam a baixa prevalência de helmintoses e chamam a atenção para a possibilidade de controle dessas parasitoses em comunidades indígenas por meio de medicação em massa. Discutem, também, as implicações epidemiológicas da prática de criar porcos selvagens no peridomicílio na transmissão do B. coli.


ABSTRACT

This paper reports on the results of a parasitological survey conducted among the Zoró Indians (Mato Grosso). From the total of 173 stool samples, 9 (5.2%) were positive for Ancilostomidae, 4 (23%) for Trichuris trichiura, 5 (2.9%) for Hymenolepis nana, 17 (9.8%) for Guardia lamblia, 5 (2.9%) for Balantidium coli, and 29 (16.8%) for Entamoeba hislolytica. The authors note the low prevalence of helminths and call attention for the possibilities of achieving control of these parasites among Amerindian communities by means of mass treatment. The authors also discuss the epidemiological implications of the practice of rearing mid pigs near the houses in the transmission of B. coli.


 

 

A prevalência de parasitas intestinais é reconhecidamente elevada entre populações ameríndias, como pode ser constatada em recente revisão sobre o tema (cf. Salzano & Callegari-Jacques, 1988). Em desacordo com esse quadro, os resultados por nós obtidos entre os Zoró chamam atenção pela baixa prevalência de helmintos e protozoários.

Do total de aproximadamente 220 indivíduos que constituíam a população Zoró em 1988, foram coletadas 173 (aproximadamente 79%) amostras de fezes. Já que a população era reduzida, o objetivo foi uma amostragem universal da comunidade estudada. Os exames foram realizados pelo método de sedimentação de Lutz em amostras previamente fixadas em formol 10%. Foram encontradas 9 (5,2%) amostras positivas para Ancilostomídeos, 4 (2,3%) para Trichuris trichiura, 5 (2,9%) para Hymenolepis nana, 17 (9,8%) para Giardia lamblia, 5 (2,9%) para Balantidium coli e 29 (16,8%) para Entamoeba histolytica.

No que se refere aos helmintos, as baixas prevalências podem ser explicadas pelo fato da população vir sendo medicada em massa com mebendazol, administrado pelo Posto da Fundação Nacional do Índio (Funai) em intervalos de 4-5 meses. Esses resultados reforçam observações feitas anteriormente, sugerindo que o tratamento em massa com anti-helmíntico de largo espectro pode ser eficaz no controle das geo-helmintoses em comunidades relativamente isoladas e fechadas como grupos indígenas (Santos et al. 1985a, b). Na oportunidade, chamou-se a atenção para o fato de que, tanto entre os grupos indígenas Karitiána (Santos et al. 1985a) como entre os Pakaanóva (Santos et al. 1985b), o anti-helmíntico vinha sendo administrado empírica e regularmente pelo atendente de saúde da Funai no Posto. Com o objetivo de maximizar o impacto dessa intervenção, são necessários estudos epidemiológicos, visando estabelecer qual seria o anti-helmíntico mais apropriado assim como os intervalos nos quais o mesmo deve ser ministrado.

É interessante chamar atenção para o achado de Balantidium coli em 2,9% das amostras. Esse protozoário tem sido raramente reportado em inquéritos parasitológicos realizados entre populações indígenas da Amazônia (cf. Bruno, 1978 e Lawrence et al. 1980). Apenas em uma ocasião foi o B. coli observado associado a quadro grave de disenteria, tratando-se de uma mulher Yanomama (Rees & Shelley, 1977). Entre os Zoró, os casos de parasitismo por B. coli eram assintomáticos.

Com relação a origem do B. coli entre sociedades indígenas, Lawrence et al. (1980) sugerem que, dado a sua raridade, o mesmo teria sido introduzido após o contato com sociedades de cultura ocidental, acompanhando a criação de animais domésticos reconhecidamente reservatórios do parasita, como o porco. Vale ressaltar, contudo, que o porco doméstico não é o único reservatório de B. coli. Porcos silvestres e diferentes espécies de primatas neotropicais já foram encontrados naturalmente infectados pelo protozoário (cf. Hoare, 1968; Wilcocks & Manson-Bahr, 1972 e Martins & Pessôa, 1977). Sendo assim, as fontes de infecção para o homem já se encontravam no Novo Mundo antes da chegada dos europeus e, portanto, casos de balantidíase entre sociedades indígenas da Amazônia podem ser explicados, pelo menos em parte, pela manipulação e ingestão de carcaça de mamíferos silvestres infectados.

Os Zoró não só caçam porcos selvagens (Brunelli, 1985), como também criam filhotes sempre que conseguem capturá-los na floresta. Os porquinhos são criados em pequenos "chiqueiros" adjacentes às habitações até atingirem a idade adulta, quando então são soltos no pátio da aldeia e perseguidos até serem mortos por flechadas. Durante o evento festivo da matança do porco, o dono do animal recebe presentes dos que se lançam na perseguição do animal, sendo estes constituídos principalmente por flechas. A proximidade de contato com porcos silvestres verificada entre os Zoró aliada à higiene precária são fatores epidemiológicos importantes no delineamento do quadro da balantidíase na comunidade. Vale salientar que o hábito de criar porcos selvagens no peridomicílio, como foi observado entre os Zoró, não é comum entre os grupos indígenas da região amazônica. Os autores desconhecem referência a comportamento semelhante na literatura etnográfica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUNELLI, G. — Bebe! Bebe!... Jikkoi! Les Zorós vont à la chasse. Recherches Amerindiennes au Quebec, 15: 45-57, 1985.        

BRUNO, A. A. G. — Condições Sanitárias em Escolares em Zonas Rurais do Território Federal do Amapá, Tese de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1978.        

HOARE, C. A. — The natural nidality of certain protozoan infections of man, In: Natural Nidality of Diseases and Questions of Parasitology (N, D. Levine & F. K. Pious, organizadores), Urbana, Chicago e Londres, University of Chicago Press, 1968.        

LAWRENCE, D. L.; NEEL, J. V.; ABADIE, S. H.; MOORE, L. L.; ADAMS, L. J.; HEALY, G. R. & KAGAN, I. G. — Epidemiologic studies among Amerindian populations of Amazonia. III. Intestinal parasitoses in newly contacted and acculturating villages. Am. J. Trop. Med. Hyg., 29: 530-537, 1980 (Tradução para o português publicada em Acta Amazonica, 13 (2): 393-407, 1983).        

MARTINS, A. V. & PESSÔA, S. B. — Pessôa Parasitologia Médica, 10a. Edição, Editora Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1977.        

REES, R. G. P. & SHELLEY, A. J. — Estimativa quantitativa da resposta à clortetraciclina em um caso grave de disenteria por Balantidium coli. Acta Amazonica, 7: 47-49, 1977.        

SALZANO, F. M. & CALLEGARI-JACQUES, S. — South American Indians: A Case Study in Evolution, Clarendon Press, Oxford, 1988.        

SANTOS, R. V.; COIMBRA JR., C. E. A. & OTT, A. M., 1985 — Estudos epidemiológicos entre grupos indígenas de Rondônia. III. Parasitoses intestinais nas populações dos vales dos rios Guaporé e Mamoré. Cadernos de Saúde Pública, 1: 467-477, 1985.        

SANTOS, R. V.; TANUS, R. & COIMBRA JR., C. E. A. — Prevalência de parasitoses intestinais no grupo indígena Kantiana, Rondônia. Ciência e Cultura, 37 (Suplemento): 68, 1985.        

WILCOCKS, C. & MANSON-BAHR, P. E. C. — Manson's Tropical Disease, 71 Edição, The William and Wilkind Co., Baltimore, 1972.        

 

 

1 Trabalho financiado pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, David C. Skomp Grant do Departamento de Antropologia (Indiana University) e William and Flora Hewlett Foundation.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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