NOTAS RESEARCH NOTES

 

Redução dos índices de abandono no programa de controle da hanseníase. A experiência de um serviço de saúde no Rio de Janeiro, Brasil

 

Reduction in dropout rate of patients in a leprosy control program: the experience of a health service in Rio de Janeiro, Brazil

 

 

Lenita B. L. Claro; Giselle L. Monnerat; Viviani Lourdes R. Pessoa

Centro Municipal de Saúde da VII Região Administrativa. Avenida do Exército nº 1, Rio de Janeiro, RJ, 20910-020, Brasil

 

 


RESUMO

O presente trabalho descreve as estratégias empregadas para a redução dos índices de abandono no Programa de Controle da Hanseníase em um centro municipal de saúde do Rio de Janeiro. Esta redução, observada no decorrer do ano de 1992, resultou, em parte, do trabalho de equipe multidisciplinar e da aplicação de estratégias de prevenção do abandono, voltadas para a educação em saúde, e de busca ativa de pacientes irregulares e sem controle. Entre as últimas, destacou-se a visitação domiciliar, realizada por um profissional treinado para a atividade, seguida do envio de aerogramas domiciliares.

Palavras-chave: Hanseníase, Adesão ao Tratamento, Serviço de Saúde


ABSTRACT

During the year 1992, an important decrease in the dropout rate of patients in a leprosy control program was observed in a public health center in Rio de Janeiro (Brazil).
This paper discusses the factors associated with this reduction, especially the strategies employed by the health service. These strategies include the prevention of non-compliance by special interviewing of patients and the recuperation of defaulter patients by means of home visits and mail.

Key words: Leprosy; Compliance; Health Service


 

 

INTRODUÇÃO

A hanseníase constitui-se um sério problema de saúde pública em nosso país, atingindo níveis endêmicos e hiperendêmicos em vários Estados. O programa de controle da hanseníase, normatizado pelo Ministério da Saúde, classifica os pacientes em tratamento como "controlados" e "sem controle". Os primeiros são aqueles atendidos pelo menos uma vez ao ano, enquanto os sem controle são os que estão há mais de um ano sem comparecer ao serviço de saúde.

A não-adesão ao tratamento representa uma questão crucial para o programa em nosso país, assim como nos demais países em desenvolvimento onde a doença é endêmica.

No município do Rio de Janeiro, a proporção de pacientes sem controle atingia 41,5% do total de inscritos no Programa de Controle da Hanseníase ao final de 1991 e 36,2% ao final de 1992 (SMS, 1992, 1993). O município do Rio de Janeiro compõe-se de 24 regiões administrativas (RAs), estando situado em cada uma delas um centro municipal de saúde (CMS). A VII RA, onde realizou-se este estudo, inclui os bairros de São Cristóvão, Mangueira e Benfica.

No CMS da VII RA, a proporção de pacientes sem controle, que era de 36,8% ao final de 1991, reduziu-se para 13,6% um ano depois, alcançando os menores índices do município. No presente trabalho, discute-se os fatores possivelmente implicados nesta redução, especialmente no que se refere às estratégias utilizadas neste Centro de Saúde.

 

ESTRATÉGIAS UTILIZADAS

Entre os fatores que provavelmente contribuíram para a redução na proporção de pacientes sem controle no CMS da VII RA estão as modificações terapêuticas e estruturais introduzidas no Programa, a nível municipal, e a adoção de estratégias voltadas para a prevenção do abandono e para a busca ativa de pacientes não-aderentes, a nível local.

A adoção de esquemas terapêuticos de menor duração e maior eficácia tem se mostrado uma medida de valor inestimável para se prevenir o abandono e a resistência medicamentosa. A introdução da poliquimioterapia no município do Rio de Janeiro, em 1991, ao lado da modificação de algumas normas do Programa, vem permitindo a alta clínica de um grande número de pacientes, o que raramente ocorria com os esquemas convencionais.

No CMS da VII RA, todos os pacientes sem controle em 1991 e 1992, seguiam o esquema de tratamento convencional, o que indica a importância da poliquimioterapia na redução do abandono. Entretanto, apesar do novo esquema ter sido introduzido de maneira uniforme em todos os Centros Municipais de Saúde, a redução no abandono foi mais acentuada no CMS da VII RA, sugerindo que as estratégias empregadas a nível local desempenharam um papel neste processo.

Dentre as estratégias adotadas neste Centro de Saúde, foi implementada a busca ativa dos pacientes em abandono do tratamento (sem controle), dando-se ênfase à visitação domiciliar, realizada por uma auxiliar de enfermagem. Para isso, tornou-se fundamental o treinamento da mesma, cujo conteúdo incluía desde o co-nhecimento do Programa como um todo até as questões que permeiam o debate em torno do tema doença e estigma na hanseníase.

A reflexão acerca do estigma e das representações sociais da hanseníase foram essenciais para a adoção de uma nova concepção e abordagem do indivíduo acometido pela doença. Assim, a visita domiciliar deixou de ter uma conotação de "controle sanitário", para revestir-se de um conteúdo adequado à preocupação com a saúde do usuário. Buscou-se, ainda, nesta oportunidade, compreender os motivos do abandono, levando-se também em consideração as próprias deficiências e responsabilidades do serviço de saúde, no que diz respeito à não-adesão ao tratamento.

Também foram aplicadas estratégias de recuperação para os pacientes controlados, porém em situação de tratamento irregular, sendo denominados "faltosos" aqueles que não compareceram ao serviço durante o mês em curso e "atrasados" os que não compareceram durante 2 meses. Para os faltosos eram enviados aerogramas domiciliares nos 5 primeiros dias de cada mês, sendo que aqueles que não respondiam os atrasados recebiam a visita domiciliar.

A visitação domiciliar mostrou-se mais eficiente do que o envio de aerogramas na recuperação tanto de pacientes atrasados como de pacientes sem controle. Sua principal limitação, no entanto, residia no fato de a mesma só poder ser aplicada aos pacientes residentes na área de abrangência da VII RA, por razões operacionais, apesar da proporção de residentes em outras áreas ser considerável.

Além da recuperação de pacientes não-aderentes, foram implantadas estratégias visando a prevenção do abandono, baseadas na provisão de informações dirigidas aos pacientes recém-inscritos no programa e aos pacientes irregulares ou em abandono do tratamento. No primeiro caso, os pacientes novos, após consulta médica, passavam por uma entrevista com um profissional de nível superior, a qual tinha como objetivo a troca de informações sobre a doença, seu tratamento e cura.

Este contato, além de ter como orientação a concepção do direito do cidadão à informação, marcava o início do estabelecimento de um vínculo entre usuário e serviço de saúde. Nestas entrevistas, privilegiava-se a fala do paciente, constituindo-se as mesmas um espaço para a expressão de suas representações e ansiedades acerca do diagnóstico e das informações recebidas durante a consulta médica.

No caso de pacientes não-aderentes, as entrevistas buscavam, além de informar, compreender os motivos da irregularidade ou do abandono no tratamento, com vistas a uma mudança de comportamento.

Até o final de 1992 havia sido realizado um total de 60 entrevistas individuais, cerca de 30% nos últimos meses de 1991 e a maioria no decorrer de 1992. A maior parte delas (70%) envolveu pacientes novos no Programa, e o restante — pacientes atrasados e sem controle —, quando de seu retorno ao tratamento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As estratégias utilizadas no CMS da VII RA, voltadas para a prevenção do abandono e recuperação de pacientes não-aderentes ao tratamento da hanseníase, tiveram uma participação importante na redução da proporção de pacientes sem controle, observada a partir de 1992. Entre as estratégias de busca ativa destacou-se a visitação domiciliar, cujo sucesso é atribuído ao fato de a mesma permitir um estreitamento na relação entre serviço e usuário.

Vale ressaltar que a possibilidade de aplicação dessas medidas teve como base um trabalho de equipe multidisciplinar, bem como a organização do sistema de informação do Programa e a disponibilidade e treinamento de profissionais para o manuseio e controle cotidiano dos arquivos. Por outro lado, foi indispensável o apoio técnico e material proporcionado pela coordenação do Programa a nível municipal.

Além da busca ativa, a implementação de um trabalho informativo dirigido aos pacientes do Programa, através de entrevistas individuais, revelou-se eficiente na prevenção do abandono e da irregularidade no tratamento.

Esta estratégia permite uma atenção especial aos pacientes, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos, seja por ocasião dos primeiros contatos com o serviço, seja quando de seu retorno após um período de interrupção do tratamento. Neste sentido, ela facilita a integração entre profissional e paciente e o estabelecimento de relações mais confiantes, que auxiliam o indivíduo acometido pela hanseníase a enfrentar as dificuldades associadas à doença. Recentemente têm sido também implementadas neste Centro de Saúde atividades com grupos de pacientes, a fim de enriquecer as discussões e as trocas de experiências.

A importância fundamental do acesso, por parte do paciente, à informação sobre a hanseníase é destacada por diversos autores (Matthews et al., 1980; Mull et al., 1989; Valencia, 1989), alguns dos quais enfatizam o papel que os primeiros contatos com o serviço podem desempenhar na continuidade do tratamento.

A definição de estratégias e abordagens visando a prevenção do abandono atingirá melhores resultados quanto mais esta se apoiar no conhecimento, por parte dos profissionais, acerca da população à qual se destina, em termos de suas representações e atitudes em relação à doença e seu tratamento (Claro, 1993; Elissen, 1991; Fassin, 1990; Neylan et al., 1988). Neste sentido, a investigação das percepções sobre a hanseníase e sobre os motivos da não-adesão ao tratamento deve ser estimulada nos serviços locais de saúde.

 

AGRADECIMENTO

Aos médicos José Lopes de Mesquita e Ronaldo Corrêa, pela inestimável contribuição na formação técnica da equipe e operacionalização do programa no CMS da VII RA.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CLARO, L. B. L., 1993. Hanseníase: Representações sobre a Doença. Estudo em População de Pacientes Ambulatoriais no Rio de Janeiro. Tese de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.        

ELISSEN, M. C. C. A., 1991. Beliefs of leprosy patients about their illness. Tropical and Geographical Medicine, 43: 379-382.        

FASSIN, D., 1990. Influence of social perceptions of leprosy and leprosy patients on public health programs. International Journal of Leprosy, 58: 111-114.        

MATTHEWS, C. M. E.; SELVAPANDIAN, A. J. & JESUDASAN, M., 1980. Health education and leprosy. Leprosy Review, 51: 167-171.        

MULL, J. D.; WOOD, C. S.; GANS, L. P. & MULL, D. S., 1989. Culture and "compliance" among leprosy patients in Pakistan. Social Science and Medicine, 29: 799-811.        

NEYLAN, T. C.; KENRAD, N. E.; SCHAUF, V. & SCOLLARD, D. M., 1988. Illness beliefs of leprosy patients: Use of medical anthropology in clinical practice. International Journal of Leprosy, 56: 231-237.        

SMS (Secretaria Municipal de Saúde), 1992. Relatório do Programa de Controle da Hanseníase - 1991. Rio de Janeiro: SMS. (Mimeo.)        

________ , 1993. Relatório do Programa de Controle da Hanseníase - 1992. Rio de Janeiro: SMS. (Mimeo.)        

VALENCIA, L. B., 1989. Social science research on social dimensions of leprosy: Where are we going from here? International Journal of Leprosy, 57: 847-863.        

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