ARTIGO ARTICLE

 

Crescimento e desempenho motor em escolares do município de Londrina, Paraná, Brasil

 

Growth and motor performance of schoolchildren from the city of Londrina, Paraná, Brazil

 

 

Dartagnan P. Guedes; Joana Elisabete R. P. Guedes

Departamento de Fundamentos da Educação Física da Universidade Estadual de Londrina. Rua da Lapa 300. Londrina, PR, 86015-060, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi desenvolver uma análise sobre o comportamento de variáveis que procuram evidenciar as características de crescimento e de desempenho motor em relação à idade cronológica e ao sexo, na tentativa de se estabelecer o nível de participação dos aspectos morfológicos na variação do desempenho funcional-motor em integrantes da população de escolares pertencentes ao município de Londrina, Paraná. A amostra utilizada constituiu-se de 1.180 sujeitos com idades entre 7 e 17 anos, selecionados aleatoriamente. As características de crescimento foram determinadas através das medidas de estatura e massa corporal. Quanto ao desempenho motor, foram administrados os testes de preensão manual, sentar-e-alcançar, flexões abdominais, salto em extensão parado e corridas de 50 e 1.000 metros. Foi possível concluir que, enquanto as variáveis relacionadas com o crescimento só começaram a apresentar diferenças entre os sexos a partir dos 15 anos de idade, com relação ao desempenho motor foram constatadas diferenças favorecendo os rapazes em quase todos os testes motores desde os 7 anos, elevando-se o dimorfismo sexual à medida que as crianças e adolescentes aumentavam de idade. Apesar de estatisticamente significativos, os baixos valores de correlação observados entre as medidas de estatura e massa corporal e os resultados dos testes motores permitiram concluir que padrões de crescimento elevados não asseguram, necessariamente, índices satisfatórios de desempenho motor.

Palavras-Chave: Crescimento; Atividade Motora; Estudantes


ABSTRACT

The purpose of this study was to develop an analysis concerning the behavior of variables aimed at characterizing growth and motor performance in relation to chronological age and gender, attempting to establish the level of importance of morphological aspects in modification of functional-motor activity in schoolchildren from the city of Londrina, Paraná, Brazil. The sample was composed of 1,180 randomly-selected subjects, from 7 to 17 years of age. Growth characteristics were determined by height and body weight. As for motor performance, tests for handgrip strength, sit-and-reach, sit-up, standing long jump, and 50- and 1000-meter races were applied. Analysis of results indicated that growth variables only begin to present important gender-based differences after 15 years of age, while for motor performance differences were found favoring boys in almost all motor tests from seven years on, with an increasing sexual dimorphism index as the children and adolescents grew. The low (albeit statistically significant) correlation between height/body weight and results of motor tests indicated that high growth patterns do not necessarily ensure a satisfactory motor performance index.

Key words: Growth; Motor Activity; Students


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, parece existir uma maior consciência no sentido de se abandonar o conceito tradicionalmente empregado em termos de saúde, procurando-se incorporar uma definição mais abrangente, que permita exprimir de forma mais objetiva a multiplicidade de aspectos que a envolve. Assim sendo, a saúde deve ser entendida não somente como "ausência de doenças ou enfermidades", mas, sobretudo, como um "estado de completo bem-estar físico, social e psicológico" (Bouchard et al., 1991).

Dentro desta concepção, é evidente que não basta não estar doente; é preciso apresentar evidências ou atitudes que afastem ao máximo os fatores de risco para as doenças. Ao se admitir que muitos sintomas não são nada mais que uma conseqüência de estágios mais avançados de maus hábitos de saúde, não se pode considerar, por exemplo, que crianças e adolescentes, ao apresentarem índices de crescimento aquém do esperado, ou quantidades de gordura não compatíveis com os limites admissíveis, ou, ainda, alguma deficiência em termos de desempenho motor, possam demonstrar um status de saúde satisfatório apenas porque, no momento, não estariam apresentando nenhum sintoma de qualquer tipo de doença.

Assim sendo, informações relacionadas a variáveis que procuram evidenciar características de crescimento, desempenho motor e suas interações podem se constituir em importantes indicadores dos níveis de saúde, os quais poderão auxiliar na prevenção primária e na promoção da saúde de crianças e adolescentes. Por este motivo, alguns países dispõem de uma grande variedade de estudos epidemiológicos que procuram documentar, analisar e compreender esta relação. No Brasil, apesar de toda a importância do assunto, não se observa a existência de um programa sistemático destinado a suprir estas necessidades, salvo umas poucas exceções envolvendo apenas algumas variáveis antropométricas isoladamente (Marques et al., 1982; INAN, 1990).

No presente estudo, procurou-se analisar o crescimento físico e o desempenho motor em relação à idade cronológica e ao sexo entre escolares do município de Londrina, Paraná, na tentativa de estabelecer níveis de participação dos aspectos morfológicos na variação do desempenho funcional-motor.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a elaboração deste estudo foram utilizadas as informações contidas num banco de dados construído a partir do projeto de pesquisa intitulado "Estudo do Comportamento dos Padrões de Crescimento e Desenvolvimento em Escolares do Município de Londrina — Paraná", desenvolvido entre 1988 e 1989, que inclui crianças e adolescentes de 7 a 17 anos de idade de ambos os sexos (Guedes, 1987).

Os procedimentos utilizados para a seleção da amostra obedeceram a uma seqüência de etapas, na tentativa de se obter uma amostragem estratificada aleatória que fosse representativa da população escolar do município. Para tanto, num primeiro momento, os escolares da rede pública estadual de ensino do município de Londrina, estimados em torno de 47 mil, foram classificados separadamente por sexo e faixa etária, segundo a escola em que estavam matriculados. Na seqüência, considerando-se a decisão de trabalhar com apenas 4 estabelecimentos de ensino dentre os 64 existentes, elaborou-se uma listagem ordenando as escolas com base no número crescente de alunos matriculados. A seguir, sorteou-se de forma aleatória a primeira escola e, através da utilização de um procedimento do tipo "ziguezague", realizou-se a seleção das três outras escolas incluídas no estudo.

Com relação ao tamanho da amostra, optou-se arbitrariamente por analisar cerca de 2,5% da população escolar que atendia às características estabelecidas no projeto, totalizando 1.180 sujeitos (Tabela 1). Quanto à escolha dos escolares, houve a preocupação de se obter uma representatividade proporcional em relação à população considerada, tendo como referência o número de escolares, em termos de sexo e faixa etária, para cada escola separadamente. Assim, cada escola selecionada para o estudo contribuiu com um número de escolares proporcional à sua representatividade em relação à população total. Para a seleção dos escolares a nível de cada escola, procedeu-se inicialmente ao sorteio de turmas constituídas especificamente para o desenvolvimento das sessões de Educação Física e, posteriormente, dentro de cada turma selecionada, sortearam-se os escolares necessários para compor a amostra representativa da escola.

 

 

Os critérios adotados para a exclusão de algum escolar sorteado para o estudo foram os seguintes: (a) recusa em participar da coleta de dados; (b) não-autorização dos pais ou responsáveis; (c) algum problema físico que o impedisse temporária ou definitivamente de realizar as medidas; e (d) não-comparecimento à escola no dia marcado para a coleta dos dados. Nestes casos, procedeu-se a um novo sorteio, na tentativa de repor as eventuais perdas.

As variáveis analisadas neste estudo foram, na área do crescimento, estatura e massa corporal; na área do desempenho motor, consideram-se os resultados de seis testes motores: força de preensão manual, sentar-e-alcançar, flexões abdominais, salto em extensão parado e corridas de 50 e 1.000 metros.

Para a determinação da estatura utilizou-se um estadiômetro com escala de medida de 0,1 cm, enquanto para a aferição da massa corporal foi empregada uma balança antropométrica com precisão de 100 g, aferida a cada dez pesagens, a partir da metodologia apresentada por Cameron (1986). Para o teste de força de preensão manual utilizou-se um dinamômetro ajustável da marca Harpenden, com marcações a cada 0,5 kg (até o máximo de 100 kg), calibrado periodicamente seguindo-se a padronização recomendada por Soares & Sessa (1987). Os demais testes motores foram administrados obedecendo-se às padronizações sugeridas por Safrit (1986).

A idade cronológica dos escolares foi determinada de forma centesimal, tendo como referência a data de coleta dos dados. Por outro lado, para a formação dos grupos etários, a idade inferior foi considerada em 0,50 e a idade superior, em 0,49, centralizando-se a idade intermediária em anos completos. Por exemplo, o grupo etário de 7 anos foi formado tomando-se esta idade como posição intermediária e agrupando-se as informações dos 6,50 até os 7,49 anos de idade.

Em face das limitações quanto ao espaço físico das escolas envolvidas no estudo, toda a coleta de dados foi realizada nas dependências do Centro de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina, no período de março a novembro de 1988. Para as medidas de estatura e massa corporal, além dos testes de força de preensão manual, sentar-e-alcançar e flexões abdominais, utilizou-se uma sala especialmente adaptada para este fim. O teste de salto em extensão parado foi realizado em uma quadra de esportes com superfície em cimento. Os testes de corrida de 50 e 1.000 metros foram realizados em uma pista de atletismo.

A equipe de avaliadores foi composta por dois professores de Educação Física os quais desempenharam as mesmas funções durante todo o processo de coleta dos dados. Anteriormente à coleta definitiva dos dados foram determinadas as medidas de reprodutibilidade através do coeficiente de correlação de Pearson, recrutando-se um grupo de aproximadamente 200 escolares que não participaram no estudo. Os resultados apontaram valores de r entre 0,76 (teste de flexões abdominais) e 0,98 (medidas de estatura).

O tratamento estatístico das informações foi realizado através do pacote SPSS, versão 3 (Norusis, 1990), em um microcomputador, recorrendo-se, num primeiro momento, aos procedimentos de estatística descritiva e, posteriormente, à análise de variância do tipo two-way, com interação envolvendo dois critérios de classificação: sexo e faixa etária. Empregou-se o Teste de Comparações Múltiplas de Scheffe para a identificação de diferenças específicas, Trabalhando-se com um nível de significância de 0,05. Para a determinação das relações quantitativas entre as variáveis antropométricas e de desempenho motor foram calculados, separadamente, por sexo, os coeficientes de correlação simples e parcial, controlando-se os efeitos da massa corporal e idade, ou da estatura e idade (Rothstein, 1985).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No tocante à ontogênese e ao dimorfismo sexual dos escolares, as Tabelas 2 e 3 apresentam estatísticas descritivas, enquanto a Figura 1 apresenta curvas de distância para cada variável de crescimento e de desempenho motor considerada.

 

 

 

 

Quanto à estatura, constata-se que, entre as moças, a curva mostrou-se essencialmente linear dos 7 aos 9-10 anos de idade, e entre os rapazes, dos 7 aos 12 anos. A partir destes pontos, ambas as curvas iniciaram um acentuado processo de deflexão em direção a valores mais elevados; entre as moças, por aproximadamente 2 anos, e entre os rapazes, por 3 anos.

Na seqüência, este incremento foi se tornando cada vez menos intenso, até alcançar uma espécie de platô: nas moças, próximo aos 14 anos de idade; nos rapazes, por volta dos 17 anos. Uma outra característica interessante observada foi o fato de as curvas se cruzarem em dois momentos distintos. Aos 7 anos de idade, os rapazes apresentaram uma estatura ligeiramente mais elevada, porém as moças apresentaram estatura maior aos 11 anos, estabelecendo o primeiro cruzamento entre as curvas. Esta situação se manteve durante os dois anos seguintes, quando os rapazes voltaram a se apresentar com maior estatura aos 13 anos, estabelecendo o segundo cruzamento. A partir de então, as diferenças entre os sexos passaram a aumentar paulatinamente até os 17 anos.

Com relação à massa corporal, embora a forma geral das curvas seja bastante similar à da estatura, o seu comportamento é mais pontiagudo em seu final entre os rapazes, refletindo um maior ganho de massa. Entretanto, apesar de a idade do primeiro cruzamento entre as curvas da massa corporal média de ambos os sexos, tornando as moças mais pesadas do que os rapazes, ter coincidido com o primeiro cruzamento entre as curvas da estatura média (i.e., 11 anos), somente aos 15 anos de idade ocorreu um novo cruzamento, invertendo a disposição dos valores e favorecendo os rapazes. Para a estatura, este segundo cruzamento entre as curvas ocorreu mais precocemente, aos 13 anos de idade. Deste modo, em média, as moças apresentaram-se mais pesadas do que os rapazes por 4 anos — dos 11 aos 15 anos de idade —, em comparação com a superioridade da estatura, que foi de apenas 2 anos — aos 11 e aos 12 anos de idade.

Em termos estatísticos, as diferenças intersexuais, tanto para a estatura como para a massa corporal, foram significativas aos 12 anos de idade, com valores superiores para moças, e a partir dos 15 anos de idade, com valores superiores para os rapazes. A despeito das comparações intrasexuais (Tabela 4), as quais procuram analisar as diferenças entre as faixas etárias num mesmo sexo, verificam-se também comportamentos similares para as medidas de estatura e massa corporal. Entre os rapazes, as diferenças foram estatisticamente significativas, em ciclos regulares a cada dois anos, até os 12 anos de idade, quando constatou-se o isolamento do grupo etário de 13-14 anos em relação aos demais. Dos 15 anos em diante, as diferenças observadas foram deixando de ser significativas em termos estatísticos. Por outro lado, entre as moças observou-se o isolamento de grupos etários mais precocemente — aos 11 anos de idade. Além disso, os incrementos deixaram de ser estatisticamente significativos já a partir dos 14 anos de idade.

 

 

Quanto às variáveis de desempenho motor, diferentemente do observado para a estatura e a massa corporal, percebe-se a existência de diferenças sexuais em quase todos os tipos de tarefas a partir dos 7 anos de idade (Tabela 3). Em geral, os rapazes apresentaram um aumento equilibrado, ao passo que as moças tenderam a alcançar o início de um platô por volta dos 13-14 anos, com um discreto aumento após este período, fazendo com que as diferenças sexuais se tornassem mais evidentes a partir destas idades, principalmente entre os testes motores que envolvem saltos e corridas (Figura 1). Comparando-se estes achados com outras informações existentes na literatura (Espenschade & Eckert, 1980; Branta et al., 1984; Thomas & French, 1985), parece existir um grande número de coincidências, levando a fortes evidências de que este comportamento evolutivo é o esperado em termos de desenvolvimento motor.

Com relação aos resultados do teste de preensão manual, verificam-se valores progressivamente maiores com o decorrer da idade em ambos os sexos. Quando da comparação entre os dois sexos, as diferenças observadas não foram estatisticamente significativas até os 13 anos, apesar de se constatar uma tendência a que, entre os rapazes, os valores fossem superiores aos das moças. Desta idade até os 17 anos, os rapazes apresentaram um aumento mais acentuado, de modo que, apesar de as moças também terem apresentado uma evolução importante até os 15 anos de idade, aos 17 anos elas produziam, em média, não mais que 65-70% da força absoluta dos rapazes. Estas diferenças, progressivamente maiores com a idade entre ambos os sexos, provavelmente justificam-se pelo fato de a puberdade provocar, no sexo masculino, um ganho mais acentuado de massa muscular, como resultado de uma maior produção de hormônios andrógenos (Malina & Bouchard, 1991).

Para ambos os sexos, os resultados do teste de salto em extensão parado apresentaram uma progressão linear até próximo aos 12-13 anos; depois, as moças iniciaram um processo de nivelamento, chegando, em alguns momentos, a apresentar um declínio em seu desempenho. Entre os rapazes, ao contrário, a capacidade de salto continuou a aumentar de forma progressiva até por volta dos 16-17 anos. As diferenças sexuais mostraram-se estatisticamente significativas dos 7 aos 17 anos, acentuando-se enormemente a partir dos 13-14 anos. Tudo indica que estas diferenças podem ser explicadas pela interação de uma série de fatores. Inicialmente, o desempenho no salto em extensão incorpora elementos de força e velocidade de movimentos. Na puberdade, os rapazes demonstram um ganho bastante acentuado nessas duas capacidades motoras, enquanto as moças, em razão dos menores níveis de circulação de andrógenos, tendem a apresentar ganhos inferiores. Além disso, entre as moças, a tendência a diminuir seu desempenho no salto ou a apresentar um nivelamento após os 12-13 anos pode ser atribuída a alterações na proporção da estrutura corporal provocadas pela maturação biológica, tendo como conseqüência uma diminuição na altura do centro de gravidade. Ademais, não se pode ignorar a influência dos aspectos socioculturais, traduzidos através de um estilo de vida mais sedentário, bastante comum entre as moças e, algumas vezes, muito acentuado no final da adolescência.

Quanto ao teste de sentar-e-alcançar, através do qual é exigida a participação da flexibilidade de várias articulações simultaneamente, verifica-se que as moças demonstraram valores médios relativamente estáveis dos 7 aos 13 anos, experimentando, na seqüência, um aumento discreto, porém constante, até os 17 anos. Os rapazes, contudo, apresentaram uma tendência de ligeiro declínio até os 12 anos, para logo em seguida demonstrarem uma pequena recuperação, o que se manteve até por volta dos 14 anos. Desta idade até os 16 anos foram constatados valores médios sem qualquer modificação. Diferentemente do que ocorreu com os demais testes, porém similar aos achados de outros estudos (Conger et al., 1982; AAHPERD, 1984; Thomas & French, 1985; Ross & Gilbert, 1985), as moças, em todas as idades, apresentararam valores médios superiores em relação aos rapazes, superioridade esta significativa estatisticamente a partir dos 9 anos. As diferenças anatômicas e a preferência por atividades onde os movimentos de flexibilidade são enfatizados, em detrimento de atividades mais vigorosas em termos de força/resistência muscular, podem ter favorecido estes resultados. Quanto às diferenças anatômicas, após a puberdade, os rapazes em geral tendem a apresentar maior comprimento de pernas, proporcionalmente à estatura, do que as moças (Malina, 1984), o que talvez possa explicar, em parte, a superioridade observada entre estas últimas. Ainda, a ligeira redução nos valores médios observados entre os rapazes até por volta dos 12 anos pode estar associada ao surto de crescimento pré-púbere, no qual os ossos longos apresentam um índice de crescimento longitudinal mais acentuado do que os músculos e tendões (Roche, 1986), provocando, entre os rapazes, uma dificuldade temporária em se alongar, até que seja atingido o catch-up de crescimento destas estruturas. Por outro lado, uma outra característica particular observada nos resultados deste teste foi o fato de as variações intrasexuais observadas entre os rapazes não terem sido estatisticamente significativas, apontando para uma curiosa semelhança dos 7 aos 17 anos de idade (Tabela 4).

Com relação aos resultados do teste de flexão abdominal, onde existe o envolvimento da capacidade de força/resistência deste grupo muscular, verifica-se que, em ambos os sexos, os valores médios aumentaram de forma discreta dos 7 aos 11 anos de idade. Depois, as moças tenderam a apresentar valores constantes até os 17 anos, enquanto os rapazes demonstraram um aumento bastante acentuado dos 11 aos 13 anos, com uma tendência a permanecer constante entre os 13 e os 15 anos e, na seqüência, a diminuir ligeiramente dos 16 aos 17 anos. Se, de um lado, a melhoria no desempenho dos rapazes até próximo à primeira metade da adolescência pode ser explicada pelo aumento simultâneo na força/resistência muscular, de outro, o nivelamento entre os 13 e os 15 anos pode ser atribuído ao fator teto no desempenho em testes desta natureza, onde é fixado um tempo máximo para a execução dos movimentos que, após atingir um certo limiar, deverá dificultar a realização de um número mais elevado de repetições, em razão do limite de tempo proposto.

Neste teste, a ligeira diminuição no desempenho, entre os rapazes, após os 16 anos de idade parece conflitar com a noção de uma evolução da força/resistência muscular na puberdade. Talvez as justificativas para este decréscimo não sejam de origem biológica, mas fundadas na existência de níveis também menores de atividade física entre os rapazes no final da adolescência e/ou numa menor motivação e cooperação por parte dos rapazes nesta idade. O fato de as moças alcançarem tão precocemente os resultados mais elevados, além de demonstrarem aumentos mínimos no período de maior incremento em termos de força/resistência, possivelmente é explicado em razão de, entre elas, a massa muscular aumentar numa proporção apenas moderada no início da puberdade, enquanto o acúmulo de gordura torna-se bastante acentuado, principalmente na região do quadril (Parizkova, 1982), dificultando a realização deste tipo de movimento.

Quanto ao teste de corrida de curta distância (50 m), onde a velocidade de deslocamento é exigida em todo o seu potencial, os resultados mostram que os rapazes apresentaram um aumento anual de desempenho dos 7 aos 17 anos de idade, ao passo que, entre as moças, constata-se que esta melhoria de desempenho ocorreu somente até os 14 anos, seguindo-se de uma tendência à estabilização. A velocidade com que as crianças percorreram os 50 metros foi significativamente maior entre os meninos desde as idades mais precoces. No entanto, as diferenças a favor dos rapazes tornaram-se ainda mais acentuadas a partir do início da adolescência. Haubenstricker & Seefeldt (1986) atribuem os menores desempenhos das moças nos testes de corrida de curta distância a desvantagens de ordem mecânica e funcional que ocorrem paralelamente à maturação sexual, associadas a menores níveis de motivação pessoal para a realização de tarefas motoras deste tipo. Por outro lado, os rapazes são favorecidos pelas alterações maturacionais, tendo ainda a seu favor uma maior motivação. Em termos estatísticos, a velocidade média com que as meninas de 11 anos percorreram os 50 metros foi similar àquela das moças de 17 anos, enquanto entre os rapazes esta semelhança foi detectada somente a partir dos 15 anos (Tabela 4).

Com relação ao teste de corrida de longa distância (1.000 m), entre os rapazes, os valores médios encontrados apresentaram uma melhoria constante até os 16 anos, observando-se, a partir de então, uma tendência a um ligeiro platô, o que possivelmente reforça a tendência a padrões de atividade mais sedentária ao final da adolescência. Quanto ao desempenho apresentado pelas moças, embora os valores tenham aumentado progressivamente até por volta dos 13 anos, na seqüência percebe-se uma clara tendência à diminuição, seguida por uma estabilização a partir dos 15 anos. Deste modo, até os 13 anos de idade, as diferenças entre os sexos foram constantes, dando a impressão de um certo paralelismo entre as duas curvas; porém, nos 4 anos seguintes, em razão de as moças terem apresentado uma tendência de queda do desempenho, enquanto os rapazes apresentaram um incremento bastante acentuado, as curvas seguem em direções opostas, aumentando substancialmente o dimorfismo sexual.

Em busca de uma explicação plausível para as diferenças entre os sexos no desempenho em testes de corrida de longa distância, Thomas et al. (1988) procuraram avaliar a relação dos resultados obtidos neste teste com fatores biológicos e ambientais. Estes autores constataram que a única variável biológica, ao longo de toda a infância e adolescência, que se relacionou com o desempenho na corrida foi a quantidade de gordura corporal, ou seja, as crianças e adolescentes com maiores quantidades de gordura percorriam longas distâncias mais lentamente. Contudo, ajustando-se os desempenhos dos testes à quantidade de gordura, entre as crianças menores de 10 anos foram observados índices de dimorfismo sexual bastante baixos. No entanto, durante a puberdade, os resultados mostraram que, apesar de as diferenças no desempenho em testes de longa distância entre os sexos reduzirem-se de forma bastante acentuada quando corrigidas pela quantidade de gordura, ainda assim os rapazes continuaram a apresentar índices elevados, refletindo, provavelmente, a influência de outros fatores biológicos além da quantidade de gordura. Entre eles, poder-se-ia citar, por exemplo, o maior comprimento das pernas, a massa muscular mais desenvolvida e a maior capacidade aeróbica entre os rapazes, possivelmente associados a fatores socioculturais. Conseqüentemente, admitindo-se que a quantidade de gordura corporal possa ser fortemente influenciada pela dieta e pelo nível de prática de atividade física, parece bastante provável que, antes da puberdade, as diferenças sexuais no desempenho em testes de corrida de longa distância sejam induzidas por fatores ambientais, ao passo que, após o início da puberdade, alguns fatores biológicos devam ser também considerados.

As informações relativas aos coeficientes de correlação simples (Tabela 5) revelam que os níveis de associação entre idade, estatura, massa corporal e resultados dos testes motores apresentaram, de forma geral, índices de magnitude moderada a moderamente alta, com uma tendência a valores mais elevados entre os rapazes. Os resultados de testes motores que exigem movimentos através dos quais o corpo tem de ser projetado ou transportado (por exemplo, salto em extensão e corridas de curta e longa distâncias) revelaram-se mais fortemente associados com a estatura e a massa corporal do que os demais. Contudo, assim como em outros estudos (Malina & Buschang, 1985), o teste de preensão manual foi o que demonstrou maior participação das medidas de estatura e massa corporal. Em ambos os sexos, os testes de sentar-e-alcançar e de flexões abdominais foram os que apresentaram menor relação com as variáveis de crescimento.

 

 

Deve-se ressaltar, contudo, que estes resultados de correlação entre variáveis de crescimento e de desempenho motor podem ser decorrentes das elevadas relações positivas da idade com a massa corporal e a estatura. Os resultados apresentados na Tabela 6 indicam que, controlados os efeitos da idade e da massa corporal, os coeficientes parciais de correlação entre as medidas de estatura e os resultados dos testes motores, apesar de permanecerem, em sua maioria, estatisticamente significativos, diminuíram de forma bastante acentuada. Quanto aos coeficientes parciais envolvendo as medidas de massa corporal, controlando-se os efeitos da idade e da estatura, constata-se um decréscimo ainda mais acentuado. Para os testes de salto e corridas, por exemplo, foram encontrados valores de r negativos, evidenciando uma relação inversa entre desempenho nestes testes e a massa corporal, independentemente da estatura e da idade dos escolares.

 

 

Estes resultados sugerem que o desempenho motor apresenta pouca dependência em relação às medidas de crescimento, especialmente no caso da estatura, controlando-se para idade e massa corporal, ou no caso da massa corporal, controlando-se para idade e estatura.

 

CONCLUSÃO

Este estudo, apesar da sua natureza transversal, indica que, embora as variáveis relacionadas com o crescimento só tenham começado a apresentar diferenças entre os sexos a partir dos 15 anos de idade, em quase todos os testes de desempenho motor foram constatadas diferenças favorecendo os rapazes desde os 7 anos, aumentando com a idade. Diversos fatores biológicos podem ter contribuído para um desempenho motor mais elevado entre os rapazes, entre eles: (a) um maior ganho de força, possivelmente associado a um aumento na secreção de hormônios andrógenos na puberdade; (b) um menor acúmulo de gordura próximo à puberdade; (c) uma pequena vantagem na dimensão corporal, traduzida pela estatura, que ocorre em todas as idades, exceto aos 11-12 anos; (d) vantagens anatômicas e biomecânicas específicas, como um comprimento de pernas e um design de quadril mais apropriados, favorecendo o sistema de alavancas no corpo; e (e) vantagens na função fisiológica, favorecendo a eficiência dos sistemas de produção de energia. Não se pode ignorar, contudo, a participação significativa dos fatores socioculturais, que tendem a encorajar mais os rapazes do que as moças na promoção de atividades que auxiliem no desenvolvimento das capacidades de movimento e na manutenção de esforços, mesmo frente ao desconforto físico provocado por alguns testes motores.

Quanto às relações entre crescimento e desempenho motor, os baixos valores dos coeficientes de correlação parcial, apesar de significativos em termos estatísticos, permitem concluir que padrões elevados de crescimento, traduzidos através das medidas de estatura e massa corporal, não asseguram, necessariamente, índices satisfatórios de desempenho motor. Deste modo, sugere-se que, nas rotinas de avaliação visando estimar o status de saúde dos escolares, sejam incluídas não apenas medidas direcionadas ao monitoramento do crescimento, mas também informações relacionadas ao desempenho motor.

 

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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