Leishmaniose Visceral no Estado do Maranhão, Brasil. A Evolução de Uma Epidemia
Visceral Leishmaniasis in the State of Maranhão, Brazil: Evolution of an Epidemic

Jackson M. L. Costa[1]
Graça Maria C. Viana
[1]
Ana Cristina R. Saldanha[1]
Maria D. S. B. Nascimento[1]
Aymoré C. Alvim[1]
Marcelo N. Burattini[2]
Antonio R. da Silva[1]

 

 

COSTA, J. M. L; VIANA, G. M. C.; SALDANHA, A. C. R.; NASCIMENTO, M. D. S. B.; ALVIM, A. C.; BURATTINI, M. N. & SILVA, A. R.. Visceral Leishmaniasis in the State of Maranhão, Brazil: Evolution of an Epidemic. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (2): 321-324, Apr/Jun, 1995.
The authors provide a brief report on the historical evolution of visceral leishmaniasis in the State of Maranhão, Brazil, evaluating possible factors for growth of the disease in the State and control measures by the Brazilian Ministry of Health to integrate health services finto the maintenance of control programs.
Key words: Visceral Leishmaniasis; Urbanization; Control Measures

 

 

Com o aparecimento dos casos de Leishmaniose visceral (calazar) em humanos no velho mundo, já no início do século, Migone (1913) diagnostica no Paraguai o primeiro caso autóctone brasileiro proveniente do estado de Mato Grosso. Posteriormente um outro caso de um paciente residente no Brasil, fora também diagnosticado distante de nosso país por Franchini & Montovani (1913).

Apesar de Chagas, em 1936, ter diagnosticado o primeiro caso de Calazar em vida no Brasil, acredita-se que em 1934 o estado do Maranhão observava o seu primeiro caso da doença, sendo o diagnóstico feito através de viscerotomia por Madureira Pará (apud Deane, 1958). Alencar, em 1961, afirmava que a migração de outros nordestinos, para o Maranhão, acabaria por torná-lo um novo foco da doença (Alencar, 1961; Penna, 1934). Fato realmente observado, pois até o ano de 1967, haviam sido diagnosticados e notificados 53 casos por viscerotomias e dois casos autóctones do município de São José de Ribamar, localizado na ilha de São Luís, relato este feito por Fiquene em 1964.

Brandão, em 1974, descreveu um novo caso autóctone da doença. Deste período até 1981, não houve relato da ocorrência de Leishmaniose visceral no estado, quando Silva et al., em 1982, diagnosticaram a doença em quatro crianças de uma mesma família residente na periferia da cidade de São Luís, descrevendo no mesmo ano um total de 39 casos autóctones de Leishmaniose visceral, instalando-se uma situação epidêmica com expansão da doença para outras áreas da ilha de São Luís. Até o ano de 1984, os dados acumulados demonstram que do total de casos registrados no estado, 71,896 eram procedentes da ilha de São Luís, sendo o município de São Luís responsável por 58,5%, seguidos por São José de Ribamar com 11,5% e 1,8% restantes diagnosticados na localidade de Paço do Lumiar (Fundação Nacional de Saúde, dados não-publicados).

Nesse período medidas de controle em relação a doença tais como: tratamento dos casos humanos, captura e eliminação dos cães vadios e soropositivos e dedetização intra e peridomiciliar nas áreas de risco foram adotadas, entretanto, o declínio da doença foi mantido apenas nos três anos subseqüentes. Na segunda fase da epidemia, a partir de 1988 houve franca expansão, principalmente em áreas suburbanas da ilha de São Luís, transformando o estado do Maranhão juntamente com o Piauí e Ceará nas áreas de maior problema em relação a L. visceral no Brasil. A Figura 1 mostra a distribuição dos casos ao longo dos anos e as principais localidades de onde procedem os pacientes.

 

 

Então pergunta-se: Porque ocorreu a expansão da Leishmaniose visceral no estado do Maranhão?

Já em 1961, Alencar afirmava que o estado do Maranhão apresentava condições favoráveis para a expansão da Leishmaniose visceral, pois era um local de constantes migrações de indivíduos de outros estados nordestinos endêmicos da doença. Tal afirmação foi constatada por Silva (1986) quanta a alta morbidade e mortalidade da doença na ilha de São Luís e por Costa et al. (1990) quando do seu modelo proposto para o calazar no meio do norte brasileiro.

A nossa habilidade em detectar, conter ou prevenir tal doença encontra-se comprometida, pois além da deficiência do sistema de vigilância, verfica-se uma grande deterioração dos sistemas de saúde a nível municipal, estadual e federal (Alencar, 1983, 1987; Deane, 1962; Silva, 1986). Está havendo uma mudança radical na epidemiologia da doença, com sua urbanização em nossas cidades (Pondé et al., 1942; Teixeira, 1980). Acredita-se que isto se deve em função de alguns fatores, como:

1. O Maranhão juntamente com o Piauí e Ceará constituem-se nos estados mais pobres da região nordeste; metade da população economicamente ativa, não tem renda e 8096 dos que trabalham recebem menos de um salário mínimo mensal; a seca inclemente que se abate sobre a região provocou um fluxo migratório, agravando o já delicado quadro social principalmente na ilha de São Luís, Maranhão. A presença de migrantes nas periferias urbanas contribui como fonte de infeçcão de indivíduos suscetíveis; nas áreas que experimentaram a epidemia, os componentes suscetíveis seriam fornecidos pelas crianças que ainda não foram infectadas.

2. Nas cidades a domiciliação do vetor Lutzomya longipalpis poderia ser estimulado por fatores como a urbanização recente por destruição de ecótopos silvestres, pela oferta de fontes alimentares humanas e animais, pela arborização abundante em quintais, criadouros ou acúmulos de lixo, presença de abrigos de animais silvestres dentro do perímetro urbano (fato observado comumente em São Luís); descontinuidade do serviço de entomologia e diminuição das operações com inseticida pela Fundação Nacional de Saúde (FNS-MA) em cerca de 50%, a partir de 1990.

Recentemente o Ministério da Saúde (MSBrasil), sensível ao problema, vem adotando um programa de emergência, visando controlar a doença no estado. Sendo um dos pontos em questão o incremento de estudos epidemiológicos de campo, visando esclarecer o papel de indivíduos com infecção assintomática na manutenção e transmissão da infecção em nossa região e a eficácia da eliminação de cães como medida de controle da doença.

 

 

RESUMO

COSTA, J. M. L.; VIANA, G. M. C.; SALDANHA, A. C. R; NASCIMENTO, M. D. S. B.; ALVIM, A. C.; BURATTINI, M. N. & SILVA, A. R. Leishmaniose Visceral no Estado do Maranhão, Brasil. A Evolução de Uma Epidemia. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (2): 321-324, abr/jun, 1995.
Os autores fazem um breve relato da evolução histórica da leishmaniose visceral no Estado do Maranhão, Brasil, avaliando as possíveis causas da expansão da referida doença no Estado, assim como as medidas de controle adotadas pelo Ministério da Saúde objetivando a diminuição da incidência da mesma.
Palavras-Chave: Leishmaniose Visceral; Urbanização; Medidas de Controle

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, J. E., 1961. Profilaxia do calazar no Ceará, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Luís, 3: 175-180.         

_____, 1983. Expansão do calazar no Brasil. Ceará Médico, 5 (1,2): 86-102.         

_____, 1987. Estudos sobre a epidemiologia de calazar no estado de Ceará, Brasil. Calazar canino versos calazar humano: aspectos profiláticos e históricos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 20: 156-157.         

BRANDÃO, A. A. R., 1974. Leishmaniose visceral no Maranhão. Relato de um caso. Revista da Sociedade de Parasitologia e Doenças Tropicais do Maranhão, 1: 95-99.         

CHAGAS, E., 1936. Primeira verificação em indivíduo vivo da Leishmaniose visceral no Brasil. Brasil Médico, 50: 221-222.         

COSTA, C. H. N.; PEREIRA, H. F. & ARAÚJO, M. V., 1990. Epidemia de Leishmaniose visceral no estado do Piauí, Brasil, 1980-1986. Revista de Saúde Pública, 24: 361-371.         

DEANE, L. M., 1958. Epidemiologia e profilaxia do calazar americano. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, 10: 431-450.         

DEANE, L. M. & DEANE, M. P., 1962. Visceral leishmaniasis in Brazil: Geographical distribution and transmission. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 4: 108-212.         

FIQUENE, S., 1964. Analogias parasitárias, novo tratamento de leishmaniose. Revista Maranhão Médico, 2: 09-18.         

FRANCHINI, G. & MANTOVANI, M., 1913. Di un nuovo parasita protozoario trovato nel sangue periférico ed epatico in un caso di infecionecronica mortale proveniente dal Brasile. Annals Medicine Naval de Colon, 19: 125-135.         

MIGONE, L. E., 1913. un caso de Kalazar en Assunción (Paraguay). Bulletin Societe Pathologic Exotique, 6: 118-120.         

PENNA, H. A., 1934. Leishmaniose visceral no Brasil. Brasil Médico, 48: 949-950.         

PONDÉ, R.; MANGABEIRA, O. & JANSEN, G., 1942. Alguns dados sobre a Leishmaniose visceral americana e a doença de Chagas no Nordeste Brasileiro (Relatório de uma excursão realizada nos estados do Ceará, Pernambuco e Bahia). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 37: 333-352.         

SILVA, A. R., 1986. Leishmaniose visceral americana. Evolução de uma Endemia de 1982 a 1985. Jornada de Parasitologia e Medicina Tropical, São Luís, Resumos, 9. (Mimeo.)         

TEIXEIRA, R., 1980. Experiências Vividas com a Leishmaniose visceral (aspectos epidemiológicos, sorológicos e evolutivos). Tese de Concurso para Professor Titular, Salvador. Universidade Federal da Bahia.         

 


[1] Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Maranhão, Pavilhão Pedagógico. Praça Madre de Deus, 2, São Luís, MA, 65025-560, Brasil.
[2] Escola Paulista de Medicina. Rua Botucaru, 840, São Paulo, SP, 04023-062, Brasil.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br