Ocorrência de Salmonella e Coliformes de Origem Fecal na Canela em Pó (Cinnamomum cassia Blume a Cinnamomum zeylanicum Nees) Comercializada em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Salmonella and Fecal Coliforms in Cinnamon (Cinnamomum cassia Blume and Cinnamomum zeylanicum Nees) Sold in the City of Florianópolis, Santa Catarina, Brazil

Jane Maria de S. Philippi [1]
Eliane Moretto [2]

 

 

PHILIPPI, J. M. S. & MORETTO, E. Salmonella and Fecal Coliforms in Cinnamon (Cinnamomum cassia Blume and Cinnamomum zeylanieum Nees) Sold in the City of Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (4): 624-628, Oct/Dec, 1995.
The microbiological quality of a hundred samples of ten differents commercial brands of a ground cinnamon (
Cinnamomum cassia Blume and Cinnamomum zeylanicum Nees) from supermarkets in the city of Florianópolis, Brazil, was assessed. Salmonella and fecal coliforms were determined. Results were negative for Salmonella Fecal coliforms values ranged from <3 to 2,400 MPN per g. 63% of the samples showed values from <3 MPN per g; 34% showed values ranging front 3 to 100 MPN per g, these being the legal acceptable values; 3% showed values >100 MPN per g. Fecal coliforms were detected in 37% of the cinnamon samples.
Key words: Cinnamon; Cinnamomum spp.; Salmonella sp.; Fecal Coliforms

 

 

INTRODUÇÃO

A canela em pó é o produto resultante da moagem da casca de Cinnamontum cassia Blume (canela-da-china) a de Cinnamomum zeylanicum Nees (canela-do-ceilão), sendo a canela-da-China parcialmente privada do súber e a canela-do-Ceilão totalmente privada do súber a de uma parte do parênquima cortical externo. Pertencente à família Laureaceae, possui células secretoras com conteúdo oleoso (Farmacopéia Brasileira, 1977; MS, 1978). Contém de 1 a 2% de óleos essenciais, onde se comprovou a presença das seguintes substâncias: aldeído cinâmico (75-90%), aldeído benzóico, ácido benzóico, éster do ácido cinâmico-cumarina, metil-orto-cumaraldeídó, éster metílico do ácido salicílico a ácido cinâmico (Gerhardt, 1973). As especiarias que contêm óleos essenciais de maior poder inibitório são o cravo, a pimenta-da-jamaica, a canela e a mostarda, sendo que na canela os componentes de maior efeito antimicrobiano são o aldeído cinâmico, o acetato cinâmico e o eugenol (ICMSF, 1985).

A maior parte das doenças infecciosas transmitidas pelos alimentos tem uma origem entérica, e por isso, um dos maiores perigos a que o consumidor está exposto é a contaminação por matérias fecais humanas ou animais (Ministério da Indústria e do Comércio, 1986). A Salmonella pode ocorrer em diversas especiarias, ainda que não seja freqüente (Leitão et al., 1974). De 0,7 a 20% de indivíduos podem ser portadores dessa bactéria e sua presença no alimento está vinculada ao manuseio anti-higiênico por portadores da mesma (Montes, 1977).

Os coliformes de origem fecal desenvolvem-se em matérias primas e alimentos obtidos de diferentes tecnologias, e não sendo constituintes da flora normal da maior parte deles, a sua presença pode ser utilizada como indicadora de contaminação indesejável (Ministério da Indústria e Comércio, 1986).

Em geral, os riscos sanitários que representa uma especiaria devem ser cuidadosamente avaliados em função do seu uso. A canela em pó requer matéria-prima de boa qualidade, assim como manipulação, embalagem e armazenamento adequados, para garantir sua pureza e suas características, assegurando sua inocuidade ao consumidor. Na maioria das vezes, a canela em pó é consumida sem, sofrer tratamento térmico. Pode assim contaminar o produto pronto, sem competidores bacterianos, que eventualmente já foram eliminados no preparo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada no Laboratório Central de Saúde Pública de Santa Catarina (LACEN/SC). As cem amostras foram coletadas em supermercados, escolhidas ao acaso como representativas do lote, e envolvendo todas as marcas comercializadas em Florianópolis. Na análise, as marcas foram codificadas em ordem alfabética de A a J, seguidas do número da amostra. Das dez marcas analisadas, oito eram de Santa Catarina e duas provenientes de São Paulo. Todas as marcas importavam o produto em casca da Indonésia e da Ásia.

Para isolamento e identificação de Salmonella, conforme bibliografia recomendada (Andrews et al., 1984; Peppler & Guarino, 1984; Poelma et al., 1984; Mac Faddin, 1980), realizaram-se as seguintes etapas:

• Pré-enriquecimento: 25 g de amostra foram homogeneizadas com 225 ml de água tamponada peptonada e incubada a 36°C por 16/18 horas em estufa bacteriológica.

• Enriquecimento: 1,0 ml do inóculo foi transferido para tubo de ensaio contendo 1 ml de meio enriquecido à base de tetrationato segundo Muller-Kauffmann, adicionado de 0,1 ml de solução de verde brilhante a 0,1% e 0,2 ml de solução de iodeto de potássio; outra alíquota de l,0 ml foi transferida para tubo de ensaio contendo 10 ml de caldo de enriquecimento selenito-cistina. Foram incubados a 43° C em BM.

• Isolamento: após 24 horas de incubação realizaram-se semeaduras em placas de Petri com meio seletivo para isolamento de Salmonella-Shigella (ágar SS) e com ágar lactose-sacarose-vermelho de fenolverde brilhante (ágar BG). Foram incubadas a 36° C por 24/48 horas.

• Identificação bioquímica: colônias suspeitas no ágar SS e no ágar BG foram transferidas para tubos de ensaio contendo meio Instituto Adolfo Lutz (meio IAL), incubados a 36°C por 24 horas, fornecendo as provas bioquímicas.

• Confirmação sorológica: realizada com Salmonella polivalente flagelar-H e Salmonella polivalente somático-O.

Para a determinação do número mais provável de coliformes de origem fecal, segundo metodologia específica (Mehlman et al., 1984; Oblinger & Koburger, 1984; Peppler & Guarino, 1984) realizaram-se as seguintes etapas:

• Preparo da amostra: 25 g de amostra homogeneizados com 225 ml de solução salina peptonada, fazendo-se diluições de 10-1, 10-2 e 10-3.

• Teste presuntivo: 1 ml de cada diluição foi transferido para tubos de ensaio contendo Bacto lauryl tryptose broth, com tubos de Duhran invertidos, incubados a 36°C por 24/48 horas em estufa bacteriológica, fazendo-se uma série de três tubos para cada diluição.

• Teste confirmativo: dos tubos do teste presuntivo que apresentaram produção de gás, retiraram-se alíquotas com alça de platina, para tubos de ensaio contendo caldo Escherichia coli e tubos de Duhran invertidos, que foram incubados a 44,5°C em BM.

Leitura dos resultados: os números de tubos com produção de gás foram comparados com a Tabela de NMP para diluições de 10-1, 10-2 e 10-3 com três tubos por diluição.

 

RESULTADOS

Das cem amostras analisadas de canela em pó, todas apresentaram ausência de Salmonella em 25 gramas, satisfazendo a legislação em vigor (MS, 1987). Os valores de coliformes de origem fecal variaram de <3 a 2.400 NMP/g, sendo que a média geométrica variou de <3 a 17,42 NMP/g, conforme demonstrado na Tabela 1.

 

 

Sessenta e três por cento das amostras apresentaram valores de coliformes de origem fecal <3 NMP/g; 34% apresentaram valores de 3 a 100 NMP/g; e 3% apresentaram valores de 100 a 2.400 NMP/g, conforme demonstrado na Tabela 2.

 

 

DISCUSSÃO

A presença de Salmonella em apenas uma amostra das dez analisadas de cada marca, tornaria esta marca imprópria para o consumo (MS, 1987), o que não ocorreu com nenhuma marca de canela em pó analisada.

Os coliformes de origem fecal são provenientes do manuseio inadequado no processamento do alimento, refletindo a sua qualidade higiênica (Banwart, 1989). Existe uma correlação entre a morbidade por gastroenterites e o nível de indicadores nos alimentos consumidos. Além disso, o seu uso para comprovar a qualidade do alimento é mais fácil, rápido, seguro e econômico do que a detecção de organismos patógenos (Ministério da Indústria e Comércio, 1986). O ideal seria que não fossem encontrados coliformes de origem fecal em nenhuma amostra (Jay, 1978), sendo que os dados apresentados são significativos para uma avaliação, pois 37% das amostras analisadas apresentaram coliformes de origem fecal.

 

CONCLUSÃO

Verificando os resultados obtidos, pode-se concluir:

• As amostras analisadas atendem as especificações da legislação em vigor do Ministério da Saúde, 1987, quanto à ausência de Salmonella.

• Quanto à presença de coliformes de origem fecal, 97% das amostras apresentaram-se de acordo com os limites da legislação em vigor (MS, 1987), 2% apresentaram "condições higiênico-sanitárias insatisfatórias" e 1 % "inaceitáveis para o consumo direto".

• Determinadas marcas analisadas demonstraram deficiências de um controle de qualidade industrial, podendo oferecer riscos para o consumidor.

 

 

RESUMO

PHILIPPI, J. M. S. & MORETTO, E. Ocorrência de Salmonella e Coliformes de Origem Fecal na Canela em Pó (Cinnamomum cassia Blume e Cinnamomum zeylanicum Nees) Comercializada em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (4): 624-628, out/dez, 1995.
Cem amostras de canela em pó de dez marcas diferentes comercializadas na cidade de Florianópolis, SC, foram submetidas à análise microbiológica, pesquisando-se Salmonella e coliformes de origem fecal. Em nenhuma amostra foi detectada Salmonella. Coliformes de origem fecal foram encontrados entre os valores <3 a 2.400 NMP/g. Das amostras analisadas, 63% apresentaram valores de <3 NMP/g; 34% apresentaram valores entre 3 e 100 NMP/g, limite este permitido pela legislação brasileira em vigor; e 3% apresentaram valores superiores a 100 NMP/g. A presença de coliformes de origem fecal foi detectada em 37% das amostras de canela em pó.
Palavras-Chave:.Canela Cinnamomum spp.; Salmonella sp.; Coliformes Fecais.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDREWS, W. H.; POELMA, P. L. & WILSON, C. R., 1984. Isolation and identification of Salmonella species. In: Bacteriological Analytical Manual (Food and Drug Administration), 6' ed., pp. 7.01-7.17, Arlington: AOAC.        

BANWART, G. J., 1989. Basic Food Microbiology. 2a ed, New York: An Avibook.        

BRASIL. Decreto no 78840 de 25.11.76. Farmacopéia Brasileira. 3a ed; São Paulo: Andrei.        

GERHARDT, U., 1973. Especias y Condimentos. Zaragoza: Acribia.        

ICMSF (International Commission on Microbiological Specifications for Foods), 1985. Ecología Microbiana de los Alimentos. II. Productos Alimenticios. Zaragoza: Acribia.        

JAY, J. M., 1978. Microbiología Moderna de los Alimentos. 2' ed, Zaragoza: Acribia.        

LEITAO, M. F. F.; DELASARI, 1. & MAZZONI, H., 1974. Microbiologia de alimentos desidratados. Coletânea do Instituto de Tecnologia de Alimentos, Campinas, 5: 223-241.        

MAC FADDIN, J. F., 1980. Pruebas Bioquímicas para la Identificación de Bacterias de Importancia Clínica. Buenos Aires: Médica Panamericana.        

MEHLMAN, I. J.; ANDREWS, W. H. & WENTZ, B. A., 1984. Coliform bacteria. In: Bacteriological Analytical Manual (Food and Drug Administration), 6a ed., pp. 501-507, Arlington: AOAC.        

MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 1986. Microbiologia Aplicada às Industrias Alimentares. 2a ed., Lisboa: Instituto de Tecnologia e Indústria.        

MONTES, A. L., 1977. Microbiología de los Alimentos. V. I. São Paulo: Resenha Universitária.        

MS (Ministério da Saúde), 1978. Resolução no 12178 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos. Aprova as normas técnicas especiais, do Estado de São Paulo, relativas a alimentos e bebidas. Diário Oficial da União, Brasília, 24 jul., Seção I, Parte I, p. 11521-5.        

_____, 1987. Portaria no 01/Dinal/MS de 28 de janeiro de 1987 da Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos. Aprova padrões microbiológicos. Diário Oficial da União, Brasília, 25 fev., Seção I, Parte I, p. 2197.        

OBLINGER, J. L. & KOBURGER, J. A., 1984. The most probable number technique. In: Compendium of Methods for the Microbiological Examination of Foods (American Public Health Association), 2a ed., pp. 99-111, Washington, DC: Marvil L. Speck.        

PEPPLER, H. J. & GUARINO, P. A., 1984. Spices and gums. In: Compendium of Methods for the Microbiological Examination of Foods (American Public Health Association), 2a ed., pp. 651-660, Washington, DC: Marvin L. Speck.        

POELMA, P. L.; ANDREWS, W. H. & SILLIKER, J. H., 1984. Salmonella. In: Compendium of Methods for the Microbiological Examination of Foods (American Public Health Association), 2a ed., pp. 286-320, Washington, DC: Marvin L. Speck.        

 


[1] Laboratório Central de Saúde Pública. Avenida Rio Branco, 197, Fundos, Florianópolis, SC, 88015-200, Brasil.

[2] Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina. Rodovia SC 404, Km 3, Itacorubi. Florianópolis, SC, 88034-001, Brasil.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br