ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

 

 

 

 

Gina Torres Rego Monteiro1
Rosalina Jorge Koifman1
Sergio Koifman1


Confiabilidade e validade dos atestados de óbito por neoplasias. II. Validação do câncer de estômago como causa básica dos atestados de óbito no Município do Rio de Janeiro

Reliability and accuracy of reported causes of death from cancer. II. Accuracy of stomach cancer reported in the municipality of Rio de Janeiro County, Brazil

1Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.  

Abstract Quality of data is a central concern in epidemiological studies, particularly when using secondary data. This study aims to carry out on reliability and accuracy of stomach cancer mortality data in the city of Rio de Janeiro. A simple random sample of 97 death certificates was obtained from a total of 645 stomach cancer deaths in 1990, and was used for validation. A questionnaire specifically designed to obtain clinical and laboratory data was completed for each case. Two physicians read this questionnaire and completed the new death certificates, allowing analysis of the instrument's reliability. A total of 86 cases were studied as a consequence of 11 losses (11.3%). Reliability analysis of questionnaires revealed 90.7% agreement according to stomach cancer diagnosis (kappa = 0.73). Accuracy was calculated by positive predictive value: 90.7%. Eight cases were discharged after clinical and laboratory revision. The study concludes that mortality data by stomach cancer in the city of Rio de Janeiro are very reliable, and that their level of accuracy is adequate for use in epidemiological studies.
Key words Reliability; Accuracy; Death Certificate; Mortality Statistics; Stomach Cancer; Positive Predictive Value  

Resumo A qualidade dos dados é questão central para o desenvolvimento de estudos epidemiológicos, especialmente quando se utiliza um banco de dados secundários. Este estudo tem por objetivo avaliar a confiabilidade da estatística de mortalidade por câncer de estômago no Município do Rio de Janeiro. Uma amostra aleatória simples de 97 das 645 declarações de óbito atribuídas à neoplasia de estômago em 1990, foi submetida à revisão do prontuário hospitalar para confirmação clínico-laboratorial, através de preenchimento de formulário específico para este estudo. A partir deste formulário, duas médicas completaram novo atestado de óbito, de forma independente, permitindo a análise da confiabilidade do instrumento. Foram estudados 86 casos, pois não foi possível encontrar dados para os demais, constituindo uma perda de 11,3%. A análise da confiabilidade do formulário de pesquisa apresentou concordância de 90,7% (kappa = 0,73) quanto ao diagnóstico de neoplasia de estômago entre as duas médicas. A validade foi calculada pelo valor preditivo positivo, que resultou em 90,7%. Oito casos foram descartados após revisão de dados clínicos laboratoriais. O estudo permite concluir que a estatística de mortalidade por neoplasia de estômago no Município do Rio de Janeiro é suficientemente válida para ser utilizada em estudos epidemiológicos.
Palavras-chave
Validade; Confiabilidade; Atestado de óbito; Mortalidade; Câncer de Estômago; Valor Preditivo Positivo

 

 

Introdução

 

A avaliação da qualidade dos dados tem se tornado uma preocupação crescente no desenvolvimento dos estudos epidemiológicos. Os registros de mortalidade constituem um banco de dados secundários muito utilizado para pesquisas pelos serviços de saúde e instituições acadêmicas. A partir do sistema de mortalidade desenha-se o perfil de distribuição dos óbitos na população, que é um subsídio importante para as decisões da política de saúde. A fonte das estatísticas de mortalidade é a Declaração de Óbito (DO) que, além de dar origem à certidão de óbito (documento de caráter jurídico), apresenta várias finalidades: subsídio para programas de saúde pública, localização de casos para investigação clínico-epidemiológica (notadamente para mortalidade infantil e doenças infecto-contagiosas), documento inicial para estudos retrospectivos, desfecho para estudos prospectivos, uso em seguros de vida e análises demográficas de tendências da mortalidade (CMCCD, 1958). No que se refere às neoplasias, os registros de mortalidade são particularmente importantes nas áreas onde não existe Registro de Câncer de Base Populacional. Conhecer a precisão e validade dos dados referentes aos óbitos por neoplasia traz respaldo para estudos desenvolvidos neste campo.

A DO vigente no Brasil apresenta um grande número de informações divididas em 8 grupos, sendo um deles o Atestado Médico do Óbito propriamente dito (AO). Sendo o AO instrumento fundamental para estudos de mortalidade, cada vez mais os pesquisadores estão atentos a suas possíveis deficiências. Avaliações da qualidade dos dados de mortalidade devem levar em conta duas vertentes: o processo que vai do diagnóstico ao preenchimento do AO e a codificação da causa básica de óbito. A primeira preocupação relativa à qualidade dos dados da DO foi com seu preenchimento completo (James et al., 1955). Estudos realizados no Brasil mostram que de um modo geral estão preenchidos os itens que se referem a se o óbito é ou não fetal, o nome do falecido e a causa da morte. Os relativos à assistência médica freqüentemente não são assinalados, e os que se referem a antecedentes sociais e obstétricos, assim como às violências, apresentam alta proporção de ignorados e em branco (Bredemeier et al., 1991; Heckmann et al., 1986; Pereira & Castro, 1981).

Ainda na primeira vertente são feitos estudos de validação que procuram comprovar as informações contidas no AO. Os erros acontecem por falta de treinamento para médicos no preenchimento adequado, propósito e processamento da DO, levando à informação médica incompleta. É observada uma tendência a atestar causas inespecíficas e categorias mal definidas, e o sistema de mortalidade não tem sido capaz de questionar os médicos ao serem encontradas inconsistências, diagnósticos inadequados, seqüências sem lógica ou informação omitida na DO que assinaram. Outro fator limitante para sua qualidade é que, sendo preenchida logo após o falecimento, ela não pode refletir informações que chegam mais tarde ao conhecimento do médico. A demora na publicação das estatísticas de mortalidade dificulta os estudos de validação (Comstock & Markush, 1986; Gittelsohn, 1982). Em estudo mais recente, Ron et al., (1994) alertam para a extrema dificuldade em melhorar a qualidade do AO e afirmam que, a despeito dos erros freqüentes, deve-se continuar utilizando os dados obtidos dele, porque são relativamente completos e obrigatórios por lei, os de incidência são difíceis de coletar e, em última instância, não se dispõe de dados melhores para mortalidade. Concluem que, embora seja importante estar ciente da baixa validade do diagnóstico das DOs, muitos estudos baseados nelas são altamente informativos.

O sistema de mortalidade pode ser avaliado em três aspectos: extensão de sua cobertura, percentual de DOs firmadas por médico, e consistência da informação médica nelas contida (Corral & Noboa, 1990). A cobertura de cada Estado é calculada através de percentual de municípios com informação regular, sendo assim considerado aquele que, além de ter coletado óbitos durante todo o ano, informar no mínimo 6 óbitos por 1000 habitantes e esta quantidade representar, pelo menos, 90% dos óbitos inscritos no Registro Civil (MS, 1988). O percentual de municípios com informação regular para mortalidade no Estado do Rio de Janeiro variou entre 98 e 100%, de 1979 a 1989. A proporção de DOs firmadas por médico é satisfatória, pois os óbitos sem assistência médica são incluídos no grupo dos óbitos por Sintomas, Sinais e Afecções Mal Definidas, que variou de 3,6 a 4,5%, no mesmo período (Paula et al., 1994). O terceiro aspecto da avaliação, consistência da informação médica no AO, pode variar muito dentro do conjunto de afecções segundo a dificuldade em chegar ao diagnóstico de certeza, necessidade de suporte laboratorial, e assim por diante, devendo, portanto, ser específico para doenças e populações.

Segundo Morgenstern (1989), validade é o grau em que as medidas tomadas por uma variável observada refletem os valores verdadeiros dos atributos que elas se propõem a mensurar; em outras palavras, o quanto as medidas são corretas para todos indivíduos. Um modo de avaliar a validade de uma medida é sua comparação com um critério que é assumido como perfeitamente válido, o chamado padrão-ouro. Este estudo considera como padrão o novo AO, completado a partir de um formulário de pesquisa que foi preenchido através da revisão dos prontuários.

Os estudos de validade podem ser feitos para o conjunto das neoplasias ou para alguma localização específica. As neoplasias congregam um grupo de afecções com grande diversidade quanto ao comportamento clínico, fatores de risco e proteção, tratamento, além de grau diferenciado de dificuldade para confirmação diagnóstico-laboratorial. Esta realidade aponta para gradientes de concordância bastante distintos quanto aos diversos tumores, relativizando a validade de uma medida global. Partindo desta premissa, optou-se por estudar as localizações mais freqüentes, limitando os resultados a elas.

A revisão de prontuários tem sido utilizada como referência para avaliar a consistência da informação médica contida no atestado médico do óbito (Alderson & Meade, 1967; Carvalho et al., 1990; Corral & Noboa, 1990; Duchiade et al., 1989; Holmes et al., 1981; Laurenti, 1974; Laurenti et al., 1990; MacDonald, 1938; Muñoz, 1987; Niobey et al., 1990; Pañella et al., 1989; Percy et al., 1981; Puffer & Griffith, 1968; Schnitman, 1990; Strozzi et al., 1985). Esses trabalhos não permitem comparações entre si, uma vez que apresentam grandes diferenças quanto à metodologia, à época e países onde foram realizados. Alguns analisam a concordância, ou seja, a reprodutibilidade dos dados, enquanto outros testam sua validade, utilizando algum padrão-ouro. Entretanto, algumas observações merecem ser destacadas.

Em estudos que abordaram as várias causas de óbito, as neoplasias apresentaram melhores índices de validade (Alderson & Meade, 1967; Laurenti, 1974; Pañella et al., 1989; Strozzi et al., 1985). Outra informação digna de nota é que os médicos deixam de informar algumas afecções por eles mesmos diagnosticadas e registradas no prontuário hospitalar (Laurenti, 1974), sendo que o estudo específico para câncer de Percy et al. (1981) encontrou que mais da metade dos óbitos codificados como neoplasia de localização inespecífica na DO tinham definição no prontuário.

Os estudos epidemiológicos de neoplasias, no Rio de Janeiro, são restritos aos registros hospitalares e dados de mortalidade, uma vez que não existe Registro de Base Populacional no Estado. A utilização de dados secundários torna mais importante a avaliação de sua validade no início do estudo, para evitar inferências enganosas. Não há, todavia, menção na literatura de validação dos registros de mortalidade por neoplasias no Estado do Rio de Janeiro, embora representem a terceira causa de óbito.

A lacuna em uma avaliação mais recente da precisão da estatística de mortalidade por neoplasias, no Estado, foi em parte preenchida pela primeira parte deste estudo: "Confiabilidade e validade dos atestados de óbito por neoplasias. I. Confiabilidade da codificação do conjunto das neoplasias no Estado do Rio de Janeiro" (Monteiro et al., 1997). Observou-se excelente confiabilidade, com coeficiente kappa de 0,95 (95% IC 0,94-0,96), para a Lista Brasileira para Mortalidade. O valor preditivo positivo de 95,7% (95% IC 93,1-98,3), para a mesma lista, também foi bastante elevado. A metodologia utilizada no estudo - comparação da codificação oficial do AO com nova codificação do mesmo documento feita por técnico independente - sofre da restrição de avaliar apenas o documento final, não podendo verificar possíveis erros anteriores ao seu preenchimento. Como os codificadores utilizam as mesmas regras de seleção, é esperado que se encontre alta concordância. Para superar este limite é necessário um estudo de validação que retome a história do paciente para chegar ao diagnóstico da causa de óbito, produzindo novo AO, considerado como padrão.

Este artigo refere-se à validação da mortalidade por neoplasia maligna de estômago, que representou a segunda causa mais freqüente no total de óbitos por câncer no Estado do Rio de Janeiro em 1990, ultrapassada apenas pelos tumores de pulmão para os homens e de mama para as mulheres. A importância desta patologia é assinalada pela estimativa da Coordenação de Programas de Controle do Câncer (Pro-Onco) de que será, em 1995, a segunda neoplasia em incidência no Brasil e na Região Sudeste. Na análise por sexo, estimam que será a primeira entre os homens, tanto no país quanto na região, enquanto para mulheres será a segunda na região e a terceira no Brasil. O Pro-Onco estima que a mortalidade por neoplasia gástrica irá também ocupar o segundo lugar entre os homens e o terceiro entre as mulheres no país em 1995 (MS, 1994).

Parkin et al. (1988) estimaram o número de casos e a taxa de incidência dos 16 sítios mais comuns de tumores, nas 24 áreas geográficas que as Nações Unidas utilizam para estimativas populacionais. Encontraram que o câncer de estômago foi o mais freqüente (10,5%), seguido pelo de pulmão (10,4%). Contudo, eles acreditam que esta ordem tende a mudar nos próximos anos, devido à tendência decrescente do primeiro e crescente do segundo.

A literatura aponta os tumores menos acessíveis, ou de órgãos internos, como os mais sujeitos a erros diagnósticos (Bauer & Robbins, 1972; Corral & Noboa, 1990; Engel et al., 1980; Gobatto et al., 1982). As neoplasias de estômago podem ser incluídas neste grupo, embora atualmente se disponha de grande arsenal apropriado para o diagnóstico diferencial com outras afecções gastrointestinais altas (Sherman Jr. & Hossfeld, 1989). No entanto, nem sempre se tem acesso aos exames laboratoriais necessários, além de ser comum a utilização de tratamentos sintomáticos, adiando a investigação diagnóstica (Peterson, 1972). Também pode ocorrer erro quando o médico se depara com um paciente terminal, às vezes com quadro de neoplasia disseminada, e atribui o óbito a causa mal definida, por não ser informado de investigações prévias que confirmaram o câncer primário (Rutqvist, 1985).

A neoplasia maligna de estômago corresponde à categoria 151, na 9a Revisão da CID, com o quarto dígito especificando o sítio anatômico. Um atestado de óbito bem preenchido deve informar a localização precisa do tumor, evitando que a única codificação possível seja 151.9, "neoplasia maligna do estômago, não especificado". Por outro lado, também é difícil classificar um AO no qual estão firmados dois ou mais tumores, especialmente quando não está especificado qual é o primário. Outra situação delicada é a informação de metástase e de carcinomatose, pois tanto podem referir-se a câncer primário apresentando disseminação quanto a tumor secundário, sendo o primário desconhecido (Percy & Muir, 1989).

O objetivo do presente estudo é validar a informação oficial de óbitos devidos a câncer de estômago no Município do Rio de Janeiro.    

 

 

Material e métodos  

 

Este trabalho faz parte de um conjunto de estudos sobre a qualidade da declaração de óbito por neoplasia no Estado do Rio de Janeiro. Ao ser iniciado, os dados de mortalidade mais recentes para o Estado do Rio de Janeiro eram os referentes a 1990, disponíveis no Centro de Ciência e Tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz. Este banco de dados continha as principais informações da DO, segundo os critérios do Ministério da Saúde. As DOs originais encontravam-se arquivadas por ordem de registro no Centro de Informação de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.

Esta parte do estudo pretende avaliar a validade do diagnóstico firmado no Atestado de Óbito para as neoplasias mais freqüentes, através da elaboração de novo AO a partir da revisão de prontuários. Como a análise desta questão em nível estadual seria demasiado ampla e de difícil operacionalização, foi decidido restringi-la às mortes de residentes da capital, Município do Rio de Janeiro, que concentra mais da metade dos óbitos e é uma cidade desenvolvida, com ampla rede de ambulatórios e hospitais. Em decorrência desta opção, os resultados do estudo referem-se apenas à Capital.

Foram selecionadas 97 DOs para estudo de validação, obtidas por amostra aleatória simples, entre as 645 mortes atribuídas a câncer de estômago em 1990, nos residentes do Município do Rio de Janeiro.

Para determinar o tamanho da amostra, levaram-se em conta trabalhos anteriores que fizeram revisão do processo que levou à morte, compararam-se os dados obtidos com os do AO e encontraram-se, para neoplasia maligna de estômago, valores preditivos positivos superiores a 80% (Laurenti, 1974; MacDonald, 1938; Percy et al., 1981; Ron et al., 1994). Utilizou-se, então, uma proporção estimada de 80% (p = 0,80), um nível de confiança de 95% (a = 0,05) e uma margem de erro relativo de 10% (e = 0,1), obtendo um tamanho de amostra de 97. Foram portanto selecionadas, por Amostragem Aleatória Simples, 97 DOs codificadas pelo sistema oficial como neoplasia maligna de estômago.

Pelo número de registro das DOs sorteadas, pôde-se encontrá-las no arquivo e copiar os dados de identificação do falecido, assim como local de ocorrência do óbito e nome do médico atestante. Estas informações eram suficientes para iniciar a busca dos óbitos hospitalares. Para os domiciliares, foi importante contar com a rotina da Secretaria de Estado de Saúde que, sendo responsável pela distribuição das DOs em branco, implantou um sistema de controle com numeração ordenada, que permite averiguar para quem foram entregues (médico ou instituição) as DOs preenchidas que retornam ao sistema de mortalidade.

A pesquisa dos óbitos domiciliares foi realizada através das seguintes etapas:

• verificação de quem recebeu a DO em branco, pela possibilidade de a instituição de saúde ter assegurado aos familiares o fornecimento do atestado de óbito para casos que decidiram terminar seus dias na sua residência;

• nos casos em que não foi possível esta verificação, buscou-se coletar a informação a partir dos dados de identificação do falecido (nome, data de nascimento e óbito, nome da mãe), nos grandes hospitais, onde se foi preencher questionário de outros pacientes que lá faleceram;

• quando não foi localizado nenhum registro do falecido naquelas instituições, fez-se contato telefônico com o médico que assinou a DO, a fim de obter confirmação diagnóstica.

Desta forma, foram coletados dados de 86 óbitos. Não foi possível obter informação de 11 (11,3%) óbitos porque seus prontuários não foram encontrados no local onde faleceram. Esses foram considerados perdas.

A coleta dos dados foi realizada a partir de formulário desenhado para levantar os dados clínico-laboratoriais específicos para confirmação diagnóstica de neoplasia gástrica, assim como a causa do óbito informada. A mesma pesquisadora fez todo o trabalho de campo e completou um novo Atestado de Óbito, considerado padrão-ouro para o estudo de validade. Para validar este instrumento, a partir dos mesmos formulários e sem conhecimento dos atestados anteriores, portanto de forma independente, uma médica oncologista clínica completou um novo atestado de óbito, que serviu para análise de concordância. Os atestados preenchidos pela pesquisadora e pela oncologista clínica foram codificados por técnica do Centro de Informação de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, segundo as normas da CID-9 (OMS, 1985). Foram, então, comparadas as causas básicas dos óbitos pesquisados para verificar concordância entre os dois novos atestados, utilizando um teste de concordância entre 2 avaliadores, a estatística kappa de Cohen (Fleiss, 1981).

A validade do registro oficial de mortalidade por neoplasia maligna de estômago foi medida pelo valor preditivo positivo, isto é, foi avaliada a probabilidade de que uma DO assim codificada corresponda verdadeiramente a um óbito devido à neoplasia de estômago. Tal validade foi calculada através da razão entre os óbitos codificados como neoplasia gástrica pelo padrão-ouro (novo Atestado de Óbito) e o total da amostra (neoplasias de estômago segundo a classificação original).    

 

 

Resultados

 

Foram revistos 86 prontuários a partir de 97 DOs obtidas por amostra das 645 mortes atribuídas a câncer de estômago em 1990, nos residentes do Município do Rio de Janeiro. O sexo masculino representou 61,6% do total de óbitos e 70,9% da amostra estudada, compatível com a razão de sexo ao redor de dois, encontrada em muitos países, para as taxas de incidência e mortalidade (La Vecchia et al., 1994). A distribuição por estado civil, grau de instrução e área de residência da amostra foi bastante similar ao conjunto dos óbitos por neoplasia gástrica. Os óbitos ocorreram acima dos 40 anos de idade, com concentração na faixa de 60 a 79 anos, na amostra, repetindo o perfil do conjunto dos óbitos, onde apenas 3,3% faleceram antes de completar 40 anos. Nos dois grupos, os óbitos hospitalares representaram mais de 80% do total. Foi assinalada a realização de exames complementares em cerca de 65% dos AOs em ambos os grupos. Foram submetidos a cirurgia 35,8% do conjunto dos óbitos e 39,5% da amostra, segundo informação oficial. Apenas 2,6% do total e 2,4% da amostra foram submetidos à necropsia (Tabela 1).

 

 

Não foram encontrados os prontuários de 11 (11,3%) óbitos, considerados perdas. A análise destas, em relação às variáveis acima relacionadas, apresentou uma distribuição bastante homogênea com a da amostra, exceto para sexo e local de ocorrência do óbito. A razão de sexo entre as perdas foi de 1,2, enquanto na amostra era de 2,4. Quanto ao local de ocorrência, as perdas foram maiores nos óbitos domiciliares e em hospitais universitários, enquanto na amostra predominavam os hospitais próprios do INAMPS e seus conveniados, sendo que a perda foi mínima neste conjunto de hospitais (Tabela 2).

 

 

Como se pode verificar na Tabela 3, dentre os 86 óbitos estudados foram localizados e confirmados no próprio hospital todos os que ocorreram em hospitais particulares não conveniados com o INAMPS, hospitais universitários, especializados e das forças armadas. Apenas um dos que ocorreram em hospitais próprios do INAMPS não foi confirmado nele, mas em hospital especializado. Mais da metade dos óbitos ocorridos em hospitais de emergência ou pronto atendimento (SES/SMS/PAM/PS) não tinha prontuário no local da ocorrência do óbito, mas foram resgatados em pesquisa em hospitais especializados, universitários ou próprios do INAMPS. Quanto aos óbitos domiciliares, 5 foram localizados em hospitais especializados e o contato telefônico com os médicos que assinaram o AO dos demais permitiu completar o formulário de outros 6, sendo que, para dois deles, o que se obteve foi a informação de que os pacientes estiveram internados em hospitais (um em próprio do INAMPS e outro em hospital particular) nos quais os dados foram obtidos. Laudo da AIH (Autorização de Internação Hospitalar) e apenas quadro clínico compatível prevaleceram em óbitos de hospitais conveniados do INAMPS (Tabela 3).

 

 

No que se refere ao método de confirmação diagnóstica, o grau de certeza foi estabelecido de acordo com a seguinte seqüência: necropsia, histologia, citologia, endoscopia digestiva alta (EDA), seriografia esôfago-estômago-duodenal (SEED), laparotomia exploradora (cirurgia), laudo médico para emissão da AIH e quadro clínico. Muitos casos tiveram comprovação por mais de um meio diagnóstico. A confirmação histológica ou citológica foi observada em 51,2% dos casos (as 2 necropsias tinham também histologia positiva). Como era de se esperar, a maior parte das histologias foi colhida através de endoscopia; portanto, foram consideradas pelo critério de EDA, SEED e cirurgia apenas aqueles casos em que só havia laudo macroscópico. Em 19,8% dos casos, o diagnóstico foi clínico ou por laudo da AIH, por não se ter encontrado no prontuário nenhum resultado de exame comprobatório, configurando-os, portanto, como casos de menor certeza (Tabela 4).

 

 

Na análise da confiabilidade do formulário de pesquisa, 70 óbitos foram confirmados, e 8 descartados, como devidos a câncer de estômago tanto pela pesquisadora quanto pela médica oncologista clínica. Foi encontrada uma concordância entre as duas profissionais de 90,7% (95% IC 84,6-96,8), com coeficiente kappa de 0,73 (95% IC 0,64-0,82) (Tabela 5).

 

 

Tomando como padrão os AOs preenchidos pela pesquisadora, foram confirmados 78 casos como neoplasia maligna de estômago, enquanto oito foram descartados. Um, devido a erro de codificação, foi sorteado como estômago mas tratava-se de neoplasia de esôfago mal classificada pelo codificador. Em outros três casos a revisão hospitalar encontrou diagnóstico firmado de outra neoplasia: mais um caso de neoplasia de esôfago, um de carcinoma epidermóide em borda esquerda de língua (terço médio e anterior) e um de pâncreas. Os dois primeiros tiveram comprovação histológica e o terceiro, cirúrgica. Em quatro outros casos a suspeita de neoplasia gástrica foi descartada durante a internação, por EDA ou SEED, mas não se chegou a um diagnóstico preciso (Tabelas 4 e 6).

 

Entre os 78 óbitos confirmados como neoplasia gástrica, 77 (98,7%) tinham sido codificados como 151.9, que corresponde à "neoplasia maligna de estômago sem localização especificada", e apenas um, como 151.2, "neoplasia maligna do antro pilórico". O novo atestado de óbito, preenchido pela pesquisadora, permitiu melhor codificação, pois, entre os 78, apenas 39 (50,0%) continuaram com o código 151.9, enquanto 16 (20,5%) foram codificados como 151.2, 9 (11,5%) e como 151.4 "neoplasia maligna do corpo gástrico", 7 (8,9%) como 151.0 "neoplasia maligna do cárdia", 5 (6,4%) como 151.5, "neoplasia maligna da pequena curvatura, não especificada" e 2 (2,6%) como 151.6, "neoplasia maligna da grande curvatura, não-especificada" (Tabela 7). Vale observar que 63 dos 70 AOs preenchidos pela médica oncologista clínica foram codificados como 151.9 "neoplasia maligna de estômago sem localização especificada".

 

 

O valor preditivo positivo para óbitos por neoplasia maligna de estômago para o Município do Rio de Janeiro, considerando a revisão feita pela pesquisadora, foi de 90,7% (IC ± 6,1). Este resultado foi obtido acatando como neoplasia gástrica todos os óbitos em que a pesquisa não detectou outro diagnóstico. Ao se considerar o novo AO feito pela médica oncologista, o valor preditivo positivo foi de 81,4% (IC ± 8,2). Uma avaliação mais severa poderia considerar como positivos apenas os casos com confirmação laboratorial, excluindo-se, portanto, os 16 óbitos que ficaram com diagnóstico clínico e laudo da AIH (Tabela 4). Neste caso o valor preditivo seria de 72,1% (IC de ± 9,5). Acredita-se que seja ínfima a probabilidade de todos estes casos serem descartados.    

 

 

Discussão  

 

O valor preditivo positivo de 90,7%, encontrado para óbito por câncer de estômago no Município do Rio de Janeiro, indica a boa qualidade dos dados de mortalidade do Estado do Rio de Janeiro, no que se refere a essa causa básica.

O formulário de pesquisa possibilitou a revisão de dados clínicos e laboratoriais dos óbitos estudados. Pode-se observar na Tabela 5 que houve discordância em apenas 8 casos: foram considerados como câncer de estômago pela pesquisadora e descartados pela oncologista clínica. Esses foram os 8 óbitos classificados como "confirmados pelo quadro clínico" (Tabela 4), o que significa que não foi encontrado na revisão do prontuário nenhum exame de laboratório que confirmasse nem que excluísse neoplasia gástrica. A oncologista clínica preencheu o AO com o resumo da história clínica (causa básica hemorragia digestiva ou desconhecida e diabetes ou insuficiência cardíaca como causa contribuinte, por exemplo), enquanto a pesquisadora acatou a opinião do médico que firmou o AO original, frente ao quadro clínico do paciente, embora não o tendo registrado completamente no prontuário.

O resultado do presente estudo é semelhante ao encontrado por Percy et al., (1981) que, a partir dos dados do 3o Inquérito Nacional de Câncer, realizado em 2 estados e 7 regiões metropolitanas dos Estados Unidos, de 1969 a 1971, estudaram 48.826 óbitos comparando a informação do inquérito com os dados da DO. Encontraram um valor preditivo positivo de 90,9 (desvio padrão de 0,6) para câncer de estômago. Em estudos restritos a óbitos hospitalares, Laurenti (1974) observou valor preditivo positivo de 81,8 e Pañella et al. (1989) encontraram 85,0 (desvio padrão, 8,0). Na investigação dos óbitos de 12 cidades latinoamericanas, Puffer & Griffith (1968) quantificaram em 86,1 o valor preditivo positivo para câncer gástrico.

A pesquisa destes óbitos, ocorridos em 1990, foi feita em 1994, portanto, dentro de um período de 5 anos após o último manuseio do prontuário. De um modo geral os hospitais utilizam dois locais para arquivar os prontuários: guardam no arquivo médico do próprio hospital os que estão sendo movimentados e enviam para outro local, às vezes distante do hospital, os prontuários dos pacientes que faleceram no último ano e daqueles que deixaram de freqüentá-lo há alguns anos. Esta situação demanda a busca dos prontuários em dois locais, quando não há registro na ficha de matrícula da transferência para o arquivo morto. O arquivo hospitalar geralmente é mantido ordenado, mas o arquivo morto não, sendo mais difícil para os próprios funcionários encontrar nele os prontuários. Este foi um fator de perdas.

Uma realidade a ser considerada é a existência das Casas de Apoio, hospitais conveniados com o INAMPS que recebem pacientes fora de possibilidade terapêutica (os chamados FPT), cujas famílias não podem mantê-los no domicílio por problemas sociais. São locais que recebem pacientes crônicos terminais, particularmente cardiopatas e doentes de câncer, não tendo estrutura montada para fazer exames ou tratamentos mais específicos. Normalmente os pacientes são encaminhados para estas casas após serem esgotados os recursos diagnósticos ou terapêuticos em hospitais especializados ou próprios do INAMPS. Entretanto, quando só chegam a esses hospitais na fase final da doença, são transferidos mesmo sem diagnóstico de certeza. O processo da transferência exige uma justificativa no laudo médico para a autorização de internação hospitalar (AIH), onde geralmente é informada a doença de base, mas quase nunca são agregados dados de exames ou tratamentos realizados. O diagnóstico escrito no laudo da AIH, tenha sido ele bem ou mal definido, é o que irá para o AO, quando do falecimento do paciente. Esta realidade foi responsável por diagnósticos errôneos e sem comprovação laboratorial (Tabela 3).

A Tabela 3, que apresenta os locais onde se obtiveram dados para o diagnóstico do caso, mostra a baixa qualidade dos prontuários dos hospitais conveniados com o INAMPS, pois em apenas 6 dos 21 óbitos que ocorreram neles foi encontrada confirmação histológica ou citológica, sendo que apenas uma com relato no prontuário e as demais detectadas por pesquisa em outros hospitais.

Embora o valor preditivo para mortalidade por neoplasia de estômago tenha sido bom, vale a pena pontualizar algumas possíveis explicações para os erros encontrados.

Oito casos foram descartados enquanto neoplasia de estômago (Tabela 4). Um breve relato destes casos poderá elucidar porque foram descartados. O caso de carcinoma de língua recebeu diagnóstico histológico um ano antes do falecimento do paciente em hospital especializado. Fez radioterapia de forma irregular e submeteu-se à gastrostomia para receber alimentos e medicação três meses antes do óbito, que ocorreu no domicílio. Um dos casos de câncer de esôfago sofreu erro de codificação, enquanto o outro tem endoscopia conclusiva para câncer de esôfago, com laudo da biópsia de adenocarcinoma infiltrante. A neoplasia de pâncreas foi à cirurgia com suspeita de neoplasia gástrica invadindo pâncreas, mas a descrição do ato cirúrgico referia câncer de pâncreas invadindo estômago por contigüidade. Houve dois casos em que a revisão dos prontuários permitiu supor malignidade pelo quadro clínico, mas afastou neoplasia de estômago pela endoscopia, que identificou apenas hérnia de hiato em um caso e úlcera pré-pilórica, cuja histologia apresentou gastrite crônica superficial, no outro. A paciente que faleceu por descompensação de insuficiência cardíaca congestiva, foi transferida de casa de saúde particular para hospital especializado com suspeita de neoplasia gástrica, afastada por exames específicos. Recebeu diagnóstico de pancreatite aguda e cardiomiopatia congestiva. Por fim, o caso de "causa de óbito desconhecida" esteve internado em hospital especializado que recomendou sua transferência porque, após vários exames, concluiu não tratar-se de doença maligna.

Muitos pacientes foram encaminhados para hospitais especializados, universitários ou próprios do INAMPS, com suspeita clínica de câncer de estômago, para confirmação diagnóstica e tratamento. A maioria teve comprovação diagnóstico-laboratorial, enquanto alguns casos foram descartados e, quando se esgotaram as possibilidades terapêuticas, transferidos para hospitais de apoio. Como o presente estudo pesquisou apenas óbitos devidos a câncer de estômago, não deveria encontrar esses últimos casos: suspeitos e afastados. De modo surpreendente, encontrou os dois descritos acima que, ao falecerem, foram novamente rotulados como câncer de estômago. Uma possível explicação é a não-realização de sumário de alta (pouquíssimos dos hospitais visitados o fazem), levando o médico que preencheu o laudo da AIH a copiar a hipótese diagnóstica de internação, não revisando todo o prontuário. Outra possibilidade é o atestado ter sido preenchido de acordo com as informações de familiares, pela ausência de dados na AIH ou resultados de exames.

Os hospitais particulares, que atendem pacientes possuidores de planos de saúde, normalmente devolvem ao paciente (ou a familiares) todos os exames realizados antes e/ou durante a internação. Em alguns casos as conclusões dos exames são anotadas no prontuário no dia em que o resultado chega às mãos do médico assistente. Entretanto, nem sempre isto é feito, perdendo-se uma informação importante. Os óbitos domiciliares, firmados por médicos durante seu turno de trabalho em locais de pronto atendimento (PS, PAM), não possuem qualquer registro nestes serviços de saúde. O contato pessoal com alguns destes médicos permite afirmar que o diagnóstico colocado no AO é decorrente de informações colhidas junto a familiares, com base em dados laboratoriais, quando disponíveis. Por outro lado, quando o óbito domiciliar foi de cliente de consultório particular, em geral o médico se recordava do caso. Entretanto, nem sempre podia dar informações, pois é comum eliminar os registros no consultório quando o paciente falece. Houve casos em que o médico não havia acompanhado o doente, mas foi chamado para firmar o AO por cliente seu, que era familiar do falecido. Em dois desses casos, os respectivos médicos informaram em que hospital havia sido diagnosticada a neoplasia de estômago do óbito que atestaram.

O fato de se ter obtido comprovação por histologia ou citologia em apenas 51,2% dos casos confirmados como neoplasia maligna de estômago é um limite para os resultados, uma vez que é indicativo da qualidade duvidosa do registro do diagnóstico de uma parcela dos prontuários revistos para se fazer o novo atestado de óbito. Na Tabela 4 pode-se verificar que 14 pacientes foram submetidos à endoscopia cujo laudo macroscópico foi compatível com neoplasia de estômago, mas não havia laudo histológico da biópsia no prontuário. Em dois casos de hospital próprio do INAMPS, havia relato de falta de material apropriado para biópsia, impedindo sua realização durante a endoscopia. Também 4 casos com diagnóstico cirúrgico não tinham laudo de histologia no prontuário. Dezesseis casos (20,5%) foram acatados como neoplasia gástrica pela clínica compatível ou laudo da AIH, sem que houvesse relato de comprovação laboratorial no prontuário. Há que se considerar que houve casos em que o paciente foi a óbito em curto espaço de tempo após a internação, não chegando a realizar os exames solicitados.

A utilização do relato do prontuário médico como referência para a causa de óbito é outro limite deste trabalho, porque nem sempre todos os dados clínico-laboratoriais do processo que levou à morte estavam ali anotados. Além do mais, este mesmo prontuário foi a fonte da DO original. Entretanto, não há melhor registro daqueles dados, pois os sinais, sintomas e resultados laboratoriais foram anotados à medida que chegavam ao conhecimento do médico, evitando o viés de memória decorrente da entrevista aos vários profissionais que cuidaram do paciente, ou a seus familiares, pois não se pode esperar que tenham guardado os resultados dos exames por tanto tempo. Por outro lado, a pesquisa permitiu uma revisão cuidadosa do prontuário inteiro, com objetivo de chegar a um diagnóstico de certeza, o que nem sempre foi possível para o médico que atestou o óbito, premido entre o atendimento aos demais pacientes e a solicitação da DO pela família do falecido. Esta situação pode ser exemplificada pela Tabela 6, que demonstra que praticamente a metade das neoplasias de estômago sem especificação de localização, segundo o AO oficial, recebeu localização específica no novo AO.

Outro limite refere-se à restrição a óbitos cuja causa básica foi neoplasia maligna de estômago, não avaliando a ocorrência de óbitos por câncer gástrico atribuídos a outra causa. Os dados da investigação "Características de la Mortalidad Urbana" (Puffer & Griffith, 1968) permitem calcular a proporção de falsos-negativos para neoplasia de estômago naquele estudo: 0,65%. O tamanho de amostra necessário para detectar um evento tão raro é muito grande, tornando a pesquisa operacionalmente inviável.

O estudo anterior, de confiabilidade da codificação da causa básica do conjunto das neoplasias, encontrou uma concordância simples de 95,7%, com kappa de 0,95, para o Estado do Rio de Janeiro, segundo agrupamento utilizado para publicações oficiais, a Lista Brasileira para Mortalidade. Este resultado comprovou que o processo de codificação das neoplasias apresenta excelente confiabilidade. Porém, ele não dava conta da validade da informação registrada no AO. O presente estudo abordou esta questão para o câncer de estômago de residentes do Município do Rio de Janeiro e encontrou valor preditivo positivo de 90,7% (ou, na pior das hipóteses, 72,1%), confirmando a qualidade da informação da estatística de mortalidade para esta neoplasia.

Os problemas aqui detectados apontam para a necessidade da conscientização de médicos e estudantes de medicina, quanto à importância do cuidado nas anotações no prontuário médico, bem como no preenchimento da declaração de óbito. Outro ponto a ser destacado é a importância de se agregar o resumo da história clínica, os resultados dos principais exames realizados e o tratamento instituído, quando houver transferência de um paciente para outro hospital, permitindo à equipe que irá acompanhá-lo, melhor conhecimento do caso e, portanto, tratamento mais adequado. Estes cuidados certamente iriam garantir a disponibilidade de estatísticas vitais ainda melhores.    

 

 

Conclusões  

 

A revisão dos óbitos codificados como neoplasia maligna de estômago encontrou o limite da falta de informação, no prontuário, dos resultados de exames realizados durante a doença. Este ponto foi especialmente crítico nos hospitais de apoio, que possuem suporte laboratorial mínimo, e para onde foram transferidos pacientes fora de possibilidade terapêutica. Em geral estas transferências são feitas sem nenhum documento que relate a história clínica e/ou resultado de exames, contando apenas com o diagnóstico escrito no laudo da AIH. Também nos hospitais particulares freqüentemente não foram encontrados resultados de exames, porque é usual devolvê-los aos familiares do paciente, sem registro no prontuário. Os serviços de pronto atendimento médico e prontos-socorros costumam receber pacientes terminais e atestar óbitos domiciliares; nestas situações, não abrem prontuário, mas um boletim de emergência de difícil localização quando mais antigo. A não-localização de prontuários foi o mais importante fator de perda.

Mesmo com estas restrições, o estudo de validação da neoplasia maligna de estômago apresentou um alto valor preditivo, 90,7%. Houve comprovação por histologia ou citologia em 52,6% dos casos confirmados, diagnóstico macroscópico em outros 26,9% e apenas clínico em 20,5%.

Os resultados deste trabalho permitem concluir que as estatísticas de mortalidade por neoplasia de estômago do Município do Rio de Janeiro são suficientemente válidas para serem utilizadas em estudos epidemiológicos.

 

 

Agradecimentos  

 

A Angela Maria Cascão, responsável pelo Departamento de Dados Vitais da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, por permitir o acesso às DOs arquivadas e por codificar os novos atestados preenchidos após a revisão dos prontuários. A Marise Souto Rebelo por revisar os formulários de pesquisa que produziram o novo atestado de óbito.

 

 

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