ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

 

 

João Paulo Lyra da Silva1
Evandro da S. F. Coutinho2,3

Paulo Duarte Amarante4


Perfil demográfico e sócio-econômico da população de internos dos hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro  

Demographic and socioeconomic characteristics of patients from psychiatric hospitals in the city of Rio de Janeiro

 

 

1 Superintendência de Serviços de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Rua Afonso Cavalcante 455/808, Rio de Janeiro, RJ 20211-110, Brasil.
2 Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, 8o andar, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.

3 Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, Bloco D, 7o andar, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ 20559-900, Brasil.

4 Núcleo de Estudos Político-Sociais em Saúde, Departamento de Planejamento e Administração em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, 7o andar. Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.
  Abstract Knowledge on the characteristics of patients admitted to psychiatric hospitals is essential to adequate care, yet such information is not always available. A survey was conducted on patients in the 20 psychiatric hospitals in the city of Rio de Janeiro, Brazil. This paper presents demographic and socioeconomic data on the study population: 3223 persons (66.0% male; 52.6% under 40) on October 24, 1995. 73.8% had not finished elementary school; 25.5% were illiterate. 71.6% of the males and 61.1% of the females were single. Both groups had the same divorce percentage (13%). 43.1% of patients had jobs at the time of first admission, but only half had kept them by the time of this survey. Some 50% of the patients only received visits at extended intervals or not at all. This finding, plus the fact that 37.4% had been hospitalized for more than one year and 65.1% did not leave the hospital during holidays or weekends, provides a picture of their social isolation. The findings are discussed based on epidemiological data, and hypotheses are suggested to explain some of the results.
Key words Psychiatric Hospitals; Inpatients; Mental Health; Socioeconomic Factors; Patients  

Resumo O perfil dos pacientes internados em hospitais psiquiátricos, embora fundamental para implementação de mudanças na política assistencial, nem sempre é conhecido. Realizou-se um censo dos pacientes nos vinte hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro. Neste artigo, são apresentadas as características demográficas e sócio-econômicas dos 3.223 pacientes (66,0% homens; 52,6% com idade inferior a 40 anos) em 24 de outubro de 1995. Dentre estes, 73,8% não haviam completado o 1o grau e 25,5% eram analfabetos; 71,6% dos homens e 61,1% das mulheres eram solteiros. Homens e mulheres eram divorciados/separados em igual proporção (13%). À época da primeira internação 43,1% dos pacientes tinham atividade laborativa remunerada. Porém, no momento do censo, apenas metade mantinha essas atividades. Cerca de 50% dos pacientes não recebia visitas ou estas eram esporádicas. Esse dado, juntamente com os fatos de 37,4% estarem internados há mais de um ano e de 65,1% não saírem de licença do hospital, caracteriza uma situação de isolamento. Os resultados do censo são discutidos tendo com base em dados epidemiológicos, e hipóteses são formuladas para explicar alguns desses achados.
Palavras-chave Hospitais Psiquiátricos; Pacientes Internados; Pacientes; Saúde Mental; Fatores Sócio-Econômicos

 

 

Introdução

 

Nos últimos vinte anos, a organização do setor saúde no Brasil vem passando por muitas mudanças, entre as quais a descentralização administrativa dos serviços e a tomada de decisão política. Como exemplo, citamos a criação dos conselhos municipais, estaduais e federal de saúde, as conferências municipais e estaduais de saúde, e os novos mecanismos de repasse de verbas do governo federal para os governos municipais.

Dentro desse contexto, e buscando estabelecer novas bases para a assistência psiquiátrica, está em curso uma reforma nos serviços de saúde mental. Nesta, tem-se procurado enfatizar a atenção diária e as alternativas à hospitalização integral, em paralelo a um trabalho social visando transformar a relação da sociedade com os portadores de problemas mentais.

Em meados de 1994, dentro do processo de descentralização exigido pela implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), tornou-se premente um diagnóstico da utilização dos serviços de internação psiquiátrica no Município do Rio de Janeiro. Só naquele ano, ocorreram 108.424 internações psiquiátricas pelo SUS, o que representou 14% do total de admissões em hospitais. O custo dessas internações foi de US$ 39.728.218, quase um quinto do gasto total com hospitalizações (IPLANRIO, 1993/1994).

Após se identificar o diagnóstico da utilização desta rede hospitalar como um elemento importante no planejamento de um novo programa de saúde mental no âmbito do município, a primeira etapa foi a realização de um censo da população de internos em hospitais psiquiátricos com o objetivo de conhecer:

a) seu perfil demográfico e sócio-econômico;

b) seu perfil clínico;

c) o perfil da assistência.

Uma experiência nesse sentido ocorreu no final da década de 80, com a realização de um censo de pacientes crônicos da Colônia Juliano Moreira, um grande asilo de alienados, situado na cidade do Rio de Janeiro. O censo teve como motivação principal reavaliar e reorientar as metas de um programa que vinha sendo desenvolvido naquela instituição desde 1981. Tinha ainda como um de seus objetivos específicos identificar a clientela, com ênfase nos problemas psicossociais (Keusen et al., 1988; Keusen & Lima, 1994).

Neste primeiro artigo relativo ao censo dos internos de hospitais psiquiátricos na cidade do Rio de Janeiro, apresentamos os dados mais relevantes sobre o perfil demográfico e sócio- econômico desses pacientes.

 

 

Material e métodos

 

População do estudo

 

A população pesquisada era formada por todos os pacientes internados nos vinte hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro, por intermédio do SUS, no dia 24 de outubro de 1995. A exceção foram os pacientes da Colônia Juliano Moreira, pois somente os internos do Hospital Jurandir Manfredini foram incluídos neste estudo. A razão foi que a Colônia Juliano Moreira, com exceção do referido hospital, é um macroasilo, com características distintas dos demais hospitais da cidade do Rio de Janeiro. A lista de pacientes internados foi obtida de três fontes: listagem enviada pelos hospitais, AIH (Autorização para Internação Hospitalar) e visita aos hospitais que não enviaram a lista.

 

Instrumento

 

O instrumento utilizado foi um questionário com 48 itens, dividido em três seções: identificação, dados sócio-econômicos e demográficos, dados clínico-assistenciais. O instrumento foi pré-testado num estudo-piloto realizado em agosto de 1995, no Instituto Psiquiátrico Adauto Botelho, do Centro Psiquiátrico Pedro II.

 

Coleta de dados

 

A coleta de dados foi feita por noventa profissionais de nível superior da área de saúde, com especialização em saúde mental. Os pesquisadores receberam treinamento durante uma semana e foram divididos em seis equipes, que se reuniam semanalmente com o supervisor.

O trabalho de campo durou dois meses. Os dados foram obtidos mediante entrevistas com os médicos, assistentes sociais, pessoal administrativo, pacientes e familiares (quando possível), e diretamente dos prontuários médicos e arquivo dos hospitais. Cada pesquisador repetiu a coleta de dados de três internos que haviam sido alocados originalmente para outro pesquisador de campo, para avaliar a confiabilidade interavaliador.

 

Banco de dados

 

Os dados coletados foram armazenados num sistema de manutenção de cadastro, em linguagem Clipper, utilizando-se as rotinas padrão da Assessoria de Informática da Subchefia de Assuntos Técnicos da Secretaria Municipal de Saúde-RJ. A digitação foi feita por 27 pesquisadores selecionados entre aqueles que haviam participado do trabalho de campo, além de seis digitadores contratados especialmente para esse fim. Um programa foi elaborado para identificar inconsistências internas, visando reduzir os erros de digitação.

 

Análise dos dados

 

Estimativas de prevalência global e estratificadas segundo categorias das variáveis demográficas, sociais e econômicas.

 

 

Resultados

 

No dia 24 de outubro de 1995, havia 3.223 pacientes internados nos vinte hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro. Desses, 2.126 (66,0%) eram homens e 1.097 (34,0%) eram mulheres. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos internos por gênero e idade, podendo observar-se que metade deles tinha menos de quarenta anos. As mulheres eram mais velhas que os homens, e cerca de um terço delas tinha cinqüenta anos ou mais, contra um quinto dos homens.

 

 

 

A naturalidade era desconhecida para 344 internos. Dentre aqueles para os quais a informação estava disponível, 26,7% haviam nascido fora do Estado do Rio de Janeiro. Havia uma proporção maior de pacientes nascidos fora do estado entre aqueles com mais de 39 anos (34,7%) do que entre os mais jovens (19,5%). Dentre os migrantes, cerca da metade era natural de estados do Nordeste, e pouco mais de um terço havia nascido em outros estados da Região Sudeste que não o Rio de Janeiro. Essas proporções não diferiram segundo o grupo etário. Quanto à naturalidade, 41 pacientes eram estrangeiros, 23 dos quais eram portugueses.

Dois terços dos pacientes eram solteiros, isto é, não tinham e nunca tiveram uma relação conjugal estável. Observou-se ainda que a proporção de solteiros era mais elevada entre os homens. Segundo o gênero dos internos, não houve diferença para a categoria divorciados/ separados. A proporção de mulheres viúvas foi cerca de quatro vezes maior do que a de homens.

Dentre aqueles para os quais obteve-se informação sobre a escolaridade, 25% eram analfabetos e 49% não haviam completado o equivalente ao primeiro grau do ciclo escolar (Tabela 3). A proporção de analfabetismo era maior entre aqueles com menos de trinta anos, sendo ainda mais elevada entre os menores de vinte anos. Entre os internos que haviam concluído o primeiro grau, 34% concluíram o segundo grau e 6% tinham cursado a universidade. Não houve diferença do padrão de escolaridade segundo o gênero.

 

 

A ocupação foi investigada com referência a dois momentos na vida dos internos: na época da primeira internação e na internação avaliada pelo censo. Por ocasião da primeira internação psiquiátrica em suas vidas, 43,1% dos pacientes tinham ocupação laborativa geradora de renda. Essa proporção caiu para 22,8% por ocasião da internação investigada pelo censo, revelando que, ao longo das internações, cerca da metade dos internos havia perdido a atividade laborativa provedora de rendimentos.

A Tabela 4 apresenta a origem da renda dos internos. Destes, 30% não tinham nem renda própria nem algum tipo de renda familiar. Essa proporção era maior entre as mulheres. A proporção de pacientes sem renda decrescia à medida que a idade aumentava, passando de 54,6% entre menores de vinte anos para 22,6% entre aqueles com mais de 49 anos.

 

 

Dentre os 2.991 internos dos quais foi possível obter informação sobre previdência, 50,9% não possuíam qualquer tipo de vínculo previdenciário.

Na Tabela 5, apresentamos a distribuição dos internos de acordo com o tipo de vínculo social estável de proteção, isto é, com quem esses pacientes podiam contar. De acordo com a informação obtida junto ao próprio paciente, aos médicos e assistentes sociais, cerca de um quinto deles não contava com familiares ou amigos. Os grupos etários extremos, ou seja, abaixo de vinte e acima de 49 anos, eram aqueles nos quais havia maior proporção de pacientes que não contavam tanto com familiares, quanto com amigos. Não houve diferença desta variável quanto ao gênero do paciente.

 

 

Não recebiam visitas 892 internos (27,8%), e, em 25,3%, estas aconteciam esporadicamente, com intervalos superiores a um mês. Não haviam saído do hospital durante a internação 2.099 internos (65,1%), dado que, associado ao tempo de internação, traça um quadro do grau de relacionamento/isolamento desses pacientes com o mundo externo ao hospital. Na Tabela 6, observa-se que cerca de metade desses pacientes estavam internados há mais de três meses, e um terço estava há mais de um ano. Os grupos etários extremos (<20 e 50 anos) apresentaram as maiores proporções de internações com duração acima de um ano. Não houve diferença importante para o tempo de internação entre homens e mulheres.

 

 

Quanto à situação jurídica, 3,8% dos internos eram curatelados, 3,7% estavam sub judice e 5,0% estavam sob medida de segurança.

A Tabela 7 apresenta os diagnósticos que os psiquiatras dos hospitais haviam atribuído aos internos, na data mais próxima à pesquisa. Embora o diagnóstico, assim como outras variáveis clínico-assistenciais, sejam objeto de um próximo artigo, cabe chamar atenção para o fato de que quase metade dos pacientes receberam o diagnóstico institucional de esquizofrenia. As oligofrenias e transtornos envolvendo o abuso de álcool ficaram em segundo lugar, com cerca de 10% cada. As grandes diferenças, por gênero, ocorreram na categoria psicoses afetivas, com marcante predomínio no grupo feminino, e transtornos ligados ao álcool (psicose e dependência), que foram mais prevalentes entre os homens. Cabe assinalar que 15,8% dos pacientes não tinham diagnóstico.

 

 

 

Discussão

 

O primeiro aspecto a se destacar nesses achados é o predomínio do sexo masculino entre os internos (66%). Essa distribuição é bastante diferente da distribuição populacional dos maiores de 14 anos residentes na cidade do Rio de Janeiro, onde os homens constituíam 46% da população (IPLANRIO, 1993/1994). Difere ainda daquela encontrada por Keusen & Lima (1994), no censo de crônicos da Colônia Juliano Moreira, onde havia um predomínio de mulheres (57%), mais próximo do padrão observado na população geral.

Uma possível explicação para tal discrepância seria o fato de o alcoolismo e a psicose alcoólica serem mais prevalentes entre homens. No entanto, essas duas categorias diagnósticas juntas não ultrapassaram 10% do total de casos internados nesses hospitais. Os grupos diagnósticos esquizofrenia, outras psicoses não orgânicas e oligofrenias, que somavam 60% dos diagnósticos desses pacientes, não costumam apresentar diferenças marcantes segundo gênero na população geral (Keith et al., 1991; Karno & Norquist, 1995). Somente nas oligofrenias mais leves há maior prevalência em meninos (Bregman & Harris, 1995). Portanto, pode especular-se que um dos motivos para o predomínio masculino entre as internações psiquiátricas na cidade do Rio de Janeiro seja a probabilidade maior de homens serem internados na presença de algum tipo de transtorno psicótico, em comparação com as mulheres.

A estrutura etária dos internos nos hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro era bastante diversa daquela observada em pacientes crônicos da Colônia Juliano Moreira. No caso do primeiro grupo, metade tinha menos de quarenta anos, enquanto na Colônia apenas 9,3% encontravam-se nesta faixa etária. O fato de a proporção de mulheres com mais de cinqüenta anos ser mais elevada do que a de homens corresponde, possivelmente, à maior esperança de vida desse grupo. Dados censitários mostram que a razão feminino/masculino, na população geral, cresce com a idade. Já a maior proporção de migrantes no grupo etário mais velho deve ser uma conseqüência do padrão de migração do País, que, de 1930 a 1980, dirigiu-se para o oeste paulista e para as grandes cidades, como o Rio de Janeiro (Tavares & Monteiro, 1994). Entretanto, na década de 80, registrou-se uma redução desse movimento (Duchiade, 1995).

Foi bastante elevada a proporção de solteiros (que viviam sem cônjuge ou parceiro fixo) entre os internos. Eaton (1986) apresenta os resultados de sete investigações em que esse padrão se reproduziu de modo mais intenso entre esquizofrênicos do que entre pacientes com psicoses afetivas ou transtornos psiquiátricos leves. Esse achado poderia refletir uma dificuldade de tais pacientes iniciarem uma vida conjugal, ou uma probabilidade aumentada de internação de indivíduos solteiros em face de um quadro psicótico. Havia ainda uma proporção maior de solteiros entre homens do que entre mulheres. Tal achado é consistente com a literatura e sugere que a sintomatologia psíquica possa ser mais severa e/ou tenha um início mais precoce entre os homens. O fato de a proporção de internos separados/divorciados ser semelhante entre homens e mulheres é um dado adicional nessa discussão. Estudos epidemiológicos sobre esquizofrenia, que formava cerca de metade dos diagnósticos desses internos, mostram que esta psicose costuma apresentar um início mais precoce em homens (Bromet et al., 1995; Jablensky, 1995). Entre estes, o início costuma ocorrer no princípio da terceira década de vida, enquanto nas mulheres costuma dar-se um pouco mais tarde, numa diferença de aproximadamente cinco anos. Logo, um início mais precoce entre os homens poderia dificultar o casamento, sobretudo se considerarmos que, na maioria das vezes, o homem é visto como o responsável pela manutenção econômica do lar.

Um quarto dos internos era analfabeto. De acordo com o IBGE (IPLANRIO, 1993, 1994), o índice de analfabetismo entre os maiores de 14 anos, na cidade do Rio de Janeiro, é de 6,1%, havendo um excesso de indivíduos analfabetos entre os internos desses hospitais. O censo de crônicos da Colônia Juliano Moreira revelou uma proporção de internos analfabetos ainda maior (44,3%). Entretanto, se considerarmos a proporção que não conseguiu terminar o primeiro grau, esse valor foi de 74%, tanto para o censo de hospitais psiquiátricos, quanto para o censo da Colônia.

O estudo sugere que a evolução da doença e das internações comprometeu a vida econômica desses pacientes. No período entre a primeira internação psiquiátrica e aquela por ocasião do censo, observou-se uma redução pela metade do número de internos que tinha alguma ocupação capaz de prover renda. Além disso, um terço deles não tinha nenhuma fonte de renda, e metade não tinha vínculo com qualquer forma de previdência.

Deve-se também sublinhar o isolamento a que estavam relegados muitos desses pacientes. Cerca de 20% não tinham qualquer tipo de suporte por parte de familiares ou amigos, metade dos internos não recebiam visitas ou estas eram esporádicas, e cerca de dois terços não haviam saído de licença do hospital. Acrescente-se a isso que um terço deles estava internado há mais de um ano. Com exceção da variável tempo, não há grande diferença no processo de isolamento que esses pacientes experimentavam durante a internação, quando comparados com os crônicos da Colônia Juliano Moreira. O censo desta última mostrou que 59% não recebiam visitas e que 73% não saíam de licença (Keusen & Lima, 1994)

Embora as variáveis clínico-assistenciais sejam objeto para um segundo artigo, os achados apontam para a importância do diagnóstico de esquizofrenia nessa população de pacientes. Confirma-se, ainda, o que já foi demonstrado em estudos na população geral (Helzer et al., 1991; Weissman et al., 1991; Almeida-Filho et al., 1997): predominância do gênero masculino entre os transtornos ligados ao uso de álcool e do feminino nos transtornos afetivos. Contudo, esses diagnósticos devem ser considerados com cautela. Um estudo realizado há cerca de dez anos nesses hospitais mostrou uma confiabilidade baixa para algumas dessas categorias diagnósticas, sobretudo quando se compararam internações de um mesmo indivíduo em hospitais diferentes (Coutinho et al., 1988).

Em síntese, os dados aqui apresentados apontam para um cenário com as seguintes características:

a) Um possível processo seletivo de internação, no qual homens teriam uma probabilidade maior de serem admitidos nesses hospitais.

b) Uma proporção de analfabetismo superior à da população geral, para a mesma faixa etária.

c) Um processo de exclusão desses pacientes do setor produtivo, conforme as internações se sucedem.

d) Ausência de provimento de meios de subsistência pelo Estado, por intermédio da previdência social, para metade dessa população.

e) Isolamento refletido na baixa freqüência ou pelo caráter esporádico das visitas recebidas por pacientes com elevado grau de confinamento (licenças escassas) e longa estadia no hospital. Esse isolamento parece maior entre os pacientes com menos de vinte anos e entre aqueles com mais de 49 anos.

 

 

Agradecimentos

 

Os autores deste trabalho agradecem à Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro, à Fundação Oswaldo Cruz, ao Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ao Ministério da Saúde, que deram suporte financeiro e logístico ao estudo de onde esses dados foram extraídos. Agradecem também aos diretores dos hospitais psiquiátricos do Município do Rio de Janeiro, por ocasião do censo, e à analista de sistemas Lenair Maria Campos, que desenvolveu o sistema de manutenção de cadastro utilizado neste estudo.

 

 

Referências

 

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