ARTIGO ARTICLE

 

Norma Suely Souto Souza 1
Fernando Martins Carvalho 2

Rita de Cássia Pereira Fernandes 1

Hipertensão arterial entre trabalhadores de petróleo expostos a ruído

 

Arterial hypertension among oil-drilling workers exposed to noise

 

1 Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Rua Pedro Lessa 123, Salvador, BA 40110-050, Brasil.
2 Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. Av. Reitor Miguel Calmon s/n, Campus Universitário do Canela, Salvador, BA 40110-170, Brasil.
 

Abstract A cross-sectional study with a retrospective component was conducted to evaluate occupational noise exposure as a potential risk factor for arterial hypertension among 775 workers from an oil-drilling industry. Hypertension was defined as ³ 140/90mmHg. Occupational noise exposure was measured as: (1) exposure to sound pressure levels ³ 85dbA for 10 years or more and (2) moderate-to-severe noise-induced hearing loss (NIHL). The effects of age, education, shift work, and obesity were evaluated by stratification and logistic regression analysis. A positive association between occupational noise exposure and hypertension was found, using both the level/duration of noise exposure (RP = 1.8; 95% CI: 1.3-2.4) and NIHL (RP = 1.5; 95% CI: 1.1-2.0) as exposure indicators. Considering the study limits, long-term occupational noise exposure thus appears to be a risk factor for arterial hypertension.
Key words Hypertension; Noise-Induced Hearing Loss; Noise; Occupational Health

 

Resumo Realizou-se um estudo transversal, com componente retrospectivo, buscando analisar a exposição ocupacional a ruído como possível fator de risco para a hipertensão arterial entre 775 trabalhadores de uma área de perfuração de petróleo. Considerou-se hipertensos os trabalhadores com pressão sangüínea ³ 140/90mmHg. A exposição ocupacional a ruído foi avaliada através de dois indicadores: (1) exposição à pressão sonora ³ 85dbA por 10 ou mais anos e (2) perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) de moderada a severa. Os efeitos da idade, escolaridade, trabalho de turno e obesidade foram avaliados através de técnicas de estratificação e análise de regressão logística. Associação positiva entre exposição ocupacional a ruído e hipertensão arterial foi evidenciada, usando-se tanto nível/duração de exposição a ruído (RP = 1,8; IC 95%: 1,3-2,4), quanto diagnóstico de PAIR (RP = 1,5; IC 95%: 1,1-2,0) como indicadores de exposição. Considerados os limites do estudo, exposição ocupacional prolongada a ruído parece ser um fator de risco para a hipertensão arterial.
Palavras-chave Hipertensão; Perda Auditiva Provocada por Ruído; Ruído; Saúde Ocupacional

 

 

Introdução

 

A hipertensão arterial constitui-se em uma das principais doenças do mundo moderno, acometendo cerca de 15% a 20% da população trabalhadora em países industrializados (Enderlein & Heinemann, 1988). Por outro lado, a exposição a ruído é um dos mais comuns fatores de risco ocupacional. Milhões de trabalhadores, em diversos países, estão expostos a níveis de pressão sonora capazes de produzir agravos à saúde.

A perda auditiva, um dos efeitos mais importantes da exposição ao ruído, já é bastante conhecida. Efeitos extra-auditivos causados pelo ruído também vêm sendo estudados. Desde a década de 70, atenção particular tem sido dada à possível associação entre exposição ocupacional a ruído e doenças cardiovasculares, entre elas a hipertensão arterial.

Várias pesquisas experimentais demonstraram que exposição a níveis elevados de ruído por um curto período de tempo pode desencadear respostas cardiovasculares semelhantes às que ocorrem no estresse agudo, com aumento da pressão sangüínea, provavelmente mediado pelo aumento da resistência vascular periférica (Andren et al., 1982; Harlan et al., 1981). Em animais, já se demonstrou que este aumento agudo da pressão sangüínea, ocorrendo repetidamente, pode tornar-se uma alteração permanente devido à hipertrofia da musculatura lisa dos vasos sangüíneos periféricos, levando à hipertensão arterial (Bevan, 1976).

Estudos epidemiológicos vêm avaliando a associação entre exposição ocupacional a ruído e hipertensão (Idzior-Walus, 1987; Kristal-Boneh et al., 1995; Santana & Barberino, 1995; Talbott et al., 1990; Tarter & Robins, 1990; Tomei et al., 1991). A despeito de certas limitações, principalmente relacionadas a não disponibilidade de dados de exposição e deficiência na avaliação de fatores de confundimento e modificadores de efeito, estas investigações, em geral, têm sugerido possível associação entre exposição a ruído e hipertensão. Os achados, entretanto, não são inteiramente consistentes e a associação entre ruído e outros agravos à saúde não relacionados à audição, como a hipertensão arterial, permanece ainda controversa.

Este estudo buscou, portanto, avaliar se existe uma associação positiva entre exposição ocupacional a ruído e hipertensão arterial entre trabalhadores de uma área de perfuração de petróleo.

 

 

Metodologia

 

Este é um estudo transversal conduzido em uma área de perfuração de petróleo, composta basicamente por três setores: (1) produção: setor fim, estratégico, responsável pelas atividades de perfuração de petróleo; (2) manutenção: setor responsável pelas atividades de mecânica, elétrica, instrumentação, solda e (3) administrativo: atividades de serviços gerais, treinamento, recursos humanos. As atividades de produção e manutenção são realizadas tanto em sondas terrestres quanto em plataformas marítimas.

Foram considerados elegíveis 1.135 trabalhadores lotados na área no ano de 1994. Desse total, não foram encontrados prontuários de 161 indivíduos. Em 194 prontuários faltava a audiometria e em cinco não havia dados sobre a pressão arterial no exame periódico de 1994. Dos 360 trabalhadores, cujos dados foram perdidos, 41% estavam lotados no setor administrativo, 30% na produção e 29% na manutenção. Ressalte-se, entretanto, que essa classificação por setor foi a última do trabalhador, tendo 33% deles laborado em outros setores da empresa no passado. A população final do estudo correspondeu a 775 trabalhadores, ou seja, 68,3% da população inicial.

Os dados provieram de três fontes: (1) programa "Gestão de Pessoal" adotado pela empresa estudada, do qual obteve-se os dados de identificação, sócio-demográficos e ocupacionais dos trabalhadores: nome, data de nascimento, sexo, escolaridade, data de admissão, regime de trabalho, ocupações atual e anteriores, datas de reclassificações para outras ocupações; (2) prontuários médicos do serviço de saúde ocupacional da empresa, especificamente o exame periódico do ano de 1994, de onde foram obtidas informações sobre pressão sangüínea, altura, peso e audiometria; (3) levantamento sobre níveis de ruído ambiental (dosimetria) por ocupação, do ano de 1994, realizado pelo setor de higiene industrial da empresa.

As audiometrias foram reavaliadas e classificadas pela autora principal e outra especialista em medicina do trabalho.

A variável dependente, hipertensão arterial, foi definida como pressão arterial sistólica ³ 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica ³ 90mmHg (JNC, 1997). Não foi avaliada a possibilidade do trabalhador estar fazendo uso de medicação antihipertensiva, pois essa informação não constava, de forma sistemática, nos prontuários médicos.

Como medida da variável independente principal, foram usados dois indicadores de exposição ocupacional cumulativa a ruído: (1) história ocupacional de exposição a ruído ³ 85dbA por 10 ou mais anos, na ocupação atual e nas anteriores (dentro da empresa), obtida através das dosimetrias e do tempo de exposição a ruído em cada ocupação e (2) Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) de moderada a severa - graus 2 a 5 de Merluzzi (1979) - avaliada através dos resultados de exames audiométricos.

Os valores das dosimetrias do ano de 1994 foram utilizados como proxy dos anos anteriores, uma vez que, naquele ano, as ocupações que apresentavam exposição a ruído ³ 85dbA eram as mesmas que sempre se caracterizaram como expondo o trabalhador a níveis altos de pressão sonora, de acordo com informações fornecidas pelo setor de higiene e segurança ocupacional da empresa. Para trabalhadores do setor administrativo, que não estavam expostos a níveis elevados de pressão sonora, não foram realizadas dosimetrias.

As outras variáveis independentes foram idade e obesidade, avaliadas devido à possibilidade de atuarem como confundidores, e escolaridade e trabalho de turno como modificadores de efeito da associação principal.

A análise estatística foi realizada utilizando-se os programas Epi Info versão 6.0 (Dean et al., 1994) e SAS versão 6.12 (SAS Institute, 1996). A razão de prevalência foi a medida de associação com inferência estatística realizada através da estimativa de intervalos de confiança a 95%.

Modificadores de efeito e possíveis confundidores foram avaliados inicialmente com análise tabular. As variáveis que se apresentaram como modificadoras de efeito não foram avaliadas como confundidoras. Quando confirmada a existência de confundimento, a medida de efeito foi ajustada pelo método de Mantel Haenszel.

Para avaliação simultânea dos confundidores e modificadores de efeito foi utilizada a regressão logística. Inicialmente foram checados os pressupostos do modelo de regressão. Para análise do pressuposto de linearidade do logito do efeito em relação à covariável contínua idade foi realizado o gráfico EMPTREND. Como a linearidade não foi obtida, a covariável foi categorizada. Todas as variáveis independentes categoriais são dicotômicas. Não se encontrou colinearidade, baseando-se nos critérios da Condição Índice > 10 e da proporção de variância dividida entre as variáveis.

A análise de modificação de efeito foi realizada através do uso de termos-produto, sob pressupostos multiplicativos, utilizando-se testes de razão de verossimilhança para comparar o modelo completo, incluindo todas as variáveis e os termos-produto das variáveis definidas como potenciais modificadoras de efeito, com aquele resultante da eliminação de cada um desses termos-produto. Aquelas variáveis que modificaram o ajuste do modelo em níveis estatisticamente significantes (p < 0,2) foram consideradas modificadoras de efeito (Hosmer & Lemeshow, 1989).

Quanto à avaliação de confundimento, adotou-se um procedimento backward, comparando-se a medida da associação principal e respectivos intervalos de confiança do modelo completo com aquelas relativas ao modelo resultante da retirada de cada potencial confundidor. Mudança maior que 10% na medida estimada foi o critério usado para manter a variável no modelo (Rothman & Greenland, 1998).

 

 

Resultados

 

A população do estudo (n = 775) constituiu-se de trabalhadores apenas do sexo masculino, com idade variando entre 27 a 62 anos (média = 38 anos). Sessenta e um por cento (n = 472) estiveram expostos a ruído ocupacional ³ 85dbA por mais de dez anos. Os níveis de pressão sonora variaram de 86 a 95 dbA. Entre os trabalhadores que estiveram lotados sempre no mesmo setor da empresa, a exposição a ruído por mais de dez anos variou de 67,9% naqueles da manutenção a 78,1% nos da produção. As ocupações, cujos trabalhadores estiveram expostos aos maiores níveis de pressão sonora, foram: mecânico de plataforma, mecânico de sonda e operador de petróleo I de plataforma. PAIR foi encontrada em 27,1% da população, sendo 17,9% classificada como de moderada a grave.

Entre os expostos a ruído ³ 85dbA por 10 ou mais anos, predominaram os trabalhadores mais velhos e os que trabalhavam de turno. Maior escolaridade foi observada entre os não expostos. Não foi verificada diferença estatisticamente significante entre os grupos na avaliação de obesidade.

Quanto à distribuição da população de acordo com a PAIR, não existiram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos em relação às covariáveis analisadas.

A prevalência de hipertensão arterial nesta população foi de 21,0%. Entre os trabalhadores que sempre laboraram em um mesmo setor na empresa, essa prevalência variou de 12,1% entre aqueles do administrativo, 16,6% nos da manutenção e 24,8% naqueles da operação.

A exposição ocupacional a ruído ³ 85dbA por dez ou mais anos estava positivamente associada à ocorrência de hipertensão arterial, em nível de significância estatística (RP = 1,8; IC 95% = 1,3-2,4). Também foi observada uma associação positiva estatisticamente significante (RP = 1,5; IC 95% = 1,1-2,0) entre PAIR de moderada a grave e hipertensão. Quando avaliada apenas a exposição a ruído corrente, sem considerar ocupações anteriores na empresa e tempo de exposição, constatou-se associação positiva entre hipertensão arterial e exposição a ruído, porém sem significância estatística (Tabela 1).

 

 

As covariáveis idade e escolaridade pareceram não modificar o efeito da exposição ocupacional a ruído para a hipertensão arterial, através da análise tabular (Tabela 2). Já as covariáveis trabalho de turno e obesidade apresentaram variações inter-estratos na medida de associação em nível limítrofe de significância estatística, podendo constituir-se como possíveis modificadoras de efeito para a associação entre exposição a ruído e hipertensão arterial (Tabela 2), o que não foi confirmado pela regressão logística (Tabela 3).

 

 

 

Na análise tabular, a covariável idade esteve simultaneamente associada à hipertensão na ausência da exposição a ruído e à exposicão a ruído na ausência da doença, apesar da exposição, indicando possível confundimento para a associação entre exposição a ruído e hipertensão arterial (Tabela 4), o que foi confirmado pela regressão logística (Tabela 5). Assim, foi necessário realizar o ajuste da medida da associação principal pela variável idade, o que causou uma redução de sua magnitude (RP = 1,5; IC 95%: 1,1-2,1), continuando, entretanto, estatisticamente significante a 5% (Tabela 2).

 

 

 

Nenhuma das covariáveis avaliadas apresentou-se como confundidora ou modificadora de efeito para a associação entre PAIR e hipertensão arterial, tanto através da análise tabular, quanto pela logística.

Quando a hipertensão foi avaliada pelo critério mais conservador (³ 160/95mmHg) verificou-se uma associação positiva tanto entre exposição ocupacional a ruído ³ 85dBA por dez ou mais anos e hipertensão (RP = 1,9; IC 95%: 1,1-3,2), quanto entre PAIR de moderada a grave e hipertensão (RP = 2,1; IC 95%: 1,3-3,5). Em ambas as situações, a covariável idade, avaliada através da análise tabular, não se apresentou como confundidora da associação principal.

 

 

Discussão

 

Com base nos resultados deste estudo, exposição ocupacional a ruído parece ser um fator de risco para a hipertensão. Este achado é consistente com outros estudos que encontraram associação positiva entre exposição a ruído e hipertensão (Fogari & Zoppi, 1994; Lang, 1992; Tomei et al., 1991). Um aspecto a ser ressaltado neste estudo foi a utilização, na construção do indicador de exposição, das informações sobre história laborial prévia na empresa (ocupações anteriores dos trabalhadores) e duração da exposição ocupacional a ruído na atividade atual e nas anteriores. Esse último dado foi usado, tanto de forma direta (quando a variável independente principal foi a própria exposição ao ruído) quanto de forma indireta (quando utilizou-se o diagnóstico de PAIR), uma vez que nesta última situação considerou-se apenas perda auditiva moderada e grave, que necessita, em geral, de vários anos de exposição a ruído para o seu desenvolvimento. Devido à utilização da história ocupacional prévia, pode-se classificar o presente estudo como sendo de "corte transversal, com componente retrospectivo" (Pereira, 1995). Quando apenas a exposição corrente foi utilizada como variável independente principal, associação estatisticamente significante entre ruído e hipertensão não foi encontrada. Esse resultado é concordante com o estudo de Lang (1992), que apenas evidenciou associação entre ruído e hipertensão, quando a duração da exposição a ruído foi considerada.

A duração mínima de exposição deve ser maior para elevação crônica de pressão sangüínea do que para indução de PAIR, o que deve explicar alguns resultados contraditórios observados em estudos em que a perda auditiva é tomada como um indicador de exposição a ruído, sem considerar a duração da exposição ocupacional ou o grau de severidade da perda (Santana & Barberino, 1995; Tarter & Robins, 1990). Hernberg (1986), discutindo os aspectos de validade dos estudos epidemiológicos, ressalta a necessidade de avaliações mais críticas de estudos com resultados negativos se o tempo de exposição foi insuficiente para a ocorrência do efeito estudado.

Kristensen (1989), questiona a validade de estudos que apresentam resultados com associação positiva entre PAIR como indicador de exposição a ruído e hipertensão, argumentando que a hipertensão pode aumentar o risco para PAIR. No presente estudo, onde foram utilizados como proxy de exposição ocupacional a ruído, tanto PAIR quanto a duração da exposição e o nível de pressão sonora, os resultados foram consistentes, uma vez que associação positiva entre exposição a ruído e hipertensão foi encontrada com os dois indicadores.

Neste estudo, verificou-se também uma maior magnitude da medida de associação entre exposição a ruído e hipertensão, quando foi adotado como efeito, o critério anterior de hipertensão da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais conservador, de 160/95mmHg, utilizado na grande maioria dos estudos prévios sobre hipertensão e ruído. Isso talvez indique que o ruído, além de ser um fator de risco para a hipertensão arterial, concorre também para o seu agravamento.

Os resultados discutidos acima devem, entretanto, ser considerados à luz das limitações quanto ao tipo de desenho do estudo e a possíveis vieses. No estudo transversal é impossível, em muitos casos, determinar se a exposição precedeu ou resultou do evento. Principalmente quando existem evidências de que a exposição prévia dos indivíduos difere da atual, a validade desse tipo de estudo pode ser questionada. Como na construção do indicador de exposição, nessa investigação, foram usadas, além da informação sobre ocupação atual, também informações sobre as atividades anteriores do trabalhador dentro da empresa, possibilitando a avaliação da exposição prévia a ruído, essa limitação pôde ser minorada.

Informações de exposição e/ou efeito não foram obtidas para cerca de 30% dos trabalhadores selecionados para este estudo. Como apenas avaliou-se a distribuição desses trabalhadores pela lotação na empresa, não se podendo analisar a distribuição das variáveis principais e sua relação entre os indivíduos para os quais essas informações não foram disponíveis, não é possível determinar a ocorrência e direção do viés de seleção por perdas.

Também deve ser considerado o "efeito sobrevivência do trabalhador sadio", especialmente no que se refere aos trabalhadores aposentados e afastados do trabalho, que não foram avaliados, o que pode significar exclusão de trabalhadores doentes. Caso esse tipo de seleção tenha ocorrido, o viés produzido seria na direção do valor da hipótese nula, ou seja, ausência de associação.

Outra limitação refere-se à qualidade dos dados, já que foram utilizadas informações secundárias do serviço médico, o que pode ter gerado erros. Como não foi possível avaliar esses vieses, caso eles tivessem ocorrido, podem ser considerados como não diferenciais, o que produziria um viés em direção ao valor da hipótese nula. Assim, deve ser objeto de preocupação na interpretação de estudos que parecem indicar a ausência de efeito (Rothman & Greenland, 1998), o que não ocorreu com este estudo.

Considerando a hipertensão arterial um dos principais problemas de saúde entre os trabalhadores, a adoção de estratégias de prevenção dessa patologia deve ser um dos objetivos da política de saúde para essa população. Embora o que vem sendo observado, mais freqüentemente nesse aspecto seja relativo à prevenção secundária com o foco sobre o diagnóstico e o tratamento, estratégias de prevenção primária, com a identificação de fatores de risco e a atuação sobre os mesmos, devem também ser contempladas.

Diversamente do que ocorre com os fatores de risco relativos ao estilo de vida, o fator de risco ocupacional representa um perigo potencial que não pode ser controlado pelo próprio trabalhador, mas ao qual ele está exposto. Em relação ao ruído, apesar do conhecimento crescente e consistente de seus efeitos sobre a saúde e das diversas medidas de controle, milhares de trabalhadores em vários países do mundo, ainda continuam se expondo a níveis elevados e em conseqüência adoecendo.

"Desnaturalizar" a exposição ocupacional a ruído com vigilância da saúde do trabalhador e regulamentação pública dessa exposição é, portanto, necessário. Segundo Suter (1998), nas nações que fazem parte da União Européia, a regulamentação sobre o ruído não está progredindo; nos Estados Unidos, o movimento em direção à desregulamentação é uma possibilidade, principalmente após o fechamento do Noise Office da Environmental Protection Agency (EPA). No Brasil, a regulamentação sobre a exposição a ruído ocupacional, especificamente a avaliação e o acompanhamento da audição dos trabalhadores expostos a níveis de pressão sonora elevados, foi recentemente revista. Apesar de contemplar apenas a PAIR, não considerando outros efeitos adversos à saúde causados pelo ruído, alguns avanços em relação à normatização de ações para a prevenção da perda auditiva foram verificados. No entanto, não se sabe o grau de aplicação dessa regulamentação no país, notadamente em um momento em que o trabalho informal e terceirizado vêm ampliando o seu espaço e, especialmente nesses setores, são grandes as evidências de descumprimento da legislação de segurança e medicina do trabalho.

Finalmente, uma última questão a ser ressaltada é a necessidade da avaliação de outros aspectos do mundo do trabalho, principalmente aqueles relacionados à organização do trabalho que são potencialmente estressores e que podem estar associados com maior ocorrência de hipertensão, especialmente aquelas atividades ocupacionais caracterizadas por altas demandas psicológicas e baixo controle das situações. Estudos que avaliem a interação do ruído com esses fatores, incluindo a percepção do trabalhador quanto às suas condições de trabalho, são fundamentais para um conhecimento ainda mais adequado sobre a influência da ocupação na saúde do trabalhador.

 

 

Referências

 

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