ARTIGO ARTICLE

 

Maria Cecília Formoso Assunção 1,2
Iná da Silva dos Santos 2
Juvenal Soares Dias da Costa 2

Avaliação do processo da atenção médica: adequação do tratamento de pacientes com diabetes mellitus, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

 

Clinical management of diabetic patients: process evaluation in Pelotas, Southern Brazil

1 Departamento de Nutrição, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Pelotas. Campus Universitário, C. P. 354, Pelotas, RS 96010-900, Brasil. cecilia@ufpel.tche.br
2 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. Av. Duque de Caxias 250, Pelotas, RS 96030-002, Brasil.
 

Abstract A study was conducted in 1998 with the aim of assessing adequacy of clinical management of diabetic patients attending public health services in Pelotas, Brazil. Patients were interviewed to gather data on medical consultation, disease, and treatment. Data analysis focused on the "type of treatment" variable with three categories: diet, physical activity, and drug treatment. Seventy-six percent of the patients reported having received nutritional orientation. Only 50% of them reported having followed their diet during the preceding 15 days. Also, 75% of patients reported having received recommendations to perform physical activity. However, only one third had practiced some exercise in the previous month. Among 377 interviewed, 289 (77%) were on medication, and among the patients taking oral hypoglycemic agents many had at least one contraindication. The article discusses the need to enhance physicians' adherence to scientific guidelines for diabetes management.
Key words Diabetes Mellitus; Primary Health Care; Outcome and Process Assessment

 

Resumo Com objetivo de avaliar a adequação do manejo de pacientes diabéticos, durante o ano de 1998 foram entrevistados, em domicílio, pacientes atendidos nos postos de saúde da zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Coletaram-se informações relativas a características da doença e do tratamento dos mesmos. Analisou-se o tratamento do diabetes mellitus em três componentes: realização de dieta, atividade física e tratamento medicamentoso. Verificou-se que 76% dos entrevistados receberam orientações dietéticas; porém, apenas metade desses as seguiram nos últimos quinze dias. Dos 75% dos pacientes que receberam orientações sobre exercícios físicos, apenas um terço praticou algum tipo de atividade no último mês. Dos 377 entrevistados, 289 (77%) utilizavam algum tipo de medicamento. Grande parte dos usuários de hipoglicemiantes orais apresentavam alguma contra-indicação ao seu uso. Discutiu-se a necessidade de qualificar a aderência dos profissionais de saúde às recomendações de manejo do diabetes.
Palavras-chave Diabetes Mellitus; Cuidados Primários de Saúde; Avaliação de Processos

 

 

Introdução

 

O diabetes mellitus é uma doença com critérios diagnósticos bem definidos, porém de manejo complexo, uma vez que sua abordagem além da terapêutica medicamentosa envolve uma série de mudanças nos hábitos de vida dos pacientes.

Conforme descreveu Lima (1980:91), "decorridos mais de 50 anos da genial descoberta da insulina, o problema do diabetes, pela maior sobrevivência, pelo controle seguro do diabete no moço, por ter praticamente desaparecido o coma como causa mortis, deslocou-se francamente para a questão das manifestações degenerativas, não mais consideradas como complicações, mas fazendo parte integrante do quadro clínico".

Não obstante as dificuldades do manejo, os avanços terapêuticos têm demonstrado eficácia, já que, com o decorrer do tempo, pode-se observar aumento da sobrevida dos pacientes que apresentam a doença. Há evidências de que o controle intensivo da glicemia nos pacientes com diabetes tipo 2, tanto por meio de hipoglicemiantes orais ou insulina, substancialmente diminui o risco de complicações microvasculares, mas não de doenças macrovasculares (UKPDS, 1998a).

No tratamento do diabetes, os recursos medicamentosos são empregados, geralmente, em um segundo momento da terapêutica, diante da incapacidade de controlar os níveis glicêmicos pela prática da dieta e de exercícios físicos (se possível) (ALAD, 2000; American Diabetes Association, 2000; Foster, 1998; Malerbi & Franco, 1997; Saudek, 1996; Schimidt, 1996). Entre os agentes medicamentosos disponíveis para a terapia do diabetes estão incluídos a insulina e os hipoglicemiantes orais (principalmente, biguanidas e sulfoniluréias).

Os ensaios clínicos com as sulfoniluréias foram instituídos em pacientes diabéticos tipo 2 no início da década de 50. Desde esse período, seu uso terapêutico foi disseminado em todo o mundo. Logo depois da introdução das sulfoniluréias, as primeiras biguanidas foram utilizadas clinicamente. Entretanto, as substâncias desse grupo inicialmente utilizadas foram retiradas do mercado nos Estados Unidos e Europa pelo risco de acidose láctica associado ao seu uso. Outra biguanida, a metformina, foi extensivamente utilizada na Europa sem efeitos adversos significativos e tem sido utilizada nos Estados Unidos desde 1995 (Davis & Granner, 1996).

Com fundamento em ensaios clínicos recentemente publicados, observou-se também que nenhuma das drogas consideradas como hipoglicemiantes orais tinha efeitos adversos quanto a desfechos cardiovasculares, ressaltando sua segurança terapêutica (UKPDS, 1998a). Da mesma forma demonstrou-se que a metformina diminuía o risco de complicações do diabetes em pacientes com sobrepeso, apresentando menos episódios de hipoglicemia do que a insulina e as sulfoniluréias, sugerindo que possa se transformar em droga de primeira escolha (UKPDS, 1998b).

O objetivo do trabalho foi avaliar a adequação do manejo de uma amostra de pacientes diabéticos que procuraram a rede municipal de postos de saúde da zona urbana da Cidade de Pelotas, de julho a dezembro de 1998. Com base nos resultados do estudo, pode-se propor medidas que aumentem a efetividade do processo médico em relação ao tratamento do diabetes mellitus.

 

 

Metodologia

 

Realizou-se um estudo transversal, de julho de 1998 a janeiro de 1999, sendo coletadas informações relativas ao atendimento dos pacientes diabéticos em todos os 32 postos da rede de atenção primária à saúde, da zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, gerenciados pela Secretaria Municipal de Saúde e Bem Estar (SMSBE). Essas informações referiram-se à estrutura dos serviços de saúde, ao processo e ao resultado do atendimento aos pacientes diabéticos (Assunção et al., 2001).

Para obtenção de dados da estrutura dos serviços, foram entrevistados os administradores dos postos de saúde incluídos no estudo. Para obtenção de informações referentes ao processo de atendimento dos pacientes diabéticos, foram entrevistados todos os médicos que atendiam nesses serviços.

Também foram realizadas entrevistas domiciliares com pacientes diabéticos atendidos nos postos estudados com o objetivo de coletar informações referentes ao processo e ao resultado do atendimento. Para o rastreamento dos mesmos, a cada semana, cinco postos de saúde eram visitados e, por intermédio das Fichas de Atendimento Ambulatorial (FAA), eram identificados todos os indivíduos cujo atendimento médico tinha registro de diabetes (Classificação Internacional de Doenças, 10a Revisão - CID 10) (OMS, 1995b) e que tinham consultado nos últimos sete dias. Cada posto foi rastreado por um período de duas semanas não consecutivas, com o objetivo de identificar quinze diabéticos. Em serviços em que não se identificassem quinze pacientes em duas semanas, estendia-se o rastreamento por mais duas e então interrompia-se com o número de pacientes alcançado. As entrevistas domiciliares foram realizadas na semana subseqüente à consulta. Para ser incluído no estudo, além da identificação pela FAA, o diabético não poderia estar hospitalizado no momento da entrevista, teria que residir na cidade e ter conhecimento de ser portador de diabetes mellitus.

A cada indivíduo selecionado foi aplicado um questionário com o objetivo de obter informações referentes a: características demográficas, sócio-econômicas, características da doença e do tratamento. Além desses itens, ao final da entrevista foram coletadas medidas antropométricas (peso e altura) e foram aferidas a pressão arterial e a glicemia capilar.

Com a finalidade de análise, neste estudo explorou-se a variável tratamento do diabetes mellitus em três componentes: realização de dieta, prática de atividade física e tratamento medicamentoso com insulina e hipoglicemiantes orais. As recomendações referentes a esses itens, definidas pelo Ministério da Saúde (Malerbi & Franco, 1997), Associação Latino-Americana de Diabetes (ALAD, 2000) e Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Assosiation, 2000), foram os padrões de referência com os quais esses três componentes foram comparados.

Analisou-se a prática de dieta somente em pacientes que receberam orientações alimentares no serviço em que consultaram. Verificou-se também se os pacientes receberam orientações quanto à prática de atividade física e se seguiam as recomendações.

Em relação à utilização de insulina verificaram-se as recomendações recebidas, freqüência diária de uso e quem aplicava o medicamento. Como poucos pacientes utilizavam insulina, estudou-se a adequação do uso apenas de hipoglicemiantes orais (sulfoniluréias e biguanidas).

Foram consideradas contra-indicações para o uso das biguanidas a presença de doença renal referida e reconhecida por médico (segundo informações dos pacientes), doença cardíaca referida e reconhecida por médico (segundo informações dos pacientes) (ALAD, 2000; Americam Diabetes Association, 2000; Foster, 1998; Malerbi & Franco, 1997; Saudek, 1996; Schimidt, 1996) e dose diária acima ou abaixo de 850 a 3000 mg (Foster, 1998; Saudek, 1996; Schimidt, 1996). Considerou-se que as biguanidas deveriam ser indicadas a pacientes obesos (ALAD, 2000; Americam Diabetes Association, 2000; Foster, 1998; Malerbi & Franco, 1997; Saudek, 1996; Schimidt, 1996), e a obesidade foi definida se valendo de um ponto de corte acima de 30kg/m2 de Índice de Massa Corporal (IMC) (OMS, 1995).

As sulfoniluréias foram consideradas como contra-indicadas a pacientes acima de sessenta anos e para aqueles que referiam doença renal reconhecida por médico (ALAD, 2000; Americam Diabetes Association, 2000; Foster, 1998; Malerbi & Franco, 1997; Saudek, 1996; Schimidt, 1996). Para cada tipo de sulfoniluréia, considerou-se a quantidade diária adequada: assim, as doses de glibenclamida e glipizida situaram-se entre 2,5 e 20mg, glicazida de 40 a 320mg e clorpropamida de 125 a 500mg (Foster, 1998; Saudek, 1996; Schimidt, 1996).

O trabalho de campo foi realizado por alunos das Faculdades de Medicina, Nutrição e Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, devidamente treinados. O controle de qualidade foi realizado em 10% de todos os instrumentos aplicados, pelo supervisor do trabalho de campo. Os pacientes revisitados foram selecionados aleatoriamente.

Os dados tiveram dupla digitação, utilizando-se o programa Epi Info (Dean et al., 1994). As análises descritivas foram efetuadas com o programa SPSS (SPSS Incorporation, 1997).

 

 

Resultados

 

Os 378 pacientes diabéticos que consultaram nos postos e foram entrevistados em domicílio eram predominantemente do sexo feminino e de cor branca. A idade variou de 10 a 92 anos, com mediana de 59 anos. Somente quatro pessoas (1,1%) tinham menos de vinte anos. Excluídos os menores de vinte anos, a média de idade foi de 58 anos entre as mulheres e 59 entre os homens. Cerca de 70% dos entrevistados tinham renda familiar de até três salários mínimos mensais e a maioria pertencia às classes sociais D e E, segundo classificação da Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado - ABIPEME (Rutter, 1988). Quanto à escolaridade, 131 pacientes (34,7%) nunca tinham freqüentado a escola, mas destes, 16% informaram saber ler (Tabela 1).

 

 

Verificou-se que aproximadamente 76% das pessoas entrevistadas receberam orientações dietéticas; todavia, apenas a metade seguiu as recomendações e realizou dieta nos últimos 15 dias (Tabela 2).

 

 

Quanto à prática de atividades físicas, observou-se que 75% dos pacientes receberam orientações; entretanto, apenas 25% tinham realizado algum tipo de atividade no último mês (Tabela 2).

Excluindo-se um paciente com dez anos de idade (por ter procurado o posto de saúde apenas para consulta com o pediatra e tratar o diabetes em serviço especializado), dos 377 pacientes diabéticos entrevistados, 77% (289) utilizavam algum tipo de medicamento no tratamento da doença, e destes, 14% utilizavam insulina e 86% algum tipo de hipoglicemiante oral (Tabela 2).

Entre os usuários de insulina, constatou-se que 90% confirmaram o recebimento de orientações quanto ao seu uso. Verificou-se também que todos os esquemas posológicos de aplicação de insulina situavam-se na freqüência de uma a duas aplicações diárias. Contudo, apenas 58% dos pacientes realizavam auto-aplicação do medicamento (Tabela 3).

 

 

Constatou-se que dos usuários de hipoglicemiante oral, 25 (10,1%) pessoas consumiam biguanidas. Destes, dois apresentavam doença renal e seis doença cardíaca (Tabela 4). Verificou-se que um usuário de biguanida apresentava concomitantemente problema renal e cardíaco. Portanto, sete pessoas (28%) apresentavam alguma contra-indicação ao uso de biguanidas. Quanto à dose de biguanida utilizada, três (12%) pessoas entrevistadas utilizavam menos do que 800mg diárias (Tabela 4).

 

 

Entre todos os consumidores de hipoglicemiantes orais, encontraram-se 93 pessoas obesas, mas apenas oito (8,8%) eram usuários de biguanidas. Considerando-se, porém, que duas pessoas apresentavam problemas cardíacos e/ou renais, ou seja, contra-indicações ao uso de biguanidas, 83 indivíduos obesos estavam fazendo uso de algum tipo de sulfoniluréia.

A análise revelou 231 (93,1%) pessoas utilizando algum tipo de sulfoniluréia: 135 usavam clorpropamida, 96 glibenclamida e 3 glicazida. Verificou-se que três usuários utilizavam, de forma concomitante, dois medicamentos desse grupo.

Os resultados mostraram 106 (45,9%) pacientes diabéticos utilizando sulfoniluréias, embora tivessem mais de 60 anos e 19 (8,2%) usuários apresentando problema renal (Tabela 4). Constatou-se que sete pessoas utilizavam algum tipo de sulfoniluréia, apesar de apresentarem simultaneamente mais de 60 anos e problemas renais. Desta forma, 118 (51,0%) pessoas em uso de sulfoniluréias apresentavam pelo menos uma contra-indicação ao seu uso.

Quanto à dose do medicamento, encontraram-se 98 pessoas (42,4%) utilizando algum tipo de sulfoniluréia em dose inadequada (Tabela 4).

 

 

Discussão

 

A efetividade de uma ação em saúde está relacionada à eficácia da medida, à precisão diagnóstica, à aderência do médico, à aderência do paciente e ao nível de cobertura (Castiel, 1990). Conforme definiu Donabedian (1988:1745) "processo denota o que realmente é feito ao se dar e receber cuidados. Isso inclui as formas como os pacientes procuram e utilizam recursos de saúde, assim como de que maneira os profissionais diagnosticam, recomendam ou implementam o tratamento". Portanto, pode-se refletir que a adequação do processo em saúde, relaciona-se com a efetividade em saúde. Assim, se os ensaios clínicos têm revelado eficácia terapêutica no tratamento do diabetes mellitus, espera-se obter determinado grau de efetividade no cuidado da doença.

A investigação mostrou que as condições do processo terapêutico dos pacientes que consultaram na rede municipal de postos de saúde da Cidade de Pelotas eram inadequadas. Verificou-se que grande parte dos pacientes não utilizavam as recomendações não medicamentosas indicadas para a doença. Também grande parte fazia tratamento medicamentoso com hipoglicemiantes de forma inadequada. Deve-se enfatizar com veemência o achado de que 41% dos pacientes usuários de hipoglicemiantes orais os utilizavam fora da dose recomendada.

Quanto ao uso de insulina, verificou-se que mais de 40% dos usuários não faziam auto-aplicação do hormônio. Esse achado pode ser interpretado como uma falha no plano educacional dos pacientes.

O uso de biguanidas foi restrito a apenas 25 pacientes. O fato de esse medicamento ser de uso mais recente pode ter colaborado para esse achado. Vários pacientes obesos não faziam uso de biguanida e sim de sulfoniluréia. Mesmo que a obesidade fosse um achado recente nesses indivíduos, o fato de terem consultado no máximo nos últimos quinze dias que antecederam a entrevista permitiria que essa prescrição fosse reavaliada.

No estudo, verificou-se que o hipoglicemiante oral mais utilizado foi a clorpropamida, que se trata de uma sulfoniluréia com ação de longa duração. Existe referência que efeitos colaterais em pacientes idosos utilizando sulfoniluréias foram muito raros (Shorr et al., 1997). Contudo, sabe-se que as sulfoniluréias podem causar reações hipoglicêmicas, incluindo o coma. Isso é um particular problema em pacientes idosos com diminuição das funções hepáticas ou renais, que estão tomando sulfoniluréias de longa duração (Davis & Granner, 1996). Recentemente, tem crescido o consenso de que sulfoniluréias de curta ação devem ser preferencialmente usadas pelos pacientes mais idosos (McCulloch, 1999). Desta forma, na análise optou-se por adotar uma posição mais conservadora quanto à indicação das sulfoniluréias, considerando-a contra-indicada nas pessoas com mais de 60 anos (Schimidt, 1996).

Sabe-se que a terapêutica medicamentosa recomendada para o diabetes mellitus é de certa forma segura, não apresentando usualmente maiores efeitos colaterais (Foster, 1998). No entanto, a doença em questão causa uma carga de sofrimento e danos consideráveis. Sendo assim, o tratamento adequado do diabetes é uma medida essencial para atenuar o impacto da doença.

O estudo investigou o tratamento realizado com base em informações fornecidas pelos pacientes. Assim, as falhas encontradas nos regimes terapêuticos poderiam ser justificadas pelas próprias características da amostra. Acompanhando esse raciocínio, 70% dos pacientes tinham estudado até quatro anos e 20% apresentavam mais de 70 anos. Pessoas com essas características poderiam apresentar dificuldades em entender as recomendações propostas. Encontrou-se, ainda, aproximadamente 70% dos pacientes com renda familiar inferior a três salários mínimos e inseridos nas categorias mais baixas da classificação de classe social utilizada, o que poderia ser uma justificativa para a dificuldade em seguir o tratamento de forma adequada (realização de dieta, prática de exercícios físicos, ou aquisição de medicamentos).

Porém, é sabido que existem técnicas de coleta da história individualizada dos pacientes, por intermédio das quais pode-se avaliar o grau de entendimento e compreensão. Sabe-se também que em serviços de atenção primária à saúde o acesso das pessoas deve estar facilitado pela proximidade geográfica. Assim, o serviço de saúde pode avaliar o acompanhamento das prescrições pelas visitas aos pacientes (McWhinney, 1989).

Outro fator que poderia justificar os resultados encontrados relaciona-se com o custo do tratamento. Contudo, quanto ao custo do regime terapêutico, um componente do estudo que investigou estrutura revelou que 70% dos serviços de saúde forneciam hipoglicemiantes orais e todos os pacientes diabéticos que necessitassem tinham acesso à insulina (Assunção et al., 2001). Vale destacar também que a dieta adequada e a prática de exercícios físicos para os pacientes que apresentam diabetes não necessariamente incorrem em custos elevados para a população (Costa & Almeida Neto, 1992).

A efetividade do cuidado em saúde também depende do grau de cobertura alcançado. A American Diabetes Association (2000) preconiza que pacientes diabéticos cujo controle seja satisfatório procurem serviços de saúde a cada seis meses. Parte dessa investigação que se deteve nas características de utilização de serviços mostrou que a concentração de consultas dos pacientes diabéticos foi de três vezes nos últimos seis meses (Assunção et al., 2001). Portanto, os pacientes freqüentaram a rede de postos de saúde em quantidade acima do preconizado.

Desta forma, deve-se entender os resultados como uma possível inadequação das condutas dos profissionais de saúde para o enfrentamento do diabetes mellitus, remetendo para uma dimensão relacionada com a aderência dos médicos. Sabe-se que a mudança de práticas relacionadas ao estilo de vida é um grande problema para os portadores de doenças crônicas, mas no que tange à tomada de medicação, o estudo demonstra uma grande inadequação das prescrições. A constante reavaliação da prescrição indicada e a observação da adesão dos pacientes ao tratamento proposto deve fazer parte da rotina de atendimento médico. Logo, a recomendação que este estudo sugere refere-se ao modelo de formação e à educação continuada dos profissionais de saúde de forma que a efetividade do processo possa ser aprimorada. O estabelecimento de programas de educação continuada e formulação de guias clínicos para o manejo adequado de problemas têm sido sugeridos como uma forma de se melhorar a qualidade dos cuidados (Noronha & Pereira, 1998).

 

 

Referências

 

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Recebido em 4 de outubro de 2000
Versão final reapresentada em 22 de fevereiro de 2001
Aprovado em 2 de julho de 2001

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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