DEBATE DEBATE

Leny Sato 1

Prevenção de agravos à saúde do trabalhador: replanejando o trabalho através das negociações cotidianas

Preventing damage to workers' health: redesigning jobs through day-to-day negotiation

 

1 Departamento de
Psicologia Social e do
Trabalho, Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo.
Av. Prof. Mello Moraes 1721, São Paulo, SP
05508-900, Brasil.

lenysato@usp.br

 

Abstract This paper reflects on prevention of harm to workers' health by redesigning jobs. Assuming redesign as the process of negotiating organizational choices, the author discusses the characteristics of routine negotiation at the workplace, illustrated by daily negotiations in work process organization at a Brazilian food-processing factory. Finally, the author discusses both the range and limits of such negotiations in the prevention of harm to workers' health.
Key words Negotiating; Accident Prevention; Social Psychology; Occupational Psychology; Occupational Health

 

Resumo Este artigo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre a prevenção de agravos à saúde do trabalhador através do replanejamento do trabalho. Compreendendo o replanejamento como processo de negociação de escolhas organizacionais, apresenta as características das negociações cotidianas processadas no chão de fábrica e relata, a título de exemplo, um caso de negociação cotidiana que toma por objeto a organização do processo de trabalho da produção fabril de uma indústria de alimentos. Por fim, discute os alcances e os limites de tais negociações à luz da prevenção de agravos à saúde do trabalhador.
Palavras-chave Negociação; Prevenção de Acidentes; Psicologia Social; Psicologia do Trabalho; Saúde Ocupacional

 

 

Introdução

 

O replanejamento do trabalho é um tema que se insere num conjunto de preocupações relacionadas à saúde do trabalhador. Insere-se, especialmente, naquele conjunto de estratégias que visam prevenir determinados problemas de saúde, como por exemplo, os de saúde mental e psicossomáticos, as lesões por esforços repetitivos, os acidentes de trabalho, como mostram diversas evidências obtidas por pesquisas empreendidas com o apoio de referenciais teórico-metodológicos os mais diversos, e focando as diferentes categorias de trabalhadores (Borges, 1997; Dejours et al., 1994; Kalimo et al., 1987; Karasek et al., 1981; Kristensen, 1995; Seligmann-Silva, 1986, 1994; Seligmann-Silva et al., 1985, 1986; Silva Filho & Jardim, 1997; Vezina, 1998).

A depender da forma como o processo de trabalho é organizado, o cotidiano no local de trabalho é configurado por contextos nos quais os modos de se trabalhar, de se relacionar, de lidar com o tempo, com o espaço e com os equipamentos são sabidamente danosos à saúde. A prevenção dos problemas de saúde que encontraria maior grau de resolução seria o replanejamento da organização do processo de trabalho, conforme argumentado por Gardell (1982a) e Spink (1991b).

Alguns exemplos mostram-nos que os trabalhadores criam formas para resistir à racionalidade imposta à organização do trabalho tal qual planejada pelo corpo gerencial, denunciando que os trabalhadores buscam constantemente melhorar a sintonia entre eles e os contextos de trabalho. Eles o fazem individual e coletivamente. Denunciam, com essas práticas, que a divisão entre planejadores e executores é, de fato, uma ideologia. Podemos observar diversas manifestações que mostram a existência de outras racionalidades, outros modos de conceber e fazer o trabalho nos limites dados pela tecnologia empregada e pela divisão de poderes no local de trabalho. Estudo clássico de Frederico (1979), descreve as formas através das quais operários de uma indústria automobilística na região do ABCD paulista resistiam ativamente às pressões da organização do processo de trabalho, demonstrando a concepção de distintos modos de se combinar a dimensão técnica e social do trabalho de modo a diminuir o ritmo, tais como a "operação-zêlo", a "operação-acidente", a "operação-soluço", dentre outras. Menos visíveis do que aquelas "operações", os trabalhadores constroem "ações adaptativas" as quais têm por finalidade adequar os contextos de trabalho, no limite do possível, às características pessoais e aos limites subjetivos (Sato, 1993).

Evidências sobre a adoção de outras racionalidades para organizar o trabalho já foram demonstradas também pela psicologia industrial, quando estudos da Escola de Relações Humanas observaram, nos anos 20 do século XX (Brown, 1972), que as pessoas concebem outras formas de se trabalhar, atribuindo outros significados às prescrições e criando laços entre si. Tais vínculos são sustentados e sustentam a criação de regras próprias, e norteiam a realização do trabalho segundo modos distintos daquele concebido pelo grupo gerencial. Por serem vínculos criados à revelia da iniciativa gerencial, foram denominados de "grupos informais". Também Daniellou et al. (1989), através das noções de "trabalho prescrito" e "trabalho real", reconhecem a existência de distintas realidades: distintas organizações. Não raro, o trabalho real conduz não apenas a um maior conforto aos trabalhadores, mas à economia e ao aperfeiçoamento do processo e, por isso, contemplam os interesses gerenciais e do capital.

Os exemplos acima reafirmam que, apesar de o corpo gerencial conceber a atividade de planejamento e concepção como procedimento de natureza estritamente técnica e conduzida unilateralmente por ele, no "chão de fábrica", as pessoas, através do conhecimento construído na prática, o replanejam para então executá-lo, tanto com a finalidade precípua de amenizar os esforços do trabalho, como para manifestar a resistência política ao poder e controle gerenciais ou ainda, para tornar factível aquilo que foi planejado por outrem. Isso significa que a condução de assuntos cotidianos é norteada pela interpretação de regras, como mostra Clegg (1992) a respeito da "regra do mau tempo", empregada por trabalhadores da construção civil. Todas essas evidências reafirmam que a vida cotidiana - o chão de fábrica - é criada e recriada, é o lugar onde as pessoas dão sentido aos fazeres, orientados por métodos práticos, aquilo que é denominado "raciocínio sociológico prático" (Garfinkel, 1984). O conjunto de preceitos e técnicas denominado modelo japonês, reconheceu e tem utilizado as outras racionalidades que explicam a diferença entre o prescrito e o real, e construiu técnicas com o intuito de aproveitar o conhecimento dos trabalhadores visando aprimorar os processos de trabalho. Assim, as técnicas de kaisen e muda, os CCQs, são expressões orientais desse reconhecimento, substituindo as obsoletas caixinhas de sugestões. É também nesse sentido que vemos a adoção dos programas de empowerment.

Considerando-se então que existem formas de organização do trabalho reconhecidamente danosas à saúde, e que há uma busca contínua em adotar outros modos de combinar os sistemas técnico e social, guiados por outras racionalidades, o replanejamento seria o modo através do qual o cotidiano no local de trabalho pode ser publicamente modificado. Para pensar-se em como fazê-lo, é necessário que seja trazida à luz a concepção sobre o que é o local de trabalho: quais são seus elementos, como ele é construído, qual o papel das pessoas; ou seja, o que é uma organização. A depender da concepção adotada, identificaremos distintas maneiras de pensar, como planejar/replanejar o trabalho.

Como nos fala Spink (1991a:23-24), "durante muito tempo, pelo menos até a década de 30, organização, enquanto palavra descritora, foi associada à necessidade de dar ou colocar ordem (ordenar) nas diversas ações que formavam os empreendimentos industrial, comercial ou o serviço público. A arte de administrar desenvolveu-se em torno das atividades de planejar, organizar, liderar e controlar. Conseqüentemente, a organização de atividades faz parte do empreendimento ou serviço, embora não seja sua característica principal". Outra concepção de organização é proveniente, como continua nos falando Spink (1991a:24), da antropologia, para a qual, a palavra organização é utilizada de maneira genérica, "para referir-se a processos sociais em agregações humanas, suas religiões, seus ritos, sua estrutura familiar e seu modo de vida. Ninguém duvidava que esses processos sociais tinham seu lado simbólico". Vale dizer que esses processos sociais são informados também por interesses de diversas ordens: do capital e do trabalho, das pessoas e de seu grupo social (como por exemplo, os religiosos e éticos), das tarefas, dos cargos e dos setores de trabalho, conforme uma das metáforas descritas por Morgan (1986), para compreender as organizações.

Na década de 50, consolida-se a criação do campo profissional gerencial, o que exige um espaço delimitado para o exercício ideologicamente legitimado da atividade gerencial. Isso traz a necessidade de se criar um objeto para se estudar. "A palavra organização tem seu significado alterado. Agora passa a ser um objeto a ser estudado, uma espécie de baú, dentro do qual comportamentos podem ser observados, crescendo a discussão sobre suas características e seu gerenciamento" (Spink, 1991a:24).

Diferentes formas de conceber o que é organização privilegiam diferentes atores, legitimam uns e não outros como os que têm a prerrogativa para pensá-la, estudá-la, planejá-la e replanejá-la; enfim, construi-la e conduzir seus processos. Assim, vinculada à concepção da organização como baú, tem-se aquela que pensa as pessoas apenas como uma parte de uma engrenagem ou, no máximo, quando se vê a dimensão humana da organização, busca-se prever e normatizar o comportamento das pessoas nas situações de trabalho, o que se sustenta em modelos simplistas de homem. Dessa forma, o taylorismo e o fordismo - concepções essas ainda fortemente presentes nos locais de trabalho - institui e legitima como prerrogativa de alguns, o papel de e o poder para planejar como coisas deverão ser produzidas e serviços prestados, combinando-se tecnologia, valores sociais, preferências pessoais, etc. Diga-se de passagem que, apesar de toda a série de mudanças organizacionais adotadas no âmbito do que chamamos de reestruturação produtiva, os princípios da mecânica para planejar o que os trabalhadores farão ainda estão fortemente presentes.

A cada uma dessas concepções de organização aliam-se aquelas relativas ao planejamento/replanejamento do trabalho. De Lanzara (1985), extraímos duas perspectivas. Na primeira, temos que planejar o que as pessoas farão, quais, como e quando serão feitas as atividades é um procedimento de natureza estritamente técnico-funcional. Para a segunda, planejar é uma atividade dialógico-discursiva, ou seja, é um processo de interação onde as pessoas argumentam e contra-argumentam, defendendo e atacando as diferentes possibilidades de realizar-se o trabalho, procedendo-se, assim, a "escolhas organizacionais" (Kelly, 1978), conceito esse trazido pela escola sociotécnica. Ao considerar-se que o planejamento/replanejamento é fruto de escolhas, afasta-se a hipótese de que há um melhor modo de fazer, afirmando-nos que não há apenas um racional a ser adotado. Tais escolhas dão-se em contextos políticos, pois interesses diversos estão em jogo e buscam ser contemplados - interesses da produção, dos trabalhadores, da gerência, dos proprietários, do capital e do trabalho. Dessa forma, podemos definir os processos de planejamento/replanejamento como processos negociados de escolhas: processos de negociação. A negociação é definida como "processos discursivos através dos quais se barganha o controle sobre a organização do processo de trabalho" (Sato, 1997:27).

Como diz Lanzara (1985:60-61): "projetar e construir uma casa, por exemplo, pode ser um processo puramente técnico ou pode ser um processo em grande parte ritual: a estrutura de planejamento nos dois casos é completamente diferente, os elementos componentes são diferentes, os critérios de seleção são diferentes, as regras para a composição dos elementos e os significados atribuídos às regras e às ações são diferentes (...) O resultado do planejamento - a casa - pode ser visto como o produto de um processo sustentado por uma estrutura decisional, ou como fruto de uma análise funcional, ou como um universo de elementos simbólicos evocados e produzidos, compatíveis mediante um cerimonial conduzido coletivamente".

Apesar de existirem concepções que argumentam em favor de que as organizações não são baús e sim processos de interação social em contextos políticos e, portanto, que o planejamento/replanejamento da organização do trabalho não é uma atividade meramente técnica mas constitui-se em uma atividade de interação comunicativa (negociação), a herança tecnicista concebeu e conduziu a que o planejamento do trabalho fosse realizado baseado na primeira concepção: a de uma atividade estritamente técnica, sustentada pela ideologia gerencial, que a engenharia, a administração, a psicologia, dentre várias outras disciplinas têm contribuído para sustentá-la. Tal ideologia defende que a atividade de planejar é uma prerrogativa de determinados grupos dentro dos locais de trabalho, concebendo-a como atividade neutra e entendendo que essa neutralidade é possível pois está baseada na ciência. Veja-se, por exemplo, a ideologia profissional que sustenta a trajetória da psicologia do trabalho e organizacional, criticada por Prilleltensky (1994), ao concluir que ela tradicionalmente caminha no mundo do trabalho a partir de duas premissas: a de que o mundo do trabalho é desprovido de conflitos e de que a psicologia é ciência, e que a ciência é bom para todos, indistintamente.

Bem, mas o ouvinte atento imediatamente lançaria a pergunta: mas como é possível conceber o planejamento/replanejamento como processo negociado, como uma prática passível de efetivação nas empresas privadas no Brasil, uma vez que há fortes evidências de que a assimetria de poder nesses locais de trabalho é fator impeditivo para a democratização da fala? Ou, em outras palavras: como é possível conceber a negociação quando o local de trabalho é um espaço privado e, como tal, impede que argumentos sejam validados por critérios de justiça, veracidade e sinceridade (Habermas, 1987a, 1987b) e não pela coação?

Essas questões nos conduzem à tematização sobre o que é entendido por negociação. Em geral, quando pensamos em negociação, a primeira imagem que nos toma é a de representantes dos trabalhadores e dos patrões sentados à mesa, negociando. Em geral, é o modelo da negociação coletiva que temos em mente. Nele temos os representantes claramente definidos (eleitos ou indicados), buscando chegar a acordos válidos para uma empresa, para uma categoria profissional ou para diversas categorias filiadas a uma central sindical. Nesse modelo, teríamos condições de negociação apenas quando os trabalhadores conseguissem ter uma organização política forte e os órgãos de representação tivessem, de fato, representatividade. No Brasil, sabemos, os processos negociados de celebração de acordos é bastante restrito, pois temos uma história de autoritarismo político e uma legislação trabalhista de forte cunho paternalista, onde tudo se resolve na Justiça do Trabalho (Rodrigues, 1974; Simão, 1981). Sabemos também da dificuldade em construir as Organizações no Local de Trabalho (OLTs) (Rodrigues, 1991, 1994), bem como em fazermos das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs) órgãos que, de fato, tenham uma atuação que leve em conta os interesses dos trabalhadores. O próprio conceito de trabalho está fortemente impregnado pela nossa herança escravagista. Como diz Ianni (1994:57-58), "os séculos de trabalho escravizado produziram todo um universo de valores, padrões, idéias, doutrinas, modos de ser, pensar e agir". Além disso, o nosso passado colonialista e sua versão recente, o imperialismo, estão presentes no nosso cotidiano.

Mas é também Otávio Ianni, quem reconhece que o Brasil é um mapa arqueológico, onde o passado, o presente e o futuro convivem sem problemas. "O presente capitalista, industrializado, urbanizado, convive com vários momentos pretéritos. Formas de vida e trabalho díspares aglutinam-se em um todo insólito. A circulação simples, a circulação mercantil e a capitalista articulam-se em um todo no qual comanda a reprodução ampliada do capital, em escala internacional" (Ianni, 1994:60-61). Vejamos um exemplo desse mapa arqueológico, contado por Caldeira (1995): o Barão de Mauá, ainda no Brasil Império, onde o sistema de trabalho escravo era a relação de trabalho em voga, tivera em suas empresas trabalhadores livres e adotara o sistema de administração participativa e a distribuição de lucros, que hoje, no Brasil, vemos como objeto de debate entre os trabalhadores e empresários.

Ainda que não tenhamos uma história do trabalho no Brasil, em que a interlocução direta entre trabalhadores e patrões seja o modo de se relacionar, barganhar interesses e conquistar direitos, o reconhecimento desse mapa arqueológico conduz-nos a olhar as condições de possibilidade para desenvolver-se processos de negociação a partir de outros olhos. São também com outros olhos que, advogamos, devemos ver o local de trabalho: olhos que concebam a existência de pessoas e, como tal, buscam dar sentido ao seu cotidiano, construindo-o de modo conflituoso e cooperativo; pessoas que articulam a vida fora do local de trabalho com a vida no trabalho, lidam com as exigências postas pelas condições e pela organização do trabalho, enfim, conduzem processos sociais, constroem modos de vida. Assim, apesar de termos muitas vezes toda uma categoria profissional submetida a exigências comuns em termos de organização do processo de trabalho, quando nos aproximamos dos locais onde trabalham vemos que cada local é um mundo singular, com seus problemas particulares, com mecanismos que fazem com que uma mesma tecnologia influa diferentemente pois são pessoas diferentes, são relações interpessoais desigualmente construídas, são diferentes regras que vigoram.

 

 

Astúcia e ambigüidade: características das negociações cotidianas

 

É justamente na particularidade do universo de cada local de trabalho que são conduzidas outras formas de negociação qualificadas de cotidianas (Sato, 1997). São micronegociações, praticamente invisíveis ao visitante esporádico ou menos atento. São práticas que visam o alcance de acordos - apesar da reconhecida assimetria de poder e controle - e que constroem outros modos de se realizar o trabalho, configurando-se como processos de replanejamento negociados. Elas ocorrem independente da ação política coletiva que pressuponha uma estratégia articulada, e da existência de sindicatos combativos ou de OLTs e CIPAs também combativas. São conduzidas por pessoas comuns.

Se observarmos atenta e pacientemente o dia-a-dia dos locais de trabalho, veremos que há uma série de imprevistos, de novidades que irrompem em meio ao seu funcionamento repetitivo, mesmo naqueles processos onde as atividades também são repetitivas, realizadas por trabalhadores fixos em seus postos de trabalho, com ciclos extremamente curtos, como, por exemplo, as atividades de embalagem e empacotamento. Esse funcionamento expressa que, cotidianamente, uma série de "situações problemáticas" têm vez no local de trabalho e devem ser equacionadas e resolvidas. Essa denominação - situações problemáticas - designa situações previstas ou não, que devem ser resolvidas, pois implicam em problemas. São problemáticas porque afetam interesses de alguma ordem e de alguém. Por exemplo: doenças do trabalho, esforço demasiado, afastamento de trabalhadores, perda de material, retrabalho, depreciação da qualidade do produto. Essas situações são acontecimentos que apenas ganham significado quando postos em relação a interesses. As doenças do trabalho são fatos que ganham o status de situação problemática quando postas em relação aos interesses dos trabalhadores. Do mesmo modo, a perda de material é um tipo de acontecimento que se torna uma situação problemática quando posta em relação aos interesses dos proprietários e acionistas.

A resolução negociada dessas situações dá-se mediante a construção de significados que possibilitam, digamos assim, "iniciar a conversa" pois que a negociação só se torna possível quando as partes em conflito conseguem minimamente vislumbrar a existência das diferenças; olhar, ainda que parcialmente, a perspectiva, os problemas e os interesses alheios. É essa possibilidade de "início de conversa" que denominamos de "base simbólica" (Sato, 1997), ou seja, o requisito simbólico para que se inicie o processo de negociação. Certamente, além desse requisito para que a negociação se processe, há aquele de ordem política: o poder de barganha.

Foi através de situações problemáticas que pudemos acessar e caracterizar o requisito simbólico para a negociação, assim definido: a base simbólica é o conjunto de significados polissêmicos, estruturados pelo conflito de interesses e dinamizado pelos processos de "com-fusão" de interesses e de "deslocamento" de posições. Explicando: o conflito de interesses é requisito necessário para que sejam observados os processos de negociação, daí porque ele constituir a estrutura do requisito simbólico. Isso porque em não havendo diferenças de interesses que, em relação, configuram uma situação de conflito, não há motivo para negociar. Por sua vez, os dois processos que dinamizam a base simbólica demonstram como no dia-a-dia a relação de interesses é complexa. Em primeiro lugar porque há uma infinidade de interesses presentes. Em segundo porque, ainda que possamos ver e distinguir a pluralidade de interesses, o mais comum é que eles se apresentem misturados, muitas vezes escamoteados, mimetizados, daí porque denominamos um dos processos de "com-fusão" de interesses, pois um mesmo acontecimento pode, simultaneamente, ser uma situação problemática para a gerência, para os acionistas, para os consumidores e para os trabalhadores. Esse processo separa interesses que deveriam estar juntos (como os dos trabalhadores) e funde interesses que deveriam estar separados (como os dos trabalhadores e os da gerência). Vejamos um exemplo: a fabricação de produtos fora das especificações pode atingir os interesses da produção, mas pode significar, simultaneamente, maior volume de trabalho para os operadores pois deverão acertar o funcionamento da máquina. De outro lado, a alta prevalência de doenças do trabalho representa, para os trabalhadores, o prejuízo para a saúde e para a capacidade de trabalho, mas pode, simultaneamente, representar para a gerência e para os proprietários, o comprometimento da produtividade e da qualidade.

O segundo processo - "deslocamento" de posições - demonstra que, apesar de existirem posições definidas no local de trabalho, posições essas que expressam e defendem os interesses, constantemente as pessoas mudam de posição. As posições são dadas e assumidas pelos papéis de trabalho, são dadas pela divisão de diferentes setores e, também, por posicionamentos pessoais e de classe social. E essa mudança é possibilitada também pela própria organização do processo de trabalho, que cria postos e tarefas nos quais interesses estão embutidos. Esse "deslocamento" possibilita que as pessoas se aproximem do lugar ocupado pelas outras e, assim, possam vislumbrar interesses diferentes e opostos. Esse processo cria condições para que observemos situações inusitadas pois, se num primeiro momento uma determinada pessoa, assumindo um determinado papel de trabalho defende um interesse, em outro, por mudar de posição, passa a atacar esse mesmo interesse.

A ambigüidade da base simbólica criada por esses dois processos explica avaliações de que há pessoas que têm duas caras. Como nos fala Chaui (1993:121), a ambigüidade, a qual define que algo é "isto e aquilo ao mesmo tempo", possibilita tematizar o atraso e a emancipação, a capacidade de se conformar ao resistir e de resistir ao se conformar. Por isso, o caráter ambíguo da base simbólica remete tanto às possibilidades de negociação como ao acirramento dos conflitos.

Se de um lado essa ambigüidade é um elemento que dificulta a clara conformação de interesses e, portanto, do claro posicionamento das pessoas, por outro, é ela que possibilita processar negociações no local de trabalho em contextos de poder e controle assimétricos.

Como dissemos anteriormente, as negociações cotidianas são quase invisíveis, observadas e reconhecidas quando o olhar atento consegue ver que os acontecimentos no local de trabalho têm significados e que as pessoas buscam lidar com as situações que se apresentam como problemáticas. Esses processos de negociação foram qualificados como astuciosos por adotarem estratégias e táticas de modo a que o fraco possa existir frente ao forte; por exemplo, reconhecendo a existência de um discurso gerencial, e aproveitando-se dele. Criam-se mecanismos de resistência no seio do conformismo (Chaui, 1993) ou, como nos fala Certeau (1994), criam-se táticas de modo que o colonizado escape ao poder do colonizador sem, no entanto, deixá-lo.

A astúcia reside na capacidade de aproveitar-se da ambigüidade das situações problemáticas, da "com-fusão" de interesses e do conhecimento possibilitado pelo "deslocamento" de posições. É através desse deslocamento que são extraídos argumentos utilizando-se da linguagem permitida pois, como disse um trabalhador, "aqui todo mundo tem que falar a mesma língua". A astúcia leva alguns trabalhadores a esconderem suas reivindicações em "sugestões de melhoria", um claro eufemismo, mas que só assim interesses opostos aos da gerência e do capital podem ter passagem, serem expressos e ouvidos. Só através do controle da expressão do mundo subjetivo (vivências e sentimentos), interesses pessoais ou do grupo de operários podem ser apresentados (Goffman, 1985). A apresentação pública, verbal e não-verbal, dá-se de modo a esconder a existência de conflitos de interesse.

Um exemplo desses mecanismos astuciosos é o uso do discurso da "qualidade". Uma primeira aproximação com os discursos sobre a "qualidade" veiculados na fábrica, dá-nos a impressão de que a ideologia gerencial é totalmente eficaz. A princípio, todos, indistintamente, referem-se à necessidade de se trabalhar com qualidade. Uma primeira conclusão a que somos levados é a de que os trabalhadores estão em comunhão com os interesses da gerência, dos proprietários e dos consumidores. Porém, ao nos afastarmos desse núcleo vemos a polissemia que a noção de "qualidade" conserva. Ela possibilita que diversos argumentos sejam ancorados nesse núcleo, levando a defender interesses os mais diversos e até mesmo opostos. Assim, para alguns, trabalhar com qualidade implica na economia de tempo, de pessoas e de matérias-primas, enquanto para outros significa diminuir o ritmo de funcionamento das máquinas.

 

 

A linha de cima e a linha de baixo: um caso de negociação cotidiana

 

Um exemplo de como se processam essas negociações cotidianas, sustentadas pela astúcia das táticas e pela ambigüidade do significado dos acontecimentos, nos vem de uma fábrica de produtos alimentícios. Trata-se de um caso envolvendo duas linhas de produção: (1) a de preparação de embalagens (impressão a jato de tinta) e (2) a de envasamento de produto. A primeira linha alimenta a segunda. Espacialmente, as linhas não estão contíguas; a primeira está alocada no subsolo (a linha de baixo) e a segunda no térreo (a linha de cima). Os potes separados e já impressos, são transportados por elevador e distribuídos pelas diversas linhas de envasamento de produtos. O transporte é feito pelos operários que trabalham na linha de impressão. No subsolo são realizadas todas as tarefas de preparação de embalagens e no térreo estão as linhas que dão identidade à fábrica e ao produto.

O caso de negociação cotidiana tem início com a insatisfação dos operários da linha de preparação de embalagens, e levou ao questionamento da delimitação de papéis e de fronteiras entre as duas linhas de produção. A primeira linha, a linha de baixo, operada pelos meninos (operários não qualificados) imprime a data de validade nos potes a serem envasados pela segunda linha, a linha de cima, onde o produto ganha a sua identidade pois recebe a embalagem e os rótulos com os símbolos da empresa. É na linha de cima que estão os trabalhadores qualificados, os operadores de máquina, que controlam o ritmo das máquinas, a qualidade do produto e coordenam o trabalho de vários operários não qualificados, em geral mulheres que envasam, embalam e empacotam os produtos. Diga-se de passagem que as "linhas de cima" estão situadas no local onde as visitas são levadas à fábrica, pois é lá que os produtos ganham a sua identidade, o rótulo com o nome e o logotipo da empresa. É lá que se reconhecem os produtos da empresa vendidos ao consumidor e que a empresa se reconhece nos produtos fabricados.

Tudo tem início com o seguinte fato: para fins de segurança e controle, deve haver sincronia entre o horário de envasamento dos produtos e aquele impresso nos vasilhames (horário, data, número de lote e de unidade fabril). Quando isso não ocorre, os dados já impressos devem ser apagados a fim de reaproveitar as embalagens de plástico. Trata-se de um trabalho manual, onde os dados são apagados, vasilhame por vasilhame. E esse retrabalho era feito pelos meninos. Um desses meninos, Josildo, descontente com esse procedimento - pois isso significava maior volume de trabalho e de uma atividade considerada ruim - disse: "eu sou contratado para carimbar e não para apagar!" Essa frase denuncia que a resolução dada para resolver a situação problemática para a gerência e para os operadores (falta de sincronia entre horário de envasamento e aquele impresso no pote), conduziu a uma situação problemática para os meninos (apagar a impressão dos potes). Essa frase foi o primeiro argumento que levou Josildo e seus colegas de linha a buscarem mecanismos para equacionar e resolver essa situação de um modo diferente, a fim de levar a outras "escolhas organizacionais" (Kelly, 1978).

O primeiro passo adotado pelos meninos foi conhecer o processo de trabalho, visando identificar como aquela situação problemática poderia ser assim também configurada para os operários da linha de cima. Aqui operou-se o processo de "deslocamento" de posições, pois assim puderam colocar-se no lugar dos operadores de máquina e dos embaladores e embaladoras. Observaram então que, em não havendo coincidência entre o horário carimbado nos potes e o que efetivamente o produto fora fabricado, os operadores deveriam preencher um relatório acusando esse fato, o que poderia depor contra eles, uma vez que esse procedimento poderia ser interpretado como falta de competência ou de esforço por parte deles. Por outro lado, quando as máquinas da linha de cima paravam, as embaladoras - as mulheres - ficavam sem atividade temporariamente, à espera da reativação da máquina. Na avaliação dos meninos as "mulheres ficam de braços cruzados". Observaram ainda que o risco de degradação da qualidade do produto aumentava quando era envasado em vasilhames excessivamente manuseados (carimbados e apagados), aumentando a probabilidade de ocorrência da perda de material ou de retrabalho, o que não seria bom nem para os operadores, nem para os supervisores, líderes e gerente de produção.

Com essas informações, angariadas através do processo de "deslocamento" de posições, os meninos trataram de construir argumentos e fazer com que essa situação - apagar o carimbo dos vasilhames - fosse problemática também para outras pessoas envolvidas na situação (supervisores, líderes, operadores e para as "mulheres"). Tratou-se, para isso, de construir mecanismos para que outros interesses fossem também atingidos, criando e aproveitando-se da "com-fusão" de interesses. Com essas informações, os meninos começaram a se recusar a apagar o carimbo dos vasilhames ou, quando apagar era inevitável, começaram a convocar as "mulheres" que ficavam de "braços cruzados" a também fazê-lo. Recorreram ao supervisor de produção para exigir respeito pela atividade deles, sugerindo sua intermediação para negociar regras de trabalho com os operadores de máquinas. Os meninos requeriam um procedimento aparentemente simples: o de que fossem avisados quando a máquina da linha de cima fosse parada. Apenas aparentemente é simples porque, na verdade, essa alteração de procedimento demandou a mudança de status da linha de cima em relação à linha de baixo e, também, mudança de status dos meninos em relação aos operadores de máquina. Os meninos, na verdade, reclamavam que a linha de baixo fosse considerada em sua singularidade - diferente da linha de cima, com pessoas diferentes que têm interesses próprios - procurando desfazer a imagem de que a linha de baixo é apenas um prolongamento da linha de cima e de que, portanto, os interesses são idênticos. Ao final desse processo, a mudança observada não exigiu a adoção ou criação de tecnologias sofisticadas, mas apenas a preocupação dos operadores em avisar os meninos sobre o andamento da linha de cima, através de um telefonema ou de um grito pelo elevador de transporte de embalagens. Delimitaram-se fronteiras entre linhas, evitando-se o desconforto de terem interesses diferentes em "com-fusão".

 

 

Refletindo sobre a prevenção em saúde do trabalhador

 

Esse processo de replanejamento negociado - micronegociação - questionou uma escolha organizacional até então adotada que estava baseada em regras, valores, preceitos e preconceitos que alocavam, meninos, mulheres, operadores, linha de cima e linha de baixo, em regiões distintas, hierárquicas, no grande mapa simbólico da fábrica, mostrando-nos que o simbólico não se constitui em um mero acessório na organização material das pessoas e coisas no trabalho, mas é a própria realidade. Tal processo questionou também a ideologia gerencial, desafiando os lugares de competência tradicionalmente atribuídos aos gerentes, técnicos, supervisores, operários denominados de "qualificados" e de "não qualificados" (Attewell, 1990). Demonstrou o desenvolvimento de uma atividade de pesquisa aplicada realizada pelos meninos, onde as alternativas para a mudança levaram em consideração as exigências técnicas e as sociais.

Cabe lembrar que esse processo foi conduzido sem que houvesse a concorrência de técnicos, pesquisadores ou assessores especialistas em organização do processo de trabalho, em mudança organizacional ou em saúde do trabalhador.

Essa negociação cotidiana representou uma mudança qualitativa em termos de aumento de controle dos trabalhadores da linha de carimbo de vasilhames, ainda que, para o estrangeiro, nenhuma mudança visível, palpável e digna de nota pusesse ser vista. Apesar da invisibilidade para o estrangeiro, essa mudança obrigou a que se reconhecesse que linhas diferentes têm interesses e ritmos diferentes, que pessoas diferentes vêem as situações de modos diferentes e que têm interesses pessoais, sociais e de trabalho também diferentes. Com essa mudança que levou à diminuição do volume de trabalho, os meninos puderam distribuir e balancear o volume de atividades de modo mais adequado aos seus interesses e limites, extinguindo a tarefa de apagar carimbos e tendo maior possibilidade de programar o trabalho em função do funcionamento real da linha de cima. Com isso, aumentou-se a possibilidade de ter-se intervalos maiores para o almoço ou para o lanche, criando-se, ao mesmo tempo, condições para negociação intralinha (quando fazer pausas, quando imprimir, possibilitada pelo fato de a linha de baixo ser acionada pelos operários). Muitas outras negociações cotidianas ocorrem no local de trabalho e, assim como essa, são pouco evidentes pois poucas alterações trazem para a feição das linhas. Porém, se perguntarmos aos meninos se isso representou uma mudança significativa em suas condições de trabalho, veremos que sim. Também devemos referir que existem tentativas frustradas de replanejamento negociado, e que há muitas imposições de mudança por parte da gerência, expressão do mapa arqueológico (Ianni, 1994).

Esse caso de replanejamento negociado do trabalho, conduzido pelos operários das duas linhas nos faz pensar algumas coisas sobre planejamento/replanejamento, sobre negociação e organizações.

Muitas vezes pensamos que mudanças na organização do processo de trabalho - quer estejam elas voltadas para a prevenção de problemas de saúde ou melhoria da produtividade e qualidade - é um processo que mudará a organização como um todo. Esse caso nos mostra justamente o contrário. O replanejamento negociado do trabalho deu-se numa parte (Spink, 1991a), entre duas linhas, envolvendo algumas pessoas, o que corrobora a concepção de que planejamento/replanejamento do trabalho é também um processo de interação social e não apenas aplicação de técnicas (P. Spink, comunicação pessoal).

Devemos ter em mente que muitos dos processos de replanejamento do trabalho que visam melhorar as condições de saúde, podem, simultaneamente, melhorar a qualidade do processo (evitar retrabalho e perda de material) e a qualidade do produto, graças à polissemia das situações problemáticas, devido, principalmente, ao processo de "com-fusão" de interesses. Nesse sentido, consideramos importante reconhecer que, apesar de termos, no local de trabalho, interesses opostos e contraditórios, eles também se relacionam de maneira surpreendente e imprevisível, nos deixando confusos.

Apesar de o poder e o controle estarem, no local de trabalho, claramente em favor do corpo gerencial e do capital, astuciosamente, os trabalhadores criam mecanismos para que se processem negociações. Nesse sentido, muito embora não seja observada uma realidade na qual a ação comunicativa se dê, pois que não se encontra um contexto político de democracia radical (Habermas, 1987a, 1987b), argumentos que levem em conta o mundo das coisas, o das normas e o mundo subjetivo, encontram espaço de expressão através da ação dramatúrgica (Habermas, 1987a, 1987b). Assim, o "espaço público", igualmente defendido por Dejours (1998) como aquele em que, também no local de trabalho, as diversas opiniões podem ser confrontadas, é arrancado à força do "espaço privado" da fábrica. Claro deve estar que por esses motivos, há limites no alcance dessas negociações. São os acordos possíveis, mas reconhecemos também que elas têm alcances consideráveis, caso tomemos como referência o ponto de vista de quem está no local de trabalho e não o nosso, que estamos de fora, como espectadores críticos, no mais das vezes esperando grandes mudanças - no todo - prontamente visíveis. Consideramos que não podemos ter nem um olhar ingênuo - que considera resolvido o problema do planejamento/replanejamento da organização do processo de trabalho e da prevenção em saúde do trabalhador através dessas negociações cotidianas - e nem um olhar arrogante - que apenas vê como mudanças aquelas que assim consideremos.

Entendemos, seguindo Gardell (1982b), que o replanejamento do trabalho visando a promoção da saúde, deverá ser conduzido em múltiplos níveis - o das centrais sindicais, dos sindicatos, das OLTs e CIPAs e dos trabalhadores comuns - aproveitando-se da força que cada um deles tem. Como diz Myiamoto (1992:53-54), um samurai heterodoxo que viveu no século XVII: "o fogo pode ser grande ou pequeno, mas possui sempre extraordinária força de transformação. O mesmo se sucede com as batalhas, cujos mandamentos são iguais tanto no combate de um contra um como nos confrontos de exércitos de dez mil homens de cada lado. Qualquer situação precisa ser considerada tanto sob a ótica do conjunto (o grande) quanto dos pormenores (o pequeno). Apreende-se o conjunto facilmente, enquanto os detalhes só podem ser percebidos por um olho muito atento".

São, as organizações, processos de interação social onde pessoas, também investidas de papéis de trabalho, procuram fazer valer seus interesses, seus valores e crenças; onde, para decifrá-la, devemos ter, sobretudo, a certeza de que no local de trabalho, apesar de o corpo gerencial e o capital buscarem "recursos humanos", as pessoas continuam sendo pessoas, apesar das exigências das condições de trabalho e de processos de trabalho organizados para aqueles "recursos".

No que se refere especificamente à saúde do trabalhador, reconhecer a existência das micronegociações pode ser relevante no sentido de que, para além de os trabalhadores serem portadores do conhecimento/subjetividade operária, conforme tematizado por Oddone et al. (1986), garantindo-lhes o papel de sujeitos na definição do que deve ser objeto da melhoria das condições de trabalho e saúde, eles são atores que conduzem mudanças, no limite do possível, visando a preservação da saúde. O conhecimento/subjetividade operária e as micronegociações são fenômenos da mesma ordem: os trabalhadores são construtores de conhecimento, articulam-se de modo conflituoso e cooperativo, e criam modos de vida singulares nos locais de trabalho. A construção do conhecimento prático e condução das micronegociações são empreendidos mediante pesquisas aplicadas, realizadas pelos trabalhadores. Em nosso entender, a riqueza desses fenômenos para a área da saúde do trabalhador reside no fato de que a prática dos profissionais que nela atuam, será a de interlocutores que venham a facilitar o processamento do planejamento/replanejamento do trabalho, concebida como atividade dialógico-discursiva (Lanzara, 1985), potencializando e ampliando as mudanças de organização do processo de trabalho, conduzidas sempre, a partir do grupo primário de trabalho.

 

 

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Recebido em 7 de março de 2001
Versão final reapresentada em 16 de julho de 2001
Aprovado em 6 de agosto de 2001

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