ARTIGO ARTICLE

 

Fatores de risco para internamento por diarréia aguda em menores de dois anos: estudo de caso-controle

 

Risk factors for hospitalization due to acute diarrhea in children under two years old: a case-control study

 

 

Lygia Carmen de Moraes VanderleiI; Gisélia Alves Pontes da SilvaII; José Ueleres BragaIII

INúcleo de Epidemiologia, Instituto Materno-Infantil de Pernambuco. Rua dos Coelhos 300, Recife, PE 50070-550, Brasil
IIDepartamento Materno-Infantil, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Prof. Moraes Rego 1235, Cidade Universitária, Recife, PE 50670-901, Brasil
IIIInstituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, 7o andar, Rio de Janeiro, RJ 20559-900, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre determinantes sócio-econômico-demográficos e biológicos e hospitalização por diarréia aguda (DA) em menores de dois anos. Utilizou-se estudo tipo caso-controle de base hospitalar no período de maio a outubro de 1997, em hospital pediátrico de nível terciário em Recife, Pernambuco. Os casos (n = 185) foram crianças internadas por DA e os controles (n = 185) foram crianças com doenças ambulatoriais, exceto diarréia, que tinham apresentado a doença nos últimos 15 dias, atendidas no mesmo local e período. Utilizaram-se os programas Epi Info e Stata para a análise dos dados. Foram calculados o odds ratio e os intervalos de confiança de 95% por meio da técnica de regressão logística múltipla, para o controle dos fatores de confusão, considerando um modelo hierarquizado dos fatores de risco. A investigação mediante o modelo proposto mostrou existência de associação entre internamento por DA e piso de terra ou tábua, paridade das mães igual a cinco ou mais filhos, criança menor de seis meses e gravidade dos episódios, que depende da interação entre condições sócio-econômicas desfavoráveis, baixa idade das crianças e episódio diarréico grave.

Palavras-chave: Saúde Infantil; Diarréia Infantil; Hospitalização; Fatores de Risco


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the socioeconomic, demographic, and biological determinants of hospitalization due to acute diarrhea (AD) in children under two years old. The hospital-based, case-control study was conducted from May to October 1997 in a pediatric hospital in Recife, Pernambuco, Brazil. Cases (n = 185) were children hospitalized due to AD, and controls (n = 185) were children with various diseases (except AD) presenting in the previous 15 days in the same area and time period. Data analysis used the Epi Info and Stata software. Odds ratios and 95% confidence intervals were calculated by multiple logistic regression to control confounding factors, considering a hierarchical risk factor model. Investigation using the proposed model showed an association between hospitalization due to AD and packed earth or plank floors in the house, greater multiparity, age of child under six months, and severity of bouts of diarrhea, which depended on the interaction between unfavorable socioeconomic conditions, younger age of the child, and severity of the diarrhea.

Key words: Child Health; Infantile Diarrhea; Hospitalization; Risk Factors


 

 

Introdução

A doença diarréica ainda persiste como um problema de saúde pública, sendo uma das principais causas de mortalidade infantil nos países subdesenvolvidos, salientando-se que tais óbitos são considerados um indicador de situações de pobreza (Sczwarcwald et al., 1997).

Apesar do declínio no número de internamentos infantis por diarréia aguda em todo o mundo, com o advento da Terapia de Reidratação Oral (UNICEF, 1992) sua ocorrência ainda assume importância relevante (WHO, 1999). No Nordeste brasileiro e no interior de Pernambuco, a diarréia é a primeira causa de hospitalização entre os menores de cinco anos, perdendo essa posição apenas para as pneumonias, na Região Metropolitana do Recife (INAN/IMIP/ DN-UFPE/SES-PE, 1998).

Os fatores de risco associados ao internamento por diarréia aguda podem ser explicados dentro de um modelo multicausal que inclui uma extensa quantidade de variáveis sócio-econômico-demográficas, biológicas e culturais inter-relacionadas (Fuchs et al., 1996).

Há uma importante documentação na literatura abordando a associação inversamente proporcional existente entre internamento por diarréia e baixo poder aquisitivo familiar (Claeson & Merson, 1990; Fuchs et al., 1996; Victora & Barros, 1989; Victora et al., 1989), o mesmo ocorrendo em relação à falta de disponibilidade de água domiciliar e risco de ocorrência de episódio diarréico grave (Fuchs et al., 1996). Relacionando suprimento de água e saneamento ambiental, um estudo de intervenção demonstrou redução de 65% da mortalidade por diarréia entre as crianças com a melhoria das condições de saneamento e de aporte de água (Esrey at al., 1985). Quanto à associação entre lixo ambiental e diarréia infantil, uma pesquisa realizada em Salvador, Bahia, demonstrou o risco de ocorrência da doença quase quatro vezes maior entre crianças residentes em locais onde não havia coleta de lixo (Rêgo, 1996).

Numerosas pesquisas relatam a associação inversa existente entre educação materna e risco de diarréia na infância (Desai & Alva, 1998; Esrey et al., 1985; Fuchs et al., 1996; Vásquez et al., 1996), ficando demonstrado que, quanto menor o nível de escolaridade das mães, mais freqüentes e graves são os episódios.

Entre os determinantes biológicos, vários estudos demonstram a existência de associação entre a idade da criança, morbidade e gravidade do episódio diarréico, sendo o risco de óbito mais elevado entre os menores de seis meses (Fuchs et al., 1996; Islam et al., 1996; Mota et al., 1994; Vásquez et al., 1996). Igualmente, a associação entre doença diarréica e estado nutricional das crianças está amplamente documentada, de forma que a desnutrição infantil, associada ou não ao baixo peso ao nascer, é um dos determinantes da morte por diarréia (Fuchs et al., 1996; Islam et al., 1996).

A gravidade da doença diarréica, que determina a hospitalização, pode ser medida pelo número de evacuações, sendo considerado como diarréia grave um número superior a sete evacuações ao dia (Alam et al., 1989).

No presente estudo, estruturou-se um modelo teórico com variáveis associadas à morbidade por diarréia, enfatizando-se o determinismo sócio-econômico-demográfico como o principal fator desencadeador da sucessão de eventos que culmina com a complicação da doença e a conseqüente hospitalização das crianças acometidas.

O objetivo deste estudo foi o de investigar a associação existente entre os determinantes sócio-econômico-demográficos e biológicos e o internamento por diarréia aguda em menores de dois anos atendidos num hospital de referência.

 

Casuística e métodos

A pesquisa foi desenvolvida no Hospital Geral de Pediatria do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), no período de maio a outubro de 1997. A população de estudo foi composta por todas as crianças menores de dois anos atendidas no Serviço de Pronto Atendimento do IMIP.

Realizou-se um desenho analítico do tipo caso-controle de base hospitalar, entre outras vantagens, pela sua segurança em identificar e quantificar fatores de risco para doença diarréica. Os casos foram constituídos de crianças internadas por complicação de episódio diarréico agudo, com até cinco dias de duração. Os controles constituíram-se de crianças do mesmo grupo etário, com doenças ambulatoriais, exceto diarréia, no momento da consulta ou até dois dias atrás, que tivessem apresentado episódio diarréico nos últimos 15 dias, com resolução domiciliar, e que nunca foram hospitalizadas por diarréia. Foram excluídas crianças sem acompanhamento das mães.

A diarréia foi definida segundo a percepção da mãe sobre a presença da doença em seu filho. A variável dependente foi representada pela ocorrência ou não de internamento por diarréia aguda. As variáveis independentes foram representadas pelos fatores de risco sócio-econômico-demográficos e biológicos. Os fatores sócio-econômico-demográficos são: (a) Fatores domiciliares - tipo de piso (cerâmica/cimento ou terra/tábua), número de cômodos (1-2; 3-4; 5 ou mais), número de pessoas (1-4; 5 ou mais); (b) Fatores ambientais - fonte de água (encanada dentro de casa; fora de casa; de cacimba), destino do lixo (coletado em casa; fora de casa; enterrado/queimado; a céu aberto), esgotamento sanitário (fossa séptica; fossa seca/a céu aberto); (c) Fatores relativos ao suporte familiar - trabalho materno fora de casa, rede de suporte (pessoas que ficam com a criança na ausência da mãe, ao menos uma vez por semana, no mínimo por 4 horas) e idade do guardião da criança (até 19 anos; 20 ou mais); (d) Fatores maternos - idade (até 19 anos; 20 ou mais), paridade (até 2 filhos; 3-4; 5 ou mais); mãe analfabeta. Os fatores de risco biológicos: (a) Grupo etário das crianças (< 6 meses; 6-12 meses; 12 a 24 meses); (b) Gravidade do episódio diarréico (leve, até 5 evacuações/dia; moderado, entre 6 e 10; grave, 11 ou mais) e (c) Diarréia prévia.

Realizou-se um estudo-piloto para estabelecer a proporção de crianças expostas aos fatores de risco sócio-econômico-demográficos. O tamanho da amostra calculado foi de 370 crianças (185 casos e 185 controles). Utilizou-se o programa Epi Info (alfa = 5%; beta = 20%; razão caso/controle de 1:1). Elaborou-se um formulário com questões pré-codificadas que foi testado e reajustado no estudo-piloto. As entrevistas eram realizadas apenas com as mães das crianças incluídas na pesquisa. Após revisão e codificação dos formulários, as informações eram digitadas com dupla entrada no banco de dados. A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética do Núcleo de Pesquisas do IMIP.

As variáveis estudadas foram agrupadas em categorias conforme a distribuição de freqüência. Posteriormente, realizou-se a análise univariada. Para a análise estatística utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson, com correção de Yates (ou o teste exato de Fisher, quando necessário). Realizou-se também o teste do qui-quadrado para tendência na análise das variáveis categóricas ordenadas. O nível de confiança estatístico foi de 95%. Para a análise epidemiológica, foi calculado inicialmente o odds ratio (OR) não ajustada, sua estimativa pontual e seu intervalo de confiança de 95%. Considerou-se a existência de associação entre as variáveis quando o OR diferiu de 1 (fator de risco se OR > 1 e fator de proteção se OR < 1), considerando a precisão da estimativa. Para identificação e controle dos fatores de confusão foram realizadas análises estratificada (não apresentada) com o aplicativo Epi Info e multivariada com o programa Stata 6.0.

A análise multivariada, realizada por meio da regressão logística não condicional, obedeceu ao modelo hierárquico (Victora et al., 1997) proposto na Figura 1. Nesse modelo, foi enfatizado o determinismo sócio-econômico-demográfico como o principal fator desencadeador, direto ou indireto, da sucessão de eventos que culminaram com a complicação da diarréia aguda e a conseqüente hospitalização das crianças acometidas, exceção feita aos fatores biológicos inerentes à criança. A inclusão de cada variável dependeu da significância estatística aferida pelo teste de razões de verossimilhança. No modelo final restaram as variáveis que, acrescidas ao modelo, apresentavam um valor p < 0,10 quando ajustadas pelas variáveis dos níveis superiores e do mesmo nível.

 

 

Resultados

Foram estudadas 370 crianças, 185 casos e 185 controles, sendo 72% menores de um ano, não havendo diferenças quanto ao sexo. Não houve recusas.

A Tabela 1 mostra que as variáveis ambientais estiveram associadas ao internamento por diarréia. A análise de tendência sugere um risco progressivo conforme a crescente inadequação na obtenção de água e na destinação do lixo; no entanto, após o controle dos fatores de confusão, essas variáveis deixaram de apresentar associação estatística.

 

 

Observa-se na Tabela 2, referente às variáveis domiciliares, que, de acordo com a análise não ajustada, os riscos mais elevados de internamento ocorreram para as crianças que residiam em casas com piso precário, número de moradores elevado e número de cômodos reduzido, tendo a análise de tendência mostrado risco progressivo com esta redução. Contudo, após a análise de regressão logística, apenas a variável tipo de piso manteve-se associada à hospitalização.

 

 

Na Tabela 3, relativa às variáveis representativas do suporte familiar, observa-se que apenas a idade do guardião esteve associada ao risco de internamento, e que as demais variáveis desse bloco não se mantiveram associadas ao risco de hospitalização após o controle dos fatores de confusão.

 

 

Com referência às variáveis maternas mostradas na Tabela 4, todas estiveram associadas ao internamento por diarréia com a OR não ajustada, com exceção da idade, havendo tendência à progressão do risco com o aumento do número de filhos. Entretanto, apenas a variável paridade permaneceu associada ao risco após a análise de regressão logística.

 

 

A Tabela 5 mostrou a associação entre internamento por diarréia e idade das crianças, havendo tendência à progressão do risco com diminuição do grupo etário, variável que manteve-se associada ao risco após o ajuste para os fatores de confusão. Ainda na Tabela 5, observou-se que, com a OR não ajustada, a história de diarréia prévia foi um fator de proteção, e que a gravidade do episódio diarréico esteve associada com o internamento por diarréia. A análise de tendência sugeriu que há progressão no risco com a maior gravidade do episódio, tendo essa variável permanecido associada ao risco de hospitalização após o controle dos fatores de confusão.

 

 

A Tabela 6 mostra as variáveis que permaneceram associadas ao internamento das crianças após o ajuste dos fatores de confusão. Os variáveis ambientais e as relativas ao suporte familiar não apresentaram associação. As variáveis biológicas, componentes do nível proximal de determinação, demonstraram os maiores riscos para a hospitalização, idade da criança (OR = 6,36) e gravidade do episódio (OR = 4,77), seguidas pela variável piso de terra/tábua, componente do nível distal (OR = 3,18) e pela variável do bloco intermediário, paridade materna (OR = 1,9).

 

 

Discussão

Os resultados do presente estudo reafirmam a inter-relação existente entre os diferentes fatores de risco envolvidos no agravamento da diarréia aguda e o conseqüente internamento das crianças. Os determinantes exclusivamente biológicos parecem ter sofrido influência dos determinantes sócio-econômico-demográficos (Oliveira & Mendes, 1995).

Com referência às condições sócio-econômico-demográficas, a análise não ajustada mostrou a associação existente entre hospitalização por diarréia aguda em crianças menores de dois anos e a vulnerabilidade de sua situação de vida, sendo evidenciado pelos maiores riscos entre aquelas que viviam em domicílios de construção precária, grande densidade populacional e com piores condições de saneamento básico. Sabe-se que as condições ambientais desempenham um importante papel no nível de vida, pela proteção resultante dos serviços de esgotamento sanitário, aporte de água e coleta de lixo adequados (Tavares & Monteiro, 1994). Além disso, crianças residentes em locais com condições insatisfatórias de saneamento estão mais expostas a contaminação ambiental e a desenvolver episódios diarréicos mais severos (Gorter et al., 1998; Vásquez et al., 1999). Contudo, após o ajuste dos fatores de confusão, apenas a presença do piso de terra ou tábua permaneceu como um fator de risco independente para hospitalização, sendo neste estudo a variável que revelou indiretamente as precárias condições de vida das crianças hospitalizadas.

Com relação ao esgotamento sanitário, é provável que tenha havido um importante viés de informação, uma vez que as mães informavam presença de saneamento quando apenas existiam tubulações que drenavam diretamente para os riachos ou marés, o que certamente contribuiu para a não-detecção de significância estatística para essa variável quando se realizou a regressão logística.

Entre as variáveis maternas, apenas a idade não esteve relacionada com o risco de internamento por diarréia na análise sem ajustamento, apesar de várias pesquisas demonstrarem que filhos de mães adolescentes têm o risco de agravamento do episódio diarréico aumentado, por estarem menos preparadas para o manejo do episódio (Fuchs et al., 1996). Após o controle dos fatores de confusão, só a variável paridade (5 ou mais filhos) permaneceu como fator de risco independente para a hospitalização. Neste estudo, o padrão reprodutivo materno poderá ter contribuído com um peso maior no risco de hospitalização das crianças. É importante que se leve em consideração que mulheres com elevado número de filhos provavelmente vivem em situação sócio-econômica desfavorável, com presumível acesso limitado a uma rede de serviços públicos de saúde adequada - principalmente consultas de pré-natal e educacionais, o que poderá ter contribuído para o agravamento do episódio pelo seu desconhecimento do modo de contágio e do satisfatório manejo da doença.

Muitos estudos demonstram a associação existente entre baixa escolaridade materna e risco de internamento por diarréia (Cleland & Ginneken, 1988; Hussain & Smith, 1999; Vásquez et al., 1996; Yoon et al., 1996). Leal et al. (1990) demonstraram que, quanto maior a escolaridade, maior a capacidade de manejo do episódio pelas mães, tanto pela melhor compreensão dos sinais de gravidade quanto pela procura oportuna dos serviços de saúde. Este estudo, porém, não detectou tal associação, e não podemos analisar o impacto dessa variável. Isso poderia ser explicado porque provavelmente a educação materna não é um fator de risco independente das condições de vida, sendo apontada por alguns autores como um indicador da situação socioeconômica da família (Desai & Alva, 1998; Fuchs & Victora, 2002; Fuchs et al., 1996; Guimarães, 1998).

Neste estudo, o trabalho materno fora de casa e a existência de rede de suporte não apresentaram associação com o risco de internamento, concordante com outros estudos (Fuchs & Victora, 2002; Fuchs et al., 1996; Gonzalez, 1998). No entanto, sua importância recaiu na faixa etária do guardião da criança, como demonstrado pelo maior risco de internamento entre as crianças que ficavam sob a guarda de adolescentes na ausência das mães, por não terem legitimidade para exercer a tarefa a eles delegada. Esse fator, porém, não se manteve associado à hospitalização após o controle do confundimento.

Quanto aos determinantes biológicos, estes foram de fato necessários para que ocorressem os internamentos e apresentaram os maiores riscos independentes, pois as crianças hospitalizadas tinham, na sua maioria, menos de 6 meses de vida e episódios diarréicos mais graves. O sinergismo existente entre evolução desfavorável do episódio diarréico e baixa idade conta com vasta documentação científica (Fuchs & Victora, 2002; Fuchs et al., 1996; Islam et al., 1996; Victora & Barros, 1989). As crianças menores de seis meses, por sua fragilidade biológica, são o grupo mais vulnerável, especialmente em condições adversas, tanto ao adoecimento por diarréia quanto ao agravamento da doença que determina a hospitalização. Associam-se a esse fato as condições próprias do agente infeccioso, que pode ser extremamente virulento e patogênico, isto é, com alto poder de infectar e produzir a doença.

O fato de o episódio diarréico anterior ter resultado em fator de proteção reforça o conceito de que a experiência vivenciada pelas mães com a doença prévia pode contribuir para um manejo mais adequado do episódio atual, reduzindo o risco de internamento. No entanto, essa variável não apresentou associação estatística após a regressão logística.

É importante considerar que, como esta pesquisa envolve um grande número de variáveis explanatórias, a possibilidade de confundimento ou multicolinearidade poderá estar sempre presente, além dos aspectos que não foram estudados - por exemplo, na avaliação da gravidade do quadro clínico, não se consideraram nem o agente etiológico nem os aspectos relacionados à qualidade da assistência prestada, que podem ter funcionado como mais um fator de risco para o desfecho.

Finalmente, o estudo foi capaz de mostrar a existência de diferenças importantes no risco de internamento por diarréia aguda em menores de dois anos, evidenciando que a maioria das crianças hospitalizadas provinha de famílias com condições de vida mais precárias, suas mães tinham um grande número de filhos e eram lactentes menores de seis meses, com quadro diarréico mais grave do que as do grupo de controle. A identificação dos fatores de risco para a complicação da diarréia aguda permite uma abordagem mais ampla do problema com o objetivo de evitá-lo.

 

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Endereço para correspondência
Lygia Carmen de Moraes Vanderlei
nepi@imip.org.br ; lygiacarmen@hotmail.com

Gisélia Alves Pontes da Silva
gisapontes@uol.com.br

José Ueleres Braga
ueleres@openlink.com.br

Recebido em 12 de julho de 2000
Versão final reapresentada em 8 de julho de 2002
Aprovado em 13 de novembro de 2002

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br