ARTIGO ARTICLE

 

Condições de saúde e tabagismo entre idosos residentes em duas comunidades brasileiras (Projetos Bambuí e Belo Horizonte)

 

Health conditions and smoking among older adults in two communities in Brazil (The Bambuí and Belo Horizonte Health Surveys)

 

 

Sérgio Viana PeixotoI, II; Josélia Oliveira Araújo FirmoI; Maria Fernanda Lima-CostaI, II

INúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi determinar a prevalência do tabagismo e verificar os fatores associados a este hábito entre idosos (> 60 anos). O estudo foi conduzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte e na Cidade de Bambuí, ambas localizadas em Minas Gerais, Brasil. Foram selecionados 1.774 idosos na Região Metropolitana e 1.742 em Bambuí. Na Região Metropolitana, a prevalência de tabagismo atual e passado foi de 19,6% e 39,2% entre os homens, e 8,1% e 14,1% entre as mulheres, respectivamente. Em Bambuí, os dados correspondentes foram 31,4% e 40,2% entre os homens, e 10,3% e 11,2% entre as mulheres, respectivamente. Na Região Metropolitana, os indicadores de pior condição de saúde e pior capacidade funcional apresentaram associações significantes com o tabagismo passado, mas estas associações não foram observadas em Bambuí. Entre os fumantes atuais, as associações pesquisadas não foram consistentes. Estes resultados mostram a grande heterogeneidade dos fatores associados ao tabagismo, como observado em países desenvolvidos. As estratégias para a redução do tabagismo nessa população devem considerar esta ausência de associação entre sinais e sintomas e o hábito de fumar.

Tabagismo; Idosos; Condições de Saúde


ABSTRACT

The aim of this study was to determine smoking prevalence and associated factors among older adults (> 60 years). The study was conducted in Greater Metropolitan Belo Horizonte and Bambuí town, both located in Minas Gerais, Brazil. In the former, 1,774 subjects were selected, and in the latter, 1742. In Belo Horizonte, prevalence of current and past smoking was 19.6% and 39.2% among men and 8.1% and 14.1% among women, respectively. In Bambuí, the corresponding figures were 31.4% and 40.2% among men and 10.3% and 11.2% among women, respectively. In Belo Horizonte, poor health and poor physical functioning were associated significantly with past smoking, but these associations were not observed in Bambuí. Among current smokers, these associations were not consistent. Our results agree with the data observed in developed countries, showing great heterogeneity of factors associated with smoking. Strategies to reduce smoking by the elderly should take into consideration the absence of association between signs/symptoms and smoking.

Smoking Habit; Aged; Health Conditions


 

 

Introdução

Os fumantes mais velhos apresentam algumas características que os diferem dos mais jovens. Geralmente, fumantes com idade superior a cinqüenta anos apresentam maior dependência da nicotina, fumam maior número de cigarros, fumam há mais tempo, têm mais problemas de saúde relacionados ao cigarro e sentem mais dificuldade em parar de fumar 1. Embora os benefícios com a interrupção do hábito de fumar sejam maiores entre os mais jovens, o abandono do cigarro em qualquer idade reduz o risco de morte 2,3 e melhora a condição geral de saúde 4,5. Por exemplo, espera-se um aumento de dois a três anos na esperança de vida, após o abandono do cigarro, entre idosos com 65 anos ou mais de idade, que fumam até um maço de cigarros por dia 6. Apesar disso, o tabagismo entre idosos tem recebido pouca atenção 1,7,8,9.

Tem sido amplamente demonstrado que o hábito de fumar, entre idosos, está associado a um excesso de mortalidade por todas as causas, e ao maior risco de mortalidade e morbidade por doenças cardiovasculares, doenças cerebrovasculares, doenças respiratórias e diversos tipos de cânceres 1,2,4,10. No entanto, as associações entre o tabagismo e outros indicadores da condição de saúde, tais como auto-avaliação da saúde, doenças auto-referidas, função física e uso de serviços de saúde, têm sido observadas de forma menos consistente 1,4,7,8,11,12. Estudos epidemiológicos desenvolvidos em amostras representativas de grandes populações idosas no Canadá 8 e nos Estados Unidos 7 evidenciaram associações entre o hábito de fumar e pior auto-avaliação da saúde, presença de tosse, presença de dor no peito e na perna, presença de sintomas depressivos, redução da função física (como caminhar e subir escadas) e uso de alguns medicamentos (analgésicos e medicamentos para o sistema nervoso central ou para o aparelho gastrointestinal, entre outros). No entanto, essas associações não foram observadas de forma consistente entre homens e mulheres, assim como nas diversas cidades que participaram dos referidos inquéritos. Alguns autores argumentam que a falta de consistência entre esses resultados pode ser devida a viés de sobrevivência porque este reduz a força das associações entre tabagismo e indicadores das condições de saúde entre idosos 5,8,13.

A população idosa vem crescendo muito rapidamente no Brasil. Entre 1960 e 2000 o número de habitantes com sessenta ou mais anos de idade neste país aumentou de 2 para 14 milhões, e estima-se que alcançará 32 milhões em 2020, correspondendo a uma das cinco populações idosas mais numerosas do mundo 14. As principais causas de mortalidade entre idosos brasileiros são as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório. Entre as primeiras predominam as doenças cerebrovasculares (taxa de mortalidade igual a 483 por 100 mil, entre homens, e 394 por 100 mil, entre mulheres) e as doenças isquêmicas do coração (taxa de mortalidade igual a 468 por 100 mil, entre homens, e 329 por 100 mil, entre mulheres). O câncer de pulmão, traquéia e brônquios representa, entre as neoplasias, a primeira causa de morte entre os homens e a segunda entre as mulheres (taxas de mortalidade iguais a 113 e 39 por 100 mil, respectivamente). Entre as doenças do aparelho respiratório, predominam as doenças crônicas das vias aéreas inferiores (taxa de mortalidade igual a 260 por 100 mil, entre homens, e 127 por 100 mil, entre mulheres) e as pneumonias (taxa de mortalidade igual a 132 por 100 mil, entre homens, e 117 por 100 mil, entre mulheres) 15.

O presente trabalho refere-se a dois inquéritos de base populacional. O primeiro foi conduzido em uma grande Região Metropolitana (Belo Horizonte), que compreende a capital do Estado de Minas Gerais no Sudeste do Brasil, e o segundo em uma pequena cidade (Bambuí), situada no interior do mesmo Estado. O objetivo do trabalho foi determinar a prevalência do tabagismo atual e passado e examinar os fatores (condições de saúde, capacidade funcional e uso de serviços de saúde) associados a esse hábito em duas populações idosas com características sócio-econômicas diferentes.

 

Metodologia

Áreas estudadas

A Região Metropolitana de Belo Horizonte é constituída por 24 municípios, sendo a terceira maior região metropolitana brasileira em tamanho da população (4,4 milhões de habitantes) e produção econômica. Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Município de Belo Horizonte era igual a 0,839, a renda per capita média era igual a R$ 557,00 (US$ 306,00), a esperança de vida ao nascer era de 70,5 anos e o percentual de idosos alfabetizados era igual a 85,1%. As principais causas de morte entre os habitantes com sessenta ou mais anos de idade da Região Metropolitana de Belo Horizonte eram as doenças cerebrovasculares (CID-10: I60-I69), doenças isquêmicas do coração (CID-10: I20-I25) e doenças crônicas das vias aéreas inferiores (CID-10: I40-I44), com taxas de mortalidade iguais a 464, 353 e 228 por 100 mil, respectivamente (Ministério da Saúde. Informações de Saúde, 2000. http://www.datasus.gov.br, acessado em 10/Fev/2005).

O Município de Bambuí situa-se a 215km da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em uma área caracterizada por economia agrícola. Este município possui cerca de 21 mil habitantes, 81% dos quais vivendo na cidade de Bambuí. Em 2000, o IDH no município era igual a 0,788, a renda per capita média era de R$ 246,00 (US$ 135,00), a esperança de vida ao nascer era de 73,6 anos e o percentual de idosos alfabetizados era igual a 68%. As principais causas de óbito entre os idosos do Município de Bambuí eram as doenças cerebrovasculares (CID-10: I60-I69), a doença de Chagas (CID-10: B57) e o diabetes mellitus (CID-10: E10-E14), com taxas de mortalidade iguais a 366, 366 e 256 por 100 mil, respectivamente (Ministério da Saúde. Informações de Saúde, 2000. http://www.datasus.gov.br, acessado em 10/Fev/2005). A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido por triatomíneos, que vivem habitualmente em residências precárias. Apesar da interrupção da transmissão dessa infecção em Bambuí em meados da década de 70 do século passado, a mortalidade por essa causa entre idosos permanece alta devido a efeito de coorte 16.

Populações estudadas

O inquérito de saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi realizado entre maio e julho de 2003. A amostra para este inquérito foi delineada para produzir estimativas da população adulta não institucionalizada com dez ou mais anos de idade, residente nos municípios que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Trata-se de uma amostra probabilística, em dois estágios, sendo o setor censitário a unidade primária de seleção, e o domicílio a unidade amostral. Treze mil e setecentos residentes com vinte ou mais anos de idade participaram do inquérito de saúde, com taxa de resposta igual a 79%. Para o presente trabalho foram selecionados todos os 1.774 participantes desse inquérito com sessenta ou mais anos de idade. Maiores detalhes podem ser vistos em outra publicação 17.

O inquérito de saúde de Bambuí foi conduzido entre janeiro e agosto de 1997, representando a constituição da linha de base da coorte de idosos de Bambuí. Todos os 1.742 residentes com sessenta ou mais anos de idade foram selecionados para participar do estudo, com taxa de resposta igual a 92%. Os participantes foram identificados por meio de um censo completo da cidade, conduzido entre novembro e dezembro de 1996. Maiores detalhes podem ser vistos em publicação anterior 18.

Variáveis do estudo

A variável dependente deste trabalho foi o hábito de fumar, sendo os participantes classificados como: (i) nunca fumantes (aqueles que não fumaram ou fumaram menos de 100 cigarros durante toda a vida); (ii) ex-fumantes (aqueles que já fumaram pelo menos 100 cigarros durante a vida, mas haviam parado de fumar); e (iii) fumantes atuais (aqueles que já fumaram 100 ou mais cigarros durante a vida e continuavam fumando).

As demais variáveis consideradas foram: (a) características sócio-demográficas (idade, sexo, estado civil e anos completos de escolaridade); (b) condições auto-referidas de saúde (auto-avaliação da saúde, história de diagnóstico médico de infarto ou angina, hipertensão arterial, diabetes e artrite ou reumatismo); (c) capacidade funcional (habilidade para caminhar dois a três quarteirões, subir escadas, inclinar-se ou agachar-se e levantar ou carregar algum objeto pesando 5kg; e quatro atividades da vida diária: transferir-se da cama para uma cadeira, alimentar-se, vestir-se e tomar banho); (d) uso de serviços de saúde (consultas médicas e hospitalizações nos últimos 12 meses).

As informações para ambos os inquéritos foram obtidas por meio de entrevistas, realizadas na residência do participante. Tanto no inquérito da Região Metropolitana de Belo Horizonte quanto no inquérito de Bambuí, utilizou-se um respondente próximo quando o idoso estava impossibilitado de responder à entrevista devido a déficit cognitivo ou a algum problema de saúde. No primeiro inquérito, utilizou-se também outro respondente quando o idoso estava fora de casa. Desta forma, a proporção de entrevistas respondidas por um próximo foi maior no primeiro (22%) do que no segundo (5,6%) inquérito.

Análise dos dados

Para a análise dos dados referentes à Região Metropolitana de Belo Horizonte utilizou-se o procedimento para inquéritos populacionais do programa Stata (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos). Esse procedimento produz estimativa com melhor precisão, uma vez que considera o peso do indivíduo na amostra. O inquérito de Bambuí incluiu todos os participantes idosos residentes na comunidade, não sendo necessária a utilização de tal procedimento.

Inicialmente, foi realizada a distribuição do hábito de fumar, segundo o sexo e a faixa etária. Em seguida, foram estimados os odds ratios ajustados, para determinar a força da associação entre cada variável exploratória e o hábito de fumar. Nesta análise, a regressão logística multinomial foi utilizada; os fumantes atuais e ex-fumantes foram comparados aos não-fumantes (categoria de referência). Os odds ratios foram ajustados por idade, estado civil e escolaridade, uma vez que essas variáveis têm sido consistentemente descritas como associadas ao hábito de fumar entre idosos 7,9,19 . Além dessas, o uso de respondente próximo foi também considerado a priori uma variável de confusão no estudo e, portanto, incluído nos modelos logísticos.

Todas as análises deste trabalho foram estratificadas por sexo e realizadas separadamente para cada inquérito, utilizando-se o programa Stata.

 

Resultados

Entre os 1.774 idosos participantes do inquérito de saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte, 690 (41,3%) eram homens e 979 (58,7%) eram mulheres. A idade média dos participantes foi igual a 69,7 anos (DP = 7,8), variando entre 60 e 97 anos. Entre os 1.606 idosos que participaram do inquérito de Bambuí, 641 (39,9%) eram homens e 965 (60,1%) eram mulheres. A idade média foi 69,3 anos (DP = 7,4), variando entre 60 e 95 anos.

A Figura 1 mostra a prevalência do hábito de fumar entre homens e mulheres idosos, segundo o local de residência. Entre os homens idosos, a prevalência de ex-fumantes foi semelhante nas duas áreas estudadas (39,2% vs. 40,2%). Entre as mulheres, a prevalência de ex-tabagismo na Região Metropolitana de Belo Horizonte (14,1%) foi um pouco maior do que a observada em Bambuí (11,2%). A prevalência de fumantes atuais entre homens idosos foi igual a 19,6% na Região Metropolitana de Belo Horizonte e 31,4% em Bambuí. Os resultados correspondentes para as mulheres foram 8,1% e 10,3%, respectivamente.

A Tabela 1 mostra a prevalência do hábito de fumar na Região Metropolitana de Belo Horizonte e na cidade de Bambuí, segundo sexo e faixa etária. O hábito de fumar apresentou associação significativa (p < 0,05) com idade apenas entre as mulheres em ambos os inquéritos, observando-se uma redução da prevalência do tabagismo atual com o aumento da idade.

 

 

Na Tabela 2 está apresentada a distribuição da idade e dos indicadores das condições de saúde consideradas no presente trabalho, segundo sexo e local de residência. De uma maneira geral, as mulheres e os idosos residentes em Bambuí relatavam piores condições de saúde.

 

 

Na Tabela 3 são apresentados os odds ratios associados ao ex-tabagismo e ao tabagismo atual entre os homens e mulheres, segundo condições auto-referidas de saúde, consultas médicas e hospitalizações. Entre os homens, nenhuma das características estudadas apresentou associação significante com tabagismo atual na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ao passo que em Bambuí o tabagismo estava positivamente associado com pior auto-avaliação da saúde e ocorrência de pelo menos uma hospitalização no último ano. Com relação ao ex-tabagismo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte verificaram-se associações significantes e positivas com história de diagnóstico médico para angina ou infarto e artrite ou reumatismo. Em Bambuí, nenhuma associação entre ex-tabagismo e indicadores da condição de saúde e de uso de serviços de saúde foi observada para o sexo masculino. Entre as mulheres, o tabagismo atual apresentou associação significante e negativa com história de diagnóstico médico para hipertensão arterial, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e com história de diagnóstico médico para diabetes, em Bambuí. Com relação ao tabagismo passado, foi observada associação significante e positiva com história de diagnóstico médico para angina ou infarto entre idosas residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, enquanto nenhuma associação significante foi observada entre idosas residentes em Bambuí.

A Tabela 4 mostra os odds ratios associados ao tabagismo atual e passado entre homens e mulheres, segundo indicadores da capacidade funcional. Entre os homens da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o tabagismo atual foi positivamente associado com dificuldade para subir escadas, inclinar ou agachar e levantar ou carregar um objeto pesando 5kg. Em Bambuí, associações significantes e positivas foram observadas para dificuldade para caminhar dois a três quarteirões e para subir escadas. O ex-tabagismo apresentou associação significante e positiva com todos os indicadores de capacidade funcional entre os homens residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em Bambuí, associação significante e positiva com ex-tabagismo foi observada somente para dificuldade para subir escadas. Entre as mulheres, nenhum indicador de capacidade funcional apresentou associação significante com o hábito atual de fumar, tanto na Região Metropolitana de Belo Horizonte quando em Bambuí. Já o tabagismo passado foi positivamente associado com dificuldade para caminhar dois a três quarteirões, subir escadas, inclinar ou agachar e levantar ou carregar um objeto pesando 5kg, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas nenhuma associação entre capacidade funcional e ex-tabagismo foi observada em Bambuí.

 

Discussão

A prevalência do hábito de fumar entre idosos foi superior em Bambuí, em comparação à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Este resultado foi consistente para ambos os sexos, observando-se maior prevalência entre os homens. Entre estes, a prevalência observada nos dois inquéritos (31% e 20%) foi superior à observada na população masculina com 65 ou mais anos de idade dos Estados Unidos (13,2%) 9 e do Reino Unido (18%) 4. Entre as mulheres idosas, a prevalência de fumantes atuais nos dois inquéritos brasileiros (10% e 8%) foi razoavelmente semelhante à observada nos Estados Unidos (11%) 9 e inferior ao observado no Reino Unido (17%) 4. A menor prevalência do tabagismo observada entre as mulheres idosas deve ser analisada com cautela, uma vez que esse hábito tende a aumentar entre as mulheres mais jovens. Esse fato foi observado nas cidades brasileiras economicamente mais desenvolvidas (Regiões Sul e Sudeste), nas quais essa prevalência já se aproxima daquela observada para a população masculina 20, o que sugere uma maior prevalência entre as mulheres idosas nas próximas décadas.

Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar a diferença de prevalência observada entre os dois inquéritos analisados neste estudo. Primeiro, os dados da Região Metropolitana de Belo Horizonte foram coletados seis anos após a realização do inquérito de Bambuí, e podem refletir uma tendência na redução da prevalência do tabagismo ao longo do tempo, conforme observado nos Estados Unidos 9 e, possivelmente, no Brasil 20. Entretanto, este efeito calendário, possivelmente, não explica a totalidade da diferença observada, uma vez que foram necessários 24 anos (1970 a 1994) para que a prevalência do tabagismo entre homens idosos norte-americanos diminuísse cerca de 10% 9. A segunda hipótese refere-se a diferenças sócio-econômicas entre as duas populações investigadas, uma vez que o hábito de fumar tem sido consistentemente associado com baixa escolaridade e baixa renda, entre outros indicadores de pior condição sócio-econômica 7,9. Desta maneira, a maior prevalência de fumantes entre idosos residentes em Bambuí poderia, em parte, ser explicada pelo pior nível sócio-econômico dessa população. A terceira hipótese refere-se à maior proporção de entrevistas respondidas por um proxy na Região Metropolitana de Belo Horizonte (22%), em comparação a Bambuí (6%). Alguns autores chamam a atenção para a possibilidade de subestimativa da prevalência do hábito de fumar quando a entrevista é respondida por outra pessoa 8. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, verificaram-se prevalências de tabagismo atual um pouco maior em entrevistas respondidas por um proxy, em relação àquelas respondidas pelo próprio idoso (15% vs. 12%, respectivamente; dados não mostrados). Diferenças mais expressivas foram observadas em relação ao ex-tabagismo (19% vs. 26%, respectivamente). Portanto, é possível que a prevalência de ex-tabagistas esteja subestimada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em relação a Bambuí, mas não as prevalências de tabagismo atual.

Em um estudo realizado em quatro populações idosas dos Estados Unidos, observou-se que os homens e mulheres residentes em área rural apresentavam menor probabilidade de serem fumantes, comparados aos residentes em áreas urbanas 7. No presente trabalho verificou-se o oposto, pois a população idosa residente na cidade de Bambuí, situada em área de economia predominantemente rural, apresentou maior prevalência do hábito de fumar que aquela residente na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que é o terceiro maior pólo industrial brasileiro.

Com relação às associações entre condições de saúde, uso de serviços de saúde e tabagismo atual ou passado, existe uma enorme variação de resultados entre populações e entre os sexos. Estudos conduzidos entre idosos residentes no Canadá e Estados Unidos encontraram associações significantes entre tabagismo passado e angina e infarto auto-referidos 7, problemas respiratórios 8, uso de medicamentos 8, dificuldade para caminhar, subir escadas 5,8 e carregar objetos pesados 12. Em relação ao tabagismo atual, foram observadas associações significativas com pior auto-avaliação da saúde 5,12,13, hospitalizações 5, problemas respiratórios 8, uso de medicamentos 8, limitação para realizar atividades da vida diária 5 e dificuldade para caminhar e subir escadas 5,8. Essas associações não foram observadas de forma consistente entre os diferentes locais e entre homens e mulheres.

Variações expressivas foram também encontradas no presente trabalho. História de diagnóstico médico de angina ou infarto foi o único indicador de saúde estatisticamente associado ao ex-tabagismo em ambos os sexos, mas essa associação só foi observada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Diagnóstico médico de artrite ou reumatismo apresentou associação estatística com ex-tabagismo entre homens idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas essa associação não foi observada entre mulheres residentes na mesma cidade, nem entre homens e mulheres residentes na cidade de Bambuí. O tabagismo atual esteve associado à pior percepção de saúde e história de hospitalização no ano anterior, entre os homens de Bambuí, mas essas associações não foram observadas nos demais grupos estudados. Diferenças expressivas foram também observadas em relação à capacidade funcional. De uma maneira geral, as associações entre ex-tabagismo e os diversos indicadores da capacidade funcional foram mais evidentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tanto entre homens quanto entre as mulheres. Na cidade de Bambuí, somente a dificuldade para subir escadas apresentou associação significante com a interrupção do hábito de fumar, mas essa associação só foi observada entre os homens. Com relação ao tabagismo atual, os resultados diferiram entre as áreas estudadas e associações significantes foram observadas somente entre os homens.

Os resultados do presente trabalho confirmam observações realizadas em outros países de que não existem sinais e sintomas consistentemente associados ao tabagismo atual e ao tabagismo passado entre idosos. Nossos resultados acrescentam por mostrar que essas variações podem também ocorrer em populações de um país em desenvolvimento. Merece ser destacada a ausência de associação entre o hábito atual de fumar e diversos indicadores das condições de saúde e indicadores da capacidade funcional. As implicações desse achado para o controle do tabagismo entre idosos são importantes, uma vez que é de se supor que o desejo de parar de fumar seja maior entre aqueles que reconheçam nesse hábito efeitos sobre a sua saúde. Estratégias para a redução do tabagismo entre idosos devem levar essa evidência em consideração.

 

Colaboradores

S. V. Peixoto participou da análise e interpretação dos resultados e da redação do manuscrito. J. O. A. Firmo coordenou o trabalho de coleta de dados e participou da discussão dos resultados. M. F. Lima-Costa orientou o trabalho, participando da análise dos dados, discussão dos resultados e revisão do texto final.

 

Agradecimentos

Este estudo recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processo n. 520337-96-4), Financiadora de Estudos e Projetos (processo n. 6694009-00) e VIGISUS (Ministério da Saúde).

 

Referências

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Correspondência
S. V. Peixoto
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento
Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Augusto de Lima 1715
Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil
sergio@cpqrr.fiocruz.br

Recebido em 20/Jun/2005
Versão final reapresentada em 26/Out/2005
Aprovado em 11/Dez/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br