Poluição do ar e doenças respiratórias alérgicas em escolares

Francine Heloisa Nicolussi Ana Paula Milla dos Santos Sílvia Carla da Silva André Tatiane Bonametti Veiga Angela Maria Magosso Takayanagui Sobre os autores

Resumos

Estudo sobre a prevalência de doenças respiratórias alérgicas em escolares de seis a sete anos de idade, relacionadas com indicadores de poluição atmosférica. Questionário baseado no International Study of Asthma and Allergies in Childhood foi aplicado aos pais de alunos de escolas públicas, situadas em regiões urbanas diferentes, quanto ao fluxo de veículos. Houve correlação positiva entre frequência mensal de rinite e concentração de poluentes e negativa com a umidade relativa do ar. Resultados indicam que, mesmo com níveis de poluentes menores que os permitidos pela legislação, a prevalência de asma, rinite e sintomas associados tendeu a ser maior em alunos da escola da região central, onde há intenso tráfego veicular.

Criança; Doenças Respiratórias, epidemiologia; Hipersensibilidade Respiratória, epidemiologia; Poluição do Ar, efeitos adversos; Saúde Ambiental


INTRODUÇÃO

Exposição prolongada a poluentes emitidos sobretudo por veículos automotores está associada ao aumento de hospitalizações por morbidades cardiorrespiratórias e pode afetar negativamente o desenvolvimento cognitivo de crianças.2. Kempen E, Fischer P, Janssen N, Houthuijs D, Kampa I, Stansfeld S, et al. Neurobehavioral effects of exposure to traffic-related air pollution and transportation noise in primary schoolchildren. Environ Res. 2012;115:18-25. DOI:10.1016/j.envres.2012.03.002
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Essa situação se agrava no inverno devido ao aumento de inversões térmicas, que dificultam a dispersão de poluentes atmosféricos primários, provocando episódios agudos de poluição.

Maior atenção é dada à poluição atmosférica em metrópoles e regiões industriais; entretanto, vários estudos epidemiológicos têm revelado as consequências para a saúde, mesmo em níveis de poluição abaixo dos limites permitidos pela legislação brasileira.5. Olmo NRS, Saldiva PHN, Braga ALF, Lin CA, Santos UP, Pereira LAA. A review of low-level air pollution and adverse effects on human health: implications for epidemiological studies and public policy. Clinics. 2011;66(4):681-90. DOI:10.1590/S1807-59322011000400025.
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Entre pacientes com diagnóstico de asma e rinite alérgica, de 70,0% a 85,0% possuem algum tipo de sensibilização a aeroalérgenos, o que os torna mais propensos a desenvolverem eczema atópico.6. Wandalsen GF, Camelo-Nunes IC, Mello KC, Naspitz CK, Solé D. Risk factors for atopic eczema in school children. Rev Bras Saude Mater Infant. 2005;5(1):19-25. DOI:10.1590/S1519-3829200500010000
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A prevalência da tríade atópica (eczema, rinite e asma) é maior em crianças e adolescentes, cujos sintomas se iniciam antes dos seis anos de idade, sendo mais evidentes entre famílias carentes que vivem em área urbana, o que pode elevar os custos e implicações socioeconômicas.

Nesse contexto, este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de asma, rinite e eczema atópico entre escolares de seis a sete anos, buscando sua relação com indicadores de poluição do ar em região urbana.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi realizada no município de Ribeirão Preto, SP, em 2010. Localizado no nordeste do estado, o município tem população aproximada de 650 mil habitantes e clima tropical úmido, caracterizado por verão chuvoso e inverno seco.aa Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades [citado 2013 nov 12]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?

Duas escolas estaduais foram selecionadas de acordo com sua localização geográfica: na região central (escola A) e em um bairro residencial da zona oeste do município (escola B); a intensidade do fluxo diário de veículos; e pelos alunos residirem próximo às escolas.

Os critérios de inclusão dos sujeitos fundamentaram-se na anuência dos pais ou responsáveis para participarem do estudo e na faixa etária das crianças (entre seis e sete anos), devido às doenças alérgicas serem agravadas no período de inicialização no ambiente escolar, em que há maior exposição às infecções respiratórias. Participaram desta pesquisa 78 alunos da escola A e 61 alunos da escola B.

Foi aplicado um questionário aos pais ou responsáveis pelas crianças, baseado no International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), em novembro de 2010. O instrumento consistiu em duas partes: a primeira identificou a criança, o respondente e a localização geográfica da moradia e vivência diária da criança; a segunda foi dividida em três módulos, que abrangeram informações sobre asma, rinite alérgica e eczema atópico, no que se refere a ocorrência, frequência, tempo e intensidade.

Para comparação entre os dados das escolas A e B, utilizou-se o teste do Qui-quadrado, com nível de significância de 5% (Tabela). As frequências também foram comparadas pelo cálculo da razão de prevalência (RP).

Tabela.
Frequência de respostas afirmativas aos diagnósticos de asma, rinite alérgica, eczema atópico e sintomas respiratórios associados, entre escolares de seis a sete anos, em escolas públicas de Ribeirão Preto, SP, 2010. (N = 139)

A média mensal das concentrações diárias de partículas inaláveis (MP10), dióxido de nitrogênio (NO2), ozônio (O3) e da umidade relativa do ar (UR%) foi calculada no período de novembro de 2009 a outubro de 2010, com base em dados da estação de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), localizada na escola B. Esses dados foram relacionados às respostas da questão sobre a ocorrência de sintomas de rinite (espirro, coriza e obstrução nasal) nos últimos 12 meses, sem que os alunos estivessem resfriados, pelo cálculo do coeficiente de correlação linear de Pearson e pela análise de componentes principais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Protocolo 1171/2010), e recebeu autorização da Diretoria Regional de Ensino.

RESULTADOS

A maioria dos 139 alunos possuía sete anos de idade (72,7%), sendo 51,8% do sexo masculino e 61,8% não conviviam com fumantes em domicílio, segundo os respondentes.

Diagnóstico de asma foi relatado para 18,0% dos alunos da escola A, quase o dobro da frequência encontrada na escola B (RP = 1,8). A frequência de tosse noturna, que é considerada um dos sintomas de asma ativa, juntamente com a ocorrência de sibilos após exercícios, foi maior na escola A (RP = 1,4; χ2 = 4,9; p ≤ 0,05) (Tabela).

Tanto a prevalência de rinite alérgica diagnosticada quanto a de sintomas associados (espirro e coriza alguma vez na vida, espirro e coriza nos últimos 12 meses, e sintomas oculares) foram mais frequentes entre os alunos da escola A (RP = 1,4; 1,1 e 1,2, respectivamente). A frequência de sintomas oculares foi 1,7 vez maior na escola A (χ2 = 4,4; p ≤ 0,05) e, segundo os respondentes, 37,1% dos alunos dessa escola também tiveram suas atividades diárias pouco ou muito perturbadas por desconforto nasal (χ2 = 4,1; p ≤ 0,05), sendo quase o dobro que na escola B (RR = 1,8) (Tabela).

A prevalência de eczema atópico diagnosticado e sintomas relacionados não apresentou diferenças significativas entre os alunos das duas escolas (Tabela).

A presença de tríade atópica (eczema, rinite e asma) foi relatada apenas para 3,6% dos alunos participantes desta pesquisa. Das três doenças estudadas, a rinite alérgica foi a mais frequente em alunos das duas escolas, relatada por 43,2% de todos os respondentes, sendo o diagnóstico de eczema atópico relatado por 26,6% e de asma, por 14,4%.

Os sintomas de rinite alérgica (espirro, coriza e obstrução nasal, sem que as crianças estivessem resfriadas) foram mais frequentes no terceiro trimestre de 2010, coincidindo com o aumento de MP10 e NO2, e com o período mais seco do ano. A análise dos dados revelou forte correlação negativa entre sintomas de rinite e UR% (r = -0,91) e positiva com concentração de MP10 e NO2 (r = 0,89 e 0,88, respectivamente) (Figura).

Figura.
Análise de componentes principais para variáveis ambientais e sintomas de rinite alérgica em escolares de seis a sete anos, em escolas públicas de Ribeirão Preto, SP, de novembro de 2009 a outubro de 2010.

DISCUSSÃO

Maior prevalência de diagnóstico médico para asma, rinite e sintomas associados foi encontrada entre os alunos que estudam na região central (escola A), onde há intenso tráfego de veículos e, portanto, maior concentração de gases poluentes. O comprometimento da qualidade do ar, como componente exógeno, juntamente com outros fatores biológicos, econômicos e/ou sociais, representa importantes agravantes para doenças alérgicas.4. McConnell R, Berhane K, Yao L, Jerrett M, Lurmann F, Gilliland F, et al. Traffic, susceptibility and childhood asthma. Environ Health Perspect. 2006;114(5):766-72. DOI:10.1289/ehp.8594
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As emissões veiculares constituem a mais importante fonte de poluição do ar em centros urbanos, devido à dificuldade de monitoramento e controle direto. Nos últimos anos, em Ribeirão Preto, SP, houve crescimento acelerado na frota de veículos, uma tendência no País. Segundo o Denatran, atualmente, há no município 1,4 veículo para cada dois habitantes.bb Departamento Nacional de Trânsito. Frota de veículos [citado 2013 nov 12]. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/frota2013.htm De acordo com a Cetesb, fontes móveis de poluição do ar como veículos pesados e motocicletas são responsáveis pela emissão anual de, aproximadamente, sete mil toneladas por ano de CO, quatro mil toneladas de NOx e 100 toneladas de material particulado em Ribeirão Preto. Essa realidade apresenta consequências imediatas para a carga de poluentes atmosféricos emitida e indiretas para a saúde, sobretudo de populações residentes em locais com maior tráfego.

A correlação positiva encontrada para sintomas de rinite (espirro, coriza e obstrução nasal) e concentração de MP10 e NO2 corrobora estudo realizado por Castro et al, no Rio de Janeiro, em 2009.4. McConnell R, Berhane K, Yao L, Jerrett M, Lurmann F, Gilliland F, et al. Traffic, susceptibility and childhood asthma. Environ Health Perspect. 2006;114(5):766-72. DOI:10.1289/ehp.8594
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De acordo com esses autores, foi possível verificar correlação positiva entre o aumento de poluentes atmosféricos e a diminuição da função respiratória de crianças.

Os sintomas de rinite alérgica foram mais frequentes durante os meses com pouca chuva, apresentando alta correlação negativa com UR%. Nesse período também aumenta o número de focos de queimadas, acidentais ou criminosos, mas, sobretudo, devido à queima da palha da cana-de-açúcar na pré-colheita. As partículas produzidas pela queima da biomassa podem possuir toxicidade similar ou maior que as emitidas por veículos, com relação à sua composição por metais pesados e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HPA).3. Mazzoli-Rocha F, Magalhães CB, Malm O, Saldiva PHN, Zin WA, Faffe DS. Comparative respiratory toxicity of particles produced by traffic and sugar cane burning. Environ Res. 2008;108(1):35-41. DOI:10.1016/j.envres.2008.05.004
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A região estudada é uma das principais do País para o setor sucroalcooleiro, com queimadas de abril a dezembro. A legislaçãocc São Paulo. Lei Estadual nº 11.241/02. Dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. São Paulo, 2002 [citado 2014 mar 5]. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/bioenergia/legislacao/2002_Lei_Est_11241.pdf prevê o fim das queimadas no estado de São Paulo de forma gradativa até 2031, mas esse prazo foi antecipado para 2014 e 2017 para áreas mecanizáveis e não mecanizáveis, respectivamente, pelo Protocolo Agroambiental proposto pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente,dd São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente. Protocolo Agro-ambiental do setor sucroalcooleiro paulista. São Paulo, 2007 [citado 2014 mar 5]. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/files/2011/10/protocoloAgroindustriais.pdf em 2007. Apesar da crescente mecanização da colheita da cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto (acima de 70,0% na safra 2012-2013), as queimadas ainda representam um fator agravante para a poluição do ar, comprometendo a saúde de toda a população, principalmente nos meses de baixa UR%.

Segundo dados da Cetesb, a região de Ribeirão Preto possui níveis de poluição do ar abaixo dos limites permitidos pelos padrões nacionais. Contudo, os resultados mostraram possível interferência da poluição atmosférica na região central, com intenso tráfego de veículos, sobre a saúde de crianças, quanto à asma, rinite alérgica e aos sintomas associados.

Nesse sentido, com o grande número de pesquisas que vêm revelando novos conhecimentos sobre o impacto da poluição do ar na saúde humana em diversas fases do desenvolvimento, destaca-se a importância da adoção de padrões nacionais de qualidade do ar mais rigorosos, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).ee World Health Organization. Air quality guidelines, WHO, 2006 [citado 2014 mar 5]. Disponível em: http://www.euro.who.int/_data/assets/pdf_file/0005/78638/E90038.pdf

Deve-se considerar que os níveis de morbidade infantil por causas respiratórias podem ser prevenidos, desde que sejam garantidas mudanças nos aspectos legais e socioeconômicos, que possam interagir com a implementação de ações da saúde pública.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Castro HA, Cunha MF, Mendonça GAS, Junger WL, Cunha-Cruz J, Leon AP. Efeitos da poluição do ar na função respiratória de escolares, Rio de Janeiro, RJ. Rev Saude Publica. 2009;43(1):26-34. DOI:10.1590/S0034-89102009000100004
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  • 2
    Kempen E, Fischer P, Janssen N, Houthuijs D, Kampa I, Stansfeld S, et al. Neurobehavioral effects of exposure to traffic-related air pollution and transportation noise in primary schoolchildren. Environ Res. 2012;115:18-25. DOI:10.1016/j.envres.2012.03.002
    » https://doi.org/10.1016/j.envres.2012.03.002
  • 3
    Mazzoli-Rocha F, Magalhães CB, Malm O, Saldiva PHN, Zin WA, Faffe DS. Comparative respiratory toxicity of particles produced by traffic and sugar cane burning. Environ Res. 2008;108(1):35-41. DOI:10.1016/j.envres.2008.05.004
    » https://doi.org/10.1016/j.envres.2008.05.004
  • 4
    McConnell R, Berhane K, Yao L, Jerrett M, Lurmann F, Gilliland F, et al. Traffic, susceptibility and childhood asthma. Environ Health Perspect. 2006;114(5):766-72. DOI:10.1289/ehp.8594
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  • 5
    Olmo NRS, Saldiva PHN, Braga ALF, Lin CA, Santos UP, Pereira LAA. A review of low-level air pollution and adverse effects on human health: implications for epidemiological studies and public policy. Clinics. 2011;66(4):681-90. DOI:10.1590/S1807-59322011000400025.
    » https://doi.org/10.1590/S1807-59322011000400025
  • 6
    Wandalsen GF, Camelo-Nunes IC, Mello KC, Naspitz CK, Solé D. Risk factors for atopic eczema in school children. Rev Bras Saude Mater Infant. 2005;5(1):19-25. DOI:10.1590/S1519-3829200500010000
    » https://doi.org/10.1590/S1519-3829200500010000

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2013
  • Aceito
    17 Nov 2013
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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