Apoio institucional na Atenção Primária em Saúde no Brasil: uma revisão integrativa

Institutional support in Primary Health Care in Brazil: an integrative review

Christiane da Silva Brito Hebert Luan Pereira Campos dos Santos Fernanda Beatriz Melo Maciel Poliana Cardoso Martins Nília Maria de Brito Lima Prado Sobre os autores

Resumo

Um dos grandes desafios do Sistema Único de Saúde é a necessidade de transcender o caráter disciplinador e controlador da gestão e fomentar a função democrática, para possibilitar uma maior participação de trabalhadores e comunidade na gestão em saúde. Com o intuito de identificar e sintetizar definições e práticas de apoio institucional implementadas no âmbito da Atenção Primária à Saúde no Brasil, de acordo com o método Paidéia, que preconiza democratização institucional e a qualificação do atendimento à população através de novos arranjos e dispositivos de gestão e do processo trabalho, foi desenvolvida uma revisão integrativa da literatura referente ao período de 2005 a 2019. O corpus de análise contemplou 24 publicações que explicitaram definições e aspectos operacionais incipientes, fragilidades na integração entre o âmbito da clínica ampliada e da gestão compartilhada que deveria se dar na dialética entre o Apoio Institucional e o Apoio Matricial, a necessidade de fortalecer a função do apoiador institucional, enquanto mediador metodológico e de reformular os tradicionais mecanismos de gestão e as estratégias para educação permanente em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Key words:
Health management; Humanization of healthcare practices; Public health policies

Abstract

One of the great challenges of the Unified Health System is the need to transcend the disciplinary and controlling character of management and foster the democratic function, to enable greater participation of workers and the community in health management. In order to identify and synthesize institutional support definitions and practices implemented within the scope of Primary Health Care in Brazil, according to the Paidéia method, which advocates institutional democratization and the qualification of service to the population through new management arrangements and devices and the work process, an integrative literature review was carried out for the period from 2005 to 2019. The corpus of analysis included 24 publications that made incipient definitions and operational aspects explicit, weaknesses in the integration between the scope of the expanded clinic and the shared management that should assist in the dialectic between Institutional Support and Matrix Support, there should be the need to strengthen the role of institutional supporter, as a methodological mediator and to reformulate the management and strategy mechanisms for permanent health education within the scope of the Unified Health System.

Key words:
Health management; Humanization of healthcare practices; Public health policies

Introdução

O debate sobre a democratização da gestão nos serviços de saúde não é recente11 Paim J. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Salvador: Edufba, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. e constitui um dos temas desafiadores para consolidar o Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto política pública e democrática. A concepção de cogestão como “produção de democracia” questiona os modelos hegemônicos de gestão do sistema de saúde centralizado por normas, protocolos e programas, com sujeitos operando em uma lógica normativa de cumprimento de metas, visando à produtividade e execução de tarefas22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820..

No Brasil, o apoio institucional (AI) teve como precursor Campos33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000., com a proposta do Método Paidéia (também conhecido como Método da Roda), que implica o exercício da cogestão e a configuração de redes cooperativas, com o intuito de ampliar a capacidade de análise e intervenção dos trabalhadores e gestores nas instituições, para lidar com os “conflitos de poder”33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.(p.133), o que não pode ser respondido com a estrita normalização do processo de trabalho. Envolve uma perspectiva mais democrática e participativa, contemplando o envolvimento dos sujeitos em coletivos organizados, voltados para a produção de bens ou serviços, bem como para a Educação Permanente (EP) e a gestão, além de para o cuidado compartilhado e de seus processos de trabalho44 Cunha GT, Campos GWS. Método Paidéia para cogestão de coletivos organizados para o trabalho. Org Demo 2010; 11(1):31-46.,55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908..

Nas últimas décadas, diversos autores têm ampliado o debate, contemplando definições e métodos para a implementação do AI, visando à cogestão e atenção nos serviços de saúde, abrangendo o apoio matricial (AM) e a clínica ampliada e compartilhada (CAC)66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília: MS; 2012.

7 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.

8 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.

9 Klitzke DD. Apoio institucional na gestão da atenção básica no Brasil: um caminho possível? [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.

10 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831.

11 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.
-1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.. Do mesmo modo, diversos documentos jurídicos e normativos governamentais destacaram essa estratégia de inovação dos modos de gestão e práticas em saúde, a exemplo da Política Nacional de Humanização (PNH), denominada HumanizaSUS, fundamentada no método da tríplice inclusão (gestores, trabalhadores e usuários), em um processo de cogestão1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009.; da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012.; e do documento síntese para avaliação externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Brasília: MS; 2012..

Contudo, o processo de implementação de tais políticas e ações com base na gestão democrática, nos sistemas locais de saúde, tem evidenciado contextos plurais e heterogêneos, além de inúmeras dificuldades para o cumprimento das prerrogativas e competências previstas pela concepção teórica e metodológica Paidéia1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995., como estratégia para a democratização institucional e a ampliação da qualificação, abrangência e resolutividade das necessidades e demandas da população. Entre os desafios para a operacionalização do AI, podem ser citadas: a incipiente qualificação de alguns profissionais para o exercício da cogestão, evidenciando conflitos e disputas pelo poder1717 Guedes CR, Roza MMR, Barros MEB. O apoio institucional na Política Nacional de Humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de atenção básica. Cad Saude Colet 2012; 20(1):93-101., e a necessidade de priorizar um contato mais próximo entre a rede de serviços e a gestão, valorizando a micropolítica do processo de trabalho1818 Melo LMF, Martiniano CS, Guimarães J, Souza MB, Rocha PM. Análises das diretrizes para o apoio institucional das gestões da Atenção Básica das capitais brasileiras. Saude Debate 2016; 40(108):8-22..

A partir dessas considerações, objetivou-se, com este estudo, contribuir para a reflexão sobre as bases teóricas e operacionais do AI nos espaços de atenção e de gestão do SUS, mais especificamente na Atenção Primária à Saúde (APS). Pretendeu-se, para tanto, sistematizar as definições e práticas do AI, a partir de uma revisão integrativa da literatura e conforme os pressupostos epistemológicos e operacionais do Método Paidéia, descritos em estudos científicos publicados no período compreendido entre 2005 e 2019.

Aspectos metodológicos

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre o AI na APS, no Brasil. A busca das publicações foi realizada através da exploração de dados, nas seguintes bases: Google Acadêmico, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Science Direct, Periódicos Capes, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e repositórios de teses e dissertações do Instituto de Saúde Coletiva (ISC); da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e da Universidade Federal do Ceará (UFCE). Ressalta-se que foram inclusos os repositórios acadêmicos, o Google Acadêmico e a busca manual das referências bibliográficas dos estudos selecionados devido à escassez de publicações com a temática nas demais bases de dados consultadas.

Os unitermos foram localizados nos seguintes sites: Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Heading (MeSH), incluindo “apoio institucional”, “cogestão” e “estratégia saúde da família”, ambos utilizando as línguas portuguesa e inglesa. A combinação dos unitermos em estratégias de busca foi adaptada para cada base de dados consultada: “apoio institucional” AND “cogestão” AND “Programa Saúde da Família” OR “Estratégia Saúde da Família”, além da aplicação isolada do unitermo “apoio institucional” nos idiomas português, inglês e espanhol.

Foram compilados 288 documentos normativos, artigos científicos, dissertações e teses, organizados em uma base de dados única, em Excel, conforme os tópicos: título, autor(es), ano de publicação, local de publicação, tipo de publicação; objetivo do estudo; definição de AI; e operacionalização do AI. Os critérios de inclusão: publicações indexadas no período compreendido entre janeiro de 2005 e dezembro de 2019; resumo e texto completo disponíveis; e que discutissem a temática central do objeto de estudo. A seleção e a inclusão dos estudos foram realizadas por consenso entre dois pesquisadores.

Do total de artigos selecionados, após leitura dos títulos e resumos, foram excluídos 246 documentos, sendo 188 duplicações e 58 que não discutiam a temática da revisão. Após a leitura na íntegra dos 42 documentos restantes, 18 ainda foram excluídos por não discutirem a temática, restando 24 publicações, que constituíram o corpus da revisão (23 artigos e 1 documento normativo).

Realizada por dois pesquisadores, a extração e a análise dos dados se deram de acordo com os seguintes tópicos: 1) Identificação do estudo - autor(es), ano de publicação, título, periódico; 2) Objetivo do estudo; 3) Definição de AI; 4) Práticas de AI; 5) Resultado/discussões; e 6) Conclusões. A leitura dos artigos foi realizada na íntegra, com posterior alocação dos resultados de cada tópico. Em seguida, analisaram-se os excertos considerados relevantes para a temática investigada, levando em conta as definições e a operacionalização do AI.

Resultados e discussão

Entre os 24 estudos selecionados, 17 descreveram experiências empíricas, mas também discutiram definições para o AI99 Klitzke DD. Apoio institucional na gestão da atenção básica no Brasil: um caminho possível? [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.,1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.,1717 Guedes CR, Roza MMR, Barros MEB. O apoio institucional na Política Nacional de Humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de atenção básica. Cad Saude Colet 2012; 20(1):93-101.,1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7.

20 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.

21 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.

22 Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):957-970.

23 Paixão L, Tavares MFL. A construção do projeto "Apoio de Rede" como estratégia institucional. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):845-858.

24 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.

25 Shimizu HE, Martins T. O apoio institucional como método de análise-intervenção na Atenção Básica no Distrito Federal, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1077-1087.

26 Barros SCM, Dimenstein M. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estud Pesqu Psicol UERJ 2010; 10(1):48-67.

27 Guedes CR, Pitombo LB, Barros MEB. Os processos de formação na Política Nacional de Humanização: a experiência de um curso para gestores e trabalhadores da atenção básica em saúde. Physis 2009; 19(4):1087-1109.

28 Pinheiro MEC, Jesus LMM. Apoio institucional como diretriz de gestão da 7ª Diretoria Regional de Saúde, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1135-1143.

29 Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da Política Nacional de Humanização (PNH): a cogestão em ato. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):627-640.

30 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407.
-3131 Salgado ACS, Pena RS, Caldeira LWD. Apoio institucional e militância no Sistema Único de Saúde (SUS): refletindo os desafios da mobilização dos sujeitos na produção de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):909-918., e 7 incluíram reflexões sobre as definições22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.,1010 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831.,1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009.,3131 Salgado ACS, Pena RS, Caldeira LWD. Apoio institucional e militância no Sistema Único de Saúde (SUS): refletindo os desafios da mobilização dos sujeitos na produção de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):909-918.,3232 Santos Filho SB, Barros MEB, Gomes RS. A Política Nacional de Humanização como política que se faz no processo de trabalho em saúde. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):603-613.. Do mesmo modo, foram identificadas as práticas de AI no âmbito da APS, nos estudos analisados por esta revisão integrativa22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908.,77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,99 Klitzke DD. Apoio institucional na gestão da atenção básica no Brasil: um caminho possível? [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.,1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.

12 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.
-1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009.,1717 Guedes CR, Roza MMR, Barros MEB. O apoio institucional na Política Nacional de Humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de atenção básica. Cad Saude Colet 2012; 20(1):93-101.,1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7.

20 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.

21 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.

22 Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):957-970.

23 Paixão L, Tavares MFL. A construção do projeto "Apoio de Rede" como estratégia institucional. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):845-858.

24 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.

25 Shimizu HE, Martins T. O apoio institucional como método de análise-intervenção na Atenção Básica no Distrito Federal, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1077-1087.

26 Barros SCM, Dimenstein M. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estud Pesqu Psicol UERJ 2010; 10(1):48-67.

27 Guedes CR, Pitombo LB, Barros MEB. Os processos de formação na Política Nacional de Humanização: a experiência de um curso para gestores e trabalhadores da atenção básica em saúde. Physis 2009; 19(4):1087-1109.

28 Pinheiro MEC, Jesus LMM. Apoio institucional como diretriz de gestão da 7ª Diretoria Regional de Saúde, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1135-1143.

29 Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da Política Nacional de Humanização (PNH): a cogestão em ato. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):627-640.

30 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407.

31 Salgado ACS, Pena RS, Caldeira LWD. Apoio institucional e militância no Sistema Único de Saúde (SUS): refletindo os desafios da mobilização dos sujeitos na produção de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):909-918.
-3232 Santos Filho SB, Barros MEB, Gomes RS. A Política Nacional de Humanização como política que se faz no processo de trabalho em saúde. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):603-613..

Quanto ao local de produção dos trabalhos, foram observadas publicações advindas de instituições ou autores residentes/provenientes do Estado da Bahia - 3 (12,5%); do Ceará - 1 (4,2%); de Pernambuco - 1 (4,2%); do Espírito Santo - 1 (4,2%); do Pará - 1 (4,2%), de Minas Gerais - 1 (4,2%); de São Paulo - 5 (20,8%); do Paraná - 1 (4,2%); e do Distrito Federal - 10 (41,5%). A maior concentração dos estudos foi desenvolvida nas regiões Centro-Oeste (Distrito Federal - 28%), Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro - 14% cada) e Sul (Rio Grande do Sul - 14%). No que concerne ao tipo de publicação, constatou-se que a maioria era de artigos científicos - 23 (96,6%), com 1 (3,4%) documento normativo (leis ou portarias).

Principais definições do apoio institucional

No Brasil, as principais definições de AI (Quadro 1) emergiram com a proposta do Método Paidéia33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.. Este método tem difundidas como principais características a valorização da cidadania, dos direitos, e a distribuição igualitária de poder nas organizações88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995., em uma perspectiva que contrapõe os pressupostos da racionalidade gerencial hegemônica. O método inclui, ainda, a análise e cogestão de coletivos55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908., ao afirmar que “todo sujeito opera segundo coeficientes de autonomia ou de liberdade”33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.(p.159).

Quadro 1
Sistematização dos principais conceitos identificados nos artigos analisados.

Trata-se de uma rede conceitual e metodológica para dar suporte à cogestão de coletivos, que possui três eixos de aplicação3333 Mattos TCA. Função de apoio e a gestão estadual: entre encontros, afetos, trilhas, armadilhas e dobras-cartografias da saúde no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2013.

34 Guizardi FL, Cavalcanti FO. A gestão em saúde: nexos entre o cotidiano institucional e a participação política no SUS. Interface (Botucatu) 2010; 14(34):633-646.
-3535 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000.: AI, uma função gerencial para a cogestão, usada nas relações entre serviços, e entre gestores e trabalhadores; AM, que sugere um modo de funcionamento para o trabalho em rede, valorizando uma concepção ampliada do processo saúde-doença, a interdisciplinaridade, o diálogo e a interação entre profissionais que trabalham em equipes ou em redes e sistemas de saúde; e, a CAC, que contempla a aplicação da metodologia Paidéia como estratégia para compartilhar o projeto terapêutico entre usuário e profissionais. Objetiva a cogestão do atendimento, da assistência e do cuidado entre profissionais responsáveis e usuários.

A cogestão é o exercício compartilhado do governo de um programa, serviço, sistema ou política1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995., que pressupõe que as funções de gestão se exercem entre sujeitos, ainda que com distintos graus de saber e de poder55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908.. Esta concepção preconiza a “reforma das organizações de saúde com base no estabelecimento deliberado de relações dialógicas, com compartilhamento de conhecimentos e redistribuição de poder”1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.(p.986), para transformar os espaços em rede cooperativa, onde ocorre a modulação ética das forças que o constituem, já que a vida em sociedade solicita permanências e territórios institucionais3636 Oliveira GN. Devir apoiador: uma cartografia da função apoio [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2011..

É importante destacar que Pereira Junior e Campos55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908. reiteraram que o AI adquiriu dois enfoques: um com o intuito de fortalecer a gestão descentralizada e cooperativa do SUS, considerada um AI integrado3737 Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saude Publica 2007; 23(2):399-407.; e outro, direcionado ao apoio à mudança dos modelos de gestão e atenção em serviços e sistemas de saúde. Em consonância com o debate introduzido, sobre as necessidades de mudanças na atenção e gestão do SUS, o HumanizaSUS propõe a transversalidade-transformação dos modos de relação e de comunicação entre os sujeitos implicados nos processos de produção de saúde e a indissociabilidade entre atenção e gestão, além de protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos coletivos66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília: MS; 2012.,1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009..

O HumanizaSUS se consolidou como um marco normativo, direcionando reflexões de diversos autores que o adotaram para propor as definições de AI, considerando a cogestão55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908.,77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,1010 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831.,1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.,1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009.,1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7.,2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.,2323 Paixão L, Tavares MFL. A construção do projeto "Apoio de Rede" como estratégia institucional. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):845-858.,2424 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.,2929 Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da Política Nacional de Humanização (PNH): a cogestão em ato. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):627-640.. Como diretrizes, o HumanizaSUS expressa o método da inclusão, a CAC, cogestão; acolhimento; valorização do trabalho e do trabalhador; defesa dos direitos do usuário; e o fomento dos espaços coletivos e redes. Assim, a humanização, como um conjunto de estratégias para qualificar a atenção e a gestão, se estabelece como construção e ativação de atitudes ético-estético-políticas de corresponsabilidade e como rede de conectividade, que possibilita a troca de saberes e práticas.

Operacionalmente, consiste em um modo de organizar os processos de trabalho, de forma a atender a todos os que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos, analisando as demandas e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas ao usuário e à sua rede social. Desta forma, os aspectos teóricos da cogestão e do AI33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.,66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília: MS; 2012.,1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa, cogestão. Brasília: MS; 2009. passam a ser incluídos em diversas estratégias para mudanças no modelo de atenção e de gestão, com a inclusão dos diferentes sujeitos (gestores, trabalhadores e usuários), considerando a perspectiva da produção de autonomia, protagonismo e corresponsabilidade, por meio da constituição de equipes de referência, CAC e AM.

É uma revalorização das proposições de gestão coletiva e participativa, especialmente no que concerne à formação de colegiado gestor para integração dos atores envolvidos na análise e tomada de decisões no território e nas instituições. Sem, contudo, suprimir a participação popular mediante os conselhos de saúde88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.. Por outro lado, a ampliação da capacidade de análise de coletivos corrobora a necessidade de lidar com os conflitos e problemas, na perspectiva da cogestão, ante a existência de distintos poderes dos trabalhadores, gestores e usuários (método da tríplice inclusão) e a interferência do sucesso ou insucesso das práticas de gestão, seja na vida, enquanto cidadãos, seja nas suas práticas profissionais88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.,3838 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria-Executiva. Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília: MS; 2011..

A necessidade de mobilização dos atores para promover a mudança no modelo de gestão também foi discutida por Machado e Mattos1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149., que enfatizaram a premência da integração entre a gestão e a atenção à saúde. Nesta concepção, tal agenciamento estimula o exercício da cogestão, ao atribuir agrupamentos voltados para a produção social da saúde1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.. Esta convocação converge à proposta de Campos et al.88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995., de integração com caráter deliberativo, com o intuito de desconstruir as relações tradicionais de gestão, consideradas por eles como assépticas e/ou distantes.

Nessa perspectiva, compreende-se o AI como um recurso metodológico que busca reformular os tradicionais mecanismos de gestão. Trata-se de um modo de cogerir que pressupõe postura interativa, tanto analítica quanto operacional. É uma função que tanto pode ser exercida pelo gestor quanto pode constituir um cargo específico, uma vez que várias instâncias do SUS já contam com grupos de apoiadores institucionais3939 Baremblitt G. Compêndio de Análise Institucional e outras correntes: teoria e prática. 5ª ed. Belo Horizonte: Instituto Félix Guattari; 2002..

Para isso, Campos4040 Campos GWS. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In: Campos GWS, organizador. Saúde Paideia. São Paulo: Hucitec; 2003. p. 51-67. reiterou a importância do fortalecimento do AM organizado pela lógica do trabalho em cogestão no contexto institucional, para que as equipes de saúde possam potencializar o trabalho interprofissional e viabilizar a realização de intervenções integradas à clínica, em uma relação de cooperação e reciprocidade. A integração de todos os pontos da rede (território, atenção, relação interpessoal, família, comunidade, serviço) passa a ser sugerida como estratégia para a democratização das relações, a partir do encontro entre pessoas e as novas relações horizontais4141 Guizardi FL, Lemos ASP, Machado FRS, Passeri L. Apoio institucional na Atenção Básica: análise dos efeitos relatados. Physis 2018; 28(4):e280421.. O rompimento das verticalidades (hierarquia) e horizontalidades (corporação) é atribuído ao AI para ampliar a autonomia e permitir transformações no processo de trabalho1010 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831..

Contudo, vale destacar que a função de apoio pode gerar incômodo entre os atores envolvidos77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,2424 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.,3535 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000.. Embora, a crítica à gerência tradicional, considerada hegemônica, esteja presente nos textos avaliados por este estudo, alguns autores apontaram para a fragilidade dos sistemas de cogestão22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,3030 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407..

As referidas concepções reforçam o conceito de cogestão voltado para a conformação de uma rede assistencial no SUS e na APS. Ante a complexidade dos processos sociais, sanitários e/ou pedagógicos, busca-se, a partir de equipes de referência e AM, “pensar modos de se lidar com esses processos, considerando a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade, para o enfrentamento de problemas sem, contudo, perder-se o padrão de responsabilização e compromisso com a produção de saúde”55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908.(p.988).

Nessa lógica, o AI propõe repensar a relação singular entre os profissionais e os usuários, considerando que as mudanças estruturais e organizacionais têm resultados mais promissores quando são acompanhadas por processos de transformação no modo de ser dos sujeitos envolvidos. Portanto, pressupõe a construção de uma metodologia organizacional que combine a padronização de condutas diagnósticas e terapêuticas com a necessidade e a possibilidade de adaptação dessas regras gerais às inevitáveis variações presentes em cada caso3636 Oliveira GN. Devir apoiador: uma cartografia da função apoio [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2011.. Esta proposta inclui a construção compartilhada de planos de intervenção, a pactuação do objeto de intervenção, uma Equipe Transdisciplinar de Referência (ETR), a utilização de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) e a difusão da CAC, com as discussões em uma equipe multidisciplinar dos casos clínicos identificados nos territórios.

Os estudos22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7.,2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.,3030 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407.,3636 Oliveira GN. Devir apoiador: uma cartografia da função apoio [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2011.,4141 Guizardi FL, Lemos ASP, Machado FRS, Passeri L. Apoio institucional na Atenção Básica: análise dos efeitos relatados. Physis 2018; 28(4):e280421. corroboraram a expectativa de que o AI viesse a fortalecer a autonomia e o protagonismo dos sujeitos. A proposição de novos fóruns de cogestão, o movimento em direção a outros atores e grupos, assim como uma postura de maior responsabilização pelos processos e de maior liderança na equipe foram citados, embora em menor proporção.

Para diversos autores1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.,2424 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.,4141 Guizardi FL, Lemos ASP, Machado FRS, Passeri L. Apoio institucional na Atenção Básica: análise dos efeitos relatados. Physis 2018; 28(4):e280421., a operacionalização do AI pode se concretizar mediante a ativação de espaços coletivos; o reconhecimento das relações de poder, afeto e a circulação de saberes; a construção de objetivos comuns, e a pactuação de compromissos e contratos; a inclusão de processos de qualificação das ações institucionais; e a promoção e ampliação da capacidade crítica dos grupos.

No âmbito da Atenção Básica (AB), escopo de reflexão deste trabalho, o AI foi também incorporado como uma função gerencial de suporte à implementação e consolidação da PNAB, principalmente no tocante à sua adequação aos contextos e políticas locorregionais4141 Guizardi FL, Lemos ASP, Machado FRS, Passeri L. Apoio institucional na Atenção Básica: análise dos efeitos relatados. Physis 2018; 28(4):e280421..

Neste sentido, Pereira Júnior e Campos55 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu) 2014; 18 (Supl. 1): 895-908. buscaram articular o AM à gestão da clínica, com a finalidade de fortalecer a tomada de decisões compartilhadas entre trabalhadores e gestores. A gestão da clínica implica a aplicação de tecnologias de microgestão dos serviços de saúde, com a finalidade de integrar verticalmente os pontos de atenção e conformar a Rede de Atenção à Saúde (RAS)4242 Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paideia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond JRM, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.. Tal ampliação pressupõe mudanças no objeto de trabalho, ao incorporar o trabalho coletivo às variáveis em coprodução interprofissional; nos objetivos do trabalho, que passa a apoiar o desenvolvimento de maiores graus de autonomia e autocuidado dos sujeitos; e nos meios de trabalho em saúde, reformulando a relação clínica por meio da interdisciplinaridade e da CAC1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.. E isto requer a capacidade de analisar e intervir em conjunto, refletindo sobre os efeitos de suas práticas, sobre o que se passa na relação entre a equipe e entre a equipe e os usuários, e deliberando coletivamente sobre tais assuntos3737 Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saude Publica 2007; 23(2):399-407..

A ETR constitui, no caso da Estratégia Saúde da Família (ESF), uma equipe responsável por uma clientela adscrita, pertencente a dado território do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), este que, a partir do AM, pressupõe não só apoio educativo para a ETR, como também ações realizadas conjuntamente com ela, o que amplia sua capacidade resolutiva e a qualifica para uma atenção ampliada que contemple a complexidade da vida dos sujeitos.

Operacionalização do apoio institucional na Atenção Primária à Saúde

Para a operacionalização do AI, do AM ou das relações clínicas, há algumas recomendações metodológicas que compreendem a inserção do apoiador institucional na operacionalização da cogestão, em associação com os trabalhadores da saúde e os usuários, além da necessidade de ampliação da compreensão e capacidade operacional dos coletivos, para desenvolver o Método Paidéia.

O exercício do apoio sempre irá pressupor a instalação de algum grau de cogestão, de democracia institucional. O exercício compartilhado de governo implica a coparticipação de sujeitos, com distintos interesses e diferentes inserções sociais, em todas as etapas do processo de gestão: definição de objetivos e diretrizes, diagnóstico, interpretação de informações, tomada de decisão e avaliação de resultados. Embora opere na perspectiva da gestão participativa, faz-se necessário ao papel do coordenador algo entre um analista e um líder, um misto de racionalidade e capacidade de liderança44 Cunha GT, Campos GWS. Método Paidéia para cogestão de coletivos organizados para o trabalho. Org Demo 2010; 11(1):31-46..

Campos et al.1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.(p.47) afirmaram que “o apoiador é a figura que pode ajudar a equipe a refletir acerca de suas práticas cotidianas, com o objetivo de aumentar a capacidade de intervenção sobre a realidade. Assim, ele funciona tanto como um espelho quanto como alguém que traz vozes, experiências e saberes de fora do grupo; alguém capaz de reconhecer os valores e expressar propostas de mudança, por meio da composição de uma ética para si mesmo e para o outro (ou com o outro)”. O objeto de trabalho do apoiador é, sobretudo, o processo de trabalho de coletivos que se organizam para produzir, no caso, saúde4343 Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1107-1117..

Nesse ínterim, Klitzke99 Klitzke DD. Apoio institucional na gestão da atenção básica no Brasil: um caminho possível? [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. destacou como práticas do PMAQ-AB vinculadas à função do apoiador institucional:

a reflexão sobre as formas e modos de fazer gestão; apoiar a equipe para organizar processo de autoavaliação e avaliação do conjunto do trabalho da equipe; apoiar as equipes de saúde para pensar em seus cotidianos de trabalho e formas de operar a gestão do cuidado e o cuidado em saúde ofertado à população; discussão e montagem das agendas das equipes; mediação dos processos de planejamento, considerando o Plano Municipal de Saúde e a construção do planejamento local; suporte à implantação do acolhimento à demanda espontânea; suporte à construção de projetos terapêuticos singulares; suporte à implantação de dispositivos para qualificação da clínica, gestão do cuidado e regulação de recursos da rede, a partir da equipe da Unidade Básica de Saúde; facilitação da organização de intervenções intersetoriais; análise de indicadores e informações em saúde; discussão do perfil de encaminhamentos da unidade; mediação de conflitos; suporte e articulação de ações de apoio matricial das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF); e outros arranjos de apoio matricial.99 Klitzke DD. Apoio institucional na gestão da atenção básica no Brasil: um caminho possível? [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.(p.52).

Nessa perspectiva, o apoiador se insere em um processo de movimento de coletivos, auxiliando e ofertando conceitos e tecnologias para a análise das instituições, buscando novos modos de operar, funcionar, agir e produzir das organizações, considerando os pressupostos da democracia institucional e de autonomia4343 Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1107-1117..

Contudo, vale destacar que a função de apoio pode gerar incômodo entre os atores envolvidos77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,2323 Paixão L, Tavares MFL. A construção do projeto "Apoio de Rede" como estratégia institucional. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):845-858., especialmente quanto à dificuldade de reorganização dos processos de trabalho e repactuação das ações em um novo espaço de gestão nos serviços locais2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13., tendo em vista que as “pessoas estavam cansadas e resignadas, acostumadas com organizações burocráticas, autoritárias e centralizadoras, que valorizam a produção de procedimentos e atividades (...)”1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.(p.17).

Ademais, muitas vezes o apoiador institucional não ocupa, de fato, seu lugar nos espaços de gestão, por não compreender as atribuições pertinentes à função ou devido à falta de autonomia frente à hierarquia institucional. Como consequência destes obstáculos, observa-se, em determinadas situações, que as pautas dos encontros se restringem a repasses de informações técnico-operacional-administrativas, revelando a ausência de uma maior reflexão, discussão e análise do processo de trabalho1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7..

Campos et al.1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.(p.46) reiteraram que “a formação do apoiador ocorre mediante prática reflexiva e na discussão dessas práticas em um espaço coletivo formal com outros apoiadores. Ou seja, a formação acontece no processo dinâmico de apoiar um coletivo organizado”.

No entanto, a consolidação dos espaços colegiados gestores, ao demandar a ampliação da capacidade dos sujeitos para lidar com o poder, também pode revelar outros conflitos e disputas no interior dos microespaços de atuação88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.. O apoiador pode reconhecer a importância da equipe para compartilhar as angústias e frustrações que o trabalho em saúde proporciona, apesar de ainda identificar impasses para a efetivação dessa dinâmica coletiva no interior dos serviços1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.. Assim, é imprescindível analisar até que ponto e como a função do apoio tem sido concretizada nas práticas dos serviços, ante a dificuldade do apoiador institucional para operar os dispositivos relacionados à cogestão, frente a um processo de trabalho fragmentado.

Guizardi et al.3333 Mattos TCA. Função de apoio e a gestão estadual: entre encontros, afetos, trilhas, armadilhas e dobras-cartografias da saúde no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2013. analisaram as potencialidades e os limites da função AI como estratégia para democratizar a gestão federal de políticas de saúde, a partir da PNAB, e apontaram que, apesar de a lógica primar pelo sentido compartilhado de configuração microssociológica pautado pela reciprocidade, e de ter engendrado e fortalecido redes sociotécnicas, a relação de apoio acaba reduzida ao papel de uma referência técnica formal, por vezes limitada ao desenho da estratégia de gestão adotada em determinadas conjunturas. Outros autores1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,1717 Guedes CR, Roza MMR, Barros MEB. O apoio institucional na Política Nacional de Humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de atenção básica. Cad Saude Colet 2012; 20(1):93-101.,1919 Santos AF, Machado ATGM, Reis CMR, Abreu DMX, Araújo LHL, Rodrigues SC, Lima AMLD, Jorge AO, Sobrinho DF. Institutional and matrix support and its relationship with primary healthcare. Rev Saude Publica 2015; 49(54):1-7.,2020 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.,2323 Paixão L, Tavares MFL. A construção do projeto "Apoio de Rede" como estratégia institucional. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):845-858.,2424 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426. destacam que estas ações deveriam ter como objetivo problematizar o saber-fazer dos trabalhadores por meio de reflexões críticas e problematizadoras e acerca do mapeamento da compreensão/interpretação de temáticas vinculadas às reais necessidades do SUS.

Contudo, algumas experiências4444 Ponte HMS, Oliveira LC, Avilla M. Desafios da operacionalização do Método da Roda: experiência em Sobral (CE). Saude Debate 2016; 40(108):34-47. demonstraram que, apesar de traduzida como AI, a gestão foi instituída em uma ordem burocrática, aliada a uma obrigatoriedade, com distanciamento teórico e político do processo de cogestão, ausência de momentos de reflexão e avaliação, predomínio do componente administrativo, falta de organicidade política e autonomia do seu gerenciamento pela gestão municipal e a verticalização das decisões. As evidências da predominância do componente administrativo revelaram as deficiências na implantação do método, que se transformou em mais uma ferramenta burocrática e não contribuiu para romper com o modelo gerencial hegemônico.

Para o real efeito do Método Paidéia dentro de um sistema de saúde, são necessárias transformações estruturais e políticas, e não somente nas rodas das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Além disso, deveria haver uma congruência de esforços no âmbito político para a desprecarização de vínculos, ampliação da EP e o exercício de nova práxis no campo do trabalho em saúde, rompendo, assim, com o atual modelo caracterizado pela submissão e pela dependência política4444 Ponte HMS, Oliveira LC, Avilla M. Desafios da operacionalização do Método da Roda: experiência em Sobral (CE). Saude Debate 2016; 40(108):34-47.,4545 Cincurá RN. Promoção da saúde na atenção primária: proposição de um modelo e sua aplicação na análise de ações desenvolvidas no Brasil [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2014..

Cabe destacar o estudo de Oliveira77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235., que objetivou discutir as potencialidades do AI como modo de intervenção nas relações de trabalho, no sentido da democratização institucional. Para, além disto, faz-se necessário compreender a motivação pelo trabalho, a subjetividade presente nas relações cotidianas dos serviços, expressada muitas vezes nos seus afetos e desafetos, e buscar introduzir um olhar mais integral para os processos, por meio de ações de EP em saúde.

A proposta de cogestão de coletivo é a fundamentação de um novo modo de fazer a cogestão de instituições, o que implica a formação de sujeitos com capacidade de analisar e intervir no campo do trabalho, rompendo com a racionalidade gerencial hegemônica da cisão entre a formulação e a execução. Requer um processo subjetivo e social, no qual as pessoas ampliam suas capacidades de compreensão dos outros, de si mesmas e de contextos, aumentando sua capacidade de agir2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.,4040 Campos GWS. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In: Campos GWS, organizador. Saúde Paideia. São Paulo: Hucitec; 2003. p. 51-67..

Os coletivos organizados podem ser definidos como equipes de trabalho, conselhos de cogestão, assembleias, colegiados de gestão, reuniões e unidades de produção. Independentemente da forma adotada, correspondem a espaços concretos de lugar e tempo, destinados à escuta e circulação de informações2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.. Desta forma, o Método Paidéia é uma metodologia para a educação de pessoas e desses coletivos, objetivando a ampliação de sua capacidade de analisar e intervir no mundo e, ainda que seja autoaplicável, depende da apropriação, por um coletivo, de seus conceitos fundamentais4242 Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paideia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond JRM, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006..

Um desenho metodológico de operacionalização do Método Paidéia, proposto por Campos33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000., incluiu quatro dimensões: 1) político-social; 2) subjetivo-terapêutico; 3) pedagógico; e 4) estritamente gerencial. A dimensão político-social do método compreende a ideia de poder compartilhado e propõe arranjos voltados para ampliar a capacidade de direção dos trabalhadores, construindo uma nova dialética entre autonomia e controle social nos coletivos organizados. A subjetivo-terapêutica pressupõe um processo de trabalho em saúde mediado pela intersubjetividade nas organizações de saúde e das instituições sociais. Já a pedagógica, envolve a prática de aprender a ter poder, e é necessária para a construção da liberdade e da justiça. Por fim, a estritamente gerencial refere a operação concreta no cotidiano, a gestão do processo do trabalho; a correção de problemas e redefinição de rumos33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000..

Nesse sentido, para diversos autores22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,1212 Machado SS, Mattos RJB. Apoio institucional na atenção básica: a experiência no município de Salvador - BA. Rev Baiana Saude Publica 2015; 39(1):139-149.,2020 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.

21 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.

22 Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):957-970.

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24 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.

25 Shimizu HE, Martins T. O apoio institucional como método de análise-intervenção na Atenção Básica no Distrito Federal, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1077-1087.

26 Barros SCM, Dimenstein M. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estud Pesqu Psicol UERJ 2010; 10(1):48-67.
-2727 Guedes CR, Pitombo LB, Barros MEB. Os processos de formação na Política Nacional de Humanização: a experiência de um curso para gestores e trabalhadores da atenção básica em saúde. Physis 2009; 19(4):1087-1109.,3030 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407.

31 Salgado ACS, Pena RS, Caldeira LWD. Apoio institucional e militância no Sistema Único de Saúde (SUS): refletindo os desafios da mobilização dos sujeitos na produção de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):909-918.
-3232 Santos Filho SB, Barros MEB, Gomes RS. A Política Nacional de Humanização como política que se faz no processo de trabalho em saúde. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):603-613.,4646 Bastos ENE, Medeiros JA, Amaral MES, Maerschner RL. O desenvolvimento do papel de apoiador institucional em Fortaleza - Ceará. In: Campos GWS, Guerrero AV, organizadores. Manual de práticas de atenção básica. São Paulo: Hucitec; 2010. p. 388-411.

47 Martins C, Luzio CA. Política HumanizaSUS: ancorando um navio no espaço. Interface (Botucatu) 2017; 21(60):13-22.
-4848 Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2003., a operacionalização do AI pode se concretizar mediante a ativação de espaços coletivos; o reconhecimento das relações de poder, de afeto e a circulação de saberes; a construção de objetivos comuns e a pactuação de compromissos e contratos; a inclusão de processos de qualificação das ações institucionais; além da promoção e da ampliação da capacidade crítica dos grupos.

A cogestão, portanto, prevê a construção de um conjunto de práticas voltadas à reorganização de intervenções por um coletivo que busca a construção de acordos, compartilhamento de responsabilidades e a priorização das temáticas. Para tanto, é condição obrigatória a indissociabilidade entre a atenção e a gestão, em um processo que permita, de fato, a transformação dos modos de organização dos processos de trabalho, priorizando a interdisciplinaridade, com vistas a fomentar o protagonismo, a troca de experiências e as discussões.

É importante ressaltar a necessidade de apoio aos profissionais para o desenvolvimento de uma postura analítica sobre o contexto, ampliando sua capacidade técnica para intervir e instituir mudanças nas relações com os demais profissionais e com os usuários, articuladas às necessidades do contexto em que trabalham1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.. Além disto, preconiza-se que o planejamento e o processo de tomada de decisão contemplem a participação cidadã, por meio de plenárias populares de saúde, em consonância com as instâncias democráticas preconizadas pelo SUS1010 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831.,1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,1616 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1):983-995.,2020 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.,2121 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(3):1-13.,2626 Barros SCM, Dimenstein M. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estud Pesqu Psicol UERJ 2010; 10(1):48-67.

27 Guedes CR, Pitombo LB, Barros MEB. Os processos de formação na Política Nacional de Humanização: a experiência de um curso para gestores e trabalhadores da atenção básica em saúde. Physis 2009; 19(4):1087-1109.

28 Pinheiro MEC, Jesus LMM. Apoio institucional como diretriz de gestão da 7ª Diretoria Regional de Saúde, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1135-1143.

29 Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da Política Nacional de Humanização (PNH): a cogestão em ato. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):627-640.
-3030 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407.,3333 Mattos TCA. Função de apoio e a gestão estadual: entre encontros, afetos, trilhas, armadilhas e dobras-cartografias da saúde no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2013.,4848 Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2003.. Nesta lógica, busca-se desenvolver a noção de que “todo encontro clínico ou sanitário é um “espaço coletivo”; em que se faz necessária a reflexão sobre esses papéis e responsabilidades distintos. Tal reflexão deve subsidiar linhas de mudança necessárias para reorientar o trabalho clínico e em Saúde Coletiva, buscando a ampliação do seu núcleo de conhecimento e de práticas, e o seu compartilhamento entre trabalhador e usuário. Trata-se de inventar modos de cogestão do ato e do processo clínico e sanitário em geral”88 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira Junior N, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2013; 18 (Supl. 1): 983-995.(p.990).

Essa proposta inclui a construção compartilhada de planos de intervenção, a pactuação do objeto de intervenção, uma ETR, a utilização de um PTS e a difusão da CAC com as discussões em uma equipe multidisciplinar dos casos clínicos identificados nos territórios77 Oliveira GN. O apoio institucional aos processos de democratização das relações de trabalho na perspectiva da humanização. Tempus Actas Saude Colet 2012; 6(2):223-235.,1010 Maia MAB, Neves CAB. Qual a potência do apoio institucional no campo da saúde pública? Interface (Botucatu) 2014; 18(1):821-831.,3333 Mattos TCA. Função de apoio e a gestão estadual: entre encontros, afetos, trilhas, armadilhas e dobras-cartografias da saúde no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2013..

Dessa forma, tal integração busca também fortalecer práticas regidas por negociações, mapeamento dos problemas, reflexão e análise das questões levantadas e pela implantação do acolhimento nas Unidades de Saúde da Família (USF), preconizando a inclusão, no cotidiano, de um Grupo de Trabalho de humanização. A gestão colegiada e a conformação de unidades de produção são consideradas favoráveis à construção de projetos terapêuticos4040 Campos GWS. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In: Campos GWS, organizador. Saúde Paideia. São Paulo: Hucitec; 2003. p. 51-67..

Diante do supracitado, pontua-se que a indissociabilidade entre a atenção e a gestão tem sido o fio condutor do PMAQ-AB, especialmente no que se refere ao instrumento de autoavaliação das equipes1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012., que preconiza um modelo participativo de avaliação, de modo que o julgamento das ações das gestões e das equipes sejam realizados com o envolvimento das equipes de AB, gestão e usuários, independentemente do nível de formação dos envolvidos. Esta perspectiva pressupõe o compartilhamento de responsabilidades e a apropriação, por todos, do processo de trabalho e dos indicadores de saúde pactuados, possibilitando o fortalecimento da gestão democrática no âmbito da APS1818 Melo LMF, Martiniano CS, Guimarães J, Souza MB, Rocha PM. Análises das diretrizes para o apoio institucional das gestões da Atenção Básica das capitais brasileiras. Saude Debate 2016; 40(108):8-22..

Outra dimensão valorizada pelos diversos estudos foi a interface entre a cogestão e a CAC, na perspectiva de aproximar o AI e o AM. Diversos autores pontuaram a necessidade de execução de práticas intra e intersetoriais voltadas para a ativação e comunicação entre as redes, possibilitando a construção de fluxos entre serviços, o matriciamento na rede, as trocas solidárias, o fomento ao protagonismo de análises compartilhadas e intervenções nos seus espaços de trabalho22 Paulon SM, Pasche DF, Righi LB. Função apoio: da mudança institucional à institucionalização da mudança. Interface (Botucatu)2014; 18(1):809-820.,33 Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. A constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.,1111 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(1):1027-1040.,2020 Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis 2015; 25(1):287-306.,2424 Casanova AO, Teixeira MB, Montenegro E. O apoio institucional como pilar na cogestão da atenção primária à saúde: a experiência do Programa TEIAS - Escola Manguinhos no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4417-4426.,2626 Barros SCM, Dimenstein M. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estud Pesqu Psicol UERJ 2010; 10(1):48-67.,2828 Pinheiro MEC, Jesus LMM. Apoio institucional como diretriz de gestão da 7ª Diretoria Regional de Saúde, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 1):1135-1143.,3030 Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc 2014; 23(4):1397-1407..

Considerações finais

Esta revisão integrativa sintetiza o conhecimento acerca do AI no âmbito da APS, no Brasil. Embora haja um reconhecimento dos avanços alcançados na produção científica sobre a temática, evidenciam-se lacunas, tanto relacionadas às definições do AI quanto à sua operacionalização, e confirma-se o movimento de institucionalização do apoio no âmbito da APS, o que possibilita o entrever de avanços, de dificuldades e de contradições. Ou seja, foi possível uma visibilização do movimento de construção coletiva, em diferentes territórios, em suas práticas de apoio na transformação dos contextos de saúde locais, sem que se perdesse a conexão com os movimentos de formulação e efetivação das políticas públicas de saúde no território nacional.

Buscando superar esse modo tradicional nas práticas de saúde, o método do AI tem como pressuposto a prática da democratização das relações institucionais, com a inclusão de gestores, trabalhadores e usuários como protagonistas e corresponsáveis na produção do cuidado em saúde, com estímulo a práticas que superem o modelo hegemônico. Contudo, as experiências analisadas apontaram fragilidades, especialmente no que concerne à autonomia dos atores inseridos nos processos de tomada de decisão. Do mesmo modo, observou-se a existência de processos de implementação de políticas de saúde desarticulados das demandas dos territórios, permeados pela falta de discussão e de análise em relação ao processo de trabalho, o que pode contribuir para um entendimento incipiente da função do apoiador institucional. Entretanto, isto não pode ser lido em termos quantitativos, já que a maioria dos relatos e pesquisas, excetuando-se aquelas que recorrem aos dados produzidos no âmbito do PMAQ-AB, decorre de análises qualitativas, relatos de experiência e estudos de casos simples.

Resta, ainda, como desafio, não apenas traduzir esses resultados enquanto aspectos operacionais relevantes para a qualificação dos processos de trabalho, mas que consigam intervir de forma substantiva nos processos decisórios, conforme a definição de democracia. Depara-se, então, com um importante paradoxo, ainda não refletido em termos conceituais e práticos, o qual é crucial para a sustentabilidade dos processos, movimentos e lutas pela democratização da gestão em saúde no âmbito da APS.

Assim, destacam-se como desafios a necessidade de manutenção das ações disparadas e de coletivos organizados, a apropriação do novo modo de fazer saúde com a participação dos usuários, a reaproximação dos apoiadores do HumanizaSUS e a vinculação dos apoiadores com as equipes.

Não há intenção, aqui, de abordar a ampla discussão sobre a temática, mas de sinalizar que há acúmulos teóricos e práticos produzidos no SUS e na Saúde Coletiva. Assim, faz-se necessário reafirmar o AI enquanto ferramenta de gestão transversal, envolvendo e corresponsabilizando gestores, trabalhadores e usuários na produção de sujeitos e coletivos, que são parte da construção de políticas públicas inclusivas, fomentando a responsabilidade solidária e o estreitamento de vínculos afetivos, tecendo redes de saúde para a integralidade e efetivação do cuidado.

Apoiar coletivos organizados para a produção de saúde e de sujeitos na APS constituiu tarefa hipercomplexa e de rico aprendizado técnico, humano e social. Diferentes saberes, relações de poder e afetos circulando, diversos interesses, atravessamentos políticos e mudanças constantes nos cargos gerenciais exigem pactuações frequentes no decorrer da intervenção. E isto aponta os caminhos de transformação das relações de trabalho institucionais, especialmente fortalecendo a ideia de atenção em rede, e preconizando a integração da cogestão aos pilares da APS por meio de uma incrementação das práticas da democracia institucional que permita o desenvolvimento técnico e relacional entre as equipes, favorecendo o cuidado integral e resolutivo, preconizado pelo SUS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Abr 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2020
  • Aceito
    01 Jun 2021
  • Publicado
    03 Jun 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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