Delineamento e implementação do biobanco do ELSA-Brasil: estudo prospectivo na população brasileira

Alexandre C Pereira Isabela M Bensenor Ligia M Fedeli Cristina Castilhos Pedro G Vidigal Viviane Maniero Claudia M Leite Robercia A Pimentel Bruce B Duncan Jose Geraldo Mill Paulo A Lotufo Sobre os autores

Resumos

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) é uma coorte prospectiva multicêntrica de funcionários públicos delineada para avaliar os determinantes das doenças crônicas, principalmente a doença cardiovascular e o diabetes tipo 2. Neste artigo são descritos os principais pontos do delineamento e implementação do projeto do biobanco do ELSA-Brasil. São detalhados aspectos econômicos, políticos, logísticos e tecnológicos do estudo. O artigo também discute o protocolo final de estocagem de material biológico e as instalações implementadas para atingir esse objetivo. O processo de delineamento e implementação do biobanco do ELSA-Brasil durou três anos. Tanto os biobancos centrais quanto os locais foram constituídos de acordo com as melhores práticas de estocagem de material biológico, usando soluções tecnológicas diferentes para as diferentes necessidades previstas no estudo.

Bancos de Espécimes Biológicos, organização & administração; Marcadores Biológicos; Testes Hematológicos; Exames Médicos, análise; Estudos Multicêntricos como Assunto, métodos; Estudos de Coortes


INTRODUÇÃO

Em um estudo prospectivo, o modo como as amostras biológicas são coletadas, processadas ou estocadas em um biobanco tem um impacto importante na utilidade científica futura desse repositório. O protocolo de coleta deve de forma eficiente maximizar a variedade das amostras, o número de alíquotas e o volume da alíquota para a dosagem do biomarcador proposto a fim de garantir a versatilidade para futuras tecnologias e o surgimento de novos biomarcadores durante o desenrolar do estudo.22. Elliott P, Peakman TC. The UK Biobank sample handling and storage protocol for the collection, processing and archiving of human blood and urine. Int J Epidemiol. 2008;37(2):234-244. DOI:10.1093/ije/dym276
https://doi.org/10.1093/ije/dym276...
Como o primeiro estudo dessa magnitude conduzido no Brasil, a coleta de dados foi precedida por quatro anos de intensa preparação de protocolo e de desenvolvimento da infraestrutura. Em função da sua natureza prospectiva e da importância do estudo na avaliação das doenças crônicas no Brasil, foi despendido um grande esforço no desenvolvimento das ferramentas epidemiológicas que poderiam no futuro facilitar o andamento do estudo. Neste cenário, o desenho e a implementação do biobanco do ELSA-Brasil foi de grande importância face à tarefa de não só antecipar as inovações tecnológicas e as necessidades, mas também pelo custo elevado e a carga de trabalho associada a esse tipo empreendimento.

Biobancos são instalações de pesquisa ou industriais que tem como objetivo principal a coleta e estocagem de diferentes tipos de material biológico ligados a informações médicas individuais ou outras características de um grande número de participantes arrolados em um estudo ou uma instituição em particular.33. Hallmans G, Vaught JB. Best practices for establishing a biobank. Methods Mol Biol. 2011;675:241-60. DOI:10.1007/978-1-59745-423-0_13
https://doi.org/10.1007/978-1-59745-423-...
Essas estruturas de pesquisa estão associadas a estudos específicos ou a capacidade das instituições de transmitir informações prospectivas a pesquisadores interessados em aspectos médicos/biológicos particulares e a centros de inovação tecnológica, que geralmente fazem parte de complexos médicos/universidades. Nesse sentido, a implementação do biobanco é um facilitador primordial das pesquisas futuras no desenvolvimento de uma área particular do conhecimento. O ponto mais importante é que o biobanco torna possível o delineamento de futuros estudos de caso-coorte que responderão a novas perguntas científicas.

Para alcançar esse objetivo, os biobancos devem seguir as boas práticas de estocagem e recuperação das amostras. Isso inclui: descongelamento adequado, ventilação, manutenção da temperatura, segurança, monitoramento adequado dos freezers e geladeiras; capacidade adequada de backups; plano para situações de emergência; e sistemas de manutenção e conserto.44. International Society for Biological and Environmental Repositories. 2008 best practices for repositories collection, storage, retrieval and distribution of biological materials for research international. Cell Preserv Technol. 2008;6(1):3-58. DOI:10.1089/cpt.2008.9997
https://doi.org/10.1089/cpt.2008.9997...

Poucos estudos descrevem em detalhes o processo de planejamento e implementação desses centros. Este artigo descreve os pontos principais que guiaram a constituição deste biobanco, os principais determinantes econômicos do processo (econômico, político e logístico) e o protocolo de estocagem final.

DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS

O ELSA-Brasil é um estudo de coorte conduzido em cinco universidades e uma instituição de pesquisa em seis estados diferentes do País. O arrolamento do estudo foi planejado para incluir 15.000 indivíduos: funcionários ativos ou aposentados das seis instituições. O recrutamento dos participantes foi planejado na forma de cotas para sexo, idade e categoria ocupacional dentro de cada instituição. A entrada de participantes no estudo deveria ocorrer ao mesmo tempo em cada instituição participante que seria responsável pela implementação e condução do mesmo protocolo padronizado para a coleta de dados da linha de base. Foram criados vários centros de leitura com a finalidade de padronizar outras medidas do estudo: ecocardiografia, ultrassonografia de carótida, retinografia, exames clínicos e biobanco.

Como as instituições estavam trabalhando em paralelo e cada centro tinha expertises próprias, foi fundamental desenvolver protocolos padronizados e adequados do ponto de vista logístico a serem implementados em todos os seis locais do estudo. Além disso, as capacidades de estocagem diferenciadas e os diversos interesses de pesquisa foram considerados na tomada das seguintes decisões: quais e quantas amostras deveriam ser coletadas de cada participante, centralização ou não do biobanco e que recurso alocar para esse fim.

Desde as primeiras reuniões da equipe do projeto decidiu-se pelo desenvolvimento de um biobanco que seria uma das principais características do projeto. A partir disso, os pontos principais do protocolo foram discutidos. Foi constituído um comitê responsável por idealizar os protocolos básicos dos laboratórios e do biobanco, composto por membros dos seis centros. As reuniões começaram dois anos antes do início da coleta de dados da linha da base.

Os principais determinantes da implementação do biobanco foram:

  1. estocar diversos tipos de material biológico, considerando a quantidade de sangue a ser coletada de cada participante e os requisitos mínimos necessários em cada centro;

  2. garantir as melhores condições de estocagem possíveis para as alíquotas dos participantes;

  3. prover que cada centro fosse capaz de delinear e implementar suas próprias perguntas científicas para usar as amostras locais em cada centro;

  4. garantir a implementação dos protocolos de controle de qualidade, aliquotagem, transporte, acompanhamento das amostras e a estocagem em longo prazo.

Os aspectos econômicos sempre modularam o protocolo do estudo no delineamento e na implementação do biobanco. Em particular, decisões baseadas no número de amostras, tipos de materiais coletados, condições de estocagem, e desenvolvimento de um sistema de informações para monitorar a coleta, transporte e controle de qualidade.

As principais questões econômicas na fase de delineamento do projeto podem ser resumidas nos seguintes pontos: custo da implementação de uma infraestrutura mínima para coleta de dados, processamento e estocagem de curto prazo; escolha da tecnologia para estocagem em longo prazo; escolha dos tipos de material coletado e do número de alíquotas por participante; escolha do tipo de frasco a ser usado na estocagem em longo prazo; transporte de amostras após a coleta; e a necessidade de construir uma infraestrutura para a instalação do biobanco central do estudo.

Uma vez estabelecido o consenso em relação aos pontos chave referentes à implementação do biobanco, a principal questão a ser resolvida pelo comitê responsável foi avaliar a necessidade de instituir um protocolo centralizado. Isso incluiria um biobanco central que poderia estocar além de plasma, soro, urina e DNA. Foram considerados argumentos pró e contra a instituição de um biobanco central, e ao final houve um consenso pela definição de um sistema híbrido, composto por dois biobancos centrais e um biobanco local em cada centro. As justificativas para essa decisão foram muitas e incluíram o fato que a divisão das amostras minimizaria o risco de um evento catastrófico; dois biobancos centrais aumentariam a flexibilidade nas determinações laboratoriais e os recursos humanos disponíveis para as dosagens necessárias.

A principal estratégia que modulou o delineamento e a implementação do biobanco do ELSA-Brasil se relacionou a dois domínios: o desenvolvimento de uma expertise local no gerenciamento e a criação da infraestrutura necessária para guardar as amostras e gerenciar o seu transporte.

O protocolo deveria ser suficientemente complexo para permitir a estocagem de uma coleção bastante diversificada de amostras biológicas considerando-se a quantidade de sangue a ser colhida de cada participante. Ao mesmo tempo, deveria ser bastante simples para que centros sem grande expertise em laboratório pudessem seguir na íntegra o protocolo aprovado para o estudo. Isso incluiu não somente a criação de uma expertise em coleta, aliquotagem e estocagem, mas também que as necessidades de um centro em particular não deveriam sobrepujar a sua capacidade de manter um fluxo regular de participantes.

O transporte de material biológico também foi uma preocupação central na criação do protocolo do biobanco. As amostras deveriam necessariamente ser transportadas para o laboratório central e/ou para o local de estocagem (biobanco), mas o tempo de estocagem deveria ser comparável entre as diversas amostras e os diferentes centros. Além disso, os custos do transporte deveriam ser baixos, sem comprometer os requerimentos de segurança ou a comparabilidade e a estabilidade das amostras.

A aprovação do projeto foi realizada em todos os Comitês de Ética e Pesquisa (CEP) de cada centro e do Comitê Nacional de Ética e Pesquisa (Conep). Novos projetos que utilizem material estocado devem ser submetidos ao Comitê de Estudos Ancilares, ao CEP local e a Conep.

A Figura 1 mostra a organização geral do protocolo do biobanco. Na Tabela estão listadas todas as alíquotas disponíveis ao final da linha de base do estudo para cada participante.

Figura 1
Organização geral do protocolo do biobanco.

Tabela
Alíquotas disponíveis ao final da linha de base do estudo, para cada participante.

Como previamente descrito, após considerar aspectos técnicos, econômicos, logísticos e políticos do projeto, decidiu-se por um sistema híbrido de estocagem. Cada centro participante teria um biobanco local com parte das alíquotas recrutadas em cada um desses centros (Tabela). Essas alíquotas seriam estocadas em freezers a -80oC. Os biobancos locais foram desenhados para garantir a disponibilidade de amostras para projetos restritos aos centros locais (por exemplo, estudos sorológicos específicos em uma população em particular, ou biomarcadores específicos de um centro em particular com tradição ou expertise na área).

Por outro lado, o ELSA-Brasil também previu a necessidade de um biobanco central que mantivesse uma grande diversidade de amostras biológicas de todos os participantes do estudo, independentemente do centro de investigação em que o participante foi recrutado. Esse centro de estocagem de material biológico desenhado exclusivamente para atender às necessidades do estudo foi construído próximo ao centro com maior expertise em laboratório (São Paulo).

O treinamento centralizado e a certificação da equipe envolvida na coleta de material em cada local foram realizados em São Paulo. Foram utilizadas técnicas padronizadas para coleta de sangue em um sistema vacutainer. De cada participante, foi colhida uma amostra de sangue em jejum e outra pós-prandial. Em jejum foram colhidos: três tubos EDTA de 3,5 mL, três tubos com gel ativador para separação de soro de 4,0 mL, dois tubos com citrato, um tubo de fluoreto/oxalato, um tubo de heparina e um tubo de 7,0 mL de urina. No período pós-prandial foram colhidos: um tubo com gel ativador para separação de soro de 4,0 mL, um tubo com heparina e outro com citrato, sempre utilizando o sistema vacutainer.

Depois da coleta (de sangue e urina), iniciava-se o processo detalhado de aliquotagem das amostras. Todas as amostras eram processadas na mesma área da coleta para prevenir problemas na estabilidade das amostras devido ao transporte local antes do seu processamento. As amostras eram sempre mantidas em gelo e deveriam ser centrifugadas até no máximo 30 minutos após a coleta.

Após a centrifugação em centrífuga refrigerada as amostras eram aliquotadas. As primeiras alíquotas eram sempre destinadas aos exames laboratoriais. Depois que fosse aliquotada uma quantidade de material suficiente para a realização dos exames pré-definidos na linha de base,1 eram separadas as alíquotas destinadas à estocagem de material biológico. Uma vez que havia vários locais de estocagem local e central no estudo, a preparação das alíquotas nesta fase refletia essa logística. Algumas decisões tomadas na fase de planejamento do estudo tiveram que ser revistas durante a sua implementação. A decisão inicial de gerar alíquotas até que fosse esgotado o material biológico teve que ser abandonada por falta de espaço nos freezers. Entretanto, da amostra aleatória da coorte foram guardadas mais 14 amostras de material biológico, aumentando o número de amostras estocadas de 42 para 56 por participante.

A transferência das amostras congeladas em gelo seco de cada centro para o biobanco central foi realizada mensalmente. Foram utilizadas nesse transporte caixas de isopor com gelo seco seguindo-se a regulamentação da International Air Transport Association. Para cada transporte eram monitorados o recibo e as condições de chegada das amostras.

O estudo desenvolveu um conjunto de etiquetas únicas com códigos de barras para cada tubo de coleta em cada caixa e para cada alíquota (em criotubo ou palhetas). Também foram criadas planilhas de acesso restrito que ligavam os códigos de barras das etiquetas a um determinado participante, mantendo-se o anonimato das amostras.

Os protocolos de coleta e processamento do material garantiam que sempre no início e ao final de cada procedimento todos os dados fossem gravados. Isso permitiu o cálculo dos intervalos de tempo que foram utilizados no controle de qualidade: o tempo gasto para completar a coleta em jejum, o tempo entre o final da coleta e a centrifugação, o tempo entre a centrifugação e a guarda da amostra no freezer, o tempo requerido para que os participantes tomassem a solução oral de glicose como parte do teste de tolerância oral a glicose, e o intervalo entre a ingestão da solução e a coleta pós-prandial após duas horas.

As instalações para estocagem local de amostras a -80oC foram planejadas para atingir as necessidades de estocagem de cada participante no estudo. Essas instalações foram planejadas para de forma segura estocar as alíquotas de vários tipos de material biológico de cada participante de um centro em particular garantindo a continuidade das condições de estocagem e a integridade das amostras. As alíquotas mantidas nos biobancos locais foram mantidas em criotubos (Figura 2) e identificadas usando-se um sistema de código de barras especialmente desenvolvido para o estudo. Tanto os biobancos locais como o central garantem de forma simples a localização da amostra, assim como a acurácia da sua identificação.

Figura 2
Criotubos.

A refrigeração mecânica na forma de freezers foi a tecnologia de escolha para os biobancos locais. Cada instalação foi composta por dois ou mais freezers com sistemas de backup elétricos e de monitoramento à distância. Uma estrutura de refrigeração com ar-condicionado foi criada em cada local para absorver a demanda de calor gerada por esse sistema. A proteção sonora foi considerada de forma individual com diferentes soluções locais para manter o nível de ruído no trabalho em níveis aceitáveis.

Cada biobanco local foi gerenciado por um coordenador e de um a três técnicos. Cada coordenador recebeu material detalhado sobre todo o processo de coleta e estocagem de amostras. Vários pré-testes foram realizados antes e durante o período de recrutamento do estudo organizados pelo comitê de laboratório. Os materiais distribuídos aos coordenadores de laboratório incluíram o manual instrucional do estudo, um fluxograma com o processamento do material biológico, kits de descrição com a coleta padronizada das amostras e de envio de materiais. Além disso, o equipamento do laboratório e os materiais foram padronizados e todos os centros usaram as mesmas marcas e tipos de material de consumo.

Além dos biobancos locais, o ELSA-Brasil implementou um centro de criogenia completo com capacidade de estocar em vapor amostras biológicas dos participantes do estudo (Figura 3). São muitas as vantagens de um sistema de estocagem em nitrogênio líquido. A temperatura da estocagem em um nível significativamente mais estável (-196oC), proporciona uma rápida queda da temperatura e taxa de recuperação e, para o tamanho do biobanco do ELSA-Brasil, um custo de manutenção significativamente menor. Além disso, o sistema de nitrogênio líquido tem menos componentes mecânicos e elétricos quando comparado a uma solução baseada em freezers, o que os torna menos sensíveis a panes mecânicas ou elétricas. Isso geralmente reduz as necessidades de atualizações constantes e torna a manutenção do sistema mais simples em longo prazo.55. Owen JM, Woods P. Designing and implementing a large-scale automated -80 degrees C archive. Int J Epidemiol. 2008;37 Suppl 1:i56-61. DOI:10.1093/ije/dym293
https://doi.org/10.1093/ije/dym293...

Figura 3
Tanques de nitrogênio líquido no biobanco central de São Paulo.

Apesar disso, grandes bancos utilizando nitrogênio líquido precisam ser cuidadosamente planejados para garantir que as amostras sejam mantidas em um meio ambiente adequado na estocagem em longo prazo e que a equipe que trabalha na instalação tenha condições seguras de trabalho.

Uma empresa foi comissionada para prover toda a infraestrutura do sistema que incluiu: projeto, gerenciamento da obra, materiais necessários para a construção e instalação dos tanques, tanque externo, rede hidráulica a vácuo com isolamento, tanques de alta capacidade para estocagem de amostras em longos períodos em vapor de nitrogênio (Espace 661) com sistema de abastecimento automático e todos os programas locais e para controle a distância necessários ao seu funcionamento.

Uma preocupação central da equipe foi acomodar o maior número de amostras na menor área possível e todas as amostras dentro desses tanques foram acondicionadas em pequenos canudos de polipropileno (Figura 4). Eles foram acomodados em caixas e as caixas em racks desenhados para acomodá-las dentro dos tanques. As palhetas (como são chamados os canudos) têm várias vantagens em relação ao uso de criotubos no cenário particular do biobanco. Elas são menores e economizam espaço se comparadas aos criotubos. Possuem um sistema de selamento que impede a infiltração de nitrogênio nas amostras (nitrogênio líquido penetra pela rosca dos critoubos, mas não consegue penetrar uma palheta selada) e estão disponíveis em várias cores e cada cor pode corresponder a um tipo de fluido biológico. No ELSA-Brasil as palhetas verdes sempre contêm urina, tornando mais fácil a identificação de um tipo específico de fluido biológico entre as várias palhetas do mesmo participante. Além disso, palhetas geralmente guardam 0,5 mL de material comparadas aos criotubos que costumam guardar 2,0 mL. Como o volume de material necessário para fazer uma dosagem vem caindo nos últimos anos é melhor estocar quatro palhetas de 0,5 mL do que um criotubo de 2,0 mL.66. Yasui GS, Arias-Rodriguez L, Fujimoto T, Arai K. Simple and inexpensive method for cryopreservation of fish sperm combining straw and powdered dry ice. Cryo Letters. 2008;29(5):383-90. As principais restrições contra o uso das palhetas são o seu custo e a necessidade de comprar para cada centro os equipamentos necessários para o seu enchimento e selamento.

Figura 4
Palhetas utilizadas para armazenagem de material biológico.

Outra consideração importante é a capacidade desse sistema de detectar falhas regularmente, e na detecção de uma falha, notificar a equipe para pronta correção do erro. Neste sentido, o sistema planejado tem a capacidade de identificar qualquer tipo de mau funcionamento de cada parte do sistema, assim como problemas dentro da estrutura da central de criogenia (temperatura, ventilação, entre outros) ou o funcionamento inadequado do sistema hidráulico de vasos comunicantes de transporte do nitrogênio. Na presença de qualquer tipo de mau funcionamento o sistema envia e-mails ou telefonemas imediatamente após a detecção para toda a equipe que monitora a central de criogenia; ou, na ausência de alguma alteração, segue uma mensagem de rotina avisando que está tudo funcionando normalmente.

Durante a fase de implementação houve muitos problemas tecnológicos e logísticos. A instabilidade da eletricidade e mesmo a falta de luz em quase todos os centros assim como as limitações no suporte de manutenção para os freezers foram uma preocupação importante durante toda a fase de coleta de dados. Na verdade, pequenas panes em alguns freezers mostraram a necessidade absoluta de um freezer backup em cada centro e de manutenção preventiva de todos os freezers em uso. Problemas decorrentes do aumento da temperatura e do nível de ruídos também foram identificados em alguns centros. Em relação aos problemas logísticos, os entraves para compra, a necessidade de alterações do orçamento, entre outros, gerados pela burocracia do sistema responsável pelas compras de material permanente e de consumo para pesquisa requisitaram um planejamento extra.

CONCLUSÕES

Embora tenham sido publicados alguns artigos descrevendo os aspectos técnicos de algumas centrais de criogenia para estocagem de material biológico, poucos artigos avaliam aspectos não técnicos do planejamento e implementação dos biobancos. Vários outros problemas como questões políticas, orçamento, dificuldades e custos do processo de importação e aspectos burocráticos e legais para uso do orçamento do estudo, são certamente tão importantes quanto os aspectos técnicos na determinação final do sucesso ou do fracasso da implementação do biobanco.

A criação de uma central de criogenia e de um biobanco para um estudo multicêntrico não é uma tarefa simples. As amostras biológicas são um recurso valioso, essencial na pesquisa médica. Elas devem ser coletadas, estocadas, serem rastreáveis e usadas de acordo com as padronizações/orientações vigentes. A criação da central de criogenia deve ser planejada e aprovada devendo-se considerar não somente as demandas do trabalho de campo, mas também antecipar os desafios conhecidos e desconhecidos do futuro. Além disso, cada pequena escolha feita na fase de planejamento pode ter graves consequências científicas econômicas, logísticas e mesmo políticas. Os responsáveis pelo planejamento têm que levar em consideração os custos de implementação e manutenção das instalações. Os custos da implementação estão frequentemente abaixo do necessário na fase de submissão do projeto à agência financiadora e, após sua aprovação, têm que ser comprimidos dentro do orçamento geral do estudo. Como consequência, o planejamento da central de criogenia, na fase de implementação do estudo geralmente compete com outros pontos fundamentais do estudo, como o número de participantes a serem recrutados ou o número de medidas incluídas na linha de base. Os custos de manutenção são geralmente difíceis de prever e foram minimizados na fase de planejamento do estudo. Sua relativa magnitude, ou mesmo sua existência ajudaram a guiar várias decisões na fase de planejamento do projeto uma vez que a escolha do tipo de tecnologia criogênica terá um grande impacto sobre os custos futuros.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Bensenor IM, Fedeli L, Vidigal P, Leite CM, Castilhos C, Pimentel RA. Logística de coleta e transporte de material biológico e organização do laboratório central no ELSA-Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(Supl 2):63-71.
  • 2
    Elliott P, Peakman TC. The UK Biobank sample handling and storage protocol for the collection, processing and archiving of human blood and urine. Int J Epidemiol. 2008;37(2):234-244. DOI:10.1093/ije/dym276
    » https://doi.org/10.1093/ije/dym276
  • 3
    Hallmans G, Vaught JB. Best practices for establishing a biobank. Methods Mol Biol. 2011;675:241-60. DOI:10.1007/978-1-59745-423-0_13
    » https://doi.org/10.1007/978-1-59745-423-0_13
  • 4
    International Society for Biological and Environmental Repositories. 2008 best practices for repositories collection, storage, retrieval and distribution of biological materials for research international. Cell Preserv Technol 2008;6(1):3-58. DOI:10.1089/cpt.2008.9997
    » https://doi.org/10.1089/cpt.2008.9997
  • 5
    Owen JM, Woods P. Designing and implementing a large-scale automated -80 degrees C archive. Int J Epidemiol. 2008;37 Suppl 1:i56-61. DOI:10.1093/ije/dym293
    » https://doi.org/10.1093/ije/dym293
  • 6
    Yasui GS, Arias-Rodriguez L, Fujimoto T, Arai K. Simple and inexpensive method for cryopreservation of fish sperm combining straw and powdered dry ice. Cryo Letters. 2008;29(5):383-90.

  • Artigo disponível em português e inglês em: www.scielo.br/rsp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2011
  • Aceito
    02 Jul 2012
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br