Elaboração e validação de instrumento avaliador da adesão ao tratamento da hipertensão

Malvina Thaís Pacheco Rodrigues Thereza Maria Magalhães Moreira Dalton Francisco de Andrade Sobre os autores

Resumos

OBJETIVO

Elaborar e validar instrumento de avaliação da adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica, com base na teoria da resposta ao item.

MÉTODOS

O desenvolvimento do instrumento envolveu procedimentos teóricos, empíricos e analíticos. Os procedimentos teóricos compreenderam a definição do constructo adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica, identificação dos domínios intervenientes e a elaboração do instrumento, seguida da análise semântica e conceitual por peritos. O procedimento empírico englobou a aplicação do instrumento a 1.000 usuários com hipertensão arterial sistêmica, atendidos em um centro de referência em Fortaleza, CE, em 2012. A etapa analítica validou o instrumento por meio da análise psicométrica e dos procedimentos estatísticos. O modelo da teoria da resposta ao item usado na análise foi o da resposta gradual de Samejima.

RESULTADOS

Doze dos 23 itens do instrumento inicial foram calibrados e permaneceram na versão final. O coeficiente alfa (α) de Cronbach foi de 0,81. Os itens referentes ao uso da medicação quando apresenta algum sintoma e o uso de gordura apresentaram bom desempenho, pois tiveram melhor poder de discriminar os indivíduos que aderem ao tratamento. Deixar de tomar a medicação alguma vez e o consumo de carnes brancas apresentaram menor poder de discriminação. Itens referentes à realização de exercício físico e ser rotina seguir o tratamento não medicamentoso tiveram maior dificuldade de resposta. O instrumento mostrou-se mais apropriado para medir a baixa adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica do que a alta adesão.

CONCLUSÕES

O instrumento mostrou-se adequado para avaliar a adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica, pois consegue diferenciar os indivíduos com alta adesão daqueles com baixa adesão. Sua utilização pode facilitar a identificação e aferição do cumprimento à terapêutica prescrita, além de viabilizar o estabelecimento de metas a serem alcançadas.

Cooperação do Paciente; Anti-Hipertensivos, administração & dosagem; Adesão à Medicação; Hipertensão, prevenção & controle; Questionários; Estudos de Validação


INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é reconhecida como importante problema de saúde pública diante do avanço na identificação de fatores de risco, diagnóstico precoce, emprego de vasta terapêutica medicamentosa e de ações educativas para as mudanças no estilo de vida. Apesar disso, é uma doença de difícil controle e a manutenção dos níveis pressóricos dentro do limite recomendado é insatisfatória. Isso evidencia a problemática da baixa adesão ao tratamento.4. Damasceno PDL, Lima NM, Lucena LS, Vasconcelos SMM, Moreira TMM. Estudo da adesão ao tratamento farmacológico da hipertensão arterial. Rev Eletronica Pesq Med. 2008;2(4):41-8.

Estima-se que cerca de 50,0% das pessoas que convivem com doenças crônicas não seguem seu tratamento adequadamente.5. DiMatteo MR. Variations in patient’s adherence to medical recommendations: a quantitative review of 50 years of research. Med Care. 2004;42(3):200-9. DOI:10.1097/01.mlr.0000114908.90348.f9 Cerca de 44,2% dos usuários hipertensos seguiam adequadamente o tratamento medicamentoso na Malásia.8. Hassan NB, Hasanah CI, Foong K, Naing L, Awang R, Ismail SB, et al. Identification of psychosocial factors of noncompliance in hypertensive patients. J Hum Hypertens. 2006;20(1):23-9. DOI:10.1038/sj.jhh.1001930 No Chile, 21,6% dos usuários hipertensos maiores de 65 anos seguiam a terapêutica.1010 . Mendoza-Parra S, Muñoz PM, Merino EJM, Barriga OA. Determinant factors of therapeutic compliance in elderly hypertensive patients. Rev Med Chil. 2006;134(1):65-71. No Brasil, os valores de controle variaram de 10,1% em Tubarão, SC, em 2003, a 52,4% em São José do Rio Preto, SP, de 2004 a 2005, ao se considerarem estudos de base populacional com hipertensos sob tratamento, cujo critério de controle foi de pressão arterial < 140/90 mmHg para sistólica e diastólica, respectivamente.1212 . Piccini RX, Facchini LA, Tomasi E, Siqueira FV, Silveira DS, Thumé E, et al. Promoção, prevenção e cuidado da hipertensão arterial no Brasil. Rev Saude Publica. 2012;46(3):543-50. DOI:10.1590/S0034-89102012005000027

A não adesão ocasiona desnecessário ajuste no regime terapêutico devido à falta de resposta positiva ao tratamento, aumento dos custos no cuidado à saúde com a elevação das taxas de hospitalizações e tratamento de complicações. Além disso, frustra os profissionais de saúde, pois os impede de alcançar os objetivos traçados na atenção à saúde do hipertenso.1111 . Miranzi SSC, Ferreira FS, Iwamoto HH, Pereira GA, Miranzi MAS. Qualidade de vida de indivíduos com Diabetes Mellitus e Hipertensão acompanhados por uma equipe de saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):672-9. DOI:10.1590/S0104-07072008000400007 , 1313 . Pinho NA, Pierin AMG. Hypertension control in brazilian publications. Arq Bras Cardiol. 2013;101(3):65-73. DOI:10.5935/abc.20130173

Medir a adesão ao tratamento da HAS é uma tarefa complexa. Há diferentes métodos aplicados, diferentes pontos de corte e inexiste um método considerado padrão ouro e que represente as várias dimensões que envolvem o processo de adesão ao tratamento dessa síndrome.1717 . Santa Helena ET, Nemes MIB, Eluf-Neto J. Desenvolvimento e validação de questionário multidimensional para medir não-adesão ao tratamento com medicamentos. Rev Saude Publica. 2008;42(4):764-7. DOI:10.1590/S0034-89102008000400025

A maioria dos métodos usados para avaliar a adesão ao tratamento da HAS é focada somente no tratamento farmacológico, aplicado também a outras doenças. Existe uma lacuna a ser preenchida.

Uma das alternativas para realizar essa medida está na teoria da resposta ao item (TRI). Essa teoria compreende um conjunto de modelos para variáveis latentes que se propõem a representar a relação entre a probabilidade de um respondente dar uma certa resposta a um item e seu traço latente (característica do indivíduo que não pode ser observada diretamente). Essa característica é mensurada por meio de variáveis secundárias que estejam a elas relacionadas.1. Andrade DF, Tavares HR, Valle RC. Teoria da Resposta ao Item: conceitos e aplicações. São Paulo: Associação Brasileira de Estatística; 2000.

O objetivo deste estudo foi elaborar e validar o questionário de adesão ao tratamento da HAS (QATHAS), com base na TRI.

MÉTODOS

Estudo metodológico fundamentado na psicometria moderna (TRI) e que seguiu os três procedimentos para a construção de instrumentos de avaliação: teórico, empírico e analítico.1414 . Pasquali L, Primi R. Fundamentos da Teoria da Resposta ao Item – TRI. Avalial Psicol. 2003;2(2):99-110. , 1515 . Pasquali L. Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. São Paulo: Vozes; 2009.

Uma revisão integrativa foi construída na etapa teórica, buscando conhecer os fatores condicionantes específicos da adesão ao tratamento dessa síndrome. Foram descritas as definições constitutivas e operacionais, bem como elaborados os itens do instrumento de medida com base nos 12 critérios recomendados por Pasquali (amplitude, equilíbrio, comportamental, simplicidade, clareza, relevância, precisão, modalidade, tipicidade, objetividade, variedade e credibilidade).1515 . Pasquali L. Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. São Paulo: Vozes; 2009.

A primeira versão do instrumento foi submetida à análise semântica para verificar a compreensão dos itens. Trabalhou-se com dois grupos de quatro pessoas com diferentes níveis de escolaridade e idades, atendidos no Centro Integrado de Hipertensão e Diabetes (CIDH), em Fortaleza, CE, em 2012. Foram realizadas mudanças na redação de sete itens para corrigir falhas na sua compreensão.

A proposta do instrumento foi encaminhada para os juízes, que avaliaram a redação e compreensão dos itens, além da pertinência conceitual com relação à adesão ao tratamento da HAS. Concordaram em participar da pesquisa cinco juízes: um médico, dois enfermeiros, um nutricionista e um educador físico. Foi encaminhado um roteiro de avaliação do instrumento criado com 20 itens para cada um. As avaliações foram confrontadas e acatadas as sugestões com concordância mínima de 80%.1515 . Pasquali L. Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. São Paulo: Vozes; 2009. Alguns itens foram excluídos (2, 3, 4, 5, 14), outros reformulados (6, 7, 11, 12, 13, 15, 18) e outros incluídos (12, 13, 14). O QATHAS constou de 23 itens, após a avaliação dos juízes. Foi realizada a adequação dos itens em relação à redação e aos domínios.

O procedimento empírico englobou a aplicação do instrumento. O QATHAS foi aplicado a 1.000 usuários com HAS atendidos no CIDH.

Por se tratar de construção e validação de instrumentos usando a TRI, fez-se necessária amostra em tamanho suficiente para conseguir respondentes que cobrissem todo o traço latente estudado. Não existe consenso sobre o número ideal de respondentes.1. Andrade DF, Tavares HR, Valle RC. Teoria da Resposta ao Item: conceitos e aplicações. São Paulo: Associação Brasileira de Estatística; 2000. Entretanto, amostras grandes com número de respondentes ≥ 1.000 apresentam maior chance de cobrir todo o traço latente estudado.

A etapa analítica objetivou validar o instrumento por meio da análise psicométrica e dos procedimentos estatísticos para verificar a confiabilidade, validade, estimação dos parâmetros dos itens e do nível de adesão ao tratamento da HAS (parâmetros dos indivíduos) por meio de um modelo da TRI.

A consistência interna do conjunto de itens foi analisada pelo alfa (α) de Cronbach e foi usado o pacote psych aa Revelle W. Psych: procedures for psychological, psychometric, and personality research. Evanston; 2010[citado 2012 Maio 24]. Disponível em: http://cran.univ-lyon1.fr/web/packages/psych/ do software livre R.bb R Development Core Team. R: a language and environment for statistical computing. Version 2.13.2.Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2011.

Realizou-se análise fatorial de informação completa, baseada em modelos da teoria da resposta ao item multidimensional (TRIM)1818 . Wirth RJ, Edwards MC. Item factor analysis: current approaches and future directions. Psychological Methods. 2007;12(1):58-79. DOI:10.1037/1082-989X.12.1.58 para o entendimento dos traços latentes (ou fatores subjacentes) associados aos padrões de resposta do instrumento. É possível avaliar a correlação dos itens com possíveis traços latentes (ou fatores subjacentes) por essa análise, o que possibilita verificar se todos os itens pertencem a um modelo de dimensão única ou se há subconjuntos de itens que justificam outras dimensões. Esta análise foi realizada usando o pacote mirt 3. Chalmers RP. Mirt: a Multidimensional Item Response Theory Package for the R Environment. J Stat Softw. 2012;48(6):1-29. do software livre R.bb R Development Core Team. R: a language and environment for statistical computing. Version 2.13.2.Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2011.

Os parâmetros dos itens (a e b) foram estimados utilizando o software Multilogcc Thissen D, Chen W, Bock R. Multilog, version 7 [computer software]. Lincolnwood: Scientific Software International; 2003. na fase de calibração dos itens. Observou-se se houve convergência do algoritmo usado para aplicação do método de estimação. O modelo de resposta gradual de Samejima1616 . Samejima FA. Estimation of latent ability using a response pattern of graded scores. Psychometrika. 1970;35:139. foi empregado na análise dos itens.

A proficiência (θ) dos respondentes foi estimada utilizando o método da máxima verossimilhança marginal (MVM) em duas etapas: os parâmetros das habilidades foram integrados separadamente e os parâmetros dos itens foram estimados. Com os parâmetros dos itens estimados, previu-se a adesão ao tratamento da HAS (parâmetros dos indivíduos).

Procedeu-se à criação da escala para esse traço latente. Os itens âncora foram definidos. Um item é âncora para o nível Z se ele satisfizer simultaneamente a três condições, para Y < Z:1. Andrade DF, Tavares HR, Valle RC. Teoria da Resposta ao Item: conceitos e aplicações. São Paulo: Associação Brasileira de Estatística; 2000.

Pela dificuldade em satisfazer todas essas condições, optou-se por flexibilizar esses critérios e considerar nível âncora aquele que apresentasse duas das condições de classificação descritas, além de considerar a probabilidade > 60,0% em determinado nível âncora da escala.

Os valores dos parâmetros dos itens (a, b) e dos escores de adesão ao tratamento da HAS foram estimados na mesma métrica na escala com média 0 e desvio padrão (DP) 1,0. Esses valores foram transformados utilizando média 100 e DP 10, i.e., escala (100, 10), para melhorar a compreensão dos resultados.

O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Processo 11517971-2. Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Foi possível construir a explicitação teórica e a definição do domínio do constructo a partir de uma revisão integrativa sobre os domínios que interferem na adesão ao tratamento da HAS (Tabela 1). Os 20 itens iniciais do QATHAS foram elaborados a partir dessa definição.

Tabela 1
Teoria sobre o constructo da adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS), sumarização a partir de revisão integrativa. Fortaleza, CE, 2012.

O QATHAS apresentou alfa (α) de Cronbach de 0,81.

O primeiro fator explicou 22,4% da variância total, constatando um fator dominante.

O instrumento inicial com 23 itens foi submetido a calibração. Entretanto, os algoritmos desses itens não convergiam e foi necessário realizar alterações nas categorias de respostas e exclusões de itens.

Os itens referentes ao uso da medicação, sal, gordura, doce e exercício físico permaneceram com as mesmas categorias de respostas inicialmente propostas. Os itens referentes à dose e ao horário da medicação ficaram com quatro categorias de respostas enquanto aquele referente ao consumo de carne branca ficou com duas categorias de respostas.

Os itens referentes ao uso de remédios caseiros, cigarro, drogas ilícitas, álcool, ao consumo de frutas e verduras, ao peso, valor da pressão arterial, comparecimento às consultas, estresse, à presença de complicação e ocorrência de internação durante o tratamento foram excluídos da análise final. Suas presenças não permitiram a convergência do algoritmo de estimação, além do valor do parâmetro a (parâmetro de discriminação ser muito baixo, i.e, não discriminar os hipertensos que apresentam baixa adesão ao tratamento da HAS daqueles que apresentam alta adesão (Anexodd Anexo apresentado na versão online do artigo, disponível em: www.scielo.br/rsp)).

A Tabela 2 apresenta as estimativas dos parâmetros dos itens, discriminando as dimensões de análise, os 12 itens do QATHAS e os parâmetros a (parâmetro de discriminação), b 2 , b 3, b 4 e b 5 (parâmetros de dificuldade) para a categoria 2, 3, 4 e 5 da escala Likert. Assumiu-se que os dados seguem distribuição normal, com μ = 0 e s = 1, i.e., escala (0,1) para a determinação inicial dos parâmetros.

Tabela 2
Estimativa dos parâmetros dos itens do instrumento de avaliação da adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Fortaleza, CE, 2012.

O QATHAS apresentou erro alto (curva tracejada em vermelho) a partir do nível 0,5 da escala, quando comparado com a curva da informação (Figura).

Figura.
Curva total da informação do instrumento de adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Fortaleza, CE, 2012.

A escala baseou-se em dez dos doze itens do QATHAS com base nos níveis âncora descritos anteriormente. O instrumento inicial apresentava itens que contemplavam todas as dimensões envolvidas. O item referente à dimensão ambiente foi excluído durante a calibração por não permitir a convergência das estimativas dos itens. Estiveram contemplados na escala os itens referentes a três domínios: doença/tratamento, usuário e serviço de saúde.

Ao responder o QATHAS, diferentemente dos questionários que utilizam a teoria clássica dos testes, o resultado não é obtido ao somar pontos ou escores. O calculo é realizado por fórmula matemática utilizando os valores dos parâmetros dos itens (a e b) e de uma constante. Foi criado e disponibilizado endereço eletrônico livre e gratuitoee Rodrigues MTP, Moreira TMM. Questionário de adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Fortaleza, 2012. Disponível em: www.qathas.com.br com acesso ao instrumento e ao resultado. Nesse endereço, cada profissional pode digitar as respostas dos usuários atendidos e visualizar o nível da escala (Tabela 3) em que cada respondente está situado. O nível de adesão varia de 60 a 110, i.e., os hipertensos com menor adesão atingem 60, enquanto os mais aderentes situam-se no nível 110.

Tabela 3
Escala de adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica Fortaleza, CE, 2012.

DISCUSSÃO

O agrupamento de categorias de respostas e a exclusão de alguns itens na calibração mostram a dificuldade na construção de itens com parâmetros de discriminação altos. Os itens foram construídos seguindo metodologia científica rigorosa, com base no conhecimento teórico do traço latente estudado e cumprindo os critérios básicos de sua construção.1414 . Pasquali L, Primi R. Fundamentos da Teoria da Resposta ao Item – TRI. Avalial Psicol. 2003;2(2):99-110. , 1515 . Pasquali L. Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. São Paulo: Vozes; 2009. Apesar disso, alguns deles apresentaram baixo poder de discriminação e, consequentemente, precisaram ser eliminados. A elaboração de instrumentos requer atenção na construção de itens, clareza da abrangência e foco no traço latente para potencializar o poder de discriminação e produzir itens com parâmetros a elevados.

A não convergência pode decorrer dos seguintes fatores: o item foi mal elaborado, o número de respondentes é baixo, o item não discrimina pessoas que aderem ao tratamento da hipertensão daquelas que não aderem, o item não é compatível com essa dimensão de análise ou uma combinação desses fatores.

Os itens relacionados ao tratamento não medicamentoso (6 a 11) tiveram destaque na exclusão. Uma alternativa para esse resultado é a reformulação dos itens para que sejam mais bem discriminados, i.e., que possuam maior quantidade de informação psicométrica e melhor discriminação.

Um achado curioso e aparentemente contraditório foi a exclusão do item referente ao valor da pressão arterial (PA), já que seu valor é uma maneira direta de saber se esta está controlada (resposta clínica). Isso pode ser justificado por ser uma medida isolada, o que representa apenas um momento. Além disso, o procedimento de medida da PA é vulnerável ao erro, visto que deve ser feito de maneira adequada, e.g., preparo adequado do paciente, uso de técnica padronizada e equipamento calibrado.6. Diretrizes brasileira de hipertensão arterial. Rev Bras Hiper. 2010;17(1):4-63.

A maioria dos respondentes não fazia uso de remédios caseiros, cigarro, drogas ilícitas e álcool, não permitindo a convergência do algoritmo de estimação. Uma alternativa para a convergência seria aplicar esses itens para usuários com hipertensão que fizessem uso dessas substâncias e ter respondentes para todas as categorias de respostas.

Em relação à interpretação do parâmetro a, discriminação do item, são aceitáveis valores > 0,6. Quanto maior o valor de a, maior será o poder de discriminação do item.1. Andrade DF, Tavares HR, Valle RC. Teoria da Resposta ao Item: conceitos e aplicações. São Paulo: Associação Brasileira de Estatística; 2000. Nenhum deles apresentou valor inferior ao aceitável para esse parâmetro (Tabela 2), o que sugere que os itens que permaneceram no instrumento final conseguem discriminar os indivíduos com maior adesão ao tratamento da HAS daqueles com menor adesão.

Houve bom desempenho dos itens referentes ao uso da medicação somente quando sente algum sintoma (4) e ao uso de gordura (7), pois tiveram melhor poder de discriminar os indivíduos que aderem ao tratamento da HAS em relação àqueles que não o fazem.

Assim, muitos usuários com hipertensão só fazem uso da medicação quando apresentam sintomas de uma elevação pressórica. Logo, não aderem ao tratamento de maneira satisfatória, visto que o medicamento anti-hipertensivo deve ser tomado de maneira contínua, independentemente do aparecimento de sintomas. Para aqueles com hipertensão que apresentam satisfatório nível de adesão ao tratamento, o medicamento é ingerido diariamente sem nenhuma associação com o aparecimento de sintoma. Esse contexto justifica o melhor poder de discriminação desse item. Leão e Silva et al9. Leão e Silva LO, Soares MM, Oliveira MA, Rodrigues SM, Machado CJ, Dias CA. “Tô sentindo nada”: percepções de pacientes idosos sobre o tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Physis. 2013;23(1):227-42. DOI:10.1590/S0103-73312013000100013 (2013) constataram que a baixa adesão está associada a não apresentar sintomas, pois o “sentir nada” é compreendido como ausência de doença sendo desnecessário o uso regular da medicação.

É recomendável o uso de alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas, colesterol e gordura total, além do consumo de uma dieta rica em frutas e vegetais. Isso porque tem impacto importante na redução da PA, além de reduzir biomarcadores de risco cardiovascular.6. Diretrizes brasileira de hipertensão arterial. Rev Bras Hiper. 2010;17(1):4-63. Entretanto, seguir uma alimentação com esse padrão é difícil em decorrência da facilidade de aquisição de alimentos de preparo rápido, que geralmente vêm acompanhados de alto valor calórico. O contexto cultural em que esses hipertensos estão inseridos também interfere na aquisição de alimentos com alto teor de gordura. São poucos aqueles que conseguem abandonar os alimentos gordurosos e seguir a dieta recomendada para hipertensos, representando um item com boa discriminação.

Os itens com menor poder de discriminação foram os referentes a alguma vez deixar de tomar a medicação (1) e o consumo de carnes brancas (8). A expressão “alguma vez” do item 1 remete tanto a um episódio isolado como a uma prática frequente. Pode-se deixar de fazer uso da medicação “alguma vez” até entre os mais aderentes, o que justifica o menor poder de discriminação desse item.

Os hipertensos relataram dois motivos para o maior consumo de carne branca: preço inferior ao da carne vermelha e preferência alimentar. Exceções abordaram o fato de a carne branca ser mais saudável. Isso pode justificar a baixa discriminação.

A medida da dificuldade do item se dá pelo parâmetro b, que indica a posição na escala em que o item tem maior informação. Quanto maior o valor do parâmetro b, maior a dificuldade desse item. Os itens com maior dificuldade de resposta foram aqueles quanto à realização de exercício físico (10) e ser rotina seguir o tratamento não medicamentoso (11), referentes ao tratamento não medicamentoso. Por serem os itens mais “difíceis” de serem respondidos satisfatoriamente, tendem a ser mais representativos dos indivíduos com maior adesão ao tratamento.

A realização de exercícios físicos aeróbios (sobretudo os isotônicos), que devem ser complementados pelos resistidos, promovem reduções de PA e são indicados para a prevenção e o tratamento da HAS. A recomendação é habituar-se à prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas por pelo menos 30 minutos por dia, três vezes/semana para prevenção e, diariamente, para tratamento.6. Diretrizes brasileira de hipertensão arterial. Rev Bras Hiper. 2010;17(1):4-63. Uma particularidade da HAS é atingir indivíduos predominantemente idosos, como mostrado neste estudo: 66,1% das pessoas entrevistadas tinham 60 anos ou mais, o que ocasiona limitações impostas pela idade. Muitos hipertensos possuem outros problemas de saúde, incluindo sequelas de outras doenças que impedem a realização de exercício físico.

A violência urbana foi apontada como fator que dificulta a realização do exercício físico regular, mesmo em praças públicas ou áreas no entorno de sua residência.

Apesar da mudança do estilo de vida que vem ocorrendo na população brasileira, ainda ocorre o predomínio de hábitos de vida prejudiciais à saúde, como o sedentarismo, entre os usuários com hipertensão.2. Carvalho ALM, Leopoldino RWD, Silva JEG, Cunha CP. Adesão ao tratamento medicamentoso em usuários cadastrados no Programa Hiperdia no município de Teresina (PI). Cienc Saude Coletiva. 2012;17(7):1885-92. DOI:10.1590/S1413-81232012000700028 , 7. Guedes MVC, Araújo TL, Lopes MVO, Silva LF, Freitas MC, Almeida PC. Barreiras ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1038-42. DOI:10.1590/S0034-71672011000600008 A prática regular da atividade física é uma barreira para a adesão ao tratamento da HAS.7. Guedes MVC, Araújo TL, Lopes MVO, Silva LF, Freitas MC, Almeida PC. Barreiras ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1038-42. DOI:10.1590/S0034-71672011000600008 , 9. Leão e Silva LO, Soares MM, Oliveira MA, Rodrigues SM, Machado CJ, Dias CA. “Tô sentindo nada”: percepções de pacientes idosos sobre o tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Physis. 2013;23(1):227-42. DOI:10.1590/S0103-73312013000100013

Outro item com maior dificuldade de resposta satisfatória foi ser rotina seguir o tratamento não medicamentoso (11). Esse item é bem amplo e abrange todas as medidas não farmacológicas recomendadas para o tratamento da HAS: controle do peso, padrão alimentar, moderação do consumo do álcool e tabagismo, exercício físico e controle do estresse. Por englobar muitas mudanças no estilo de vida, torna-se um item com maior dificuldade em ser cumprido. Estudos mostram a dificuldade em seguir o tratamento não medicamentoso.2. Carvalho ALM, Leopoldino RWD, Silva JEG, Cunha CP. Adesão ao tratamento medicamentoso em usuários cadastrados no Programa Hiperdia no município de Teresina (PI). Cienc Saude Coletiva. 2012;17(7):1885-92. DOI:10.1590/S1413-81232012000700028 , 7. Guedes MVC, Araújo TL, Lopes MVO, Silva LF, Freitas MC, Almeida PC. Barreiras ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1038-42. DOI:10.1590/S0034-71672011000600008 , 9. Leão e Silva LO, Soares MM, Oliveira MA, Rodrigues SM, Machado CJ, Dias CA. “Tô sentindo nada”: percepções de pacientes idosos sobre o tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Physis. 2013;23(1):227-42. DOI:10.1590/S0103-73312013000100013 , 1212 . Piccini RX, Facchini LA, Tomasi E, Siqueira FV, Silveira DS, Thumé E, et al. Promoção, prevenção e cuidado da hipertensão arterial no Brasil. Rev Saude Publica. 2012;46(3):543-50. DOI:10.1590/S0034-89102012005000027

Os itens referentes ao uso do sal (6), consumo de doces e bebidas com açúcar (9) e o comparecimento às consultas (12) apresentaram valores dos parâmetros a e b intermediários quando comparados aos outros itens do QATHAS, com nível médio de discriminação e dificuldade.

Nem todos os domínios propostos puderam permanecer no instrumento final. Alguns itens foram excluídos porque suas estimativas não convergiram e por apresentarem valor do parâmetro a muito baixo, i.e., por não discriminarem os hipertensos que apresentam baixa adesão ao tratamento da hipertensão daqueles que apresentam alta adesão. Persiste a necessidade de criação e validação de itens que contemplem todos os domínios que envolvem a adesão ao tratamento da HAS.

O QATHAS mostrou-se melhor para medir a baixa adesão ao tratamento do que a alta adesão. Este estudo contribui com o atual contexto brasileiro e mundial, caracterizado por elevadas taxas de baixa adesão ao tratamento da HAS. É fundamental a existência de um instrumento que identifique melhor os usuários com baixa adesão ao tratamento, já que são esses que precisam modificar seu comportamento e melhorar sua adesão ao tratamento da HAS.

A criação de um plano de metas para o paciente, conforme seu escore individual, representa inovação desse instrumento. Paciente no nível 70 da escala sabe que terá que ser mais rigoroso com o cumprimento dos horários estabelecidos no uso da medicação para poder subir para o nível 80 da escala. Isso facilita o entendimento do paciente e melhora o grau de controle e a tomada de decisão do profissional de saúde. A equipe de saúde pode usar diversas estratégias para apresentar os resultados ao paciente, bem como reforçá-lo positivamente em seus ganhos na escala para melhorar sua adesão.

O paciente e o profissional de saúde percebem os avanços no tratamento com maior clareza, pois facilita a detecção e aferição do cumprimento à terapêutica prescrita, além de viabilizar o estabelecimento de metas a serem alcançadas. Esse diferencial foi possível com o uso da TRI, que, diferente da teoria clássica dos testes (TCT), utiliza a habilidade (θ) construída item a item, e não somente a soma dos itens corretamente acertados.

REFERÊNCIAS

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  • Trabalho financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – Edital 034/2010 – Programa de Formação Doutoral Docente).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2013
  • Aceito
    29 Nov 2013
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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