Perfil audiométrico segundo exposição de pilotos civis ao ruído

Taiana Pacheco Falcão Ronir Raggio Luiz Gabriel Eduardo Schütz Márcia Gomide da Silva Mello Volney de Magalhães Câmara Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar o perfil audiométrico de pilotos civis segundo grau de exposição ao ruído.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional, transversal, com 3.130 pilotos civis do sexo masculino de 17 a 59 anos submetidos a exames audiométricos iniciais ou de revalidação de Certificado de Capacidade Física em 2011. Os sujeitos foram categorizados segundo perda auditiva como: normais, sugestivos de perda auditiva induzida por ruído, e outros fatores associados e não sugestivos. A audiometria tonal liminar utilizada foi por via aérea, com a utilização de fones supra-aurais, por meio do estímulo acústico do tipo tom puro, contendo os limiares tonais das frequências de 250 a 6.000 Hz. As variáveis independentes foram as categorias dos pilotos, tempo de serviço, horas de voo e orelha direita ou esquerda. A variável dependente corresponde aos casos sugestivos de perda auditiva induzida por ruído. O grau de exposição foi considerado baixo/médio ou alto, sendo este último com horas de voo maiores que 5.000 e tempo de serviço maior que 10 anos.

RESULTADOS

Foram observados 29,3% casos sugestivos de perda auditiva induzida por ruído, 12,8% bilaterais com predomínio do lado esquerdo (23,7%). Com o aumento do grau de exposição ao ruído, o número de casos sugestivos de perda auditiva também aumentou.

CONCLUSÕES

A perda auditiva nos pilotos civis pode estar associada à exposição ao ruído ao longo do tempo de serviço e das horas de voo.

Aviação, recursos humanos; Perda Auditiva Provocada por Ruído, epidemiologia; Ruído dos Transportes, efeitos adversos; Ruído Ocupacional; Saúde do Trabalhador


INTRODUÇÃO

A audição é uma das principais vias pela qual o ser humano interage com a sociedade, exercendo função fundamental na aquisição e no desenvolvimento da fala e da linguagem, na aprendizagem e no progresso socioemocional. É uma função complexa e fundamental para a comunicação humana. A perda auditiva altera a capacidade de o indivíduo expressar-se oralmente e prejudica sua relação com as pessoas e com o ambiente, limitando o contato com o meio.1. Almeida RP, Amaral LCG. Programa de doação de prótese auditiva: avaliação do ano de 2004. Rev Bras Promoc Saude. 2007;20(2):90-103. DOI:10.5020/18061230.2007.p99 A integridade auditiva é fundamental para o desempenho de muitas atividades profissionais, mas, para a atividade aérea, torna-se essencial, pois erros de percepção podem causar acidentes na aviação.3. Fajer M, Almeida IM, Fischer FM. Fatores contribuintes aos acidentes aeronáuticos. Rev Saude Publica. 2011;45(2):432-5. DOI:10.1590/S0034-89102011005000003

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro em 1992, promoveu a Agenda 21, programa de ação mundial para a promoção do desenvolvimento sustentável. O ruído foi considerado a terceira maior causa de poluição ambiental, precedido pela poluição da água e do ar. O ruído pode ser considerado o risco de agravo à saúde que atinge maior número de trabalhadores.aa Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perda auditiva induzida por ruído (PAIR). Brasília (DF); 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos. Saúde do Trabalhador, 5. Protocolos de Complexidade Diferenciada).

Mesmo considerando a possibilidade de subnotificação, estatísticas do Ministério da Previdência Social de 2010 mostram que, dos 15.593 casos notificados de doenças do trabalho, 1.367 (8,8%) estavam relacionadas ao ouvido.bb Ministério da Previdência Social. Acompanhamento mensal dos benefícios auxílios-doença previdenciários concedidos segundo os códigos da CID-10: janeiro a dezembro de 2012. Brasília (DF); 2013 [citado 2013 fev 7]. Disponível em: http://www.inss.gov.br/arquivos/office/1_130207-104653-108.pdf

A Previdência Social registrou 578 casos de acidentes do trabalho relacionados aos transtornos do ouvido interno (CID-10 – H83), em 2011, incluindo 32 casos que não tinham registro de Comunicação de Acidentes do Trabalho. De janeiro a dezembro de 2012, foram concedidos 2.013 benefícios, como auxílios para doença ao previdenciário, classificados como perda auditiva induzida por ruído (PAIR).cc Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico de acidentes de trabalho 2012. Brasíia (DF); 2013. Quantidade de acidentes do trabalho, por situação de registro e motivos, segundo os 200 códigos da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 mais incidentes, no Brasil – 2012; Seção I, Subseção C, capítulo 57, 57.3. [citado 2013 fev 9]. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/1_130108-164029-787.

Segundo Gerk Filho,5. Gerk Filho C. Fisiologia aeronáutica e da altitude. Duque de Caxias: UNIGRANRIO; 2004. a Medicina Aeronáutica para os tripulantes de companhias aéreas pode e deve ser entendida como um ramo da Medicina do Trabalho. O ambiente aéreo é hostil ao homem, entre outros, pela falta de tempo para se adaptar ao desafiador ambiente ocupacional a cada voo. A Medicina Aeronáutica deve ter caráter preventivo e ser entendida como saúde pública para esses tipos de trabalhadores.

Os perigos do ruído para a aviação residem principalmente na perda da audição, a PAIR. Seu controle é fundamental, pois, além de todas as consequências fisiológicas conhecidas, essa perda é fator contribuinte direto na diminuição da segurança de voo, falhas de manutenção e até acidentes aeronáuticos.1212 . Temporal W. Medicina aeroespacial. Rio de Janeiro: Luzes Comunicação, Arte e Cultura; 2005.

Este estudo teve por objetivo analisar o perfil audiométrico de pilotos civis segundo seu grau de exposição ao ruído.

MÉTODOS

Estudo observacional, transversal, com 3.130 pilotos civis do sexo masculino de 17 a 59 anos, submetidos a exames audiométricos iniciais ou de revalidação de certificado de capacidade física (CCF), realizados no Centro de Medicina Aeroespacial da Força Aérea Brasileira no Rio de Janeiro em 2011. Os dados analisados foram obtidos do banco de dados do Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL), no qual constam a ficha de entrevista e a audiometria dos aeronavegantes, esta realizada por uma das autoras deste artigo.

O Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica (RBHA) de 1999 estabelece normas gerais para a realização de inspeção de saúde e procedimentos afins para a obtenção e revalidação do CCF. O RBHA estabelece diferentes categorias de pilotos civis: piloto de linha aérea (PLA), piloto comercial (PC) e piloto privado (PP).

A formação de um piloto civildd Marinho R. Para ser piloto: como tirar “brevê”. [citado 2012 set 12]. Disponível em: http://paraserpiloto.wordpress.com/como-tirar-breve/ passa basicamente pelos seguintes estágios: PP (pilota somente seu próprio avião/helicóptero ou de alguém que lhe tenha cedido ou alugado; não pode trabalhar na aviação comercial ou remunerada), PC (não pode pilotar aviões de linhas aéreas regulares) e PLA (pilota os jatos da ponte aérea, os aviões transcontinentais e outros). Para se tornar um PP é preciso:dd Marinho R. Para ser piloto: como tirar “brevê”. [citado 2012 set 12]. Disponível em: http://paraserpiloto.wordpress.com/como-tirar-breve/ 1) ter boa saúde (possuir CCF); 2) obter aprovação em prova teórica, de cinco disciplinas, aplicada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC); 3) ter experiência prática em horas de voo; e 4) obter aprovação em todas as três alternativas anteriores, incluindo prova aplicada por examinadores cada vez mais rigorosos, na medida em que as licenças concedidas (PP, PC e PLA) envolverem arriscar a vida de mais pessoas.

Segundo Santosee Santos MP. Piloto de avião. [citado 2012 set 29]. Disponível em: http://madaipinto.wordpress.com/ (2012), o curso de piloto comercial e o curso de piloto privado duram quatro meses. É preciso acumular 150 horas de voo para o primeiro e 35 horas para o segundo. O CCF pode ser realizado durante o curso. O interessado nesses cursos deve possuir a idade mínima de 17 anos e receberá a licença de piloto que o habilita a ter a licença para voar sozinho somente ao completar 18 anos.

A jornada de trabalho em relação à carga horária, às folgas periódicas, aos voos e períodos de repouso, entre outros, é similar para PC e PLA, uma vez que é regulamentada pela Lei 7.183/84.ff Brasil. Lei nº 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 6 abr 1984; Seção 1. [citado 2014 jul 12]. A jornada de trabalho para PP tem menor controle e, portanto, sua carga horária e exposição ao ruído são diferentes das outras categorias.

No Brasil, 54 médicos e nove clínicas são credenciados, além de 19 Juntas Especiais de Saúde, nas quais o CEMAL está incluído. Os médicos credenciados só podem realizar os exames de saúde de pilotos privados e comissários de bordo; as clínicas credenciadas e as juntas especiais de saúde podem realizar também os exames de pilotos comerciais e de linha aérea.gg Agência Nacional de Aviação Civil. Informações sobre exame de saúde. [citado 2013 fev 3]. Disponível em: http://www2.anac.gov.br/habilitacao/inspecaoSaude.asp

Foram coletadas as seguintes informações sobre os sujeitos da pesquisa: sexo, idade, tempo de serviço, função, categoria, horas de voo e data do exame, por meio de entrevista e audiometria ocupacional (audiometria tonal liminar por via aérea, com a utilização de fones supra-aurais, por meio do estímulo acústico do tipo tom puro).

Foram pesquisados os limiares tonais das frequências de 250 a 6.000 Hz, considerando-se limiares normais até 25 dBNA (padrão ANSI-69). A frequência de 8.000 Hz também é realizada no CEMAL, porém fica cadastrada na ficha do inspecionando e não é inserida no sistema de cadastro e banco de dados, pois não há campo específico para seu cadastro. Assim, a análise foi feita até a frequência de 6.000 Hz.

Os equipamentos utilizados para a realização da audiometria tonal foram o audiômetro Beta Medical, modelo Beta 6.000, e o audiômetro Amplaid, modelo A321. Ambos os equipamentos, assim como as cabinas audiométricas utilizadas, estavam com a calibração e manutenção dentro do prazo e seguindo a Portaria 19, editada em 9/4/1998, e as Resoluções 364 e 365, de 30/3/2009, do Conselho Federal de Fonoaudiologia.hh Conselho Federal de Fonoaudiologia. Resolução nº 364, de 30 de março de 2009. Dispõe sobre o nível de pressão sonora das cabinas/salas de testes audiológicos, e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 7 abr 2009; Seção 1 [citado 2012 jun 7].,ii Conselho Federal de Fonoaudiologia. Resolução nº 365, de 30 de março de 2009. Dispõe sobre a calibração de audiômetros e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 7 abr 2009. Seção 1. [citado 2009 abr 7].,jj Ministério do Trabalho, Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho. Portaria nº 19, de 9 de abril de 1998. Estabelece diretrizes e parâmetros mínimos para a avaliação e o acompanhamento da audição dos trabalhadores, expostos a níveis de pressão sonora elevados e o texto técnico apresentado pelo Grupo de Trabalho Tripartite constituído através da Portaria SSST/MTb nº 5, de 25 de fevereiro de 1997. Diario Oficial Uniao. 22 abr. 1998; Seção 1, p.64-66.

Foram considerados Grupo 1 aqueles que apresentavam audição normal e Grupo 2, 3 e 4 aqueles que apresentavam alteração da audição. O Grupo 2 foram os casos sugestivos de PAIR, i.e., com perda até 40 dB em pelo menos uma das frequências de 500, 1.000 ou 2.000 Hz e até 75 dB em pelo menos uma das frequências de 3, 4 ou 6 kHz. No Grupo 3, foram incluídos aqueles que apresentavam outros fatores associados, como casos de trauma acústico, com perdas em rampa diferentes do caso anterior. O Grupo 4 representou os casos não sugestivos de PAIR.

A definição de grau de exposição teve como critérios as horas de voo e o tempo de serviço dos pilotos. Aqueles com horas de voo > 5.000 e mais de 10 anos de tempo de serviço foram considerados de alta exposição. Os de baixa exposição foram aqueles que apresentavam menos que 150 horas de voo e tinham menos de um ano de serviço. Os outros casos, diferentes dos anteriores, foram classificados como média exposição.

Indivíduos ≥ 60 anos foram excluídos da pesquisa para evitar o confundimento com a presbiacusia. Também foram excluídas as mulheres, pois não havia número significativo. Além disso, sua inserção na aviação é recente, por isso não foi de interesse deste estudo, uma vez que a análise e a descrição do perfil audiométrico dos pilotos foram realizadas em função do tempo de serviço e horas de voo.

O software SPSS Statistics versão 18 foi utilizado para analisar a significância estatística da prevalência de casos sugestivos de PAIR. Foi realizado teste Qui-quadrado com nível de significância de 0,05.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Parecer 180.008/2012).

RESULTADOS

A média de idade dos pilotos civis foi 34,4 anos (DP = 10,8) e a mediana de 32 anos. A maioria (42,9%) era PP, seguidos dos PLA (29,5%) e dos PC (27,6%) (Tabela 1). Por volta de 87,3% dos PP e 82,7% dos PC eram menores de 40 anos e 35,6% dos PLA tinham entre 40 e 49 anos; 95,0% dos PP estavam iniciando a carreira e não possuíam nem um ano de serviço, enquanto a maioria dos PC tinha de um a cinco anos de serviço (42,3%) e 76,1% da categoria de PLA tinham 11 anos ou mais de serviço. As horas de voo eram compatíveis com as categorias analisadas, aumentando de acordo com a graduação entre elas (PP, PC e PLA).

Tabela 1
Descrição dos pilotos segundo idade, tempo de serviço e horas de voo. Centro de Medicina Aeroespacial, Rio de Janeiro, 2011.

A intensidade máxima (em dBNA) de perda auditiva atingiu 115 dB na frequência de 4 kHz e 100 dB na de 6 kHz na orelha esquerda (OE) e 100 dB na frequência de 3 kHz na orelha direita (OD). No entanto, as frequências com maior percentagem de perda auditiva foram, respectivamente, 4 kHz com 20,6% (OE) e 17,1% (OD), 6 kHz com 16,9% (OE) e 14,7% (OD), e 3 kHz com 10,5% (OE) e 8,6% (OD) (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos limiares auditivos por orelhas segundo as frequências testadas. Centro de Medicina Aeroespacial, Rio de Janeiro, 2011.

A maioria dos pilotos (62,2%) pertencia ao grupo com exames audiométricos normais bilateralmente (Tabela 3). Os casos sugestivos de PAIR foram de 28,3% em pelo menos uma das orelhas e 1,0% de casos sugestivos de PAIR com outros fatores associados. Os casos de perda auditiva não sugestivos de PAIR foram de 8,5%. Avaliando as orelhas separadamente, observaram-se 23,7% de casos sugestivos de PAIR na OE e 20,1% na OD. Os casos sugestivos de PAIR com outros fatores associados foram de 0,9% em OD e 0,5% em OE. Os casos de perda auditiva sugestiva de PAIR, com ou sem outros fatores associados, em ambas as orelhas, foram de 12,8%.

Tabela 3
Caracterização do perfil audiométrico dos pilotos da aviação civil de acordo com a orelha. Centro de Medicina Aeroespacial, Rio de Janeiro, 2011.

Quanto maior a exposição ao ruído, maior o índice de casos sugestivos de PAIR em todas as categorias e faixas etárias analisadas, sobretudo nas categorias de PC e PLA, na faixa etária ≥ 40 anos (p = 0,003) (Tabela 4).

Tabela 4
Casos sugestivos de PAIR segundo grau de exposição ao ruído (horas de voo e tempo de serviço), ajustados pela categoria e idade dos pilotos da aviação civil. Centro de Medicina Aeroespacial, Rio de Janeiro, 2011.

DISCUSSÃO

A exposição ao ruído ao longo do tempo poderia ser responsável pela ocorrência de perda auditiva periférica nesse ramo da aviação. Os resultados são compatíveis com os referidos na literatura.2. Büyükçakir C. Hearing loss in Turkish aviators. Mil Med. 2005;170(7):572-6.,4. Foltz L, Soares CD, Reichembach MAK. Perfil audiológico de pilotos agrícolas. Arq Int Otorrinolaringol. 2010;14(3):322-30. DOI:10.1590/S1809-48722010000300009,6. Gerostergiou E, Tsitiridis I, Batzakakis D, Limpanovnou G, Vathilakis I, Sandris V. Sensorineural hearing loss of noise in members of aviation club of Larissa (Greece). Hippokratia. 2008;12(Suppl 1):59-63.,7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029,9. Raynal M, Kossowski M, Job A. Hearing in military pilots: one-time audiometry in pilots of fighters, transports and helicopters. Aviat Space Environ Med. 2006;77(1):57-61.,1010 . Satish LC, Kashyap AVMRC. Significance of 6 khz in noise induced hearing loss in Indian Air Force personnel. Indian J Aerospace Med. 2008;52(2):15-20.,1111 . Silva AP, Costa EA, Rodrigues SMM, Souza HLR, Massafera VG. Avaliação do perfil auditivo de militares de um quartel do Exército Brasileiro. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):344-50. DOI:10.1590/S0034-72992004000300010

Foram encontrados 29,3% de casos sugestivos de PAIR, valor expressivo, como os observados por Harger & Barbosa-Branco7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029 (2004), Silva et al1111 . Silva AP, Costa EA, Rodrigues SMM, Souza HLR, Massafera VG. Avaliação do perfil auditivo de militares de um quartel do Exército Brasileiro. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):344-50. DOI:10.1590/S0034-72992004000300010 (2004), Gerostergiou et al6. Gerostergiou E, Tsitiridis I, Batzakakis D, Limpanovnou G, Vathilakis I, Sandris V. Sensorineural hearing loss of noise in members of aviation club of Larissa (Greece). Hippokratia. 2008;12(Suppl 1):59-63. (2008), Foltz et al4. Foltz L, Soares CD, Reichembach MAK. Perfil audiológico de pilotos agrícolas. Arq Int Otorrinolaringol. 2010;14(3):322-30. DOI:10.1590/S1809-48722010000300009 (2010). Por outro lado, Lindgren et al8. Lindgren T, Wieslander G, Nordquist T, Dammström BG, Norbäck D. Hearing status among cabin crew in a Swedish commercial airline company. Int Arch Occup Environ Health. 2009;82(7):887-92. DOI:10.1007/s00420-008-0372-7 (2009) não encontraram nenhuma indicação de que a tripulação de cabine de uma companhia aérea comercial sueca tivesse a maior taxa de perda auditiva em relação a uma população do mesmo país não exposta ao ruído, apesar da exposição relativa a altos níveis de ruído. Gerostergiou et al6. Gerostergiou E, Tsitiridis I, Batzakakis D, Limpanovnou G, Vathilakis I, Sandris V. Sensorineural hearing loss of noise in members of aviation club of Larissa (Greece). Hippokratia. 2008;12(Suppl 1):59-63. (2008) realizaram estudo envolvendo 15 pilotos do aeroclube de Larissa, Grécia, e 30,0% dos aviadores possuíam alteração auditiva sugestiva de PAIR. Estudo retrospectivo, de corte transversal, individual e observacional com 41 pilotos agrícolas,4. Foltz L, Soares CD, Reichembach MAK. Perfil audiológico de pilotos agrícolas. Arq Int Otorrinolaringol. 2010;14(3):322-30. DOI:10.1590/S1809-48722010000300009 apontou prevalência de perda auditiva elevada. Mais da metade da amostra possuía limiares auditivos normais com configuração de entalhe. Os pilotos agrícolas, mesmo com o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) (95,1% faziam uso de EPI durante o voo), sofrem com os danos provocados pelo ruído e carecem de melhores propostas de prevenção da perda auditiva.

A prevalência de dano auditivo foi de 48,0% nos estudos de Harger & Barbosa-Branco7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029 (2004), com maior grau de perda auditiva na frequência de 6.000 Hz, a primeira a ser atingida, particularmente em OE. Entre aquelas caracterizadas como início de PAIR (41,0%), 13,9% das perdas foram bilaterais, 19,4% em OD e 66,7% em OE.

Foram encontradas diferenças no nível de pressão sonora conforme o tipo de aeronave no estudo de Raynal et al9. Raynal M, Kossowski M, Job A. Hearing in military pilots: one-time audiometry in pilots of fighters, transports and helicopters. Aviat Space Environ Med. 2006;77(1):57-61. (2006). Eles compararam as audiometrias de pilotos de transporte, caça e asas rotativas e concluíram que estas duas últimas são mais deletérias à audição, com maior número de exames alterados em relação aos pilotos de transporte. Constataram também maior entalhe em 6 kHz e menor desempenho da orelha esquerda, confirmando o encontrado em outros estudos.7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029,1111 . Silva AP, Costa EA, Rodrigues SMM, Souza HLR, Massafera VG. Avaliação do perfil auditivo de militares de um quartel do Exército Brasileiro. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):344-50. DOI:10.1590/S0034-72992004000300010

A orelha esquerda é relatada como mais suscetível à lesão por ruído, mas não há evidências suficientes para tal afirmação. No presente estudo, 24,2% corresponde aos casos sugestivos de PAIR em OE e 21,0% em OD, compatíveis com os estudos de Harger & Barbosa-Branco7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029 (2004) e Raynal et al9. Raynal M, Kossowski M, Job A. Hearing in military pilots: one-time audiometry in pilots of fighters, transports and helicopters. Aviat Space Environ Med. 2006;77(1):57-61. (2006). O fato de algumas aeronaves terem seu motor localizado do lado esquerdo é uma possível explicação, porém são necessários estudos específicos para sua comprovação.

As frequências com maior percentagem de perda auditiva foram, respectivamente, 4 kHz com 20,6% (OE) e 17,1% (OD), 6 kHz com 16,9% (OE) e 14,7% (OD) e 3 kHz com 10,5% (OE) e 8,6% (OD), o que diverge dos estudos de Harger & Barbosa-Branco7. Harger MRHC, Barbosa-Branco A. Efeitos auditivos decorrentes da exposição ocupacional ao ruído em trabalhadores de marmorarias no Distrito Federal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):396-9. DOI:10.1590/S0104-42302004000400029 (2004). De acordo com esses autores, pesquisas anteriores mostram o início da PAIR em 4 kHz, enquanto pesquisas atuais mostram frequência de 6 kHz.

Satish & Kashyap1010 . Satish LC, Kashyap AVMRC. Significance of 6 khz in noise induced hearing loss in Indian Air Force personnel. Indian J Aerospace Med. 2008;52(2):15-20. (2008) apontam que a frequência de 6 kHz mostrou envolvimento significativamente mais elevado em relação às outras frequências do pessoal da Força Aérea Indiana, principalmente os com evidências de PAIR. Além disso, com a modernização, a energia do som produzido pelas aeronaves e máquinas pesadas também aumentou. Assim, o achado audiométrico de entalhe em 6 kHz como diagnóstico para PAIR parece ser mais adequado comparado com o de 4 kHz. Isso contraria os achados do presente estudo.

O estudo de Büyükçakir2. Büyükçakir C. Hearing loss in Turkish aviators. Mil Med. 2005;170(7):572-6. (2005) com aviadores turcos mostrou perda de audição como resultado de exposição ao ruído durante o voo. Essa perda aumentou à medida que aumentavam as horas de voo. O presente estudo confirma os dados desse autor, i.e., a PAIR aumentou conforme aumentou a exposição ao ruído em todas as categorias e faixas etárias analisadas, principalmente na de PC e PLA de 40 anos ou mais.

É necessária atenção especial dessa população nos programas de prevenção e conservação auditiva, além de melhorias nas políticas públicas relacionadas a essas questões, especialmente no que diz respeito à prevenção. Pesquisas adicionais devem ser realizadas para investigar possíveis fatores associados que agravem a ocorrência de PAIR, nessa população.

A limitação deste estudo refere-se à frequência de 8.000 Hz, que, apesar de também ser avaliada no CEMAL, fica cadastrada na ficha do inspecionando e não é inserida no sistema de cadastro e banco de dados, pois não há campo específico para seu cadastro. Assim, a análise foi feita até a frequência de 6.000 Hz.

AGRADECIMENTOS

Ao Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL), da Força Aérea Brasileira (FAB), pela autorização da utilização do banco de dados e confiança depositada em um dos autores, tornando possível a realização deste trabalho.

Aos profissionais do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC), por toda disponibilidade e atenção dada na elaboração deste trabalho.

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  • Artigo baseado na dissertação de mestrado de Falcão TP, intitulada: “Perfil audiométrico de pilotos civis registrados no Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL) da Força Aérea Brasileira no ano de 2011”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2013.
  • Trabalho apresentado na Sessão Clínica da Diretoria de Saúde da Aeronáutica, no Centro de Estudos do Hospital Central da Aeronáutica (HCA) do Rio de Janeiro, em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2013
  • Aceito
    17 Maio 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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