Fluxo de hospitalização nos sistemas público e privado no estado de São Paulo

Juan Stuardo Yazlle Rocha Rosane Aparecida Monteiro Marizélia Leão Moreira Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Descrever os fluxos migratórios de demanda por assistência hospitalar pública e privada entre as regiões de saúde no estado de São Paulo, Brasil.

MÉTODOS

Estudo com base em banco de dados de hospitalizações nos sistemas público e privado, no estado de São Paulo, em 2006. Foram analisados dados de 17 regiões de saúde do estado, considerando aqueles hospitalizados na própria região de saúde e os que migraram para fora (evasão) ou vieram de outras regiões (invasão). Calculou-se o índice de eficácia migratória de pacientes de ambos os sistemas. Foi analisada a cobertura (coeficiente de hospitalização) em relação ao número de leitos por habitantes e os índices de eficácia migratória.

RESULTADOS

O índice de eficácia migratória aplicado ao fluxo de demanda da assistência hospitalar permitiu caracterizar as regiões de saúde com equilíbrio de fluxos, com alta evasão de pacientes públicos e privados, e com alta atração de pacientes públicos e privados.

CONCLUSÕES

Há diferenças de acesso e oportunidades à assistência hospitalar entre as regiões de saúde no estado de São Paulo.

Hospitalização; Hospitais Municipais, provisão & distribuição; Migração; Regionalização; Equidade no Acesso


INTRODUÇÃO

De acordo com Viana (2011),1010. Viana ALA. As diferentes institucionalidades de política social no Brasil no período de 1995 a 2010. In: Viana ALA, LD Lima, organizadores. Regionalização e relações federativas na política de saúde no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Contra Capa; 2011. p.27-38. a política social e de saúde no Brasil pode ser dividida em três períodos. O período da institucionalidade liberal (1995-2002) é caracterizado pela ênfase na desregulamentação e autorregulação dos mercados com a criação das Agências reguladoras da Saúde Suplementar (ANS) e de Vigilância Sanitária (ANVISA) e mais a estratégia chave da descentralização com ênfase na atenção primária. A fase de transição (2003-2006), com saldos positivos tanto em sua balança comercial quanto na de pagamentos, desenvolveu o programa emblemático da bolsa família. A fase da institucionalidade neodesenvolvimentista (2007-2010) é caracterizada pela emergência da nova classe média, que concentra grande poder de compra, e a regionalização na saúde, aliada à forte expansão dos investimentos voltados à construção de equipamentos de saúde – ambulatórios e hospitais –, assim como ao estímulo ao fortalecimento do complexo econômico-industrial da saúde.

Estudos do desenvolvimento social e econômico voltam-se para o papel do setor saúde. Este, além dos serviços disponíveis, mobiliza a base industrial: química, biotecnológica e de mecânica, eletrônica e de materiais. O setor de serviços possui o maior peso do complexo econômico industrial da saúde.22. Caiado MC. A migração intrametropolitana e o processo de estruturação do espaço urbano na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno. Campinas: Núcleo de Estudos de População da UNICAMP; s.d [citado 2014 fev 13]. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/textos/publicacoes/livros/migracao_urbanas/02pronex_05_Migracao_Intrametropolitana.pdf
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Sua organização segue a dos espaços e conforma pólos e regiões.

O planejamento da organização da assistência em níveis regionais é recente no Brasil. Embora enunciado na prescrição constitucional do Sistema Único de Saúde (SUS) de 1988, só avançou com a edição das Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS), de 2001 e 2002. A NOAS 2002 estimulou a criação de Planos Diretores de Regionalização e a organização de redes de assistência em bases regionais conforme as necessidades da população, segundo parâmetros epidemiológicos – e não pela existência e oferta de serviços.

Em 2006, a regionalização e hierarquização dos serviços de saúde, notadamente os de alta complexidade, aparecem nas diretrizes políticas e organizacionais emanadas do Pacto de Gestão, (Portaria MS 399)aa Ministério da Saúde. Portaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 − Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Brasília (DF); 2006 [citado 2014 fev 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html no Regulamento e nas Diretrizes dos Pactos pela Vida e de Gestão (Portaria MS 699),bb Ministério da Saúde. Portaria nº 699, de 30 de março de 2006. Regulamenta as Diretrizes Operacionais dos Pactos Pela Vida e de Gestão. Brasília (DF); 2006 [citado 2014 fev 24]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/docs/legislacao/portaria699_30_03_06.pdfhtml e nas Redes de Atenção à Saúde.cc Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2010 [citado 2014 abr 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html

Oliveira et al66. Oliveira MHCB, Rehem TCMSB, Amaral TCL, Barros S, Souza RR, Costa VLC, organizadores. Conclusões e Recomendações. In: Atenção à Saúde no SUS. São Paulo: uma perspectiva regional. São Paulo (SP): Secretaria da /Saúde/ FUNDAP; 2008. p.144. (2008) estudaram a atenção à saúde pelo SUS no estado de São Paulo, com foco na perspectiva regional no contexto da elaboração do Plano Estadual de Saúde. Foram utilizados dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) de 2000 e 2006 para a assistência hospitalar e da ANS para estimar a população coberta por planos de saúde. A esse respeito, afirmam:

“Os gestores da saúde estão diante de um impasse: considerar ou não a cobertura dos planos de saúde no processo de planejamento do SUS? Com o crescimento da população coberta e a disparidade dessa cobertura entre as regiões e, sobretudo entre os municípios, a não consideração desse fator pode contribuir para a manutenção das desigualdades de acesso atualmente identificadas no sistema”.

“No Estado de São Paulo, os leitos SUS cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) são na maioria filantrópicos (46,9% dos leitos); 40,2% são públicos e 12,9% são leitos privados, contratados ao SUS. Esta característica exige grande cuidado na política de parceria com os hospitais filantrópicos, sob pena de colocar em risco o atendimento de usuários do SUS, em algumas regiões onde há maior dependência destes leitos hospitalares”.

A regionalização é problematizada por Machado.44. Machado JA. Pacto de gestão na Saúde: até onde esperar uma “regionalização solidária e cooperativa? Rev Bras Cienc Soc. 2009;24(71):105-19. DOI:10.1590/S0102-69092009000300008 A criação de redes de assistência seria a garantia do atendimento equânime e integral a todos os cidadãos brasileiros – supondo a articulação entre municípios “exportadores” e “importadores” de serviços, sob a coordenação dos governos estaduais. Todavia, a disposição para a cooperação estaria longe de se concretizar. Venâncio et al99. Venâncio SI, Nascimento PR, Rosa TE, Morais MLS, Martins PN, Voloschko A. Referenciamento regional em saúde: estudo comparado de cinco casos no Estado de São Paulo, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3951-64. DOI:10.1590/S1413-81232011001000032 analisaram as práticas gestoras de referência regional em cinco regiões do estado de São Paulo, avaliando indicadores, instrumentos utilizados e a percepção dos gestores regionais e municipais. Os mecanismos formais de referência regional foram considerados insuficientes, bem como os instrumentos para seu acompanhamento.

A regionalização da saúde estava presente como preocupação de dirigentes de saúde há muitos anos,11. Arantes GR, Xavier AR, Rolando E. Uso da invasão e evasão de óbitos para identificar polos de atração médico assistencial: estudo realizado em uma Divisão Regional de Saúde de São Paulo (Brasil). Rev Saude Publica. 1981;15(1):20-37. DOI:10.1590/S0034-89101981000100004 em torno da articulação entre municípios exportadores e importadores de pacientes. A lógica presumida do fluxo é que quanto maior a evasão de pacientes, menor seria a capacidade de assistir local ou regionalmente a população. Por outro lado, quanto maior a invasão de pacientes, maior o poder de atração exercido pelas condições de oferta de assistência. Cada região possui um município pólo que concentra os recursos de assistência de nível secundário e terciário e receberia o fluxo total da sua área de referência. Além disso, existem recursos diagnósticos e de tratamento de nível intermediário em outros municípios satélites do pólo regional. Municípios e regiões importadores são também, em alguma medida, exportadores. Deve-se elucidar o predomínio de um ou outro tipo de fluxo. Para isso, é preciso considerar o tamanho da população de referência, a intensidade do fluxo em um ou outro sentido e a soma de ambos os fluxos em relação ao total da demanda no período.

O estudo do fluxo das hospitalizações em serviços públicos e privados pode contribuir para o conhecimento das necessidades e demandas populacionais na saúde em bases regionalizadas e a adequação da estrutura das regiões e comparações entre elas. Contar com um instrumento objetivo de avaliação da intensidade e sentido dos fluxos é importante para a estruturação regional da assistência à saúde. A procura de recursos diagnósticos e de tratamento fora do local de residência permite inferir o grau de resolutividade da assistência segundo os módulos assistenciais vigentes. Embora a universalidade do SUS estabeleça o direito à assistência em qualquer serviço do sistema, é importante conhecer a procedência dos pacientes (município de residência) para o planejamento da assistência à demanda local e regional. Conceitos como importação e exportação, referência para fora ou referência para dentro e invasão ou evasão de pacientes no sentido dos conceitos demográficos de imigração ou emigração são utilizados com certa impropriedade na literatura. Utilizamos neste trabalho invasão (imigração) e evasão (emigração) pelo uso consagrado em estudos epidemiológicos.

Este estudo teve por objetivo descrever os fluxos de demanda por assistência hospitalar pública e privada entre as regiões de saúde no Estado de São Paulo.

MÉTODOS

Estudo exploratório, com base em recorte do banco de dados construído por Moreiradd Moreira ML. Readmissões no sistema de serviços hospitalares no Brasil [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina da USP; 2010. contendo os registros de todas as hospitalizações no Brasil pelos sistemas público e privado (planos privados e particulares) em 2006. O estudo de Moreira tinha como objetivo analisar as reinternações no Brasil com dados dos sistemas Sistema de Internações Hospitalares (SIH)/SUS – e Comunicações de Internações Hospitalares (CIH) do Datasus. Foi criado um banco de dados a partir de sofisticado processo de associação de registros (Reclink) e linkagecom as variáveis nome, sexo, município de residência e data de nascimento, mediante algoritmos previamente definidos e testados. Como no SIH, cada evento (hospitalização) pode corresponder a uma cobrança parcial, de parte do período ou de alguns procedimentos da internação – situação também aceita nas CIH do período – foram definidos três algoritmos para identificar os eventos da mesma internação e compor o registro de seus dados. Assim, foi possível identificar as internações de pacientes pagas pelo SUS e por sistema privado, bem como as suas repetições informadas ao Ministério da Saúde pelo SIH e CIH, respectivamente.55. Moreira ML, Novaes HMD. Internações no sistema de serviços hospitalares, SUS e não SUS: Brasil, 2006. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(3):411-22. DOI:10.1590/S1415-790X2011000300006

Para o presente estudo, foram selecionadas todas as internações financiadas pelo SUS e sistema privado de pessoas residentes no estado de São Paulo, incluindo as que ocorreram em outros estados da União, de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2006. As hospitalizações foram classificadas segundo o município de residência e sua localização em uma das 17 regiões de saúde do estado. A população estimada, o número de leitos gerais e o índice de leitos por mil habitantes de cada Departamento Regional de Saúde (DRS), em 2006, foram obtidos do Plano Estadual de Saúde.88. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Plano Estadual de Saúde 2008-2011. São Paulo; 2008 [citado 2015 jun 3]. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/gestor/normas-e-procedimentos/plano_estadual_de_saude_2008_2011.pdf
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As internações foram classificadas segundo cada DRS (total de internações) e tabuladas como internações de pacientes residentes na mesma região ou não, de acordo com o município de origem do paciente. Isso permitiu calcular o número e percentual de pacientes atendidos na própria região; o total de internações em cada região (coluna C, Tabelas 1 e 2) menos o total de internados na própria origem, (coluna E, Tabelas 1 e 2) que fornece os casos de invasão, ou seja, o número de casos vindos de outras regiões; o total de residentes internados (coluna D, Tabelas 1 e 2) menos o total de internados na região de origem (coluna E, Tabelas 1 e 2), fornece o número de casos de evasão, em que a hospitalização ocorreu fora da própria região do paciente. O total de internados de cada DRS, em relação à população residente por mil habitantes, mostra o coeficiente de hospitalização total de cada uma das regiões do Estado.

A intensidade da invasão e evasão de pacientes foi calculada pelo indicador de eficácia migratória (EM), utilizado por Caiado.22. Caiado MC. A migração intrametropolitana e o processo de estruturação do espaço urbano na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno. Campinas: Núcleo de Estudos de População da UNICAMP; s.d [citado 2014 fev 13]. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/textos/publicacoes/livros/migracao_urbanas/02pronex_05_Migracao_Intrametropolitana.pdf
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Esse indicador permite quantificar a intensidade dos fluxos de entrada e de saída e o sentido predominante. Ele é calculado pelo quociente entre a migração liquida (Invasão menos a Evasão) e a migração bruta (Evasão mais Invasão).

Valores próximos a 1 indicam forte atração migratória, próximos a -1 indicam áreas de alta evasão de casos, e próximos a 0, áreas com alta circulação migratória.

Foram calculados os coeficientes de correlação entre o índice de leitos hospitalares e o coeficiente de hospitalizações por mil habitantes. Foi analisado o índice de eficácia migratória de invasão e evasão de pacientes dos sistemas público (SUS) e privados (NÃO-SUS) em cada Departamento Regional de Saúde.

RESULTADOS

Houve 2.922.648 hospitalizações no estado de São Paulo em 2006, das quais 2.808.765 eram de residentes em São Paulo internados no próprio estado e 83.389 de internados em outros estados, totalizando 2.892.154 internações de residentes em São Paulo (Tabela 3). A população dos municípios pólo é de pouco mais de 15 milhões, o que significa que a maioria das regiões possui uma população em área de referência satélite maior que a residente nos pólos – quase 10 vezes maior em Taubaté e São João da Boa Vista e pouco menos do dobro na Grande São Paulo. Os fluxos de demanda de serviços resultantes representaram a dinâmica da regionalização no estado.

Tabela 3
Distribuição da população, internações, índice leitos e coeficiente hospitalizações, segundo as regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2006.

O índice geral de leitos por habitantes do estado foi baixo (1,53 por mil habitantes), com grande variação entre as regiões (Tabela 3). Os Departamentos Regionais de Saúde que apresentaram maior índice de leitos por habitantes foram Barretos (2,6), São José do Rio Preto (2,5), Bauru (2,5) e Presidente Prudente (2,4). Barretos e Bauru possuem hospitais especializados que são referências nacionais nas áreas de oncologia e defeitos da face, o que explica o elevado índice de leitos ali existentes. Os Departamentos Regionais com menores índices de leitos por habitantes foram Registro (1,0), Campinas (1,2) e Sorocaba (1,2). O coeficiente geral de hospitalizações, incluindo internações públicas e privadas (SUS e sistema particular) do estado de São Paulo foi baixo (70,4 internações por mil habitantes), mas com grande variação entre as regiões. As regiões de saúde com os maiores coeficientes de internações por mil habitantes foram São José do Rio Preto (127,6), Presidente Prudente (111,0), São João da Boa Vista (104,9), Barretos (104,4) e Marília (103,3). Aquelas com menores coeficientes de hospitalizações da população residente foram Registro (45,0), Grande São Paulo (59,4), Taubaté (59,5) e Piracicaba (60,5). O cálculo do coeficiente de correlação indicou elevada associação positiva entre o índice leitos por habitantes e o coeficiente de internações por mil habitantes (r = 0,88). Na média estadual, 69,9% das internações no estado ocorreram pelo SUS e os maiores percentuais ocorreram nas regiões de Registro (95,8), Araçatuba (86,8) e Taubaté (81,0) e as menores em Presidente Prudente (61,4), Campinas (62,2) e Franca (64,2) (Tabela 1). No geral, as internações pelo SUS ocorreram na própria região em 97,6% dos casos – sugerindo a adequação da regionalização do SUS, i.e., 2,4% procuraram assistência com sucesso em outra região (evasão). As regiões de saúde atenderam 3,2% de casos provenientes de outras regiões do estado (invasão). Todas as regiões de saúde tiveram casos de invasão e evasão (colunas F e G). O cálculo da eficácia migratória (coluna H) permitiu quantificar e detectar o predomínio do fluxo em um ou em outro sentido. Foram considerados os valores positivos acima de 0,50 como indício de forte atração (invasão) migratória pelo SUS, caso das regiões de Bauru (0,78), Ribeirão Preto (0,69), Barretos (0,65) e Grande São Paulo (0,56), i.e., regiões que atraem fluxos de pacientes por assistência pelo SUS. Inversamente, as regiões que apresentaram índice de eficácia migratória negativa (abaixo de -0,50) foram consideradas como forte evasão do SUS, caso das regiões de Franca (-0,80), Marília, Araraquara e Registro (-0,77) e Araçatuba (-0,71), i.e., regiões que estimulam a emigração e não oferecem cobertura local da demanda, embora Araçatuba e Marília tenham elevados índice de leitos/habitantes.

Tabela 1
Total de internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) segundo o local de atendimento, total de internações de residentes, internações no local de origem, invasão e evasão (número e coeficiente) e índice de eficácia migratória. Estado de São Paulo, 2006.

Na média estadual, 30,1% das internações ocorreram por sistemas privados, as mais elevadas nas regiões de São José do Rio Preto (41,7), Presidente Prudente (38,6), Campinas (37,8) e Franca (35,8); as menores ocorreram em Registro (4,2), Araçatuba (13,2), Taubaté (19,0) (Tabela 2). O cálculo do índice de eficácia migratória apontou as regiões de São José do Rio Preto (0,87) e Campinas (0,64) como aquelas que exercem maior atração de internações por planos privados. A emigração (evasão) à procura de assistência privada foi mais intensa em Registro (-0,87), região com menor índice de leitos habitantes, Araçatuba (-0,81), Barretos (-0,70) e Baixada Santista (-0,56).

Tabela 2
Distribuição das internações totais financiadas por sistemas privados, invasão e evasão (número e coeficiente) e índice de eficácia migratória. Estado de São Paulo, 2006.

O estudo dos fluxos da demanda de assistência hospitalar no estado de São Paulo em 2006 apontou como regiões problemáticas Araçatuba, Registro e Baixada Santista, que apresentaram forte emigração (evasão) de pacientes para a atenção pública e para a privada, configurando um quadro de carência de assistência pública e privada (Tabela 4). As regiões de Araraquara, Franca, Marília, Piracicaba, Presidente Prudente e São João da Boa Vista apresentaram elevado índice migratório para assistência pública. Duas regiões – Campinas e São José do Rio Preto – tiveram elevada atração por assistência privada, e ambas apresentaram equilíbrio nos fluxos do SUS. A região de Ribeirão Preto teve fluxo público elevado e equilíbrio nos fluxos privados. As regiões de Sorocaba e Taubaté apresentaram equilíbrio nos fluxos público e privado.

Tabela 4
Caracterização das Regiões de Saúde do estado de São Paulo, segundo os fluxos por assistência hospitalar pública e privada. Estado de São Paulo, 2006.

DISCUSSÃO

Os municípios do estado de São Paulo apresentavam grandes diferenças quanto ao desenvolvimento socioeconômico e densidade populacional em 2009,77. Sala A, Mendes JDV. Perfil de indicadores da atenção primária à saúde no Estado de São Paulo: retrospectiva de 10 anos. Saude Soc. 2011;20(4):912-26. DOI:10.1590/S0104-12902011000400009 11,3% deles possuíam população acima de 100 mil habitantes e todos eram classificados como de alta riqueza no Índice Paulista de Responsabilidade Social; 61,7% possuíam menos de 20 mil habitantes e 70,4% eram classificados na categoria de baixa riqueza. Embora apenas 73 municípios estivessem incluídos entre os grandes, eles reuniam quase 75,0% da população do estado. Isso ilustra a grande dependência dos municípios menores em relação aos maiores e, portanto, a importância da questão da regionalização da saúde no estado de São Paulo. Municípios maiores, mais ricos, se tornam pólos e atraem a população dos municípios menores, mais pobres. Assim, a regionalização é o instrumento para tentar compensar a desigualdade e propiciar igualdade de oportunidades às populações menos favorecidas.

A elaboração do indicador de eficácia de migração, aplicado ao estudo dos fluxos da demanda de hospitalizações no estado de São Paulo, resultou em um índice que permite o ordenamento quantitativo da proporção de casos de invasão e evasão de pacientes, entre as regiões de saúde do estado, e da prevalência maior de uma ou outra. Essa visão facilita a classificação qualitativa dos municípios e regiões de saúde segundo apresentem equilíbrio nos fluxos migratórios ou exerçam forte atração ou evasão de pacientes pela assistência pública (SUS) ou privada. Foi surpreendente encontrar que a região da Grande São Paulo – concentradora de recursos hospitalares, especialmente de nível terciário, mas com grande concentração populacional – apresentou baixo coeficiente de hospitalizações da população local, sugerindo possível carência relativa de leitos gerais por demanda externa muito maior. As regiões de São José do Rio Preto e de Campinas não apresentaram evasão de pacientes para assistência SUS – a primeira com elevado índice de leitos habitantes e a segunda não. A região de Registro apresentou elevada evasão por demanda de assistência hospitalar privada, provavelmente por falta de oferta de assistência pública. A região de Araçatuba, com 2,12 leitos por mil habitantes, apresentou elevada evasão por assistência privada, provavelmente por problemas de acesso aos leitos existentes.

Embora o total de casos detectados como de invasão ou evasão seja relativamente pequeno (5,6% e 9,5% das internações públicas e privadas), ele aflige uma população fragilizada pela doença. A política de regionalização da saúde na assistência hospitalar teria por objetivo garantir o acesso e diminuir iniquidades o que, no estado de São Paulo, é uma tarefa não concluída. A Tabela 4 poderia ser complementada com o estudo dos problemas de saúde – diagnósticos e tratamentos – que caracterizam demandas específicas nas diferentes regiões do estado.

Os sistemas público e privado de hospitalizações não são estanques. Há trocas entre eles a depender da oscilação do financiamento da assistência pública e dos planos privados. Assim, o quadro vale para o ano do estudo e as tendências futuras dos fluxos seguirão as políticas da assistência hospitalar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2015

Histórico

  • Recebido
    7 Fev 2014
  • Aceito
    6 Jan 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br