Leishmaniose visceral no estado de São Paulo, Brasil: análise espacial e espaço-temporal

Marisa Furtado Mozini Cardim Marluci Monteiro Guirado Margareth Regina Dibo Francisco Chiaravalloti NetoSobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar, no espaço e espaço-tempo, a ocorrência da leishmaniose visceral em humanos no estado de São Paulo, Brasil.

MÉTODOS

Considerou-se como população de estudo os casos autóctones e óbitos por leishmaniose visceral em humanos ocorridos em São Paulo entre 1999 e 2013 e, como área de estudo, a região oeste do estado. Construíram-se mapas temáticos que mostraram a disseminação da leishmaniose visceral em humanos nos municípios. Ferramentas de análise espacial Kernel e razão Kernel foram utilizadas para obter, respectivamente, a distribuição dos casos e óbitos e a distribuição da incidência e mortalidade. Utilizaram-se estatísticas de varredura para identificar aglomerados espaciais e espaço-temporais de casos e óbitos.

RESULTADOS

Os casos de leishmaniose visceral em humanos, no período de estudo, ocorreram na parte ocidental de São Paulo e sua expansão territorial seguiu principalmente o curso da rodovia Marechal Rondon, no sentido oeste-leste. As incidências foram caracterizadas como duas sequências de elipses concêntricas com intensidade decrescente. A primeira, com maior intensidade, teve epicentro no município de Castilho (cruzamento da rodovia Marechal Rondon com a divisa com o estado de Mato Grosso do Sul) e a segunda, em Bauru. A mortalidade apresentou comportamento similar ao da incidência. Os aglomerados espaciais e espaço-temporais de casos coincidiram com as duas áreas de maiores incidências. Ambos os aglomerados espaço-temporais identificados, mesmo sem coincidirem temporalmente, tiveram início após três anos da detecção dos casos humanos e tiveram a mesma duração, seis anos.

CONCLUSÕES

A expansão da leishmaniose visceral em São Paulo vem ocorrendo no sentido oeste-leste, com destaque ao papel das rodovias, especialmente a Marechal Rondon, neste processo. A análise espaço-temporal detectou, em diferentes espaços e períodos de tempo, ciclicidade na ocorrência da doença. Esses encontros, se considerados, podem colaborar para a adoção de ações que visem a evitar que a doença se espalhe por todo o território paulista ou, no mínimo, diminuir sua velocidade de expansão.

Leishmaniose Visceral, epidemiologia; Análise Espacial; Análise Espaço Temporal; Conglomerados Espaço-temporais; Epidemiologia Descritiva

INTRODUÇÃO

Estima-se que haja 350 milhões de pessoas no mundo em risco de contrair leishmaniose, em suas diferentes formas clínicas, e que ocorram dois milhões de casos anualmenteaaWorld Health Organization. Control of leishmaniases. Geneva: WHO; 2010. (Technical Report Series, 949).. O Brasil está entre os cinco países que detém 90,0% dos casos de leishmaniose, junto com Bangladesh, Índia, Nepal e Sudão.

Nas Américas, a forma mais severa da doença, a leishmaniose visceral, ocorre nas Américas Central e do Sul, com a maioria dos casos notificados no BrasilbbMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral. Brasília (DF); 2006.. Trata-se de uma antropozoonose, cujo agente é Leishmania (Leishmania) infantum chagasi, o principal vetor é Lutzomyia longipalpis e o principal reservatório, o cão doméstico. É uma doença grave, que acarreta óbitos se não tratada adequadamente.

A leishmaniose visceral vem apresentando importante expansão territorial e processo de urbanização no Brasil1313. Gontijo CMF, Melo MN. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(3):338-49. DOI:10.1590/S1415-790X2004000300011
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,2020. Ponte CB, Souza NC, Cavalcante MN, Barral AMP, Aquino DMC, Caldas AJM. Risk factors for Leishmania chagasi infection in an endemic area in Raposa, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(6):717-21. DOI:10.1590/S0037-86822011005000059
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. No estado de São Paulo, a série histórica de casos de leishmaniose visceral inicia-se em 1999, tendo como porta de entrada a região oeste e expande-se para outras regiões, processo ainda em curso77. Cardim MFM, Rodas LAC, Dibo MR, Guirado MM, Oliveira AM, Chiaravalloti Neto F. Introdução e expansão da leishmaniose visceral americana em humanos no Estado de São Paulo, 1999-2011. Rev Saude Publica. 2013;47(4):691-700. DOI:10.1590/S0034-8910.2013047004454
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. A melhor compreensão desse processo e a identificação de fatores determinantes podem facilitar a adoção de ações de vigilância e controle efetivas, evitando que a leishmaniose visceral se espalhe por todo o território paulista ou, ao menos, diminuindo sua velocidade de expansão.

Essa expansão vem ocorrendo no espaço e no tempo, com aumento do número de municípios afetados e do número de casos e óbitos77. Cardim MFM, Rodas LAC, Dibo MR, Guirado MM, Oliveira AM, Chiaravalloti Neto F. Introdução e expansão da leishmaniose visceral americana em humanos no Estado de São Paulo, 1999-2011. Rev Saude Publica. 2013;47(4):691-700. DOI:10.1590/S0034-8910.2013047004454
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. O uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e ferramentas de análise espacial permite analisar esse processo, possibilitando compreender os padrões espaciais da distribuição da doença, identificar áreas de risco e possíveis fatores associados e indicar áreas prioritárias para desenvolvimento de ações de vigilância e controle1919. Nascimento ELT, Martins DR, Monteiro GR, Barbosa JD, Ximenes MFFM, Maciel BL, et al. Forum: geographic spread and urbanization of visceral leishmaniasis in Brazil. Postscript: new challenges in the epidemiology of Leishmania chagasi infection. Cad Saude Publica. 2008;24(12):2964-7. DOI:10.1590/S0102-311X2008001200028
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,2121. Prado PF, Rocha MF, Sousa JF, Caldeira DI, Paz GF, Dias ES. Epidemiological aspects of human and canine visceral leishmaniasis in Montes Claros, State of Minas Gerais, Brazil, between 2007 and 2009. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(5):561-6. DOI:10.1590/S0037-86822011000500006
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,2323. Souza VAF, Cortez LRPB, Dias RA, Amaku M, Ferreira Neto JS, Kuroda RBS, et al. Space-time cluster analysis of American visceral leishmaniasis in Bauru, São Paulo State, Brazil. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1949-64. DOI:10.1590/S0102-311X2012001000013
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. Assim, o presente estudo teve como objetivo descrever no espaço e no espaço-tempo a ocorrência da leishmaniose visceral humana (LVH) em SP, entre 1999 e 2013.

MÉTODOS

Neste estudo descritivo e ecológico, avaliamos os casos autóctones e óbitos de LVH notificados no estado de São Paulo entre 1999 e 2013 nas regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, locais de ocorrência dos casos. Esta área possui 316 municípios (49,0% dos municípios do estado), localiza-se na sua parte ocidental (Figura 1), tinha, em 2010, 5.609.345 habitantes e sua principal atividade econômica é o agronegócio. Seus municípios tinham, em 2010, Índice de Desenvolvimento Humano médio de 0,739 (nível alto), variando de 0,639 (nível médio) a 0,862 (nível muito alto), com 91,5% da população vivendo em áreas urbanas.

Figura 1
Área de estudo composta pelas regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, localizadas no estado de São Paulo, e os estados vizinhos a São Paulo (Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná) (A) e a localização de São Paulo no Brasil (B).

As informações sobre os casos de LVH foram obtidas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Considerou-se como caso humano confirmado todo caso suspeito de leishmaniose visceral com identificação do parasita em cultura ou exame parasitológico ou que fosse oriundo de área com ocorrência da doença, com clínica sugestiva, afastadas demais hipóteses diagnósticas e com apresentação de resposta favorável ao tratamentoccSecretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Superintendência de Controle de Endemias, Coordenadoria de Controle de Doenças. Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral americana do Estado de São Paulo. São Paulo (SP); 2006.. As populações dos municípios, seus mapas e os das rodovias do estado foram obtidos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os mapas foram trabalhados no sistema Lat/Long SAD-69. As rodovias foram classificadas em radiais (ligações com a capital do estado) e transversais (ligam localidades do estado, sem passar pela capital).

Identificou-se, para cada município com casos de LVH, o ano de ocorrência do(s) primeiro(s) caso(s) autóctone(s). Utilizou-se a ferramenta Kernel para produzir mapas de casos e de óbitos por LVH para toda a área e período de estudo, a partir da alocação dos totais de casos e de óbitos nos centroides dos municípios, obtendo-se distribuições dos casos e dos óbitos. A partir das informações de populações dos municípios, utilizou-se a ferramenta Kernel para produzir a distribuição do número de habitantes por área. A distribuição dos casos por área, dividida pela distribuição dos habitantes por área, denominada razão Kernel, produziu um mapa com a taxa de incidência de LVH para toda a área e período de estudo. Procedimento semelhante produziu um mapa das taxas de mortalidade por LVH. Nos mapas da incidência e mortalidade foram delimitadas regiões cujas taxas apresentaram valores entre a mediana e o máximo, nas quais foram alocadas as rodovias presentes.

Para a identificação dos aglomerados espaciais e espaço-temporais de casos e de óbitos por LVH, foram criados bancos de casos e de óbitos e com informações sobre a população dos municípios e as coordenadas geográficas de seus centroides. Para identificação de aglomerados puramente espaciais, foi utilizado o modelo discreto de Poisson com as seguintes condições: não ocorrência de sobreposição geográfica dos aglomerados, tamanho máximo igual a 50,0% da população exposta, formato circular, nível de significância igual a 0,05 e 999 replicações.

Para identificação de aglomerados espaço-temporais, foram utilizadas as mesmas condições da análise espacial e considerando-se o tamanho máximo temporal igual a 50,0% do período de estudo e precisão do tempo em ano1414. Kulldorff M. A spatial scan statistic. Commun Stat Theory Methods. 1997;26(6):1481-96. DOI:10.1080/03610929708831995
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. Foram obtidos aglomerados e respectivos riscos relativos (RR), controlados pelas populações dos municípios, e mapas temáticos apresentando os aglomerados espaciais e espaço-temporais para os casos e óbitos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Parecer 381/2009).

RESULTADOS

Entre 1999 e 2013, foram notificados 2.324 casos e 200 óbitos por LVH em São Paulo, concentrados em cinco regiões de saúde e com 80 municípios afetados, correspondendo, respectivamente, à incidência e mortalidade de 2,8 casos e 0,2 óbitos por 100 mil habitantes-ano e à letalidade de 8,6%. Dos casos notificados, 97,4% ocorreram na área urbana e 2,4% na rural (0,2% não tinham esta informação), correspondendo, respectivamente, às incidências de 3,0 e 0,8 casos por 100 mil habitantes-ano.

As incidências foram maiores nos homens do que em mulheres, com valores, respectivamente iguais a 3,5 e 2,2 casos por 100 mil habitantes-ano. A faixa etária de maior incidência foi a de zero a quatro anos (12,5 casos por 100 mil habitantes-ano), seguida pelas faixas de 60 anos ou mais, 40 a 59, cinco a 19 e 20 a 29, com valores entre 2,7 e 1,6 casos por 100 mil habitantes-ano. Não foi possível avaliar os dados de ocupação das pessoas com LVH devido à incompletude desta informação na ficha de notificação (61,0% sem esta informação).

A Figura 2 (A) mostra os primeiros municípios a notificar casos autóctones em 1999, Araçatuba e Birigui, na região de saúde de Araçatuba. Até 2002, a expansão da doença se restringiu aos municípios desta região, dos quais apenas Bilac não é cortado pela rodovia Marechal Rondon. Por outro lado, dos 16 municípios da região de saúde de Araçatuba interceptados por essa rodovia, apenas quatro (25,0%) não apresentaram ocorrência de LVH autóctone entre 1999 e 2002.

Figura 2
Ano de ocorrência do(s) primeiro(s) caso(s) autóctone(s) de leishmaniose visceral humana nos municípios das regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, estado de São Paulo, 1999 a 2013.

No período entre 2003 e 2007, a doença segue seu curso de expansão para o sudeste (Figura 2, B e C). Na região de saúde de Bauru, os primeiros atingidos foram Bauru, Guaiçara e Lins e na região de Marília, foi Guarantã, em 2003, todos cortados pela rodovia Marechal Rondon. Entre 2004 e 2007, sete municípios desta região detectaram LVH, sendo seis (Promissão, em 2004; Avaí, em 2005; Agudos e Pirajuí, em 2006; e Cafelândia e Lençóis Paulista, em 2007) cortados pela rodovia. Dos 26 municípios cortados pela Marechal Rondon localizados, na área de estudo, entre o extremo oeste (Castilho) e Lençóis Paulista (Figura 2, C), apenas três não mostraram ocorrência de LVH entre 1999 e 2007 (Rubiácea e Glicério, na região de saúde de Araçatuba, e Presidente Alves, na região de Bauru).

A partir de 2003, foi detectada a ocorrência da doença em novos municípios ao norte (região de saúde de Araçatuba) e ao sul (região de Marília e de Presidente Prudente) da rodovia Marechal Rondon. Esses municípios são contíguos a municípios que já contavam com transmissão humana e interceptados por outras rodovias radiais paralelas à Marechal Rondon (Feliciano Salles Cunha ao norte e Comendador João Ribeiro de Barros ao sul).

Em 2005, a doença atinge a região de saúde de Presidente Prudente (Figura 2, B), com ocorrência de casos em Dracena e Ouro Verde. São José do Rio Preto foi a última região a ser afetada, com ocorrência a partir de 2007 (Figura 2, C). A Figura 2 (D) representa a expansão completa da leishmaniose visceral nas cinco regiões no período de estudo. Entre 1999 e 2013, dos 32 municípios da área de estudo cortados pela rodovia Marechal Rondon, apenas sete (22,0%) não tinham a presença autóctone da LVH.

A Figura 3 (A e B) apresenta para todo período de estudo, respectivamente, o mapa Kernel com o número de casos de LVH por área e o mapa da razão Kernel, com a incidência por LVH. A Figura 3 (B) também mostra a malha de rodovias da área cuja incidência foi maior ou igual a 1,9 casos por 100 mil habitantes-ano (mediana).

Figura 3
Mapa kernel representando o número de casos de leishmaniose visceral humana por área (A); mapa da razão kernel representando a taxa de incidência de leishmaniose visceral humana e rodovias, com destaque para a Rodovia Marechal Rondon (B). Regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, estado de São Paulo, 1999 a 2013.

A distribuição de casos por área pode ser caracterizada por duas sequências de elipses concêntricas com intensidade decrescente, a partir de seus epicentros. A primeira tem maior intensidade e amplitude que a segunda e seu epicentro está localizado em um ponto a oeste de Araçatuba. A segunda sequência tem como epicentro Bauru.

A incidência por LVH, ao levar em conta o tamanho das populações dos municípios, teve comportamento distinto da distribuição dos casos por área, principalmente na região de saúde de Araçatuba e seu entorno, as mais altas taxas de toda a área de estudo. Estas tiveram distribuição caracterizada por uma sequência de meias elipses com intensidades decrescentes, cujo eixo principal pode ser representado pela rodovia que corta longitudinalmente a região de saúde de Araçatuba (rodovia Marechal Rondon). O epicentro desta distribuição estaria no cruzamento dessa rodovia com a divisa entre os estados Mato Grosso do Sul e São Paulo e pode ser representado pelo município de Castilho, que teve confirmada a ocorrência autóctone de LVH em 2001.

Na região de saúde de Bauru, as incidências apresentaram-se em intensidade menor que na de Araçatuba. Similar aos casos de LVH por área, seu comportamento (Figura 3) também configurou uma sequência de elipses concêntricas com intensidade decrescente, com eixo principal representado pela rodovia Marechal Rondon e epicentro em um ponto próximo a Bauru, no sentido noroeste.

A Figura 4 (A) representa a distribuição dos óbitos por LVH por área e a Figura 4 (B), a mortalidade e a malha rodoviária existente na área cuja taxa foi igual ou superior à mediana (0,17 óbitos por 100 mil habitantes-ano). Apesar de seus valores mais baixos que os valores vistos na Figura 3 (A e B), o comportamento do número de óbitos e da mortalidade foi, respectivamente, semelhante ao comportamento do número de casos de LVH e da incidência.

Figura 4
Mapa kernel representando o número de óbitos por leishmaniose visceral humana por área (A); mapa da razão kernel representando a taxa de mortalidade por leishmaniose visceral humana e rodovias, com destaque para a Rodovia Marechal Rondon (B). Regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, estado de São Paulo, 1999 a 2013.

O uso de ferramentas estatísticas espaciais e espaço-temporais de varredura permitiu a detecção de dois aglomerados espaciais significantes de casos de LVH (Figura 5, A). O primeiro englobou 51 municípios das regiões de saúde de Araçatuba (inclusive Araçatuba), Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto; desses, 47,0% pertenciam à primeira região, aquela com transmissão mais antiga. O segundo aglomerado significante incluiu apenas o município de Bauru, o primeiro a detectar casos humanos autóctones de leishmaniose visceral na região de Bauru (Figura 2, B).

Figura 5
Aglomerados espaciais de casos (A) e de óbitos (B) e espaço-temporais de casos (C) e de óbitos (D) de leishmaniose visceral humana. Regiões de saúde de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, estado de São Paulo, 1999 a 2013.

Em relação aos óbitos, foram identificados dois aglomerados espaciais. O primeiro reuniu 38 municípios das regiões de saúde de Araçatuba (inclusive Araçatuba), Marília e Presidente Prudente, com predominância de 13 (34,0%) da primeira região (Figura 5, B). O segundo aglomerado espacial significante englobou Bauru e mais dois vizinhos. Os RR para aquisição da LVH e de morrer pela doença nos aglomerados espaciais são apresentados na Figura 5 (A e B).

A análise espaço-temporal dos casos de LVH mostrou dois aglomerados (Figura 5, C). O primeiro englobou 51 municípios de todas as regiões de saúde, com exceção de Bauru, foi espacialmente idêntico ao aglomerado espacial encontrado nessa área e ocorreu no período entre 2002 e 2008. O segundo aglomerado espaço temporal de casos envolveu cinco municípios da região de saúde de Bauru, inclusive Bauru, e ocorreu entre 2006 e 2012.

O primeiro aglomerado espaço temporal significante de óbitos foi idêntico, do ponto de vista espacial, ao aglomerado espacial de óbito, e ocorreu entre 2002 e 2008; o segundo englobou 13 municípios da Região de Bauru (inclusive Bauru) e ocorreu entre 2005 e 2008. Os RR dos aglomerados espaço-temporais para aquisição da LVH e de morte pela doença são apresentados na Figura 5 (C e D).

DISCUSSÃO

A incidência da LVH na área de estudo é similar a dois casos por 100 mil habitantes-ano encontrado para o Brasil, a partir da estabilização das taxas que ocorreu de 2001 em dianteaaWorld Health Organization. Control of leishmaniases. Geneva: WHO; 2010. (Technical Report Series, 949).. Quanto à letalidade, o valor obtido para a área de estudo encontra-se entre os valores registrados em São Luís (Maranhão), Campo Grande (Mato Grosso do Sul) e Belo Horizonte (Minas Gerais)11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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,44. Barbosa DS, Belo VS, Rangel MES, Werneck GL. Spatial analysis for identification of priority areas for surveillance and control in a visceral leishmaniasis endemic area in Brazil. Acta Trop. 2014;131:56-62. DOI:10.1016/j.actatropica.2013.12.002
https://doi.org/10.1016/j.actatropica.20...
,1515. Margonari C, Freitas CR, Ribeiro RC, Moura ACM, Timbó M, Gripp, AH, et al. Epidemiology of visceral leishmaniasis through spatial analysis, in Belo Horizonte municipality, state of Minas Gerais, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2006;101(1):31-8. DOI:10.1590/S0074-02762006000100007
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.

As maiores incidências verificadas no sexo masculino e nas crianças entre zero e quatro anos estão de acordo com outros estudos, nos quais a maior incidência nos homens tem sido atribuída a questões ocupacionais e nas crianças, ao desenvolvimento incompleto do sistema imunológico22. Barata RA, Peixoto JC, Tanure A, Gomes ME, Apolinário EC, Bodevan EC, et al. Epidemiology of visceral leishmaniasis in a reemerging focus of intense transmission in Minas Gerais State, Brazil. BioMed Res Int. 2013;2013:405083. DOI:10.1155/2013/405083
https://doi.org/10.1155/2013/405083...
,55. Botelho ACA, Natal D. Primeira descrição epidemiológica da leishmaniose visceral em Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop. 2009:42(5):503-8. DOI:10.1590/S0037-86822009000500006
https://doi.org/10.1590/S0037-8682200900...
,2525. Vieira CP, Oliveira AM, Rodas LAC, Dibo MR, Guirado MM, Chiaravalloti Neto F. Temporal, spatial and spatiotemporal analysis of the occurrence of visceral leishmaniasis in humans in the City of Birigui, State of São Paulo, from 1999 to 2012. Rev Soc Bras Med Trop. 2014;47(3):350-8. DOI:10.1590/0037-8682-0047-2014
https://doi.org/10.1590/0037-8682-0047-2...
,2626. Xavier-Gomes LM, Costa WB, Prado PF, Oliveira-Campos M, Leite MTS. Características clínicas e epidemiológicas da leishmaniose visceral em crianças internadas em um hospital universitário de referência no norte de Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):549-55. DOI:10.1590/S1415-790X2009000400005
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.

A leishmaniose visceral constituía-se uma endemia típica da zona rural até a década de 1970, com quase todos os casos ocorrendo na região Nordeste do Brasil. A partir de meados da década de 1980, passou a ocorrer também em áreas urbanas e expandiu-se para outras regiões1313. Gontijo CMF, Melo MN. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(3):338-49. DOI:10.1590/S1415-790X2004000300011
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200400...
,2020. Ponte CB, Souza NC, Cavalcante MN, Barral AMP, Aquino DMC, Caldas AJM. Risk factors for Leishmania chagasi infection in an endemic area in Raposa, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(6):717-21. DOI:10.1590/S0037-86822011005000059
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,aaWorld Health Organization. Control of leishmaniases. Geneva: WHO; 2010. (Technical Report Series, 949).. A área deste estudo é um exemplo desse processo, com quase todas as ocorrências de casos autóctones a partir de 1999 em regiões urbanas.

As alterações das características epidemiológicas dessa zoonose, especialmente sua ocorrência em áreas urbanas e sua expansão, estão relacionadas à migração e alterações ambientais, além de outros fatores antrópicos11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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,2222. Scandar SAS, Silva RA, Cardoso-Júnior RP, Oliveira FH. Ocorrência de leishmaniose visceral americana na região de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, Brasil. BEPA. 2011;8(88):13-22., e à complexidade do manejo do vetor e do cão1919. Nascimento ELT, Martins DR, Monteiro GR, Barbosa JD, Ximenes MFFM, Maciel BL, et al. Forum: geographic spread and urbanization of visceral leishmaniasis in Brazil. Postscript: new challenges in the epidemiology of Leishmania chagasi infection. Cad Saude Publica. 2008;24(12):2964-7. DOI:10.1590/S0102-311X2008001200028
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
, de modo que as estratégias de controle não têm sido suficientes para evitá-la1111. Dantas-Torres F, Brandão-Filho SP. Visceral leishmaniasis in Brazil: revisiting paradigms of epidemiology and control. Rev Inst Med Trop S Paulo. 2006;48(3):151-6. DOI:10.1590/S0036-46652006000300007
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.

A migração, em geral desencadeada por questões socioeconômicas, tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pelo processo de disseminação do vetor e da expansão da leishmaniose visceral no País. Em São Luís, esse processo foi desencadeado em função da implantação de um distrito industrial1616. Mendes WS, Silva AAM, Trovão JR, Silva AR, Costa LML. Expansão espacial da leishmaniose visceral americana em São Luis, Maranhão, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2002;35(3):227-31. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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. Exemplos semelhantes se deram em Várzea Grande (Mato Grosso do Sul)1818. Missawa NA, Borba JF. Leishmaniose visceral no município de Várzea Grande, Estado de Mato Grosso, no período de 1998 a 2007. Rev Soc Bras Med Trop. 2009;42(5):496-502. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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, em Brasília88. Carranza-Tamayo CO, Carvalho MSL, Bredt A, Bofil MIR, Rodrigues RMB, Silva AD, et al. Autochthonous visceral leishmaniasis in Brasília, Federal District, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2010;43(4):396-9. DOI:10.1590/S0037-86822010000400012
https://doi.org/10.1590/S0037-8682201000...
e em Aracajú (Sergipe)1212. Góes MAO, Melo CM, Jeraldo VLS. Série temporal da leishmaniose visceral em Aracaju, Estado de Sergipe, Brasil (1999 a 2008): aspectos humanos e caninos. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(2):298-307. DOI:10.1590/S1415-790X2012000200007
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. Esses processos migratórios que na área de estudo são especialmente provenientes de Minas Gerais e estão relacionados à substituição da criação de gado pelo cultivo da cana-de-açúcar33. Barata RB. Cem anos de endemias e epidemias. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(2):333-45. DOI:10.1590/S1413-81232000000200008
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, geram novas alterações antrópicas, as quais têm criado condições propícias para a evolução da leishmaniose visceral. Condições precárias de saneamento e moradia; deslocamento de cães infectados1717. Mestre GLC, Fontes CJF. A expansão da epidemia da leishmaniose visceral no Estado de Mato Grosso, 1998-2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(1):42-8. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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,2424. Thomaz-Soccol V, Castro EA, Navarro IT, Farias MR, Souza LM, Carvalho Y, et al. Casos alóctones de leishmaniose visceral canina no Paraná, Brasil: implicações epidemiológicas. Rev Bras Parasitol Vet. 2009;18(3):46-51. DOI:10.4322/rbpv.01803008
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; processos adaptativos do vetor; obras de construção civil e o grande fluxo de pessoas, produtos e serviços por rodovias e ferrovias também têm sido relacionados à expansão e urbanização da leishmaniose visceral no Brasil11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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,33. Barata RB. Cem anos de endemias e epidemias. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(2):333-45. DOI:10.1590/S1413-81232000000200008
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,1717. Mestre GLC, Fontes CJF. A expansão da epidemia da leishmaniose visceral no Estado de Mato Grosso, 1998-2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(1):42-8. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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,2222. Scandar SAS, Silva RA, Cardoso-Júnior RP, Oliveira FH. Ocorrência de leishmaniose visceral americana na região de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, Brasil. BEPA. 2011;8(88):13-22.,2727. Ximenes MFFM, Silva VPM, Queiroz PVS, Rego MM, Cortez AM, Batista LMM, et al. Flebotomíneos (Díptera:Psychodidae) e leishmanioses no Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil: reflexos do ambiente antrópico. Neotrop Entomol. 2007;36(1):128-37. DOI:10.1590/S1519-566X2007000100016
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.

A construção da etapa paulista do gasoduto Bolívia-Brasil e a reativação da ferrovia Novoeste em São Paulo trouxeram muitos trabalhadores de outros estados e países para a região, os quais viviam em constante movimentação decorrente de mudanças dos canteiros de obras, juntamente com máquinas e equipamentos11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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. Esta migração de pessoas possivelmente também desencadeou a migração de cães infectados pela leishmania1717. Mestre GLC, Fontes CJF. A expansão da epidemia da leishmaniose visceral no Estado de Mato Grosso, 1998-2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(1):42-8. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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,2424. Thomaz-Soccol V, Castro EA, Navarro IT, Farias MR, Souza LM, Carvalho Y, et al. Casos alóctones de leishmaniose visceral canina no Paraná, Brasil: implicações epidemiológicas. Rev Bras Parasitol Vet. 2009;18(3):46-51. DOI:10.4322/rbpv.01803008
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. No Mato Grosso do Sul, a construção do gasoduto foi apontada como um dos responsáveis pela disseminação do vetor e da LVH11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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,66. Brazuna JCM, Silva EA, Brazuna JM, Domingos IH, Chaves N, Honer MR, et al. Profile and geographic distribution of reported cases of visceral leishmaniasis in Campo Grande, State of Mato Grosso do Sul, Brazil, from 2002 to 2009. Rev Soc Bras Med Trop. 2012;45(5):601-6. DOI:10.1590/S0037-86822012000500012
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.

O fluxo de pessoas, mercadorias e serviços por ferrovias e, especialmente, por rodovias, parece ter um papel de destaque na expansão da leishmaniose visceral em São Paulo. Araçatuba e Birigui, localizados na região de saúde de Araçatuba e os primeiros a notificar casos de LVH, são cortados pela rodovia Marechal Rondon, principal eixo de ligação entre as regiões de Araçatuba e de Bauru e entre elas e a capital do estado. Conforme observado por Cardim et al.77. Cardim MFM, Rodas LAC, Dibo MR, Guirado MM, Oliveira AM, Chiaravalloti Neto F. Introdução e expansão da leishmaniose visceral americana em humanos no Estado de São Paulo, 1999-2011. Rev Saude Publica. 2013;47(4):691-700. DOI:10.1590/S0034-8910.2013047004454
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, o curso de dispersão e expansão da LVH, a partir da região de Araçatuba, seguiu a rota da rodovia Marechal Rondon no sentido oeste para leste e, a partir dessa rodovia, seguiu o curso da malha de rodovias transversais e de outras rodovias radiais, atingindo municípios das regiões de Bauru, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto.

Nas regiões de saúde de Araçatuba e Bauru, os primeiros casos de LVH ocorreram nas sedes de região e na região de São José do Rio Preto, em Jales, sede de microrregião. Estas sedes, em conjunto com suas rodovias, destacam-se como locais de grande fluxo e, portanto, com maiores chances de ocorrência do vetor e da leishmaniose visceral. O mesmo não correu nas regiões de Presidente Prudente e de Marília, mas a influência da malha rodoviária também pôde ser notada. Dracena e Ouro Verde, na primeira região, estão próximos à Rodovia Comendador João Ribeiro de Barros e Guarantã; na segunda região, é interceptado pela rodovia Marechal Rondon.

O papel desempenhado pelas sedes de regiões na expansão da leishmaniose visceral ficou destacado nos mapas Kernel de casos e óbitos. As elipses centradas em torno de Araçatuba indicam que esta cidade seria o foco principal de disseminação da doença em São Paulo, uma vez que ela foi a primeira a identificar a presença do vetor1010. Costa AIP, Casanova C, Rodas LAC, Galati EAB. Atualização da distribuição geográfica e primeiro encontro de Lutzomyia longipalpis em área urbana no Estado de São Paulo, Brasil. Rev Saude Publica. 1997;31(6):632-3. DOI:10.1590/S0034-89101997000700012
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e a registrar casos caninos e humanos. Uma segunda elipse se formou na região de saúde de Bauru com epicentro em Bauru, podendo-se inferir que ela tenha sido o principal foco de expansão da doença nesta região. A identificação de Araçatuba e Bauru como epicentros de expansão da LVH concorda com o fato de eles serem polos regionais que desencadeiam, principalmente por meio de suas rodovias, grande fluxo de pessoas, mercadorias e serviços. Esse mesmo papel de polo regional influenciando o processo de expansão da LVH foi identificado em Várzea Grande1818. Missawa NA, Borba JF. Leishmaniose visceral no município de Várzea Grande, Estado de Mato Grosso, no período de 1998 a 2007. Rev Soc Bras Med Trop. 2009;42(5):496-502. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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.

A observação dos mapas da razão Kernel para a incidência e mortalidade por LVH mostrou que as elipses formadas continuaram indicando Bauru como ponto de expansão da doença. Entretanto, as elipses na região de Araçatuba se alteraram e o epicentro se apresentou na divisa com Mato Grosso do Sul, ressaltando o papel desse estado na epidemiologia da doença em São Paulo11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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.

Nos mapas obtidos por meio do Kernel e razão Kernel, a rodovia Marechal Rondon pode ser caracterizada como eixo principal das elipses encontradas. Também se constituiu como eixo central em todos os aglomerados espaciais e espaço-temporais identificados. Como já apontado por Cardim et al.77. Cardim MFM, Rodas LAC, Dibo MR, Guirado MM, Oliveira AM, Chiaravalloti Neto F. Introdução e expansão da leishmaniose visceral americana em humanos no Estado de São Paulo, 1999-2011. Rev Saude Publica. 2013;47(4):691-700. DOI:10.1590/S0034-8910.2013047004454
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, estes resultados confirmam o papel desempenhado por essa rodovia no processo de disseminação da doença em São Paulo. Antonialli et al.11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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e Mestre e Fontes1717. Mestre GLC, Fontes CJF. A expansão da epidemia da leishmaniose visceral no Estado de Mato Grosso, 1998-2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(1):42-8. DOI:10.1590/S0037-86822002000300005
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, estudando respectivamente a leishmaniose visceral no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso, também destacaram o papel desempenhado pelas rodovias, entre outros fatores, na expansão da doença. Além da rodovia Marechal Rondon, a ferrovia Novoeste, com traçado paralelo a ela, também pode ter favorecido a expansão da LVH em São Paulo.

Reforçando a influência das malhas rodoviárias e ferroviárias no processo de expansão da LVH em São Paulo, está o fato de que a ferrovia Novoeste e a rodovia Marechal Rondon se ligam ao Mato Grosso do Sul, pelo município de Castilho no estado de São Paulo e Três Lagoas em MS. Neste ponto, a Marechal Rondon se une a BR-262, seguindo o curso até Corumbá (Mato Grosso do Sul), município endêmico para LVH desde 1982. Corumbá se situa na divisa entre Brasil e Bolívia e essa facilidade de ligação entre os dois estados e o país estrangeiro já foi abordada11. Antonialli SAC, Torres TG, Paranhos Filho AC, Tolezano JE. Spatial analysis of American visceral leishmaniasis in Mato Grosso do Sul State, Central Brazil. J Infect. 2007;54(5): 509-14. DOI:10.1016/j.jinf.2006.08.004
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como um dos fatores responsáveis pela expansão da LVH no MS, por favorecer, entre outros aspectos, o processo migratório.

A avaliação espaço-temporal, ao identificar áreas de maior risco simultaneamente no espaço e no tempo, mostrou que, especialmente na região de Araçatuba, a LVH expandiu mais entre 2002 (três anos após a identificação de casos humanos autóctones) e 2008 e durou seis anos. Já na região de Bauru, a expansão mais intensa ocorreu entre 2006 (também três anos após identificação dos primeiros casos nesta região de saúde) e 2012, também durando seis anos. A coincidência na duração dos dois aglomerados espaço-temporais, com ocorrência não simultânea no tempo, está de acordo com a ciclicidade esperada para este tipo de agravo, levando-nos a perguntar se a ferramenta utilizada pode ser útil para a quantificação deste processo, hipótese a ser testada em futuros estudos.

Entre as limitações deste trabalho estão o uso de dados de fontes secundárias e o fato de esses dados serem fruto de notificações, passíveis de subnotificação. Entretanto, a partir do uso de SIG e de ferramentas de análise espacial, foi possível descrever a expansão da leishmaniose visceral em São Paulo, identificar áreas de risco e apontar possíveis fatores determinantes deste processo, em especial, o papel desempenhado pelas rodovias. Estes resultados, se considerados, podem propiciar o aprimoramento das ações de vigilância e controle da leishmaniose visceral99. Carvalho MS, Souza-Santos R. Análise de dados espaciais em saúde pública: métodos, problemas, perspectivas. Cad Saude Publica. 2005;21(2):361-78. DOI:10.1590/S0102-311X2005000200003
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,2121. Prado PF, Rocha MF, Sousa JF, Caldeira DI, Paz GF, Dias ES. Epidemiological aspects of human and canine visceral leishmaniasis in Montes Claros, State of Minas Gerais, Brazil, between 2007 and 2009. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(5):561-6. DOI:10.1590/S0037-86822011000500006
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  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp – Processo 2010/20279-1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    5 Nov 2014
  • Aceito
    7 Set 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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