Variabilidade climática aumenta a morbimortalidade associada ao material particulado

Poliany Cristiny de Oliveira Rodrigues Samya de Lara Pinheiro Washington Junger Eliane Ignotti Sandra de Souza Hacon Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar se o material particulado fino (PM2,5), bem como seu efeito sinérgico com a temperatura máxima, a umidade e as estações do ano estão associados à morbimortalidade por doenças cardiovasculares.

MÉTODOS

Estudo ecológico de séries temporais. Foram utilizados como desfechos os registros diários de óbito e internação em adultos com 45 anos ou mais de idade para os anos de 2009 a 2011 nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, Mato Grosso, Brasil. Utilizou-se regressão de Poisson via modelos aditivos generalizados, assumindo-se um nível de significância de 5%. O modelo foi controlado para tendência temporal, sazonalidade, temperatura média, umidade e efeitos de calendário. Concentrações diárias de PM2,5 (material particulado com diâmetro aerodinâmico inferior a 2,5 micrômetros) foram obtidas por meio da conversão dos valores da espessura ótica de aerossóis. Temperatura máxima, umidade e estações do ano foram incluídas separadamente ao modelo como variáveis indicadoras para análise do efeito sinérgico do PM2,5 com a morbimortalidade por doenças cardiovasculares. Foi calculado o aumento percentual de risco relativo (%RR) dos óbitos e internações para o aumento linear de 10 μg/m3 de PM2,5.

RESULTADOS

Entre 2009 e 2011, o aumento de PM2,5 foi associado a um %RR 2,28 (IC95% 0,53–4,06) para internações no mesmo dia de exposição e %RR 3,57 (IC95% 0,82–6,38) para óbitos com uma defasagem de três dias. Em dias quentes, observou-se %RR 4,90 (IC95% -0,61–9,38) para óbitos. Não foi observada modificação de efeito do PM2,5 pela temperatura máxima relacionada as internações. Em dias com baixa umidade, o %RR foi 5,35 (IC95% -0,20–11,22) para óbitos e 2,71 (IC95% -0,39–5,92) para internações. Na estação seca, o %RR foi 2,35 (IC95% 0,59–4,15) para internações e 3,43 (IC95% 0,58–6,35) para óbitos.

CONCLUSÕES

O PM2,5 está associado à morbimortalidade por doenças cardiovasculares e seus efeitos podem ser potencializados pelo calor, pela baixa umidade e durante a estação seca.

Material Particulado, efeitos adversos; Poluentes do Ar; Doenças Cardiovasculares, epidemiologia; Fatores de Risco; Estações do Ano; Estudos Ecológicos; Estudos de Séries Temporais

INTRODUÇÃO

Existem evidências de que a exposição ao material particulado fino (PM2,5) está associada a um maior risco de mortalidade, internação e exacerbação de doenças cardiovasculares (DC). A magnitude dos efeitos relatados, no entanto, está relacionada à composição, quantidade, porta de entrada, capacidade de transporte e deposição do PM no organismo. O PM2,5 apresenta maior toxicidade devido a sua multielementariedade e porque pode atingir tanto as porções mais inferiores do trato respiratório quanto entrar em contato diretamente com a corrente sanguínea55. Franchini M, Mannucci PM. Air pollution and cardiovascular diseases. Thromb Res. 2012;129(3):230-4. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011....
.

A localização geográfica e a sazonalidade climática também podem influenciar na magnitude dos efeitos adversos do PM sobre a saúde humana. Alguns estudos têm mostrado que o clima pode modificar a associação do PM2,5 com a morbimortalidade. Apesar de a temperatura ser o parâmetro mais estudado88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
,1010. Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ. 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012...
,1717. Ren C, Tong S. Temperature modifies the health effects of particulate matter in Brisbane, Australia. Int J Biometeorol. 2006;51(2):87-96. https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-...
,2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
, alguns autores observaram que a umidade, a pressão atmosférica e as estações do ano também podem agir como modificadores do efeito do PM sobre os eventos de saúde1414. Qiu H, Yu IT, Wang X, Tian L, Tse LA, Wong TW. Cool and dry weather enhances the effects of air pollution on emergency IHD hospital admissions. Int J Cardiol. 2013;168(1):500-5. https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09.199
https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09...
,1616. Ravljen M, Bilban M, Kajfež-Bogataj L, Hovelja T, Vavpotič D. Influence of daily individual meteorological parameters on the incidence of acute coronary syndrome. Int J Environ Res Public Health. 2014;11(11):11616-26. https://doi.org/10.3390/ijerph111111616
https://doi.org/10.3390/ijerph111111616...
.

Na Amazônia e no Cerrado, particularmente, os fenômenos climáticos intensificam os efeitos à saúde relacionados à poluição atmosférica. Nessas regiões, alguns estudos ecológicos mostram que o PM está associado ao aumento da morbimortalidade por doenças respiratórias66. Ignotti E, Valente JG, Longo KM, Freitas SR, Hacon SS, Artaxo Netto P. Impact on human health of particulate matter emitted from burnings in the Brazilian Amazon region. Rev Saude Publica. 2010;44(1):121-30. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000100013
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000...
,2222. Silva AMC, Mattos IE, Freitas SR, Longo KM, Hacon SS. Material particulado (PM2,5) de queima de biomassa e doenças respiratórias no sul da Amazônia brasileira. Rev Bras Epidemiol . 2010;13(2):337-51. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000200015
https://doi.org/10.1590/S1415-790X201000...
e cardiovasculares1212. Nunes KVR, Ignotti E, Hacon SS. Circulatory disease mortality rates in the elderly and exposure to PM2.5 generated by biomass burning in the Brazilian Amazon in 2005. Cad Saude Publica. 2013;29(3):589-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000300016
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201300...
,1919. Rodrigues PCO, Santos ES, Ignotti E, Hacon SS. Space-time analysis to identify areas at risk of mortality from cardiovascular disease. BioMed Res Int. 2015;2015:ID 841645. https://doi.org/10.1155/2015/841645
https://doi.org/10.1155/2015/841645...
, em crianças e idosos, principalmente durante o período de seca, no qual ocorre a queima acidental ou intencional de pastagens, cana-de-açúcar e floresta. Contudo, os efeitos modificadores da sazonalidade climática da região sobre a morbimortalidade associada à poluição atmosférica ainda não foram investigados.

Caracterizar os efeitos do PM2,5, bem como seu efeito conjunto com as variáveis climáticas, pode explicar melhor a heterogeneidade dos efeitos observados na região e subsidiar ações de mitigação e controle mais efetivas e adequadas às necessidades da população local relacionadas à poluição do ar. Esse estudo teve por objetivo analisar se o material particulado fino (PM2,5), bem como seu efeito sinérgico com a temperatura máxima, a umidade e as estações do ano estão associados à morbimortalidade por doenças cardiovasculares.

MÉTODOS

Estudo ecológico de séries temporais dos registros diários de óbitos e internações por doenças cardiovasculares. Foram selecionados indivíduos de 45 anos ou mais de idade residentes dos municípios de Cuiabá e Várzea Grande que foram internados e que foram a óbito por DC (Capítulo IX da Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças [CID-10] códigos I00 a I99) entre 23 de abril de 2009 e 31 de dezembro de 2011. A série temporal de 2009 a 2011, composta por 983 dias, foi selecionada devido à disponibilidade de dados de espessura ótica de aerossóis que possibilitou as estimativas de PM2,5.

As cidades de Cuiabá e Várzea Grande, localizadas no Estado de Mato Grosso, Brasil, formam uma conurbação que agrupa uma população de aproximadamente 820 mil habitantes, cerca de 90% da população total da região metropolitana do Vale do Rio Cuiabá. A população com 45 anos ou mais de idade representa aproximadamente 60% da população total das cidadesaaInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades: indicadores e dados populacionais. Rio de Janeiro (DF); IBGE; 2010 [citado 6 mai 2013]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil..

O clima da região é limitado em duas estações marcantes: a seca e a chuvosa. Entre os meses de maio a outubro, período de seca, a prevalência de queimadas é historicamente elevada na região. O período mais intenso de chuvas corresponde aos meses de novembro a abril. As cidades são muito conhecidas por seu forte calor de, em média, 32°C diários. A temperatura máxima média chega aos 41°C nos meses mais quentesbb Instituto Nacional de Meteorologia. Dados históricos. Brasília (DF): INMET; 2013 [citado 15 jun 2013]. Disponível em: http://www.inmet.gov.br/portal/php?codmun=510340 &search=mato-grosso|cuiaba. As DC aparecem como a primeira causa de mortalidade geral entre 2009 e 2011, com taxa de mortalidade média de 135,35 óbitos a cada 100 mil habitantes, seguindo o perfil de mortalidade do EstadoccMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Rede Interagencial de Informações para a Saúde - RIPSA. Indicadores e dados básicos – Brasil -2012 – IDB 2012. Brasília (DF); 2012 [citado 13 mai 2014]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/matriz.htm . No mesmo período, as afecções do aparelho circulatório foram a quinta causa de internação no Estado de Mato Grosso e a terceira causa de internação em Cuiabá e Várzea Grande, com uma taxa de internação média de 46,25 internações por 10 mil habitantesccMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Rede Interagencial de Informações para a Saúde - RIPSA. Indicadores e dados básicos – Brasil -2012 – IDB 2012. Brasília (DF); 2012 [citado 13 mai 2014]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/matriz.htm .

Os registros de mortalidade e internação por DC utilizados como desfechos foram obtidos, respectivamente, da base de dados do Sistema de Informação para a Mortalidade (SIM/SUS) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS). Informações das médias diárias de temperatura e umidade foram provenientes do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Dados de Aerosol Optical Depth (AOD) foram obtidos da estação Cuiabá-Miranda (Latitude: -15,43; Longitude: -56,01) disponíveis no site do Aerosol Robotic Network (AERONET). Estimativas de PM2,5 foram geradas por meio da conversão dos valores AOD (500 nanômetros), por meio de um método desenvolvido e validado para a Amazônia Brasileira e CerradoddPaixão MMA. Propriedades ópticas de aerossóis naturais e de queimadas da Amazônia [dissertação]. São Paulo: Instituto de Física da Universidade de São Paulo; 2011 [citado 22 jul 2016]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/43/43134/tde-30092011-150552/ . A base de cálculo desse método permite a obtenção dos valores das concentrações de PM2,5 muito próximos aos dados medidos por estações de monitoramento do ar22. Baars H, Ansmann A, Althausen D, Engelmann R, Heese B, Müller D, et al. Aerosol profiling with lidar in the Amazon Basin during the wet and dry season. J Geophys Res Atmospheres. 2012;117(D21):1-16. https://doi.org/10.1029/2012JD018338
https://doi.org/10.1029/2012JD018338...
e tem sido utilizada para suprir a carência de informações de poluição atmosférica em algumas áreas11. Andrade Filho VS, Artaxo P, Hacon S, Carmo CN, Cirino G. Aerosols from biomass burning and respiratory diseases in children, Manaus, Northern Brazil. Rev Saude Publica. 2013;47(2):239-47. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004011
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20130...
,1919. Rodrigues PCO, Santos ES, Ignotti E, Hacon SS. Space-time analysis to identify areas at risk of mortality from cardiovascular disease. BioMed Res Int. 2015;2015:ID 841645. https://doi.org/10.1155/2015/841645
https://doi.org/10.1155/2015/841645...
. Apesar de as medidas obtidas representarem valores médios para toda a coluna atmosférica, com uma resolução espacial de até 10 km, a validaçãoddPaixão MMA. Propriedades ópticas de aerossóis naturais e de queimadas da Amazônia [dissertação]. São Paulo: Instituto de Física da Universidade de São Paulo; 2011 [citado 22 jul 2016]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/43/43134/tde-30092011-150552/ mostrou que a conversão é adequada para o arco do desmatamento e o PM2,5 estimado obtido pode ser utilizado como alternativa para estudos de impacto do PM na saúde humana22. Baars H, Ansmann A, Althausen D, Engelmann R, Heese B, Müller D, et al. Aerosol profiling with lidar in the Amazon Basin during the wet and dry season. J Geophys Res Atmospheres. 2012;117(D21):1-16. https://doi.org/10.1029/2012JD018338
https://doi.org/10.1029/2012JD018338...
.

Foi realizada uma regressão de séries temporais, construindo-se modelos explicativos para contagens de internações e óbitos por DC ao longo do tempo. O método de séries temporais tem sido amplamente aplicado em estudos epidemiológicos ecológicos, principalmente na avaliação do efeito agudo, porque apresenta melhor desempenho na análise dos efeitos lineares da poluição do ar sobre a mortalidade por DC1010. Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ. 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012...
,1313. Pinheiro SLLA, Saldiva PHN, Schwartz J, Zanobetti A. Isolated and synergistic effects of PM10 and average temperature on cardiovascular and respiratory mortality. Rev Saude Publica. 2014;48(6):881-8. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005218
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
.

Utilizou-se a classe de modelos aditivos generalizados (GAM), com a opção de regressão de Poisson, assumindo-se um nível de significância de 5%. A tendência temporal e a sazonalidade da série foram controladas introduzindo-se as seguintes variáveis: dias da semana e um natural cubic spline do tempo com nove graus de liberdade. Para as variáveis meteorológicas, utilizou-se natural cubic spline da temperatura média e da umidade relativa do ar, com três e dois graus de liberdade, respectivamente. No processo de modelagem, buscou-se reduzir o critério de informação de Akaike (AIC) e melhorar a autocorrelação parcial (PACF).

Optou-se pela utilização do modelo GAM porque não é necessário definir a priori as relações e estruturas entre o indicador de saúde e as variáveis explicativas. Além disso, utilizou-se a biblioteca ARES2 disponível no aplicativo R como uma ferramenta para definir essas relações. O modelo de regressão de Poisson, com função link logarítmica, foi escolhido porque dados de mortalidade obtidos por meio de contagem possuem distribuição de probabilidades do tipo Poisson77. Junger W, Leon AP. Ares: a library for time series analysis in air pollution and health effects studies using R. Epidemiology. 2009;20(6):S217. https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
https://doi.org/10.1097/01.ede.000036272...
,1313. Pinheiro SLLA, Saldiva PHN, Schwartz J, Zanobetti A. Isolated and synergistic effects of PM10 and average temperature on cardiovascular and respiratory mortality. Rev Saude Publica. 2014;48(6):881-8. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005218
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
.

Foi calculado o aumento percentual de risco relativo (%RR) dos óbitos e das internações por DC. Investigou-se as associações da exposição no dia corrente com defasagens simples (single Lag) e o efeito cumulativo de até 10 dias utilizando um modelo polinomial de defasagens distribuídas (distributed Lag). O período de latência de 10 dias foi selecionado para permitir uma estimativa mais precisa dos efeitos do PM2,5 na mortalidade e nas internações por DC, uma vez que esses efeitos podem não ocorrer de forma imediata ou no mesmo dia da exposição55. Franchini M, Mannucci PM. Air pollution and cardiovascular diseases. Thromb Res. 2012;129(3):230-4. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011....
,1818. Roberts S. Interactions between particulate air pollution and temperature in air pollution mortality time series studies. Environ Res. 2004;96(3):328-37. https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01.015
https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01...
,2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
. O %RR corresponde ao aumento linear de 10 μg/m33. Bell ML, McDermott A, Zeger SL, Samet JM, Dominici F. Ozone and short-term mortality in 95 US urban communities, 1987-2000. JAMA. 2004;292(19):2372-8. https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372
https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372...
nos níveis de PM2,5.

O efeito sinérgico entre PM2,5 e temperatura máxima, umidade e estação do ano foi testado por meio da estratificação dos modelos finais contruídos para as internações e para os óbitos. O método da estratificação consiste na inserção de uma variável indicadora nos modelos finais construídos, observando-se as novas características do mesmo modelo com a estratificação77. Junger W, Leon AP. Ares: a library for time series analysis in air pollution and health effects studies using R. Epidemiology. 2009;20(6):S217. https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
https://doi.org/10.1097/01.ede.000036272...
. Optou-se pela estratificação por esse método utilizar menos parâmetros e oferecer uma comparação simples e quantitativa dos efeitos estimados dos poluentes nos diferentes estratos, em comparação com outros métodos de detecção do efeito modificador1010. Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ. 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012...
,1313. Pinheiro SLLA, Saldiva PHN, Schwartz J, Zanobetti A. Isolated and synergistic effects of PM10 and average temperature on cardiovascular and respiratory mortality. Rev Saude Publica. 2014;48(6):881-8. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005218
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
. Foram incluídas, separadamente, três variáveis indicadoras (dummy) ao modelo: (i) percentil 90 da temperatura máxima (37,9°C); (ii) percentil 10 da umidade relativa do ar (54,5%) e (iii) período de seca (maio – outubro) e chuva (janeiro a março, novembro e dezembro). Testou-se a significância estatística das diferenças entre as estimativas do efeito entre os estratos estabelecidos pelas variáveis indicadoras pelo cálculo do intervalo de confiança de 95% (IC95%) e do p-valor77. Junger W, Leon AP. Ares: a library for time series analysis in air pollution and health effects studies using R. Epidemiology. 2009;20(6):S217. https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
https://doi.org/10.1097/01.ede.000036272...
.

As análises foram realizadas no aplicativo R 3.0.2 por meio da biblioteca Ares277. Junger W, Leon AP. Ares: a library for time series analysis in air pollution and health effects studies using R. Epidemiology. 2009;20(6):S217. https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
https://doi.org/10.1097/01.ede.000036272...
. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública (CAAE 18634613.0.0000.5240).

RESULTADOS

Durante todo o período de estudo foram registradas 8.610 internações e 3.024 óbitos. O material particulado e a umidade relativa do ar mostraram distribuição heterogênea durante o ano, apresentando desvios padrão (DP) de 15,66 μg/m3 e 11,35%, respectivamente. Os valores máximos das temperaturas média e máxima são quase três vezes mais elevados que seus respectivos valores mínimos (Tabela 1).

Tabela 1
Estatísticas descritivas das variáveis ambientais e de saúde em estudo. Cuiabá e Várzea Grande, MT, Brasil, 2009 a 2011. (n = 983)

A temperatura média e a temperatura máxima apresentaram correlação direta de cerca de 0,25 com o PM2,5. A umidade apresentou correlação inversa com todas as variáveis, apresentando-se fortemente associada com a temperatura máxima (-0.600). Os óbitos e as internações por DC apresentaram correlação linear abaixo de 0,100 com as variáveis meteorológicas e de poluição (Tabela 2).

Tabela 2
Matriz de correlação de Pearson para as variáveis ambientais e de saúde em estudo. Cuiabá e Várzea Grande, MT, Brasil, 2009 a 2011.

Na modelagem pelo método de defasagem simples, observamos um efeito cíclico de redução e aumento a cada três dias, tanto para as internações quanto para os óbitos associados ao aumento linear de PM2,5. Contudo, o efeito apresentou-se mais agudo para as internações. As internações por DC apresentaram %RR 2,28 (IC95% 0,53–4,06) para o mesmo dia de exposição (Lag0) e %RR 2,00 (IC95% 0,31–3,71) para a defasagem simples de um dia (Lag1). A mortalidade apresentou %RR 3,57 (IC95% 0,82–6,38) para a defasagem simples de três dias (Lag3) (Figura 1).

Figura 1
Risco relativo percentual (%RR) para internação e mortalidade por doenças cardiovasculares relacionadas a incrementos de 10 µg/m3 de PM2,5 por defasagem simples. Cuiabá e Várzea Grande, MT, Brasil, 2009 a 2011.

O %RR acumulado para o período de 10 dias foi 1,81 (IC95% 0,03–3,61) para óbitos e 2,64 (IC95% 1,60–3,69) para as internações relacionados ao aumento do PM2,5. O método de defasagens distribuídas reforçou o padrão agudo do efeito para as internações. Observou-se aumento no %RR da mortalidade a partir do segundo dia de exposição e diminuição do %RR para as internações ao longo dos dias (Figura 2).

Figura 2
Risco relativo percentual (%RR) para mortalidade e internação por doenças cardiovasculares relacionadas a incrementos de 10 µg/m3 de PM2,5 por distribuição polinomial. Cuiabá e Várzea Grande, MT, Brasil, 2009 a 2011.

Na estação seca, cerca de 50% das observações da temperatura máxima estiveram entre 34,8°C e 39,10°C, enquanto aproximadamente 50% dos dados de umidade relativa do ar estiveram entre 66% e 51%. A estação chuvosa apresentou cerca de 50% das observações entre 33°C e 36,4°C, enquanto aproximadamente 50% dos dados de umidade relativa do ar estiveram entre 77% e 65%. A média de PM2,5 foi de 18,71 µg/m3 (DP = 19,59 µg/m3) e 14,88 µg/m3 (DP = 7,18 µg/m3) nas estações seca e chuvosa, respectivamente.

Os resultados das análises de efeito modificador mostraram que a temperatura, a umidade e a estação do ano podem apresentar efeitos sinérgicos tanto das internações quanto dos óbitos por DC relacionados ao PM2,5. O %RR da mortalidade por DC relacionado ao PM2,5 foi 4,90 (IC95% -0,61–9,38) em dias cuja temperatura máxima esteve acima de 37,9°C. O %RR da mortalidade e das internações por DC relacionado ao PM2,5 foram 5,35 (IC95% -0,20–11,22) e 2,71 (IC95% -0,39–5,92), respectivamente, em dias com umidade relativa do ar abaixo de 54,5%. Durante a estação seca, foi observado %RR 3,43 (IC95% 0,58–6,35) para a mortalidade e %RR 2,35 (IC95% 0,59–4,15) para as internações. Não foi observada modificação de efeito do PM2,5 pela temperatura máxima relacionada às internações (Tabela 3).

Tabela 3
Risco relativo percentual (%RR) e intervalos de confiança (IC) dos efeitos sinérgicos da estação do ano, temperatura máxima e umidade para internação e mortalidade por doenças cardiovasculares relacionadas a incrementos de 10 µg/m3 de PM2,5 por defasagem simples. Cuiabá e Várzea Grande, MT, Brasil, 2009 a 2011.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo reforçam achados da literatura internacional55. Franchini M, Mannucci PM. Air pollution and cardiovascular diseases. Thromb Res. 2012;129(3):230-4. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011....
e brasileira1111. Nardocci AC, Freitas CU, Ponce de Leon ACM, Monteiro AC, Junger WL, Gouveia NC. Poluição do ar e doenças respiratórias e cardiovasculares: estudo de séries temporais em Cubatão, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2013;29(9):1867-76. https://doi.org/10.1590/0102-311X00150012
https://doi.org/10.1590/0102-311X0015001...
,2020. Romieu I, Gouveia N, Cifuentes LA, Leon AP, Junger W, Vera J, et al. Multicity study of air pollution and mortality in Latin America (the ESCALA study). Res Rep Health Eff Inst. 2012;(171):5-86 ao apontar a relação entre PM2,5 e o aumento do risco de internação e mortalidade por DC em adultos com 45 anos ou mais de idade. Os efeitos adversos do PM sobre as internações por DC coincidiram com o mesmo dia do aumento do poluente (Lag0) e diminuíram o risco nos dias subsequentes, enquanto os efeitos do PM sobre a mortalidade por DC aumentou após o aumento do poluente, culminando em mortalidade, principalmente, depois do terceiro dia de exposição (lag3). Essa relação corrobora a literatura, indicando que as DC são desfechos mais inespecíficos e com muitas causas associadas55. Franchini M, Mannucci PM. Air pollution and cardiovascular diseases. Thromb Res. 2012;129(3):230-4. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011....
. Assim, apesar de ambos os desfechos estarem relacionados a casos mais graves, as internações apresentam caráter agudo, enquanto a mortalidade pode estar associada à complicação dos agravos2020. Romieu I, Gouveia N, Cifuentes LA, Leon AP, Junger W, Vera J, et al. Multicity study of air pollution and mortality in Latin America (the ESCALA study). Res Rep Health Eff Inst. 2012;(171):5-86.

O calor apresentou efeito sinérgico com o PM2,5 sobre a mortalidade por DC neste estudo. Esse sinergismo entre temperatura e a mortalidade por DC ainda é controverso na literatura científica, mas alguns autores observaram que efeitos adversos do material particulado podem ser mais aparentes em estações mais quentes88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
,2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
e em temperaturas mais altas1010. Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ. 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012...
,1717. Ren C, Tong S. Temperature modifies the health effects of particulate matter in Brisbane, Australia. Int J Biometeorol. 2006;51(2):87-96. https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-...
. Ren e Tong1717. Ren C, Tong S. Temperature modifies the health effects of particulate matter in Brisbane, Australia. Int J Biometeorol. 2006;51(2):87-96. https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-...
observaram %RR de 2,32 (IC95% -0,26–4,97) para internações por DC e 6,95 (IC95% 0,95–13,33) para mortalidade por DC relacionada ao PM10 em dias com temperatura acima de 27°C em Brisbane, Austrália, entre 1996 e 2001. Meng et al.1010. Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ. 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012...
observaram cerca de %RR de 1,57% (IC95% 0,69–2,46) para a mortalidade cardiovascular relacionada ao PM10 em dias com temperatura acima de 30°C (> percentil 95) para oito cidades da China entre 2001 e 2008, cujo %RR foi de 3,19% (IC95% 2,55–3,84) para a cidade de Wuhan. Nos Estados Unidos, foi observado, em um estudo ecológico realizado para 207 cidades, aumento da mortalidade por DC relacionada ao PM2,5 nas cidades com maiores temperaturas médias88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
.

A modificação dos efeitos do PM2,5 por altas temperaturas na saúde humana pode estar relacionada à resposta direta ou indireta do organismo ao estresse proveniente do calor1818. Roberts S. Interactions between particulate air pollution and temperature in air pollution mortality time series studies. Environ Res. 2004;96(3):328-37. https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01.015
https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01...
. A termorregulação corporal está diretamente ligada à regulação circulatória de um indivíduo. Dessa forma, dias quentes podem sobrecarregar o sistema corpóreo de regulação da temperatura e alterar a resposta fisiológica aos agentes tóxicos, aumentando a vulnerabilidade individual aos efeitos do PM44. Cheng X, Su H. Effects of climatic temperature stress on cardiovascular diseases. Eur J Intern Med. 2010;21(3):164-7. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2010.03.001
https://doi.org/10.1016/j.ejim.2010.03.0...
,1717. Ren C, Tong S. Temperature modifies the health effects of particulate matter in Brisbane, Australia. Int J Biometeorol. 2006;51(2):87-96. https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-...
. Em dias mais quentes também pode ocorrer uma maior exposição à poluição atmosférica devido à propensão das pessoas a manterem as janelas abertas ou a passar mais tempo ao ar livre2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
. Alguns estudos sugerem que a alta temperatura também pode ser considerada uma medida indireta da composição das partículas atmosféricas urbanas88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
, uma vez que associam-se fortemente ao carbono e sulfato orgânico e elementar2424. Tai APK, Mickley LJ, Jacob DJ. Correlations between fine particulate matter (PM2.5) and meteorological variables in the United States: implications for the sensitivity of PM2.5 to climate change. Atmos Environ. 2010;44(32):3976-84. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010.06.060
https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010....
, ao ozônio33. Bell ML, McDermott A, Zeger SL, Samet JM, Dominici F. Ozone and short-term mortality in 95 US urban communities, 1987-2000. JAMA. 2004;292(19):2372-8. https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372
https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372...
e à concentração das partículas semi-voláteis2121. Seinfeld JH, Pandis SN. Atmospheric chemistry and physics: from air pollution to climate change. Hoboken (NJ): Wiley; 2006..

Nossos resultados apresentaram evidências de que a ação do PM2,5 sobre as internações e a mortalidade por DC pode ser exacerbada em dias de baixa umidade relativa do ar (abaixo de 54,5%). Os efeitos da umidade relacionados à prevalência de hospitalizações e à mortalidade, assim como seu impacto sobre os efeitos da poluição, são pouco relatados na literatura. Qiu et al.1414. Qiu H, Yu IT, Wang X, Tian L, Tse LA, Wong TW. Cool and dry weather enhances the effects of air pollution on emergency IHD hospital admissions. Int J Cardiol. 2013;168(1):500-5. https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09.199
https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09...
, na China, observaram aumento de 1,67 (IC95% 1,26–2,08) nas admissões de emergência por doenças isquêmicas do coração relacionadas ao PM10 em dias em que a umidade relativa do ar encontrava-se abaixo de 80%. Ravljen et al.1616. Ravljen M, Bilban M, Kajfež-Bogataj L, Hovelja T, Vavpotič D. Influence of daily individual meteorological parameters on the incidence of acute coronary syndrome. Int J Environ Res Public Health. 2014;11(11):11616-26. https://doi.org/10.3390/ijerph111111616
https://doi.org/10.3390/ijerph111111616...
, na Eslovênia, identificaram que o aumento de 1% na umidade média diária diminui em cerca de 3‰ (IC95% -6,00–-1,00) a incidência diária de síndrome coronariana aguda. Em Cuiabá e Várzea Grande, Rodrigues et al.1919. Rodrigues PCO, Santos ES, Ignotti E, Hacon SS. Space-time analysis to identify areas at risk of mortality from cardiovascular disease. BioMed Res Int. 2015;2015:ID 841645. https://doi.org/10.1155/2015/841645
https://doi.org/10.1155/2015/841645...
observaram que clusters temporais de alto risco para mortalidade por DC apresentaram maiores médias diárias de PM2,5 e menores médias diárias na umidade relativa do ar. Entretanto, a comparação entre esses resultados é dificultada devido às grandes diferenças metodológicas utilizadas.

A sazonalidade é descrita por vários autores como modificadora dos efeitos do PM associados às internações e à mortalidade por DC88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
,2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
,2424. Tai APK, Mickley LJ, Jacob DJ. Correlations between fine particulate matter (PM2.5) and meteorological variables in the United States: implications for the sensitivity of PM2.5 to climate change. Atmos Environ. 2010;44(32):3976-84. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010.06.060
https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010....
. Alguns estudos apontam as estações do ano como medidas indiretas da temperatura, como Kioumourtzoglou et al.88. Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology. 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
https://doi.org/10.1097/EDE.000000000000...
, nos EUA, e Staffogia et al.2323. Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol. 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
https://doi.org/10.1093/aje/kwn074...
, na Itália, que encontraram aumento da mortalidade por DC relacionada ao PM2,5 e ao PM10, respectivamente, no verão. Estudos de especiação da química atmosférica sugerem que pode ocorrer a prevalência de componentes mais tóxicos em concentrações mais elevadas durante diferentes épocas do ano, de acordo com as características climáticas e de emissões de poluentes de cada local, sendo a prevalência de chuva o mecanismo mais eficaz para a deposição dos poluentes1515. Qiu H, Yu IT, Wang X, Tian L, Tse LA, Wong TW. Differential effects of fine and coarse particles on daily emergency cardiovascular hospitalizations in Hong Kong. Atmos Environ. 2013;64:296-302. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2012.09.060
https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2012....
,2424. Tai APK, Mickley LJ, Jacob DJ. Correlations between fine particulate matter (PM2.5) and meteorological variables in the United States: implications for the sensitivity of PM2.5 to climate change. Atmos Environ. 2010;44(32):3976-84. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010.06.060
https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010....
,2525. Villalobos AM, Barraza F, Jorquera H, Schauer JJ. Chemical speciation and source apportionment of fine particulate matter in Santiago, Chile, 2013. Sci Total Environ. 2015;512-513:133-42. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2015.01.006
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2015...
. Os achados deste estudo mostram que a estação seca pode aumentar tanto as internações quanto os óbitos por DC relacionados ao PM2,5, o que é compatível com ambas as hipóteses. Em primeiro lugar, porque a estação seca também apresentou temperaturas mais elevadas que a estação chuvosa em nosso banco de dados. Em segundo lugar, porque o período de seca é, também, o período com maior prevalência de queimadas nos municípios e nas regiões Norte e Centro-Oeste do país.

Deve ser levado em consideração que podem existir outras fontes de poluição do ar, como o tráfego veicular, queima de lixo urbano ou o próprio transporte de poluentes atmosféricos provenientes da queima de biomassa e emissões industriais de cidades vizinhas. Apesar de também influenciarem de maneira importante a morbimortalidade por DC, essas fontes não foram contabilizadas em nossas análises, pois não haviam dados disponíveis sobre estas variáveis. A condição climática local também deve ser considerada. Cuiabá e Várzea Grande estão localizadas em uma depressão com extensos chapadões à sua borda e apresentam grande periodicidade de situações de estabilidade atmosférica (céu limpo e baixa velocidade do vento), o que pode dificultar a dispersão dos poluentes e aumentar a incidência de ilhas de calor e episódios de inversão térmica. Além disso, a estação seca pode caracterizar uma medida indireta dos efeitos da baixa umidade1919. Rodrigues PCO, Santos ES, Ignotti E, Hacon SS. Space-time analysis to identify areas at risk of mortality from cardiovascular disease. BioMed Res Int. 2015;2015:ID 841645. https://doi.org/10.1155/2015/841645
https://doi.org/10.1155/2015/841645...
,2222. Silva AMC, Mattos IE, Freitas SR, Longo KM, Hacon SS. Material particulado (PM2,5) de queima de biomassa e doenças respiratórias no sul da Amazônia brasileira. Rev Bras Epidemiol . 2010;13(2):337-51. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000200015
https://doi.org/10.1590/S1415-790X201000...
, também observados neste estudo.

Como limitações do estudo, podemos destacar o viés de preenchimento inerente ao uso da base de dados de internações e mortalidade do SUS que pode não retratar precisamente a distribuição das variáveis estudadas. No entanto, estudos têm indicado confiabilidade dos dados contidos nos sistemas de informação de saúde99. Lemos C, Chaves LDP, Azevedo ALCS. Sistemas de informação hospitalar no âmbito do SUS: revisão integrativa de pesquisas. Rev Eletron Enferm [Internet]. 2010 [cited 2015 Dec 17];12(1):177-85. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a22.htm
http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12...
. Outro ponto importante está relacionado à utilização de valores estimados para o PM, obtidos por técnicas de sensoriamento remoto, que podem subestimar ou não condizer com valores reais da exposição pessoal; contudo, seu uso mostra-se factível e vantajoso tanto para este estudo, quanto para regiões remotas que não apresentam estações de monitoramento atmosférico11. Andrade Filho VS, Artaxo P, Hacon S, Carmo CN, Cirino G. Aerosols from biomass burning and respiratory diseases in children, Manaus, Northern Brazil. Rev Saude Publica. 2013;47(2):239-47. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004011
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20130...
,22. Baars H, Ansmann A, Althausen D, Engelmann R, Heese B, Müller D, et al. Aerosol profiling with lidar in the Amazon Basin during the wet and dry season. J Geophys Res Atmospheres. 2012;117(D21):1-16. https://doi.org/10.1029/2012JD018338
https://doi.org/10.1029/2012JD018338...
. É importante mencionar que o caráter ecológico das nossas análises não permite identificar qualquer efeito causal, ou seja, a associação observada entre os agregados não significa que a mesma associação ocorra em nível individual.

Concluiu-se que o PM2,5 apresenta associação com internações e a mortalidade por DC em cidades de porte médio. A baixa umidade relativa do ar e a estação seca podem aumentar tanto as internações quanto os óbitos por DC relacionados ao PM2,5. O calor está relacionado ao aumento do risco de mortalidade por DC associado ao PM2,5.

Este é o primeiro estudo que aborda as interações dos fatores climáticos com a poluição na região do Cerrado. A utilização de dados estimados para a poluição, obtidos por técnicas de sensoriamento remoto, proporciona resultados compatíveis aos encontrados em outros estudos ecológicos, indicando que essa ferramenta é eficaz na obtenção das concentrações de PM. Os resultados desta pesquisa podem ser utilizados para uma avaliação acerca do aprimoramento da qualidade dos dados de mortalidade por DC e de poluição atmosférica, para fundamentar estudos futuros e, principalmente, para auxiliar no planejamento de estratégias voltadas à mitigação do impacto da poluição do ar na saúde humana.

Referências bibliográficas

  • 1
    Andrade Filho VS, Artaxo P, Hacon S, Carmo CN, Cirino G. Aerosols from biomass burning and respiratory diseases in children, Manaus, Northern Brazil. Rev Saude Publica 2013;47(2):239-47. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004011
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004011
  • 2
    Baars H, Ansmann A, Althausen D, Engelmann R, Heese B, Müller D, et al. Aerosol profiling with lidar in the Amazon Basin during the wet and dry season. J Geophys Res Atmospheres 2012;117(D21):1-16. https://doi.org/10.1029/2012JD018338
    » https://doi.org/10.1029/2012JD018338
  • 3
    Bell ML, McDermott A, Zeger SL, Samet JM, Dominici F. Ozone and short-term mortality in 95 US urban communities, 1987-2000. JAMA 2004;292(19):2372-8. https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372
    » https://doi.org/10.1001/jama.292.19.2372
  • 4
    Cheng X, Su H. Effects of climatic temperature stress on cardiovascular diseases. Eur J Intern Med. 2010;21(3):164-7. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2010.03.001
    » https://doi.org/10.1016/j.ejim.2010.03.001
  • 5
    Franchini M, Mannucci PM. Air pollution and cardiovascular diseases. Thromb Res 2012;129(3):230-4. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
    » https://doi.org/10.1016/j.thromres.2011.10.030
  • 6
    Ignotti E, Valente JG, Longo KM, Freitas SR, Hacon SS, Artaxo Netto P. Impact on human health of particulate matter emitted from burnings in the Brazilian Amazon region. Rev Saude Publica 2010;44(1):121-30. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000100013
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000100013
  • 7
    Junger W, Leon AP. Ares: a library for time series analysis in air pollution and health effects studies using R. Epidemiology 2009;20(6):S217. https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
    » https://doi.org/10.1097/01.ede.0000362727.55583.4a
  • 8
    Kioumourtzoglou MA, Schwartz J, James P, Dominici F, Zanobetti A. PM2.5 and mortality in 207 US cities: modification by temperature and city characteristics. Epidemiology 2016;27(2):221-7. https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
    » https://doi.org/10.1097/EDE.0000000000000422
  • 9
    Lemos C, Chaves LDP, Azevedo ALCS. Sistemas de informação hospitalar no âmbito do SUS: revisão integrativa de pesquisas. Rev Eletron Enferm [Internet]. 2010 [cited 2015 Dec 17];12(1):177-85. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a22.htm
    » http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a22.htm
  • 10
    Meng X, Zhang Y, Zhao Z, Duan X, Xu X, Kan H. Temperature modifies the acute effect of particulate air pollution on mortality in eight Chinese cities. Sci Total Environ 2012;435-436:215-21. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
    » https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2012.07.008
  • 11
    Nardocci AC, Freitas CU, Ponce de Leon ACM, Monteiro AC, Junger WL, Gouveia NC. Poluição do ar e doenças respiratórias e cardiovasculares: estudo de séries temporais em Cubatão, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2013;29(9):1867-76. https://doi.org/10.1590/0102-311X00150012
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00150012
  • 12
    Nunes KVR, Ignotti E, Hacon SS. Circulatory disease mortality rates in the elderly and exposure to PM2.5 generated by biomass burning in the Brazilian Amazon in 2005. Cad Saude Publica 2013;29(3):589-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000300016
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000300016
  • 13
    Pinheiro SLLA, Saldiva PHN, Schwartz J, Zanobetti A. Isolated and synergistic effects of PM10 and average temperature on cardiovascular and respiratory mortality. Rev Saude Publica 2014;48(6):881-8. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005218
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005218
  • 14
    Qiu H, Yu IT, Wang X, Tian L, Tse LA, Wong TW. Cool and dry weather enhances the effects of air pollution on emergency IHD hospital admissions. Int J Cardiol 2013;168(1):500-5. https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09.199
    » https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09.199
  • 15
    Qiu H, Yu IT, Wang X, Tian L, Tse LA, Wong TW. Differential effects of fine and coarse particles on daily emergency cardiovascular hospitalizations in Hong Kong. Atmos Environ 2013;64:296-302. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2012.09.060
    » https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2012.09.060
  • 16
    Ravljen M, Bilban M, Kajfež-Bogataj L, Hovelja T, Vavpotič D. Influence of daily individual meteorological parameters on the incidence of acute coronary syndrome. Int J Environ Res Public Health 2014;11(11):11616-26. https://doi.org/10.3390/ijerph111111616
    » https://doi.org/10.3390/ijerph111111616
  • 17
    Ren C, Tong S. Temperature modifies the health effects of particulate matter in Brisbane, Australia. Int J Biometeorol 2006;51(2):87-96. https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
    » https://doi.org/10.1007/s00484-006-0054-7
  • 18
    Roberts S. Interactions between particulate air pollution and temperature in air pollution mortality time series studies. Environ Res 2004;96(3):328-37. https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01.015
    » https://doi.org/10.1016/j.envres.2004.01.015
  • 19
    Rodrigues PCO, Santos ES, Ignotti E, Hacon SS. Space-time analysis to identify areas at risk of mortality from cardiovascular disease. BioMed Res Int 2015;2015:ID 841645. https://doi.org/10.1155/2015/841645
    » https://doi.org/10.1155/2015/841645
  • 20
    Romieu I, Gouveia N, Cifuentes LA, Leon AP, Junger W, Vera J, et al. Multicity study of air pollution and mortality in Latin America (the ESCALA study). Res Rep Health Eff Inst 2012;(171):5-86
  • 21
    Seinfeld JH, Pandis SN. Atmospheric chemistry and physics: from air pollution to climate change. Hoboken (NJ): Wiley; 2006.
  • 22
    Silva AMC, Mattos IE, Freitas SR, Longo KM, Hacon SS. Material particulado (PM2,5) de queima de biomassa e doenças respiratórias no sul da Amazônia brasileira. Rev Bras Epidemiol . 2010;13(2):337-51. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000200015
    » https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000200015
  • 23
    Stafoggia M, Schwartz J, Forastiere F, Perucci CA; SISTI Group. Does temperature modify the association between air pollution and mortality? A multicity case-crossover analysis in Italy. Am J Epidemiol 2008;167(12):1476-85. https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
    » https://doi.org/10.1093/aje/kwn074
  • 24
    Tai APK, Mickley LJ, Jacob DJ. Correlations between fine particulate matter (PM2.5) and meteorological variables in the United States: implications for the sensitivity of PM2.5 to climate change. Atmos Environ 2010;44(32):3976-84. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010.06.060
    » https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2010.06.060
  • 25
    Villalobos AM, Barraza F, Jorquera H, Schauer JJ. Chemical speciation and source apportionment of fine particulate matter in Santiago, Chile, 2013. Sci Total Environ 2015;512-513:133-42. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2015.01.006
    » https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2015.01.006

  • Financiamento: Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (convênio FINEP/Rede CLIMA 01.08.0405.01).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2017

Histórico

  • Recebido
    3 Fev 2016
  • Aceito
    2 Out 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br