Caracterização da institucionalização da assistência farmacêutica na atenção básica no Brasil

Gisélia Santana Souza Ediná Alves Costa Rafael Damasceno de Barros Marcelo Tavares Pereira Joslene Lacerda Barreto Augusto Afonso Guerra Junior Francisco de Assis Acurcio Ione Aquemi Guibu Juliana Álvares Karen Sarmento Costa Margô Gomes de Oliveira Karnikowski Orlando Mario Soeiro Silvana Nair Leite Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar o estágio atual da institucionalização da assistência farmacêutica nos municípios brasileiros.

MÉTODOS

Artigo integrante da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos, um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações numa amostra representativa de municípios estratificada pelas regiões do Brasil. Foram entrevistados os secretários municipais de saúde, responsáveis pela assistência farmacêutica e farmacêuticos responsáveis pela dispensação dos medicamentos. As variáveis selecionadas das entrevistas foram agrupadas em cinco dimensões, definindo-se três estágios de institucionalização da assistência farmacêutica: incipiente (0–34%), parcial (35%–69%), avançada (70%–100%), estimados com base nas respostas dos entrevistados. Foram estimadas frequências com intervalos de 95% de confiança. Para análise de associação estatística aplicou-se o teste do qui-quadrado, com nível de significância de p < 0,05.

RESULTADOS

Os resultados mostram um processo heterogêneo e parcial da institucionalização da assistência farmacêutica no Brasil e grau avançado nas estruturas formais, como nos planos municipais de saúde e existência de lista padronizada de medicamentos. As variáveis analisadas na dimensão organização, estrutura e financiamento configuraram estágios que variam de parcial a avançado. A gestão apresentou grau parcial de institucionalização, revelando positivamente a existência de sistema informatizado, e resultados discrepantes no tocante à autonomia na gestão dos recursos financeiros. Itens imprescindíveis relacionados à estrutura expressaram disparidades entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes.

CONCLUSÕES

O estudo mostrou um processo de institucionalização heterogêneo e parcial da assistência farmacêutica em municípios brasileiros, revelando desigualdades regionais. Destacaram-se positivamente as variáveis relacionadas aos aspectos normativos da institucionalização em todas as dimensões, entretanto faz-se necessário novos estudos para avaliar a institucionalização das atividades finalísticas da assistência farmacêutica.

Gestor de Saúde; Assistência Farmacêutica, organização & administração; Atenção Primária à Saúde; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

A trajetória da assistência farmacêutica no Brasil aponta avanços e desafios para sua consolidação como política de Estado, cujo objetivo é a atenção integral à saúde da população. Evidências no âmbito político, administrativo e social indicam um movimento gradual de institucionalização da assistência farmacêutica (AF), consentâneo com o processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), visando a garantia do acesso aos medicamentos e seu uso racional2525. Negri B. Política federal de assistência farmacêutica: 1990 a 2002. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. (Série B. Textos Básicos de Saúde).,2626. Oliveira MA, Bermudez JAZ, Osório-de-Castro CGS. Assistência farmacêutica e acesso a medicamentos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007..

A institucionalização da AF vem sendo induzida pelo Ministério da Saúde nas últimas décadas. Ações político-normativas tiveram repercussão no financiamento, na estruturação e organização dos serviços farmacêuticos nos diversos espaços operativos do SUS. Esse processo se afirma com uma série de iniciativas, a publicação da Política Nacional de Medicamentos1919. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.916 de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diario Oficial Uniao. 10 nov 1998 [cited 19 mar 2017]. Seção 1. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html
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, a realização da I Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica2323. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica: relatório final: efetivando o acesso, a qualidade e a humanização na assistência farmacêutica, com controle social. Brasília (DF); Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde; 2005 [cited 19 mar 2017]. (Série D. Reuniões e Conferências). Available from: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/confer_nacional_de%20medicamentos.pdf
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e a aprovação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica2222. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº 338, de 06 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Diario Oficial Uniao. 20 maio 2004 [cited 19 mar 2017]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2004/res0338_06_05_2004.html
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, assim como a obrigatoriedade da adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), atualizada a cada dois anos, como parâmetro para o acesso aos medicamentos.

A criação do Departamento de Assistência Farmacêutica pelo Ministério da Saúde, em 2003, é vista como um passo importante para a institucionalização da AF ao dotá-lo de estruturas próprias para condução desta política 3232. Santana RS, Lobo IMF, Penaforte TR, Leite SN, Silva WB. A institucionalização da seleção de medicamentos em hospitais públicos por meio do planejamento estratégico situacional. Rev Adm Publica. 2014;48(6):1587-603. https://doi.org/10.1590/0034-76121596
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. O financiamento, elemento fundamental para a sustentação da política de acesso aos medicamentos, também é indutor da institucionalização da AF no SUS. Por meio de portarias de financiamento específico para AF garantem-se recursos dos três níveis de gestão para a aquisição de medicamentos e a estruturação de serviços farmacêuticos no âmbito dos municípios. Destaca-se, neste processo, o Programa de Qualificação da Assistência Farmacêutica2424. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 1.214, de 13 de junho de 2012. Institui o Programa Nacional de Qualificação da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (QUALIFAR- SUS). Brasília (DF); 2012 [cited 19 mar 2017]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt1214_13_06_2012.html
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, com ações também de formação e qualificação de pessoal.

O processo de institucionalização necessita de avaliação, pois estruturas formais internalizadas no nível das organizações tenderiam a sustentar e dar permanência ao conjunto de ações, tais como as de AF, em organizações que compõem o SUS, nos seus diversos níveis de gestão e de atenção. Corrobora-se, assim, com Oliver que define atividades institucionalizadas como aquelas ações que tendem a ser duradouras, socialmente aceitas, resistentes à mudança e não diretamente dependentes de recompensas ou do monitoramento da sua permanência2727. Oliver C. Sustainable competitive advantage: combining institutional and resource-based views. Strateg Manage J. 1997;18(9):697-713. Available from: https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0266(199710)18:93.0.CO;2-C
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.

Em um estudo visando desenvolver uma proposta de monitoramento e avaliação normativa da AF básica, no estado de Mato Grosso, Freitas1313. Freitas PS. A assistência farmacêutica básica no Estado de Mato Grosso: uma proposta de monitoramento e avaliação [dissertação de mestrado profissional]. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva; 2003 [cited 19 mar 2017]. Available from: http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/handle/ri/13136
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considerou a institucionalização da AF um componente transversal que perpassa o seu ciclo logístico e se estende às ações que garantam a sustentabilidade da área, tais como a formalização no organograma da Secretaria Municipal de Saúde, a legalização da rede farmacêutica municipal e a participação em instâncias deliberativas da saúde.

Ao defender a institucionalização da avaliação em saúde, Contrandiopoulos88. Contandriopoulos AP. Avaliando a institucionalização da avaliação. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(3):705-11. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000300017
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afirma que a institucionalização desta prática ocorrerá se a avaliação for incorporada à rotina das organizações de saúde, de modo a integrar o processo de planejamento e gestão das políticas e programas.

Na área de AF poucos são os estudos acerca de institucionalização. Em um relato de experiência no tema da seleção de medicamentos em hospitais públicos de Sergipe, destacou-se a importância do instrumental teórico-metodológico do Planejamento Estratégico Situacional para implantação e consolidação das Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT), uma ferramenta essencial na institucionalização do processo de seleção de medicamentos3232. Santana RS, Lobo IMF, Penaforte TR, Leite SN, Silva WB. A institucionalização da seleção de medicamentos em hospitais públicos por meio do planejamento estratégico situacional. Rev Adm Publica. 2014;48(6):1587-603. https://doi.org/10.1590/0034-76121596
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A AF como componente transversal no SUS, tendo o medicamento como insumo estratégico, induz outras políticas setoriais, especialmente de desenvolvimento científico e tecnológico2020. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Políticas de Saúde. Política Nacional de Medicamentos. Rev Saude Publica. 2000;34(2):206-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000200018
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. A sua institucionalização, no curso da descentralização das ações de saúde, tem-se mostrado um processo necessário para a melhoria do desempenho do sistema de saúde como um todo, na busca da universalidade e integralidade da atenção1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011..

Os processos de institucionalização têm em comum alguns elementos que os caracterizam, sejam na trajetória de institucionalização de uma política, de programas ou de uma determinada prática no âmbito das organizações. Mediante regras e adoção de estruturas formais de políticas, programas e práticas, as normalizações são indutoras da internalização de valores, hábitos e cultura que são incorporados à rotina das organizações22. Berger PL, Luckmann T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 2.ed. Petrópolis: Vozes; 1974.,3434. Tolbert PS, Zucker LG. A institucionalização da teoria institucional. In: Clegg SR, Hardy C, Nordy WR, organizadores. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas; 1999. v.1, p.196-219..

A problematização do processo de institucionalização da AF requer que se tome como pressuposto o seu caráter transversal e sistêmico, considerando a internalização de procedimentos e de rotinas nas organizações que compõem os diversos espaços operativos do SUS. Envolve um conjunto de atividades de planejamento e gestão dos serviços farmacêuticos e, também, de práticas que necessitam de competências técnicas e gerenciais que deem conta da seleção, programação, aquisição, dispensação dos medicamentos e de atividades de planejamento terapêutico, de caráter clínico, visando o uso racional dos medicamentos.

Tais estudos podem contribuir para evidenciar o desempenho das ações governamentais na implementação e sustentabilidade das políticas de AF. Este artigo teve por objetivo caracterizar o estágio atual da institucionalização da assistência farmacêutica nos sistemas municipais de saúde no Brasil, buscando contribuir com o debate acerca da implementação das políticas de AF.

MÉTODOS

Este artigo integra a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) – componente Serviços 2015, cujo objetivo foi caracterizar a organização dos serviços de AF na atenção básica no SUS, com vistas ao acesso a medicamentos e promoção do seu uso racional, bem como identificar e discutir os fatores que interferem na consolidação da AF no âmbito municipal.

A PNAUM é um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações numa amostra de serviços de atenção básica, em municípios representativos das regiões do Brasil, com observação direta dos serviços farmacêuticos e entrevistas; com amostra planejada de 600 municípios, realizada entre 2014 e 2015. Desses 600 municípios foram selecionados 300 para um inquérito em serviços de saúde, com entrevistas presenciais com usuários, médicos, responsáveis pela dispensação de medicamentos, e observações diretas de aspectos estruturais.

Foram selecionadas as 27 capitais, 0,5% dos maiores municípios de cada região e foi feito um sorteio dos demais municípios. O cálculo do tamanho da amostra representativa nacional considerou três níveis: municípios, serviços de dispensação de medicamentos e usuários. O processo de amostragem buscou a maior aleatorização possível. As entrevistas foram realizadas por pessoal capacitado com a utilização de um questionário estruturado para cada grupo de entrevistados: de modo presencial com o responsável pela entrega de medicamentos, médicos e usuários e por telefone com o responsável pela assistência farmacêutica (RAF) e o secretário municipal de saúde (SMS). Maior detalhamento pode ser obtido no artigo de Álvares et al.11. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Junior AA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:4s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007027
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No presente artigo foram utilizados dados das entrevistas realizadas com SMS, RAF e responsáveis pela entrega de medicamentos; neste caso, utilizou-se apenas o grupo dos farmacêuticos, visto que a variável analisada não se aplicava aos demais profissionais. Quanto aos SMS, os dados foram utilizados apenas para o Brasil devido ao percentual de entrevistados não ser representativo por região. No caso dos RAF, o percentual de entrevistados foi representativo, permitindo o uso dos dados para caracterizar a institucionalização nas cinco regiões assim como no Brasil.

Foi necessária a elaboração de um conceito operacional para a institucionalização da AF nos municípios, de modo a expressar as dimensões necessárias à caracterização do seu estágio.

Para fins de análise, definiu-se a institucionalização da AF municipal como um processo social, político e técnico-administrativo que se expressa na criação de estruturas formais nos sistemas de saúde municipais, na organização, estruturação e financiamento de serviços farmacêuticos, em ferramentas de gestão, no desenvolvimento de práticas e atividades inerentes à AF, na participação e controle social, visando a atenção integral à saúde.

Os elementos operacionais foram organizados em cinco dimensões, com as variáveis selecionadas, objetivando caracterizar a institucionalização da assistência farmacêutica no nível municipal (Tabela 1).

Tabela 1
Dimensões e variáveis selecionadas para a caracterização da institucionalização da assistência farmacêutica no nível municipal. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Na análise dos dados para a caracterização da institucionalização da AF, no referente à CFT considerou-se apenas as respostas afirmativas da existência desta estrutura, desconsiderando-se referências a processos de implementação. Quanto à autonomia da coordenação de AF na gestão dos recursos financeiros (ferramenta de gestão) considerou-se como “sim” as respostas dadas de autonomia total ou parcial. Na variável CMS (Conselho Municipal de Saúde), a qual discute e delibera sobre AF, foram consideradas afirmativas as respostas “sempre” e “repetidamente”.

Com base no percentual obtido das médias das respostas positivas para cada variável, definiram-se três estágios de institucionalização da AF: incipiente (0–34%), parcial (35%–69%) e avançada (70%–100%). Os dados foram analisados utilizando-se o software SPSS®, versão 21, no módulo de análise para amostras complexas. Para análise de associação estatística aplicou-se o teste do qui-quadrado, com nível de significância de p < 0,05.

A PNAUM foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer 398.131/2013), procedendo-se esclarecimento aos entrevistados dos objetivos da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram entrevistados 369 SMS (61,5% da amostra estimada); 507 RAF (84,5% da amostra estimada); 1.139 responsáveis pela entrega de medicamentos (83,6% da amostra estimada); destes, 32,7% eram farmacêuticos.

A Tabela 2 apresenta as características da institucionalização da AF no Brasil, conforme as entrevistas com os RAF e os SMS. A Tabela 3 apresenta as características da institucionalização da AF nas regiões e no Brasil, segundo os RAF. No geral, a região Sudeste mostrou resultados mais positivos, enquanto a Norte resultados mais desfavoráveis.

Tabela 2
Institucionalização da assistência farmacêutica* no Brasil, segundo o responsável pela assistência farmacêutica (n = 507) e secretário municipal de saúde (n = 369). Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.
Tabela 3
Institucionalização da assistência farmacêuticaa no Brasil, segundo o responsável pela assistência farmacêutica. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015. (n =507)

Na dimensão estruturas formais da AF (Tabela 2), das cinco variáveis analisadas, três se destacam com médias acima de 80%: AF constando nos Planos Municipais de Saúde (PMS); existência de lista padronizada de medicamentos e coordenação da AF no organograma das secretarias municipais de saúde, com diferenças percentuais entre os informantes.

Quanto à AF constar nos PMS e existir lista padronizada de medicamentos, a distribuição nas regiões apresentou percentuais elevados e diferenças estatísticas significantes (Tabela 3). Destaca-se no Brasil o baixo percentual de CFT, segundo os RAF (13,2%) e os SMS (10,7 %), (Tabela 2). Este resultado contrasta com o elevado percentual de municípios com lista padronizada de medicamentos, podendo indicar a adoção de listas disponibilizadas no SUS, a exemplo da Rename do Ministério da Saúde.

Quanto à existência de Comissão Permanente de Licitação (CPL) exclusiva para a aquisição de medicamentos, o Brasil apresentou um percentual que varia de 37,7% a 40%, segundo os RAF e os SMS, respectivamente (Tabela 2). Nas regiões, o percentual mais baixo encontrou-se no Nordeste (Tabela 3).

Na dimensão organização, estrutura e financiamento, as variáveis analisadas (Tabela 2) mostraram que no Brasil o estágio da institucionalização da AF está entre parcial e avançado. Destacam-se na Tabela 3 os altos percentuais de farmacêuticos responsáveis pela AF nas regiões, o Nordeste com o menor percentual (83,7%), e diferenças estatísticas significantes. Entretanto, a PNAUM aponta que, no Brasil, pouco mais de 40% das farmácias/unidades dispensadoras de medicamentos contam com responsável técnico farmacêutico99. Correia MVC. Desafios para o controle social: subsídios para capacitação de conselheiros de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005..

Quanto ao financiamento da AF no Brasil, 86,4% dos RAF afirmaram aplicar o valor total da contrapartida financeira municipal; entre os SMS o percentual foi 97,1% (Tabela 2), estes percentuais variaram entre as regiões, sem diferenças estatísticas significantes (Tabela 3).

No tocante à aplicação dos recursos financeiros em estruturação dos serviços farmacêuticos, 54,8% dos RAF, afirmaram realizar estes gastos, para os SMS este percentual foi de 67,3% (Tabela 2). As regiões Norte e Sul estavam abaixo da média nacional (Tabela 3), sem diferenças estatísticas significantes entre as regiões.

A dimensão ferramentas de gestão apresenta um estágio parcial de institucionalização no Brasil. No geral a região que mais se destacou foi a Sudeste, com estágio avançado em cinco das nove variáveis analisadas, ao contrário da Norte (Tabela 3).

No Brasil, no que se refere à autonomia na gestão dos recursos financeiros pela coordenação da AF, encontrou-se discrepância entre os RAF (57,9%) e os SMS (68,3%), (Tabela 2). Neste componente notam-se grandes diferenças entre as regiões; 35,8% no Norte e 66,6% no Sul, sem significância estatística (Tabela 3).

Quanto à existência de sistema informatizado para a gestão da AF, os percentuais no Brasil ficaram acima de 70%, segundo ambos os entrevistados (Tabela 2). Entretanto, houve grandes diferenças entre as regiões, 88,8% no Sul e 40,1% no Norte (Tabela 3), com diferenças estatísticas significantes. Entre os RAF que afirmaram ter sistema informatizado de gestão da AF, apenas 16,3% disseram utilizar o Sistema Hórus, disponibilizado e recomendado pelo Ministério da Saúde.

A existência de protocolos operacionais padrões (POP) para as atividades de recebimento, armazenamento, distribuição e entrega de medicamentos (Tabela 3), estão acima de 67% no Brasil; com diferenças estatísticas significantes entre as regiões, com destaque para a Sudeste, em estágio avançado.

A PNAUM revelou situação preocupante quanto à qualificação dos profissionais que atuam na AF no Brasil. Apenas 11,9% RAF afirmaram haver ações de qualificação/capacitação de profissionais da AF, percentual que se eleva para 37,7% dos SMS (Tabela 2).

Observou-se pouca participação do RAF no processo de planejamento das demais áreas técnicas da saúde, confirmada por apenas 26,9% destes atores, sem diferenças estatísticas significantes (Tabela 3).

No Brasil, apenas 40,5% dos RAF informaram disponibilizar informações à população sobre os locais de entrega de medicamentos. As diferenças entre as regiões, no entanto não apresentaram significância estatística (Tabela 3).

Na dimensão controle e participação social, a PNAUM revelou, em três das quatro variáveis analisadas, que a institucionalização é incipiente no Brasil, segundo os RAF e, parcial, segundo os SMS (Tabela 2). Sobressaem os elevados percentuais alcançados para a variável relativa à prestação de contas da AF nos CMS, tanto para os RAF quanto para os SMS, com 82,8% e 93,5% respectivamente. Entretanto, o CMS discute e delibera sempre e repetidamente sobre AF para 42,3% dos RAF e 53,7% dos SMS.

Em relação à permeabilidade da AF aos usuários dos serviços, há uma grande diferença entre os atores, 68,2 % dos SMS e 40,7% dos RAF afirmaram existir mecanismos para receber críticas e sugestões sobre a AF. Já para receber críticas e sugestões dos trabalhadores da saúde, 63% dos SMS e 32,8% dos RAF responderam positivamente (Tabela 2). Observa-se que o Centro-Oeste e o Sul obtiveram resultados melhores, entretanto sem diferenças estatísticas significantes entre as regiões (Tabela 3).

A dimensão das práticas de AF foi investigada com a variável referente à realização de atividades de caráter clínico, respondida apenas pelos farmacêuticos responsáveis pela entrega do medicamento. Considerou-se um estágio de institucionalização incipiente, pois somente 21,3% dos farmacêuticos afirmaram desenvolver estas atividades.

DISCUSSÃO

O estudo evidenciou um quadro heterogêneo de institucionalização da AF nas regiões brasileiras. A dimensão das estruturas formais foi a melhor avaliada, Portela et al.3131. Portela AS, Leal AAF, Werner RPB, Medeiros ACD. Políticas públicas de medicamentos: trajetória e desafios. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2010 [cited 19 mar 2017];31(1):9-14. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/viewFile/930/930
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consideram que a presença da AF no organograma da SMS e a existência de estrutura organizacional própria caracterizaria a sua institucionalização. Entretanto, estruturas formais e regulamentações compõem uma dimensão e são passos iniciais do processo de institucionalização de uma política.

A pesquisa mostrou que nas estruturas formais da AF há variáveis que indicam estágio avançado de institucionalização e outras em estágio parcial ou incipiente, a exemplo da baixa existência de CFT.

A formalização da AF no organograma legitima sua atuação perante as demais áreas públicas, tornando-a visível à população e aos demais segmentos da saúde77. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (BR). Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília (DF): CONASS; 2007. (Coleção Progestores – Para Entender a Gestão do SUS, 7).. O baixo percentual da existência das CFT corrobora com Marques e Zucchi1717. Marques DC, Zucchi P. Comissões farmacoterapêuticas no Brasil: aquém das diretrizes internacionais. Rev Panam Salud Publica. 2006;19(1):58-63. https://doi.org/10.1590/S1020-49892006000100014
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que aponta as deficiências da estruturação destas comissões no Brasil, estruturas importantes para a seleção, padronização e uso racional de medicamentos, devendo ser adequada à situação nacional e local1717. Marques DC, Zucchi P. Comissões farmacoterapêuticas no Brasil: aquém das diretrizes internacionais. Rev Panam Salud Publica. 2006;19(1):58-63. https://doi.org/10.1590/S1020-49892006000100014
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. Porém, as dificuldades dos municípios brasileiros, quanto à organização e estrutura do sistema de saúde, podem dificultar a estruturação dessas comissões1616. Margarinos-Torres R, Pepe VLE, Oliveira MA, Osório-de-Castro CGS. Medicamentos essenciais e processo de seleção em prática de gestão da Assistência Farmacêutica em estados e municípios brasileiros. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(9):3859-68. https://doi.org/10.1590/1413-81232014199.12162013
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.

A seleção e aquisição de medicamentos são momentos do ciclo logístico da AF. A seleção deve resultar em uma lista padronizada que orienta a aquisição, que, por sua vez, se efetiva no processo de compra dos medicamentos em quantidade e qualidade adequadas e menor custo, visando a regularidade e funcionamento do sistema de suprimento1919. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.916 de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diario Oficial Uniao. 10 nov 1998 [cited 19 mar 2017]. Seção 1. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html
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. A ausência da CPL exclusiva poderá dificultar a execução dos recursos financeiros destinados à aquisição de medicamentos, pela possibilidade da não priorização desse item em meio às compras dos diversos órgãos da administração pública municipal.

A dimensão da organização, estrutura e financiamento da AF revela os percentuais mais desfavoráveis na variável relacionada aos gastos com estruturação dos serviços. A falta de estruturação adequada da AF pode refletir nas condições de trabalho e na situação sanitária dos medicamentos, com riscos de perdas e em sua utilização1010. Costa EA, Araújo PS, Pereira MT, Souto AC, Souza GS, Guerra Junior AA, et al. Situação sanitária dos medicamentos na atenção básica no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:12s. https://doi.org/10.11606/S01518-8787.2017051007106
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.

Apesar da diferença entre os atores quanto à aplicação da contrapartida financeira da AF, estes resultados se aproximam de uma pesquisa em municípios da Paraíba66. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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. Naquele estudo, após dez anos da aprovação da PNAF, o investimento em estruturação das farmácias públicas brasileiras continuava baixo quanto às condições de armazenamento dos medicamentos3535. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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, e corroboravam com pesquisa da Organização Pan-americana de Saúde2121. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica. Incentivo à assistência farmacêutica básica: o que é e como funciona. Brasília (DF); 2001 [cited 24 abr 2016]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos, 112). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/incentivo_assit_farm.pdf
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, na qual apenas 61% das farmácias tinham condições adequadas para a conservação dos medicamentos nos almoxarifados e 60% nas centrais de abastecimento farmacêutico municipais2828. Organização Pan-Americana da Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil: estrutura, processo e resultados. Brasília (DF): OPAS; Ministério da Saúde; 2005 [cited 19 mar 2017]. (Série Medicamentos e Outros Insumos Essenciais para a Saúde, 3). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/avaliacao_assistencia_farmaceutica_estrutura_resultados.pdf
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.

O financiamento tripartite para aquisição de medicamentos tem sido um importante indutor para a descentralização da AF e tem crescido desde que se estabeleceu financiamento específico para sua estruturação2121. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica. Incentivo à assistência farmacêutica básica: o que é e como funciona. Brasília (DF); 2001 [cited 24 abr 2016]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos, 112). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/incentivo_assit_farm.pdf
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. Contudo, o incremento do financiamento nos últimos anos não foi suficiente para qualificar a aquisição de medicamentos pelos entes públicos no Brasil, um desafio à gestão da AF na melhoria dos gastos na área. A falta de autonomia da coordenação da AF na gestão dos recursos financeiros, revelada pelos SMS e RAF com percentuais significativos, pode explicar parte das dificuldades relacionadas à estruturação e qualificação dos serviços farmacêuticos.

Apesar de no Brasil os percentuais dos que afirmaram possuir sistema informatizado estarem acima de 70%, constatou-se grandes diferenças entre as regiões, expressando as desigualdades regionais na infraestrutura e logística dos serviços de saúde. Isso fica demostrado na baixa utilização do Sistema Hórus, sobre o qual existem evidências de que fortalece o controle e o monitoramento na utilização dos medicamentos1111. Costa KS, Nascimento Jr JM. HÓRUS: inovação tecnológica na assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2012;46 Supl 1:91-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000063
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.

Chama a atenção os altos percentuais dos RAF que afirmaram a existência de vários POP. Tratam-se de elementos importantes para organização e qualidade do trabalho, pois descrevem cada passo crítico e sequencial que deverá ser dado para garantir o resultado esperado da tarefa55. Bruno MLM, Alves MDS, Barbosa IM, Sales DS, Menezes AVB, Gomes AF. Condutas de enfermagem no extravasamento de quimioterápicos antineoplásicos: protocolo operacional padrão. Rev Enferm UFPE. 2014 [cited 19 mar 2017];8(4):974-80. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/9768/9900
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. Da mesma forma, os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas são ferramentas que contribuem para o uso adequado dos medicamentos3333. Souza LS, Porto JG, Lyra Júnior DP. Avaliação da estrutura e dos processos de organização e gestão da assistência farmacêutica em município do estado de Sergipe. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2011 [cited 19 mar 2017];32(3):403-10. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/1493/1185
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A presença de profissionais qualificados é fundamental; AF é um processo dinâmico e multidisciplinar, com ações que visam o acesso, a qualidade e o uso racional de medicamentos1414. Leite SN, Nascimento Jr JM, Costa LH, Barbano DAB. I Fórum Nacional de Educação Farmacêutica: o farmacêutico que o Brasil necessita. Interface (Botucatu). 2008;12(25):461-2. https://doi.org/10.1590/S1414-32832008000200025
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. A qualificação profissional, sobretudo do farmacêutico, é necessária para a estruturação dos processos da AF, das questões técnicas às administrativas, relacionadas ao ciclo logístico e à atenção farmacêutica1414. Leite SN, Nascimento Jr JM, Costa LH, Barbano DAB. I Fórum Nacional de Educação Farmacêutica: o farmacêutico que o Brasil necessita. Interface (Botucatu). 2008;12(25):461-2. https://doi.org/10.1590/S1414-32832008000200025
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.

A PNAUM revelou um processo de planejamento da AF ainda restrito ao setor, o que pode comprometer sua transversalidade no apoio às Redes de Atenção à Saúde e governança destas redes1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. A integração das profissões é imprescindível para o desenvolvimento das práticas de saúde em uma abordagem integral2929. Peduzzi M. Trabalho em equipe. In: Lima JCF, Pereira IB, coordenadores. Dicionário de educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; c2009 [cited 19 mar 2017]. Available from: http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traequ.html
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. O trabalho em equipe estaria na vanguarda das estratégias para mudanças dos modelos de atenção à saúde frente a um contexto sociocultural e econômico extremamente complexo e cada vez mais dinâmico3030. Pereira RCA, Rivera FJU, Artmann E. O trabalho multiprofissional na estratégia saúde da família: estudo sobre modalidades de equipes. Interface (Botucatu). 2013 [cited 19 mar 2017];17(45):327-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v17n45/aop0613.pdf
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A dimensão controle e a participação social têm papel significativo sobre o processo de institucionalização das políticas públicas, especialmente sobre as ações do Estado e o destino dos recursos públicos, visando resistir à redução das políticas sociais, à privatização e mercantilização dos serviços99. Correia MVC. Desafios para o controle social: subsídios para capacitação de conselheiros de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.. Os Conselhos de Saúde se tornaram, a mais abrangente rede de instâncias participativas do país1212. Escorel S, Moreira MR. Participação social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. p.853-84.. As instâncias de controle social não são mecanismos acima da sociedade e imunes aos conflitos de interesses e às disputas voltadas aos distintos projetos societários44. Bravo MIS, Correia MVC. Desafios do controle social na atualidade. Serv Soc Soc. 2012;(109):126-50. https://doi.org/10.1590/S0101-66282012000100008
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. A PNAUM revela que na AF o controle social ainda é limitado, apesar dos conflitos de interesses, do poder simbólico e econômico que envolvem o medicamento, elemento estratégico neste campo da saúde.

O acesso aos medicamentos é de interesse para a população que, de modo crescente, tem acionado judicialmente o Estado para garantir este direito33. Boing A, Bloemer NS, Roesler C, Fernandes S. A judicialização do acesso aos medicamentos em Santa Catarina: um desafio para a gestão do sistema de saúde. Rev Direito Sanit. 2013;14(1):82-97. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v14i1p82-97
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044....
,66. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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,1515. Machado MAA, Acurcio FA, Brandão CMR, Faleiros DR, Guerra Jr AA, Cherchiglia ML, et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas Gerais, Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45(3):590-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000015
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. Contudo, a PNAUM mostra que os CMS ainda não são instâncias suficientemente acionadas para o direito à assistência farmacêutica. Observam-se fragilidades no processo de participação e controle social sobre a AF no Brasil. Entretanto chama a atenção os altos percentuais para a variável prestação de contas da AF no CMS, levando-se a crer que as obrigações legais influenciam neste resultado.

Em todas as variáveis da institucionalização da AF as respostas dos SMS apresentaram percentuais mais elevados em comparação com os RAF, excetuando a da existência de CFT. Talvez por ocuparem o papel de gestor das políticas de saúde do município, os SMS expressem uma tendência mais otimista da institucionalização da AF. Entretanto não foi possível aprofundar a análise destas diferenças, uma limitação deste estudo, com caráter exploratório, e que se constitui uma linha de base para pesquisas posteriores.

Os resultados deste estudo possibilitaram concluir que o processo de institucionalização da AF nos sistemas municipais de saúde ainda é parcial e ocorre de forma heterogênea nas distintas regiões. Percebe-se maior avanço nas estruturas formais, visto que estas são condições necessárias para o início do processo de institucionalização das políticas de AF.

Houve melhores resultados nas variáveis relacionadas aos aspectos normativos, mas não nas atividades finalísticas, de integração com outras áreas técnicas e de controle e participação social. A plena institucionalização da AF, como um processo sistêmico e permanente, pressupõe que as atividades finalísticas da AF estejam disseminadas no conjunto dos serviços de saúde.

As variáveis da organização, estrutura e financiamento tiveram bons resultados. Esses são aspectos condicionantes para a institucionalização e sustentabilidade das políticas de AF no SUS, o que depende de um modelo de práticas condizentes com a integralidade da atenção. A consolidação de uma política pública ocorre quando a sociedade a reconhece como um direito e uma ação permanente do Estado. Contudo, de acordo com os achados relacionados ao controle e participação social, ainda não é o caso da política de AF no Brasil.

Não foram identificadas pesquisas sobre institucionalização da AF nos sistemas municipais de saúde no Brasil que permitissem comparações, uma limitação deste estudo. Entretanto, foi possível apontar indicadores e subsídios para futuras avaliações. Conclui-se com a PNAUM que a institucionalização da AF na esfera municipal é um processo em construção que já apresenta avanços importantes, porém vários aspectos não estão suficientemente consolidados de modo a resistir às contingências políticas restritivas do direito à saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2016
  • Aceito
    13 Mar 2017
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br