Multimorbidade em indivíduos com 50 anos ou mais de idade: ELSI-Brasil

Bruno Pereira Nunes Sandro Rogério Rodrigues Batista Fabíola Bof de Andrade Paulo Roberto Borges de Souza Junior Maria Fernanda Lima-Costa Luiz Augusto Facchini Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar a ocorrência e os fatores associados à multimorbidade entre brasileiros com 50 anos ou mais de idade.

MÉTODOS

Estudo transversal em uma coorte de base nacional da população brasileira não institucionalizada. Os dados foram coletados entre 2015 e 2016. A multimorbidade foi avaliada a partir de uma lista de 19 morbidades, sendo categorizada em ≥ 2 e ≥ 3 doenças. A análise incluiu cálculo de frequências e 10 pares e trios mais frequentes de combinações de doenças, além das análises bruta e ajustada dos fatores associados por meio de regressão de Poisson, incluindo variáveis demográficas, socioeconômicas, comportamentais e contextuais (zona de residência, região geopolítica e cobertura da Estratégia Saúde da Família).

RESULTADOS

Do total de 9.412 indivíduos, 67,8% (IC95% 65,6–69,9) e 47,1% (IC95% 44,8–49,4) tinham ≥ 2 e ≥ 3 doenças, respectivamente. Na análise ajustada, mulheres, pessoas mais velhas e aqueles que não consumiam bebidas alcoólicas tiveram mais multimorbidade. Não foram observadas associações com cor da pele, zona de residência, região geopolítica e cobertura da Estratégia Saúde da Família. Os 10 pares (frequências observadas entre 11,6% e 23,2%) e os 10 trios (frequências observadas entre 4,9% e 9,5%) de doenças mais frequentes incluíram, em sua maioria, problema de coluna (15 vezes) e hipertensão arterial sistêmica (11 vezes). Todas as combinações apresentaram frequência estatisticamente maior do que seria esperado ao acaso.

CONCLUSÕES

A ocorrência de multimorbidade foi elevada mesmo entre os indivíduos mais jovens (50 a 59 anos). Cerca de dois em cada três (≥ 2 doenças) e um em cada dois (≥ 3 doenças) indivíduos com 50 anos ou mais apresentaram multimorbidade, representando 26 e 18 milhões de pessoas no Brasil, respectivamente. Frequências elevadas de combinações de morbidades foram observadas.

Idoso; Multimorbidade; Comorbidade; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

Multimorbidade é a ocorrência simultânea de problemas de saúde em uma mesma pessoa, normalmente operacionalizada pela ocorrência de ≥ 2 e ≥ 3 doenças crônicas1–3. Estudos recentes vêm demonstrando que a multimorbidade é frequente na população mundial e atinge, no mínimo, mais da metade da população idosa11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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,44. Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60240-2
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. Configura-se como importante problema de saúde pública pela alta frequência, mas, principalmente, pela associação com mortalidade, declínio funcional e baixa qualidade de vida, além da dificuldade de manejo adequado pelos serviços de saúde5–85. Fortin M, Lapointe L, Hudon C, Vanasse A, Ntetu AL, Maltais D. Multimorbidity and quality of life in primary care: a systematic review. Health Qual Life Outcomes. 2004;2:51. https://doi.org/10.1186/1477-7525-2-51
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6. Nunes BP, Flores TR, Mielke GI, Thume E, Facchini LA. Multimorbidity and mortality in older adults: a systematic review and meta-analysis. Arch Gerontol Geriatr. 2016;67:130-8. https://doi.org/10.1016/j.archger.2016.07.008
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7. Ryan A, Wallace E, O’Hara P, Smith SM. Multimorbidity and functional decline in community-dwelling adults: a systematic review. Health Qual Life Outcomes. 2015;13(1):168. https://doi.org/10.1186/s12955-015-0355-9
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8. Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev. 2013;35:75-83. https://doi.org/10.1093/epirev/mxs009
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.

Estudos em países desenvolvidos evidenciaram uma relação direta entre indicadores socioeconômicos e prevalência de multimorbidade, explicitando sua relevância na ocorrência e manutenção de iniquidades em saúde. Estudo escocês encontrou uma ocorrência de multimorbidade duas vezes maior na faixa etária de 45–49 anos para indivíduos mais pobres (26,8%) em comparação aos mais ricos (13,4%). Além disso, a multimorbidade aumentou com a idade, atingindo 64,9% dos indivíduos entre 65 e 84 anos de idade44. Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60240-2
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.

As evidências sobre a multimorbidade em países de baixa e média renda ainda são incipientes em contraste com países de alta renda11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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, apesar do rápido aumento da produção científica nos últimos anos e de a literatura existente mostrar a maior ocorrência de doenças crônicas (de forma isolada) em países em desenvolvimento99. NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC). Worldwide trends in diabetes since 1980: a pooled analysis of 751 population-based studies with 4.4 million participants. Lancet. 2016;387(10027):1513-30. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00618-8
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. No Brasil, a despeito de alguns estudos apresentarem resultados sobre acúmulo de doenças e sua distribuição por características sociodemográficas, somente um, realizado em uma cidade do Sul do Brasil, avaliou a ocorrência de multimorbidade especificamente na população idosa1010. Nunes BP, Thumé E, Facchini LA. Multimorbidity in older adults: magnitude and challenges for the Brazilian health system. BMC Public Health. 2015;15:1172. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2505-8
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. Os achados evidenciaram alta ocorrência do problema em mais de 60% da população, com mais frequência entre mulheres, pessoas mais velhas, aqueles com nível socioeconômico mais baixo e com menor escolaridade, assim como entre residentes em áreas cobertas pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

Desse modo, é necessário um melhor entendimento da epidemiologia da multimorbidade para subsidiar políticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O presente estudo teve por objetivo estimar a prevalência e examinar os fatores associados à multimorbidade entre indivíduos brasileiros com 50 anos ou mais de idade.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado com dados da linha de base do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), conduzido com amostra nacional representativa da população não institucionalizada com 50 anos ou mais. A linha de base do estudo foi realizada entre 2015 e 2016. A amostragem do estudo ocorreu por conglomerados, combinando estratificação das unidades primárias de amostragem (municípios), setores censitários e domicílios. Os municípios foram alocados em quatro estratos de acordo com o tamanho populacional. O método de Lavallée e Hidiroglou1111. Lavallée P, Hidiroglou MA. On the stratification of skewed populations. Surv Methodol. 1988;14(1):33-43. foi utilizado para decidir o tamanho e o número de municípios alocados em cada estrato, os quais foram: 1º) ≤ 26.700 habitantes de 4.420 municípios; 2º) 26.701–135.000 habitantes de 951 municípios; 3º) 135.001–750.000 habitantes de 171 municípios; 4º) > 750.000 habitantes de 23 municípios. Para os três primeiros estratos (municípios até 750.000 habitantes), a amostra foi selecionada em três estágios. No primeiro, 18, 15 e 14 municípios foram selecionados para o primeiro, segundo e terceiro estratos, respectivamente. No segundo estágio, oito setores censitários foram selecionados em cada município e, em seguida, os domicílios foram selecionados em cada setor censitário. No quarto estrato, o qual incluiu os maiores municípios, a seleção da amostra foi feita em dois estágios (1º – 176 setores censitários foram eleitos; 2º – domicílios). Os residentes nos domicílios selecionados com 50 anos ou mais de idade eram elegíveis para entrevistas. A amostra final incluiu 10.000 indivíduos com 50 anos ou mais de idade (9.412 concluíram as entrevistas), residentes em 70 municípios de diferentes regiões do Brasil. Mais detalhes podem ser vistos na homepage da pesquisaa e em publicação anterior1212. Lima-Costa MF, Andrade FB, Souza Jr PRB, Neri AL, Oliveira Duarte YA, Castro-Costa E, et al. The Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-BRAZIL): objectives and design. Am J Epidemiol. 2018;187(7):1345-53. https://doi.org/10.1093/aje/kwx387
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.

A variável dependente foi a multimorbidade, aferida por meio da contagem de morbidades autorreferidas de uma lista de 19 doenças [hipertensão arterial sistêmica (HAS); problema de coluna; colesterol elevado; catarata; artrite ou reumatismo; depressão; diabetes; osteoporose; problema cardíaco; glaucoma; enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); acidente vascular cerebral; câncer; asma; insuficiência renal crônica; retinopatia diabética; degeneração macular; Parkinson; e Alzheimer]. Todas foram mensuradas com base no relato do entrevistado do diagnóstico médico da doença: “Algum médico já disse que o(a) sr.(a) tem...?”. As perguntas sobre problemas oculares (catarata; glaucoma; retinopatia diabética e degeneração macular) incluíram a especialidade do médico oftalmologista. Mais detalhes sobre a forma de mensuração podem ser obtidos no site do estudoaa Fundação Oswaldo Cruz. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros. Rio de Janeiro; c2015 [citado 28 nov 2017]. Disponível em: http://elsi.cpqrr.fiocruz.br . A multimorbidade foi avaliada segundo dois pontos de corte: ≥ 2 e ≥ 3 morbidades11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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,22. Harrison C, Britt H, Miller G, Henderson J. Examining different measures of multimorbidity, using a large prospective cross-sectional study in Australian general practice. BMJ Open. 2014;4(7):e004694. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2013-004694
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.

As variáveis independentes incluíram: sexo (masculino/feminino); idade em anos completos (50–59, 60–69, 70–79, 80 anos ou mais); cor da pele autorreferida (branca, preta, parda, amarela e indígena, não sabe ou não respondeu); escolaridade em anos de estudo (nenhuma, 1–4, 5–8, 9 anos ou mais); índice de bens domiciliares em quartis construído a partir de análise de componentes principais1313. Ismail K. Unravelling factor analysis. Evid Based Ment Health. 2008;11(4):99-102. https://doi.org/10.1136/ebmh.11.4.99
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com base no número de eletrodomésticos, veículos e trabalhadores domésticos no domicílio; tabagismo (nunca fumou, fumante atual – fuma diariamente ou menos que diariamente –, ex-fumante); consumo de bebidas alcoólicas (nunca, < 1 vez por mês, ≥ 1 vez por mês); zona de residência (rural, urbana); região geopolítica (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste); domicílio coberto pela Estratégia Saúde da Família (não, sim, não sabe ou não respondeu).

A análise dos dados foi realizada utilizando-se o programa Stata, SE 15.0. Efetuou-se uma análise descritiva das variáveis demográficas, socioeconômicas, comportamentais, contextuais e morbidades. Para cada morbidade, calculou-se a média de doenças associadas. A descrição, geral e segundo as variáveis independentes, da ocorrência de ≥ 2 e ≥ 3 morbidades incluiu cálculo de porcentagem (%), intervalo de confiança de 95% (IC95%) e valor de p pelo teste de qui-quadrado de Pearson. Também foi calculada a ocorrência de multimorbidade excluindo HAS e colesterol elevado da lista de morbidades. Além disso, realizaram-se análises bruta e ajustada através de regressão de Poisson para avaliar a associação entre multimorbidade e todas as variáveis independentes listadas anteriormente. Nessas análises, foram obtidas as razões de prevalência (RP), IC95% e valor de p (teste de Wald de heterogeneidade). Associações que apresentaram IC95% sem incluir a nulidade (RP = 1,00) e valor de p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. Para o ajuste, todas as variáveis foram consideradas no mesmo nível de determinação, sendo a seleção realizada pelo método backward elimination. Desse modo, todas as variáveis foram incluídas no modelo, sendo excluídas aquelas com maior valor de p (teste de Wald de heterogeneidade). O ajuste era realizado até que nenhuma variável com valor de p > 0,20 permanecesse no modelo. As variáveis com valor de p > 0,20 foram descritas na Tabela 4 com informação de medidas de efeitos, IC95% e valor de p do modelo contendo a variável, antes de ela ser excluída. Para o cálculo dos 10 pares e 10 trios de morbidades mais prevalentes, calculou-se a relação entre os valores observados (O) e esperados (E) com o objetivo de mensurar a ocorrência de combinações além do esperado ao acaso1414. Schafer I, Kaduszkiewicz H, Wagner HO, Schon G, Scherer M, Bussche H. Reducing complexity: a visualisation of multimorbidity by combining disease clusters and triads. BMC Public Health. 2014;14:1285. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-1285
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. Os valores esperados foram calculados pela multiplicação das prevalências individuais das doenças. Os IC95% das relações O/E foram obtidos através de probabilidade binomial exata. Todas as análises consideraram o desenho do estudo.

O ELSI-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Parecer 886.754). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes do início das entrevistas. Todos os aspectos regulatórios e legais foram cumpridos.

RESULTADOS

A amostra final foi composta por 9.412 indivíduos, sendo 54,0% mulheres e 62,9 anos a média de idade. Aproximadamente metade da amostra tinha entre 50 e 59 anos e 7,1%, 80 anos ou mais. Mais de 80% referiram cor da pele branca ou parda. Cerca de um quarto da amostra tinha nove anos ou mais de escolaridade. Pouco mais de um terço (37,3%) era ex-fumante. A maioria (84,7%) vivia na zona urbana e o domicílio estava coberto pela ESF (68,9%). Quase a metade (47,2%) vivia na região Sudeste (Tabela 1). Em média, os indivíduos tinham 2,66 morbidades. Hipertensão arterial (52,2%), problema de coluna (40,8%) e colesterol elevado (30,5%) foram as condições mais frequentes, enquanto degeneração macular (1,5%), Alzheimer (0,8) e Parkinson (0,7%) apresentaram as menores frequências. A média de morbidades associadas variou de 3,5 para HAS a 5,9 para retinopatia diabética (Tabela 2).

Tabela 1
Descrição da amostra segundo variáveis independentes. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.
Tabela 2
Descrição das morbidades e média de doenças associadas. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.

Observou-se um aumento do número de morbidades de acordo com a idade. Enquanto 17,7% dos indivíduos de 50–59 anos não apresentavam qualquer morbidade crônica, esse valor diminuía para 2,7% entre aqueles com 80 anos ou mais. No outro extremo, 5,8% e 11,3% dos indivíduos com 50–59 e 80 anos ou mais de idade, respectivamente, apresentavam mais de seis morbidades (Figura).

A prevalência de multimorbidade foi de 67,8% (IC95% 65,6–69,9) para ≥ 2 e 47,1% (IC95% 44,8–49,4) para ≥ 3 (ambas as variáveis com número válido de 8.848 indivíduos), sendo maior entre as mulheres (20 pontos percentuais a mais para ≥ 3 morbidades), com o aumento da idade e entre aqueles que nunca consumiram bebidas alcoólicas. Não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis cor da pele e cobertura da ESF (Tabela 3). Ao excluirmos HAS e colesterol elevado, as prevalências de ≥ 2 e ≥ 3 doenças foram de 49,0% (IC95% 46,7–51,2) e 29,3% (IC95% 27,4–31,2), respectivamente (dados não apresentados em tabelas ou figura).

Tabela 3
Prevalência de multimorbidade segundo variáveis independentes. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.

Na análise bruta (para ≥ 2 ou ≥ 3 morbidades), as variáveis sexo, idade, cor da pele, escolaridade, índice de bens, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas apresentaram associação significativa com multimorbidade. Após ajuste, mulheres tiveram 1,26 (IC95% 1,22–1,30) e 1,49 (IC95% 1,41–1,58) vezes mais multimorbidade em comparação aos homens, para os pontos de corte de ≥ 2 e ≥ 3 doenças crônicas, respectivamente. Em relação à idade, a ocorrência de ≥ 3 doenças foi 66% (IC95% 50–83) maior entre indivíduos com 80 anos ou mais em comparação com aqueles entre 50 e 59 anos. Para ≥ 2 doenças, observou-se uma associação de baixa magnitude para escolaridade; indivíduos com um a quatro anos de estudo tiveram 1,07 (IC95% 1,02–1,12) vezes mais multimorbidade do que aqueles sem escolaridade. Entrevistados pertencentes ao menor estrato do índice de bens tiveram menos multimorbidade. Pessoas do maior estrato do índice apresentaram 13% (para ≥ 2) e 12% (para ≥ 3) mais múltiplas doenças do que aqueles do menor estrato. Para escolaridade e índice de bens, não foi observada uma relação dose-resposta. Ex-fumantes tiveram maior ocorrência do desfecho, sendo, no mínimo, 9% maior do que naqueles que nunca fumaram. O consumo de bebida alcoólica igual ou superior a uma vez ao mês esteve associado a menor frequência de multimorbidade – 9% menos para ≥ 2 e 17% menos para ≥ 3 em comparação aos indivíduos que nunca consumiram essas bebidas (Tabela 4).

Tabela 4
Análises bruta e ajustada* entre multimorbidade e variáveis independentes. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.

Os 10 pares e trios de doenças mais frequentes incluíram, em sua maioria, problema de coluna (15 vezes) e HAS (11 vezes). Para os pares, evidenciou-se que um em cada quatro apresentou HAS e problema de coluna ao mesmo tempo e um em cada cinco tinha HAS e colesterol elevado de forma associada. Para os trios, praticamente um em cada 10 tinha HAS, problema de coluna e colesterol elevado, e HAS, problema de coluna e artrite ou reumatismo associados. Todos os 10 pares e trios mais prevalentes tiveram uma ocorrência maior do que o esperado ao acaso (Tabela 5).

Tabela 5
Ocorrência dos 10 pares e trios de morbidades mais frequentes. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.

DISCUSSÃO

Os resultados desta análise mostram que a ocorrência de multimorbidade foi elevada mesmo nas faixas etárias mais jovens. Do total, dois em cada três e um em cada dois indivíduos apresentavam ≥ 2 e ≥ 3 doenças, respectivamente, o que confirma a relevância e a extensão da multimorbidade na população idosa brasileira. As mulheres, os mais velhos e aqueles que nunca consumiram bebidas alcoólicas apresentaram as maiores prevalências de multimorbidade. Além disso, os 10 pares e trios de doenças mais frequentes mostraram a relevância de combinações de morbidades de diferentes sistemas do organismo.

Segundo dados do último censo populacional, o Brasil possuía, aproximadamente, 39 milhões de indivíduos com 50 anos ou mais de idade. Destes, estima-se que, aproximadamente, 26 e 18 milhões de pessoas possuem ≥ 2 e ≥ 3 morbidades, respectivamente. Realizar o manejo adequado desses indivíduos é um desafio complexo e que exigirá do SUS o planejamento e a articulação de ações para atender a essa demanda.

A prevalência encontrada de multimorbidade é semelhante à observada em estudos internacionais. A prevalência de ≥ 2 morbidades do presente estudo foi de, aproximadamente, 70%, sendo similar aos estudos de base populacional incluídos em uma revisão sistemática11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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. Um artigo recente incluiu a ocorrência de multimorbidade em nove países, abrangendo estudos com coleta de dados entre 2007 e 2012, e utilizando as 12 condições crônicas mais prevalentes. A maior frequência de ≥ 2 doenças foi observada na Rússia (71,9%) e as menores, na China (45,1%) e em Gana (48,3%). Ao considerarmos o intervalo de confiança da estimativa do presente estudo, os achados brasileiros são iguais aos encontrados na Espanha, na Finlândia, na Polônia e na Rússia1515. Garin N, Koyanagi A, Chatterji S, Tyrovolas S, Olaya B, Leonardi M, et al. Global Multimorbidity Patterns: a cross-sectional, population-based, multi-country study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2016;71(2):205-14. https://doi.org/10.1093/gerona/glv128
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. Desse modo, observa-se uma ocorrência de multimorbidade no Brasil semelhante a países de alta renda, apesar das importantes diferenças socioeconômicas existentes. A transição demográfica e epidemiológica no país tem ocorrido de forma mais rápida do que a observada em outros países, principalmente os desenvolvidos. Assim, com o envelhecimento populacional, as doenças crônicas não transmissíveis tornam-se problemas altamente frequentes com diferentes impactos negativos para a saúde dos indivíduos. Esse quadro desafia gestores em saúde, tomadores de decisão e cientistas brasileiros a avançar nas melhorias das condições de vida e do sistema de saúde para atender aos idosos com múltiplas necessidades, indo além dos esforços já existentes para o enfrentamento dessas morbidades1616. Malta DC, Silva Jr JB. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(1):151-64. https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000100016
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. A comparação das evidências de ≥ 3 doenças com outros estudos apresentou padrão similar ao observado para ≥ 2 morbidades.

As diferenças metodológicas entre os estudos sobre multimorbidade dificultam a comparabilidade entre os achados. Apesar de os esforços recentes para a padronização do conceito1717. Le Reste JY, Nabbe P, Manceau B, Lygidakis C, Doerr C, Lingner H, et al. The European General Practice Research Network presents a comprehensive definition of multimorbidity in family medicine and long term care, following a systematic review of relevant literature. J Am Med Direct Assoc. 2013;14(5):319-25. https://doi.org/10.1016/j.jamda.2013.01.001
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e operacionalização do constructo11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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, não existe, ainda, uma definição universal para a avaliação da temática. A dificuldade de padronização é explicável, dadas as diferentes morbidades existentes, os padrões heterogêneos de ocorrência de doenças entre os países, a relevância variável de condições agudas e crônicas nos diversos contextos. Não obstante, há a necessidade de criação de consensos para melhorar o entendimento da multimorbidade, ou, no mínimo, de uma lista de morbidades padronizada para cada país.

Uma questão importante neste debate é a inclusão de condições que não sejam propriamente doenças. Por exemplo, HAS e colesterol elevado são condições normalmente utilizadas para medir multimorbidade11. Fortin M, Stewart M, Poitras ME, Almirall J, Maddocks H. A systematic review of prevalence studies on multimorbidity: toward a more uniform methodology. Ann Fam Med. 2012;10(2):142-51. https://doi.org/10.1370/afm.1337
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. Não obstante, ambos são considerados fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis1818. Global Burden of Metabolic Risk Factors for Chronic Diseases Collaboration. Cardiovascular disease, chronic kidney disease, and diabetes mortality burden of cardiometabolic risk factors from 1980 to 2010: a comparative risk assessment. Lancet Diabetes Endocrinol. 2014;2(8):634-47. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(14)70102-0
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,1919. National High Blood Pressure Education Program Working Group. Working Group Report on Hypertension in the Elderly. National High Blood Pressure Education Pogram Workig Group. Hypertension. 1994;23(3):275-85. https://doi.org/10.1161/01.HYP.23.3.275
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e tendem a inflar a ocorrência de multimorbidade em razão das altas frequências. Nesta amostra, ao excluirmos HAS e colesterol do constructo multimorbidade, a prevalência do desfecho diminuiu, aproximadamente, 18 pontos percentuais, tanto para ≥ 2 como para ≥ 3 morbidades. Avaliações sobre a importância e utilidade da inclusão dessas condições na análise da multimorbidade devem ser realizadas.

Entre os fatores associados ao desfecho, o sexo feminino é normalmente associado à maior ocorrência de múltiplos problemas em idosos2020. Violan C, Foguet-Boreu Q, Flores-Mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, t. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PLoS One. 2014;9(7):e102149. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0102149
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. Este resultado é explicado pelo viés de sobrevivência, já que os homens possuem menor expectativa de vida, e aqueles sobreviventes tendem a possuir uma condição de saúde com menor ocorrência de problemas2121. Salomon JA, Wang H, Freeman MK, Vos T, Flaxman AD, Lopez AD, et al. Healthy life expectancy for 187 countries, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2144-62. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61690-0
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. Além disso, as mulheres utilizam mais os serviços de saúde2222. Mendoza-Sassi R, Béria JU. Utilización de los servicios de salud: una revisión sistemática sobre los factores relacionados. Cad Saude Publica. 2001;17(4):819-32. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000400016
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, estando mais sujeitas a receber diagnóstico médico de doenças. Já a associação com idade pode ser explicada pela maior exposição a eventos estressores ao longo da vida, que comprometem a equilíbrio fisiológico, facilitando o aparecimento de doenças crônicas2020. Violan C, Foguet-Boreu Q, Flores-Mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, t. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PLoS One. 2014;9(7):e102149. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0102149
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.

A maior ocorrência de multimorbidade nos estratos com maior poder aquisitivo do índice de bens diverge, em certa medida, de outros estudos brasileiros. Estudo nacional realizado com adultos2323. Nunes BP, Chiavegatto Filho ADP, Pati S, Cruz Teixeira DS, Flores TR, Camargo-Figuera FA, et al. Contextual and individual inequalities of multimorbidity in Brazilian adults: a cross-sectional national-based study. BMJ Open. 2017;7(6):e015885. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-015885
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e estudos locais com adultos e idosos1010. Nunes BP, Thumé E, Facchini LA. Multimorbidity in older adults: magnitude and challenges for the Brazilian health system. BMC Public Health. 2015;15:1172. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2505-8
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,2424. Nunes BP, Camargo-Figuera FA, Guttier M, Oliveira PD, Munhoz TN, Matijasevich A, et al. Multimorbidity in adults from a southern Brazilian city: occurrence and patterns. Int J Public Health. 2016;61(9):1013-20. https://doi.org/10.1007/s00038-016-0819-7
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evidenciaram similaridade na ocorrência do problema segundo estrato social ou padrão inverso – indivíduos economicamente mais desfavoráveis apresentaram mais multimorbidade. Apesar das diferenças nos indicadores de nível socioeconômico utilizados, esse resultado merece atenção e uma análise mais detalhada para melhor entendimento da associação. As evidências internacionais tendem a mostrar maior acometimento de doenças em indivíduos mais pobres44. Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60240-2
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,2020. Violan C, Foguet-Boreu Q, Flores-Mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, t. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PLoS One. 2014;9(7):e102149. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0102149
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, ratificando a determinação social no processo saúde-doença. Uma explicação para o resultado do presente estudo está relacionada ao fato de os indivíduos de estratos econômicos mais favoráveis terem maior acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, serem diagnosticados com morbidades com maior frequência. A informação das morbidades avaliadas foi obtida pelo relato do entrevistado sobre o diagnóstico médico da doença, fortemente associado ao acesso aos serviços de saúde. Ademais, esse indicador apresenta relação importante com escolaridade (normalmente associada à multimorbidade, apesar da falta de associação na análise ajustada desse estudo). Observou-se que indivíduos do menor estrato do índice de bens apresentaram menor ocorrência de múltiplos problemas, principalmente quando realizada a análise ajustada. Quando verificada a variável que mais explica esse aumento do efeito do índice de bens após ajuste (dados não mostrados), evidencia-se que a inclusão de escolaridade no modelo aumenta a força da associação. A escolaridade é um fator importante no entendimento do idoso sobre sua condição de saúde e de suas doenças existentes2525. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Firmo JOA, Uchoa E. Validade do diabetes auto-referido e seus determinantes: evidências do projeto Bambuí. Rev Saude Publica. 2007;41(6):947-53. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000600009
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. Por fim, o resultado pode ser afetado pela falta de ajuste às variáveis de uso de serviços ou confusão residual. Aprofundar o entendimento dessas relações, incluindo questões relacionadas ao uso de serviços de saúde e cobertura de modelos de atenção, pode elucidar os resultados observados, principalmente em razão das importantes diferenças regionais existentes no Brasil.

Indivíduos ex-fumantes tendem a apresentar problemas de saúde precocemente2626. Ezzati M, Lopez AD. Estimates of global mortality attributable to smoking in 2000. Lancet. 2003;362(9387):847-52. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(03)14338-3
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e, por consequência, maior ocorrência de multimorbidade. Além disso, esses indivíduos possuem maior risco de morte, o que pode explicar a associação de baixa magnitude (entre 9% e 13% maior em comparação aos que nunca fumaram). Esse resultado pode ser explicado pelo viés de sobrevida; indivíduos sobreviventes são mais saudáveis, atenuando a associação encontrada.

A menor frequência de múltiplos problemas entre indivíduos que consumiam alguma bebida alcoólica (uma ou mais vezes por mês) pode ser explicada pelo viés de causalidade reversa, dada a avaliação transversal realizada no presente artigo. Indivíduos que referiram algum consumo de álcool podem ter menos morbidades ou o fato de terem menos doenças poderia levá-los a consumir mais álcool. Assim, ainda não é possível definir a temporalidade na associação. As avaliações longitudinais do estudo, com a inclusão de casos incidentes, poderão contribuir para avaliar possíveis relações causais entre essas variáveis.

Os pares e trios de doenças revelaram frequências altas de coocorrência de morbidades, com destaque para a presença de HAS e problema de coluna em grande parte das combinações. Essas análises contribuem para a criação de protocolos e diretrizes clínicos para o cuidado de saúde dos idosos. Quase um quarto dos indivíduos avaliados apresentaram HAS e problema de coluna, sinalizando que o manejo desses indivíduos necessitará de uma visão integral para o tratamento das condições. Caso a realização de atividade física seja orientada para o controle pressórico, deve-se considerar o problema na coluna, a fim de que o manejo de uma condição não prejudique outra morbidade2727. Semlitsch T, Jeitler K, Hemkens LG, Horvath K, Nagele E, Schuermann C, et al. Increasing physical activity for the treatment of hypertension: a systematic review and meta-analysis. Sports Med. 2013;43(10):1009-23. https://doi.org/10.1007/s40279-013-0065-6
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. Além disso, como avaliamos condições frequentes, essas morbidades podem acontecer de forma concomitante devido ao acaso. Dessa forma, nos pares e trios, calculou-se a relação entre a ocorrência observada e a esperada ao acaso. Todos apresentaram relação maior do que um, o que sugere que as morbidades apresentam alguma relação, seja ela causal, se uma doença ou seu tratamento aumenta o risco da outra, seja não causal, se as morbidades possuírem fatores de risco comuns1414. Schafer I, Kaduszkiewicz H, Wagner HO, Schon G, Scherer M, Bussche H. Reducing complexity: a visualisation of multimorbidity by combining disease clusters and triads. BMC Public Health. 2014;14:1285. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-1285
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.

O estudo possui limitações que devem ser consideradas. Primeiro, a multimorbidade foi avaliada a partir de uma lista de doenças e o relato do entrevistado de diagnóstico médico, o que possui uma forte relação com o acesso aos serviços de saúde, podendo diminuir a ocorrência de multimorbidade em grupos socioeconômicos menos favorecidos. Segundo, a forma de mensuração de algumas doenças pelo diagnóstico médico possui limitações relacionadas à baixa sensibilidade e especificidade dessa forma de obtenção dos dados2525. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Firmo JOA, Uchoa E. Validade do diabetes auto-referido e seus determinantes: evidências do projeto Bambuí. Rev Saude Publica. 2007;41(6):947-53. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000600009
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, principalmente, para problemas de saúde mental2828. Costa E, Barreto SM, Uchoa E, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Prince M. Prevalence of International Classification of Diseases, 10th Revision Common Mental Disorders in the Elderly in a Brazilian community: The Bambui Health Ageing Study. Am J Geriatr Psychiatry. 2007;15(1):17-27. https://doi.org/10.1097/01.JGP.0000230659.72417.a0
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. Novas análises sobre multimorbidade devem incluir medidas de morbidade com maior capacidade diagnóstica. Além disso, estudos de validação sobre a forma de mensuração das medidas de diagnóstico médico autorreferido devem ser realizados para o claro entendimento das doenças que podem ser incluídas no constructo da multimorbidade. Terceiro, a análise transversal prejudica a avaliação de algumas associações, como entre o tabagismo e consumo de álcool com a multimorbidade, pois pode existir causalidade reversa.

Os achados sobre multimorbidade são uma linha de base importante para futuras análises longitudinais de avaliação do impacto das múltiplas doenças em desfechos em saúde e na qualidade da atenção2929. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia de Saúde da Família. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2012.. Garantir melhor qualidade de vida aos idosos brasileiros exige um esforço para a avaliação integral da saúde, o que, por sua vez, demanda a compreensão da ocorrência e do impacto da multimorbidade. Os resultados mostram alta ocorrência de multimorbidade e os fatores associados ao problema. Os pares e trios identificados sinalizam as principais combinações de doenças encontradas na população com 50 anos ou mais, que podem ser incluídas em diretrizes clínicas e avaliadas na atenção prestada nos serviços de saúde.

Figura
Ocorrência do número de morbidades segundo a faixa etária. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), 2015–2016.

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  • Financiamento: A linha de base do ELSI-Brasil foi financiada pelo Ministério da Saúde (DECIT/SCTIE – Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Processo 404965/2012-1); COSAPI/DAPES/SAS – Coordenação da Saúde da Pessoa Idosa, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde (Processos 20836, 22566 e 23700); e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2017
  • Aceito
    17 Abr 2018
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br