Violência contra a gestante e fatores associados no município de Governador Valadares

Érica Cesário Defilipo Paula Silva de Carvalho Chagas Luiz Cláudio Ribeiro Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar a violência contra a mulher durante a gestação e verificar a associação com os fatores socioeconômicos, demográficos, obstétricos, comportamentais, de assistência à saúde e doenças na gestação.

MÉTODOS

Estudo transversal realizado com puérperas cujo parto ocorreu no Hospital Municipal de Governador Valadares, em Minas Gerais, no período de maio de 2017 a julho de 2018. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista, e informações complementares foram obtidas pela análise do cartão de pré-natal e prontuário. Para a análise dos dados, foi utilizada regressão logística.

RESULTADOS

Participaram do estudo 771 puérperas. Dessas, 62 (8,0%) relataram ter sofrido violência física, psicológica ou sexual durante a gestação. As gestantes com maior chance de terem sofrido violência foram as dependentes de álcool (RC = 4,97; IC95% 2,30–10,75; p < 0,001), as que não realizaram o pré-natal (RC = 3,88; IC95% 1,00–15,09; p = 0,050), as que usaram os serviços de saúde de forma emergencial durante a gravidez (RC = 2,47; IC95% 1,42–4,30; p = 0,001) e que apresentaram diabetes gestacional (RC = 2,59; IC95% 1,06–6,32; p = 0,037) e doenças sexualmente transmissíveis (RC = 3,85; IC95% 1,41–10,50; p = 0,009).

CONCLUSÃO

A violência contra a gestante está associada a fatores comportamentais e relacionados à assistência à saúde e doenças na gestação. É imprescindível o reconhecimento dos fatores associados pelos profissionais de saúde, por meio de ações de rastreamento de situações de violência contra a mulher desde o início do pré-natal, a fim de possibilitar intervenção precoce.

Gestantes; Violência contra a Mulher; Fatores de Risco; Fatores Socioeconômicos; Estudos Transversais

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é reconhecida como grave problema de saúde pública11. Baird K. Women’ s lived experience of domestic violence during pregnancy (1). Pract Midwife. 2015;18(3):27-31., sendo definida como qualquer ato de violência de gênero que possa resultar em danos físicos, sexuais ou psicológicos ou sofrimento às mulheres22. World Health Organization. Violence against women. Geneva: WHO; 2019 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women
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. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de uma em cada três mulheres no mundo já sofreram violência em algum momento da vida, em especial física, sexual ou ambas22. World Health Organization. Violence against women. Geneva: WHO; 2019 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women
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. Tal situação agrava-se quando se refere à mulher em um momento de grande fragilidade física e emocional como a gestação, pois apresenta uma ameaça para a mulher e para o feto, exigindo maior atenção dos serviços de saúde11. Baird K. Women’ s lived experience of domestic violence during pregnancy (1). Pract Midwife. 2015;18(3):27-31.,33. Donovan BM, Spracklen CN, Schweizer ML, Ryckman KK, Saftlas AF. Intimate partner violence during pregnancy and the risk for adverse infant outcomes: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2016;123(8):1289-99. https://doi.org/10.1111/1471-0528.13928
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A prevalência de violência contra a mulher durante a gestação varia entre diferentes comunidades, regiões e países44. World Health Organization, Department of Reproductive Health and Research; London School of Hygiene and Tropical Medicine; South African Medical Research Council. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/en/
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. A maioria dos países apresenta prevalências de violência na gestação entre 2% e 13,5%, com maior predomínio nos países da África e da América Latina55. Drevies KM, Kishor S, Johnson H, Stöckl H, Bacchus LJ, Garcia-Moreno C, et al. Intimate partner violence during pregnancy: analysis of prevalence data from 19 countries. Reprod Health Matters. 2010;18(36):158-70. https://doi.org/10.1016/S0968-8080(10)36533-5
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. No Brasil, a proporção de mulheres que relataram violência por parceiro íntimo variou de cerca de 14 a 17%66. Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica. 2019;43:e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
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, com prevalência de 8% nas gestantes77. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/24159358X/en/
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. A violência contra a mulher, em qualquer fase da vida, aumentou consideravelmente nos últimos anos no país, ocorrendo principalmente no Sudeste, Sul e Centro-Oeste88. Rodrigues NCP, O’Dwyer G, Andrade MKN, Flynn MB, Monteiro DLM, Lino VTS. The increase in domestic violence in Brazil from 2009-2014. Cienc Saude Coletiva. 2017;22(9):2873-80. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.09902016
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. No município de Governador Valadares, em Minas Gerais, a taxa de violência contra a mulher foi de 8,8% no ano de 2017, com maior quantitativo de vítimas de violência física, seguida da violência psicológica99. Governo do Estado de Minas Gerais, Sistema Integrado de Defesa Social, Centro Integrado de Informações de Defesa Social. Diagnóstico de violência doméstica e familiar nas regiões integradas de segurança pública de Minas Gerais: Registros Tentados e Consumados. Belo Horizonte, MG; 2018 [cited 2019 Oct 20]. Available from: http://www.seguranca.mg.gov.br/images/2020/Maio/Diagnosticos/final_Diagnstico%20violncia%20domstica%202015%20a%202017%20-%20MG%20e%20RISPs.pdf
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, não havendo dados sobre a prevalência de violência contra a gestante no município.

Os efeitos maternos e neonatais da violência na gestação são considerados preveníveis. Para a gestante há maior risco de desenvolver depressão, ganho de peso insuficiente na gestação, dificuldade de realizar pré-natal de forma adequada e morte materna1010. Alhusen JL, Ray E, Sharps P, Bullock L. Intimate partner violence during pregnancy: maternal and neonatal outcomes. J Women’s Health (Larchmt). 2015;24(1):100-6. https://doi.org/10.1089/jwh.2014.4872
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. Para o feto, estudos demonstram maior risco de baixo peso ao nascer, prematuridade, alterações comportamentais e até morte neonatal33. Donovan BM, Spracklen CN, Schweizer ML, Ryckman KK, Saftlas AF. Intimate partner violence during pregnancy and the risk for adverse infant outcomes: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2016;123(8):1289-99. https://doi.org/10.1111/1471-0528.13928
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,1010. Alhusen JL, Ray E, Sharps P, Bullock L. Intimate partner violence during pregnancy: maternal and neonatal outcomes. J Women’s Health (Larchmt). 2015;24(1):100-6. https://doi.org/10.1089/jwh.2014.4872
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,1111. Berhanie E, Gebregziabher D, Berihu H, Gerezgiher A, Kidane G. Intimate partner violence during pregnancy and adverse birth outcomes: a case-control study. Reprod Health. 2019;16:22. https://doi.org/10.1186/s12978-019-0670-4
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Na gravidez existem mais oportunidades para a triagem e intervenção precoce durante o pré-natal de rotina ou tratamento hospitalar, quando necessário1010. Alhusen JL, Ray E, Sharps P, Bullock L. Intimate partner violence during pregnancy: maternal and neonatal outcomes. J Women’s Health (Larchmt). 2015;24(1):100-6. https://doi.org/10.1089/jwh.2014.4872
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. No entanto, é preciso primeiramente identificar as gestantes em risco e também aquelas que sofrem violência, visto que esse assunto raramente é reportado pelas vítimas, sendo necessário o reconhecimento dos fatores associados pelos profissionais de saúde para possível intervenção precoce.

Este estudo objetivou caracterizar a violência contra a mulher durante a gestação e verificar a associação com os fatores socioeconômicos, demográficos, obstétricos, comportamentais, de assistência à saúde e doenças na gestação.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado com puérperas cujo parto ocorreu no período de maio de 2017 a julho de 2018 no Hospital Municipal de Governador Valadares, em Minas Gerais, escolhido por atender ao Sistema Único de Saúde e por ser considerado referência para a região do Vale do Rio Doce. Foram incluídas no estudo todas as puérperas participantes da pesquisa “Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle”1212. Defilipo EC. Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso controle [tese]. Juiz de Fora, MG: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019., no qual foram considerados casos os nascidos vivos prematuros (idade gestacional inferior a 37 semanas) e também os nascidos vivos a termo (idade gestacional igual ou superior a 37 semanas e inferior a 42 semanas) com baixo peso ao nascer (inferior a 2.500 gramas), enquanto os controles foram os nascidos vivos a termo com peso adequado ao nascer (igual ou superior a 2.500 gramas), pareados pelo sexo e data de nascimento, sendo selecionados dois controles para cada caso. Foram excluídos do estudo os nascidos vivos com malformações congênitas, síndromes genéticas, doenças progressivas e lesões do sistema nervoso, diagnosticadas ou suspeitas ao nascimento. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos (CAAE: 61055716.4.0000.5147), sendo conduzido dentro dos padrões éticos exigidos.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista com as puérperas, ainda no período de internação hospitalar, em um prazo de 24 a 48 horas após o parto, e informações complementares foram obtidas por meio da análise do cartão de pré-natal e do prontuário da puérpera. Os dados foram coletados por pesquisadores previamente treinados. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido

Foi considerada como variável dependente ter sofrido violência física, psicológica ou sexual na gravidez. Durante a entrevista, era perguntado à puérpera: “Você sofreu violência física, sexual ou psicológica durante sua gestação? Ou seja, alguém te ameaçou, agrediu, bateu, abusou sexualmente de você, te humilhou ou falou algo que você não gostou, controlou seu comportamento ou te deixou com medo?” No caso de resposta afirmativa, também foi questionado qual o tipo de violência sofrida (física, psicológica ou sexual).

As variáveis independentes incluídas na análise foram divididas em cinco blocos: 1) fatores socioeconômicos e demográficos; 2) fatores obstétricos; 3) fatores comportamentais; 4) fatores relacionados à assistência à saúde da gestante; e 5) doenças na gestação. As variáveis estudadas em cada bloco foram descritas de acordo com o modelo explicativo apresentado na Figura 1, na qual consta a forma de categorização de cada variável. A detecção do uso de álcool foi realizada por meio do instrumento CAGE (cutdown, annoyed, guilty e eye-opener)1313. Mayfield D, McLeod G, Hall P. The CAGE Questionnaire: validation of a new alcoholism screening instrument. Am J Psychiatry. 1974;131(10):1121-3. https://doi.org/10.1176/ajp.131.10.1121
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, escolhido por ser um instrumento de fácil aplicação, simples e com validade para uso no Brasil. Foram classificadas como dependentes do uso de álcool as mulheres que apresentaram uma resposta afirmativa ou mais. A categorização das variáveis “número de consultas de pré-natal” e “primeira consulta de pré-natal” foi definida com base no preconizado pelo Ministério da Saúde, que determina o início da assistência pré-natal até a décima sexta semana de gestação e mínimo de seis consultas1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Programa Humanização do Parto: humanização no pré-natal e nascimento. Brasília, DF; 2002 [cited 2019 Oct 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/parto.pdf
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.

Figura
Modelo explicativo das variáveis independentes divididas em blocos e ordem de entrada dos fatores na análise de regressão logística.

Para verificar as associações das variáveis independentes com a violência contra a mulher durante a gestação, foi realizada regressão logística. Os fatores associados que, na análise bivariada, apresentaram p-valor inferior a 0,20 foram considerados elegíveis para compor os modelos multivariados. Foi realizada análise multivariada das variáveis de cada bloco separadamente, retirando as variáveis que perderam a significância. Em seguida, as variáveis anteriormente selecionadas, que apresentaram p-valor inferior a 0,05, foram submetidas a nova análise multivariada, seguindo a ordem de entrada dos blocos: primeiro as variáveis do bloco 1, seguidas das variáveis do bloco 2, bloco 3, bloco 4 e bloco 5 (Figura 1).

RESULTADOS

Das 771 puérperas participantes, 62 (8,0%) relataram ter sofrido violência durante a gestação. Dessas, 49 (79,0%) relataram violência psicológica, 11 (17,8%) violência física e 2 (3,2%) relataram ter sofrido violência sexual. Entre as gestantes que foram expostas à violência, houve predomínio de mulheres com baixa escolaridade (ensino médio incompleto ou menos), negras ou pardas, sem ocupação remunerada, com companheiro e com renda inferior a dois salários mínimos.

Na análise bivariada dos fatores socioeconômicos e demográficos, apresentaram p < 0,20 as seguintes variáveis: escolaridade (p = 0,063), idade (p = 0,110) e situação conjugal (p = 0,039). Dos fatores obstétricos, apenas a variável ter sofrido aborto prévio (p = 0,115) apresentou p-valor inferior a 0,20 (Tabela 1).

Tabela 1
Frequência e número de gestantes expostas ou não à violência, razão de chances, intervalo de confiança de 95% e valor de p dos fatores socioeconômicos e demográficos (bloco1) e obstétricos (bloco 2).

Com relação aos fatores comportamentais, todas as variáveis analisadas apresentaram associação com a violência contra a gestante: dependência de álcool (p < 0,001), uso de cigarro (p = 0,012) e uso de drogas (p = 0,076). Já no que diz respeito aos fatores relacionados à assistência à saúde da gestante, apresentaram p-valor inferior a 0,20, na análise bivariada, as variáveis: realização de pré-natal (p = 0,001), número de consultas (p = 0,021) e uso emergencial dos serviços de saúde (p = 0,002), como se observa na Tabela 2.

Tabela 2
Frequência e número de gestantes expostas ou não à violência, razão de chances, intervalo de confiança 95% e valor de p dos fatores comportamentais (bloco 3) e fatores relacionados à assistência à saúde da gestante (bloco 4).

Dentre as doenças na gestação, foram selecionadas as variáveis: diabetes gestacional (p = 0,020), infecção do trato urinário (p = 0,053), sangramento vaginal no primeiro trimestre (p = 0,003), anemia (p = 0,172) e doenças sexualmente transmissíveis (DST) (p = 0,002), conforme a Tabela 3.

Tabela 3
Frequência e número de gestantes expostas ou não à violência, razão de chances, intervalo de confiança 95% e valor de p das doenças na gestação (bloco 5).

As variáveis selecionadas pela análise bivariada foram introduzidas em um modelo de regressão logística com análise por blocos. Na análise das variáveis do bloco 1, a variável situação conjugal manteve associação significativa com a violência contra a gestante (p = 0,041). No bloco 2, a variável ter sofrido aborto prévio perdeu significância. Já no bloco 3, a variável dependência de álcool apresentou associação significativa (p < 0,001). No bloco 4, as variáveis que permaneceram no modelo foram: realização do pré-natal (p = 0,001) e uso emergencial dos serviços de saúde (p = 0,001). Por fim, no bloco 5, as variáveis que mantiveram associação significativa com a violência contra a gestante foram: diabetes gestacional (p = 0,030), sangramento vaginal no primeiro trimestre (p = 0,006) e DST (p = 0,014). Na análise de regressão logística foram introduzidas, primeiramente, as variáveis selecionadas dos blocos 1 e 3, situação conjugal e dependência de álcool, sendo mantida no modelo apenas a variável dependência de álcool. Em seguida, foram introduzidas as variáveis do bloco 4, realização do pré-natal e uso emergencial dos serviços de saúde, e ambas foram mantidas no modelo. Por fim, foram acrescentadas as variáveis do bloco 5, diabetes gestacional, DSTs e sangramento vaginal no primeiro trimestre, e a última foi retirada da análise por não apresentar associação significativa.

A Tabela 4 apresenta o resultado do modelo final da regressão logística, que indica que as variáveis dependência de álcool (p < 0,001), uso emergencial dos serviços de saúde (p = 0,001), diabetes gestacional (p = 0,037) e DST (p = 0,009) apresentaram associação significativa com a violência contra a gestante. A variável realização de pré-natal apresentou p-valor bem próximo de ser significativo, sendo mantida no modelo para discussão (p = 0,050).

Tabela 4
Resultado final da regressão logística dos fatores associados à violência contra a mulher na gestação.

DISCUSSÃO

A violência contra a mulher durante a gestação é motivo de grande preocupação de saúde global, visto que não apenas uma, mas duas vidas estão em risco33. Donovan BM, Spracklen CN, Schweizer ML, Ryckman KK, Saftlas AF. Intimate partner violence during pregnancy and the risk for adverse infant outcomes: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2016;123(8):1289-99. https://doi.org/10.1111/1471-0528.13928
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. Neste estudo, 8,0% das puérperas entrevistadas relataram ter sofrido violência durante a gestação. Tal fato é preocupante e reforça a necessidade de atenção redobrada dos serviços de saúde por meio de ações preventivas e de rastreamento de situações de violência contra a mulher desde o início do pré-natal11. Baird K. Women’ s lived experience of domestic violence during pregnancy (1). Pract Midwife. 2015;18(3):27-31.,33. Donovan BM, Spracklen CN, Schweizer ML, Ryckman KK, Saftlas AF. Intimate partner violence during pregnancy and the risk for adverse infant outcomes: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2016;123(8):1289-99. https://doi.org/10.1111/1471-0528.13928
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Não foi observada associação entre violência contra a gestante e fatores socioeconômicos e demográficos. Da mesma forma, em um estudo brasileiro que analisou os efeitos do nível socioeconômico sobre a violência contra a mulher grávida, esse fator não esteve associado à violência física, psicológica ou sexual, tendo afetado gestantes de diferentes níveis socioeconômicos1515. Ribeiro MRC, Silva AAM, Britto e Alves MTSS, Batista RFL, Ribeiro CCC, Schraiber LB, et al. Effects of socioeconomic status and social support on violence against pregnant women: a structural equation modeling analysis. PLoS One. 2017;12(1):e0170469. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0170469
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. Por outro lado, outro estudo brasileiro observou que a baixa escolaridade aumentou em 1,5 vez a chance de violência psicológica e quase dobrou a chance de violência física e sexual1616. Audi CAF, Segall-Corrêa AM, Santiago SM, Andrade MGG, Pérez-Escamilla R. Violência doméstica na gravidez : prevalência e fatores associados. Rev Saude Publica. 2008;42(5):877-85. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000041
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. As gestantes com baixa escolaridade e renda relatam mais episódios de violência, o que demonstra a necessidade de identificação dessas mulheres que podem estar em risco1515. Ribeiro MRC, Silva AAM, Britto e Alves MTSS, Batista RFL, Ribeiro CCC, Schraiber LB, et al. Effects of socioeconomic status and social support on violence against pregnant women: a structural equation modeling analysis. PLoS One. 2017;12(1):e0170469. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0170469
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.

As gestantes dependentes de álcool apresentaram maior chance de terem sido expostas à violência durante a gestação (RC = 4,97; IC95% 2,30–10,75; p < 0,001). Vale ressaltar que a dependência de álcool neste estudo foi avaliada por meio de um instrumento padronizado para rastreio do uso de álcool. O uso frequente de álcool e a violência contra a mulher estão interligados, porém a natureza dessa associação é complexa, visto que o uso de álcool pode ser tanto a causa quanto a consequência da violência1717. Devries KM, Child JC, Bacchus LJ, Mak J, Falder G, Graham K, et al. Intimate partner violence victimization and alcohol consumption in women: a systematic review and meta-analysis. Addiction. 2014;109(3):379-91. https://doi.org/10.1111/add.12393
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. As mulheres podem utilizar a bebida para lidar com a violência, ao mesmo tempo que o fato de consumi-la pode resultar em violência, nos casos em que os parceiros não aceitam que a mulher consuma bebida alcóolica1717. Devries KM, Child JC, Bacchus LJ, Mak J, Falder G, Graham K, et al. Intimate partner violence victimization and alcohol consumption in women: a systematic review and meta-analysis. Addiction. 2014;109(3):379-91. https://doi.org/10.1111/add.12393
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. Dessa forma, a relação do uso de álcool e violência pode ser bidirecional. O consumo de bebida alcoólica está relacionado à menor união, harmonia e organização no ambiente familiar, assim como aos altos níveis de violência doméstica1818. Okada MM, Hoga LAK, Borges ALV, Albuquerque RS, Belli MA. Domestic violence against pregnant women. Acta Paul Enferm. 2015;28(3):270-4. https://doi.org/10.1590/1982-0194201500045
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. Tal situação torna-se ainda mais preocupante quando nos referimos ao consumo de bebida alcóolica durante a gestação. O uso de álcool pela gestante contribui para o ganho de peso gestacional insuficiente, maior utilização de outras drogas e menor comparecimento às consultas de pré-natal, além das repercussões diretas ao feto e recém-nascido, como maior risco de malformações, aborto espontâneo, prematuridade, baixo peso ao nascer, asfixia, mortalidade perinatal e síndrome do alcoolismo fetal1919. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saude Pública. 2007;41(5):695-703. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500002
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.

Experiências de violência durante a gestação estão associadas a comportamentos ou atitudes específicas, como o cuidado pré-natal inadequado ou início do acompanhamento tardio1010. Alhusen JL, Ray E, Sharps P, Bullock L. Intimate partner violence during pregnancy: maternal and neonatal outcomes. J Women’s Health (Larchmt). 2015;24(1):100-6. https://doi.org/10.1089/jwh.2014.4872
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,2020. Shrestha M, Shrestha S, Shrestha B. Domestic violence among antenatal attendees in a Kathmandu hospital and its associated factors: a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2016;16(1):360. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1166-7
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. No presente estudo, as gestantes que não realizaram o pré-natal apresentaram 3,8 vezes mais chances de terem sofrido violência. Provavelmente devido ao pequeno número de puérperas que não realizaram o pré-natal (n = 12), o intervalo de confiança foi amplo (IC95% 1,00–15,09) e o p-valor foi ligeiramente superior ao valor de referência (p = 0,050). No entanto, como esse resultado apresentou associação bem próxima de ser significativa, merece ser discutido em estudos futuros, a fim de que os profissionais de saúde se atentem para esse fator. Audi et al.1515. Ribeiro MRC, Silva AAM, Britto e Alves MTSS, Batista RFL, Ribeiro CCC, Schraiber LB, et al. Effects of socioeconomic status and social support on violence against pregnant women: a structural equation modeling analysis. PLoS One. 2017;12(1):e0170469. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0170469
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, em estudo para identificar os fatores associados à violência contra gestantes acompanhadas em unidades de atenção primária à saúde no município de Campinas, São Paulo, observaram que a dificuldade em comparecer às consultas de pré-natal foi associada à violência física e sexual (RC = 2,31; IC95% 1,18–4,51; p = 0,014). Outro estudo brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, identificou que mulheres vítimas de violência buscam pela assistência pré-natal tardiamente, e as que relataram ter sido vítimas de abuso físico durante a gestação possuíam 2,2 vezes mais chance de apresentar uma assistência pré-natal inadequada do que aquelas sem história de violência2121. Moraes CL, Arana FDN, Reichenheim ME. Violência física entre parceiros íntimos na gestação como fator de risco para a má qualidade do pré-natal. Rev Saude Publica. 2010;44(4):667-76. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000400010
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.

Mulheres expostas à violência sofrem constrangimentos de várias ordens, como ciúmes e ameaças, que resultam em restrição de sua liberdade1515. Ribeiro MRC, Silva AAM, Britto e Alves MTSS, Batista RFL, Ribeiro CCC, Schraiber LB, et al. Effects of socioeconomic status and social support on violence against pregnant women: a structural equation modeling analysis. PLoS One. 2017;12(1):e0170469. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0170469
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, podendo também ser desencorajadas pelos parceiros a realizarem o acompanhamento pré-natal2222. Stöckl H, Watts C, Kilonzo Mbwambo JK. Physical violence by a partner during pregnancy in Tanzania: prevalence and risk factors. Reprod Health Matters. 2010;18(36):171-80. https://doi.org/10.1016/S0968-8080(10)36525-6
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. Tal fato pode justificar a não realização ou não comparecimento em todas as consultas agendadas, conforme pode ser observado neste estudo, no qual 6,5% das mulheres expostas à violência não realizaram o pré-natal e 37,1% compareceram a menos de seis consultas. A facilidade de acesso à assistência pré-natal e o desenvolvimento de uma relação de confiança entre paciente e profissional de saúde são os primeiros passos para abordar o problema da violência na gravidez. Intervenções individualizadas e programas de visitas domiciliares direcionadas às gestantes que não comparecem às consultas agendadas podem ter resultados promissores99. Governo do Estado de Minas Gerais, Sistema Integrado de Defesa Social, Centro Integrado de Informações de Defesa Social. Diagnóstico de violência doméstica e familiar nas regiões integradas de segurança pública de Minas Gerais: Registros Tentados e Consumados. Belo Horizonte, MG; 2018 [cited 2019 Oct 20]. Available from: http://www.seguranca.mg.gov.br/images/2020/Maio/Diagnosticos/final_Diagnstico%20violncia%20domstica%202015%20a%202017%20-%20MG%20e%20RISPs.pdf
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As gestantes que utilizaram os serviços de saúde de forma emergencial, incluindo consultas não agendadas na Estratégia Saúde da Família ou clínicas, uso de ambulância ou serviço de atendimento móvel de urgência, unidades de pronto atendimento e necessidade de internação em hospital, apresentaram maior chance de terem sido expostas à violência (RC = 2,47; IC95% 1,42–4,30; p = 0,001). De acordo com a literatura, essa procura por serviços de saúde ocorre devido às consequências do elevado nível de estresse sofrido pela exposição à violência ou devido às lesões causadas pelas possíveis agressões físicas, ou ainda pelo trauma sexual ou infecções resultantes da violência sexual, o que pode acarretar complicações na gestação2323. Coker AL, Sanderson M, Dong B. Partner violence during pregnancy and risk of adverse pregnancy outcomes. Paediatr Perinat Epidemiol. 2004;18(4):260-9. https://doi.org/10.1111/j.1365-3016.2004.00569.x
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Muitas mulheres, quando procuram o serviço de saúde para cuidar de lesões causadas por violência, relutam em revelar a fonte real da lesão, atribuindo-a a alguma outra causa, e a maioria dos serviços não coletam maiores informações44. World Health Organization, Department of Reproductive Health and Research; London School of Hygiene and Tropical Medicine; South African Medical Research Council. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/en/
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. As novas diretrizes da Organização Mundial da Saúde enfatizam a urgente necessidade de integrar essas questões nos currículos de graduação de todos os cursos da área da saúde, bem como treinar as equipes dos diversos serviços de saúde para entender a relação entre violência e problemas de saúde das mulheres e para intervir de forma adequada44. World Health Organization, Department of Reproductive Health and Research; London School of Hygiene and Tropical Medicine; South African Medical Research Council. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/en/
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A violência contra a mulher por parceiro íntimo é um importante contribuinte para a vulnerabilidade das mulheres às DST. Neste estudo, as mulheres com DST apresentaram maior chance de terem sido expostas à violência (RC = 3,85; IC95% 1,41–10,50; p = 0,009). Os mecanismos relacionados ao aumento dessa vulnerabilidade incluem a infecção direta por meio de relações sexuais forçadas, visto que mulheres em relacionamentos violentos podem ter controle limitado sobre o momento ou as circunstâncias da relação sexual e pouca capacidade de negociar o uso de preservativo44. World Health Organization, Department of Reproductive Health and Research; London School of Hygiene and Tropical Medicine; South African Medical Research Council. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/en/
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,2424. Chambliss LR. Intimate partner violence and its implication for pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2008;51(2):385-97. https://doi.org/10.1097/GRF.0b013e31816f29ce
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Um estudo de coorte realizado no sul da África encontrou que a desigualdade de gênero nos relacionamentos e a violência por parceiro íntimo aumentam o risco de infecção por HIV (RC = 1,51; IC95% 1,04–2,21; p = 0,032)2525. Jewkes RK, Dunkle K, Nduna M, Shai N. Intimate partner violence, relationship power inequity, and incidence of HIV infection in young women in South Africa: a cohort study. Lancet. 2010;376(9734):41-8. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)60548-X
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. A história de violência por parceiro íntimo também apresentou associação significativa com o teste de sífilis positivo (RC = 1,61; IC95% 1,24–2,08; p < 0,01) em gestantes bolivianas, sugerindo que essa doença pode ser uma importante consequência negativa da violência para a saúde da mulher e da criança2626. Díáz-Olavarrieta C, Wilson KS, García SG, Revollo R, Richmond K, Paz F, et al. The co-occurrence of intimate partner violence and syphilis among pregnant women in Bolivia. J Women’s Health (Larchmt). 2009;18(12):2077-86. https://doi.org/10.1089/jwh.2008.1258
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. Outro estudo realizado na Índia, com o objetivo de descrever os fatores associados à incidência de DST, verificou que a incidência foi mais alta entre as mulheres casadas e expostas à violência sexual2727. Weiss HA, Patel V, West B, Peeling RW, Kirkwood BR, Mabey D. Spousal sexual violence and poverty are risk factors for sexually transmitted infections in women: a longitudinal study of women in Goa, India. Sex Transm Infect. 2008;84(2):133-9. https://doi.org/10.1136/sti.2007.026039
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. As políticas, intervenções e programas de prevenção das DST devem abordar também esse importante fator de risco2525. Jewkes RK, Dunkle K, Nduna M, Shai N. Intimate partner violence, relationship power inequity, and incidence of HIV infection in young women in South Africa: a cohort study. Lancet. 2010;376(9734):41-8. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)60548-X
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Além das DST, as gestantes que apresentaram diabetes gestacional tiveram maior chance de terem sido expostas à violência (RC = 2,59; IC95% 1,06–6,32; p = 0,037). A diabetes mellitus gestacional representa o problema metabólico mais comum na gestação2828. Wilson BL, Dyer JM, Latendresse G, Wong B, Baksh L. Exploring the psychosocial predictors of gestational diabetes and birth weight. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2015;44(6):760-71. https://doi.org/10.1111/1552-6909.12754
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, sendo que os fatores psicossociais e depressão podem contribuir para o seu desenvolvimento2929. Mason SM, Tobias DK, Clark CJ, Zhang C, Hu FB, Rich-Edwards JW. Abuse in Childhood or Adolescence and Gestational Diabetes: a retrospective cohort study. Am J Prev Med. 2016;50(4):436-44. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.08.033
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. A violência física e psicológica está associada ao maior risco de diabetes tipo 23030. Mason SM, Wright RJ, Hibert EN, Spiegelman D, Jun HJ, Hu FB, et al. Intimate partner violence and incidence of type 2 diabetes in women. Diabetes Care. 2013;36(5):1159-65. https://doi.org/10.2337/dc12-1082
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, que por sua vez tem forte correlação com a diabetes gestacional, visto que os riscos metabólicos podem surgir primeiro na gravidez2929. Mason SM, Tobias DK, Clark CJ, Zhang C, Hu FB, Rich-Edwards JW. Abuse in Childhood or Adolescence and Gestational Diabetes: a retrospective cohort study. Am J Prev Med. 2016;50(4):436-44. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.08.033
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. Além disso, mulheres com histórias de violência estão mais propensas à obesidade, um dos fatores de risco mais importante para a diabetes gestacional. Outro possível mecanismo biológico que explica essa associação é que a violência aumenta os níveis de hormônios do estresse que podem desencadear resistência à insulina2929. Mason SM, Tobias DK, Clark CJ, Zhang C, Hu FB, Rich-Edwards JW. Abuse in Childhood or Adolescence and Gestational Diabetes: a retrospective cohort study. Am J Prev Med. 2016;50(4):436-44. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.08.033
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. Assim, os profissionais de saúde devem estar mais alertas para a identificação das mulheres com risco aumentado para desenvolver diabetes gestacional, que em alguns casos pode ser prevenível.

Este estudo apresenta como limitação o fato de não ter sido utilizado nenhum instrumento padronizado para avaliar a violência contra mulher, sendo realizadas apenas perguntas diretas às puérperas sobre essa questão. O uso de um instrumento padronizado poderia detectar um maior número de puérperas que foram expostas à violência durante a gestação, mas isso não prejudicou os resultados. Neste estudo, 8,0% das puérperas entrevistadas relataram ter sofrido violência durante a gestação, número semelhante às taxas encontradas no Brasil66. Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica. 2019;43:e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
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. Este estudo não abordou apenas a violência por parceiro íntimo, assim como muitos estudos, mas a violência psicológica, física e sexual praticada por diferentes pessoas no ambiente familiar e na comunidade, incluindo também o parceiro íntimo. Outra limitação deste estudo refere-se à relação de causalidade reversa inerente aos estudos transversais.

A violência contra a mulher é um problema de saúde pública com proporção epidêmica, que permeia todo o mundo, colocando a saúde das mulheres em risco, limitando sua participação na sociedade e causando grande sofrimento humano44. World Health Organization, Department of Reproductive Health and Research; London School of Hygiene and Tropical Medicine; South African Medical Research Council. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/en/
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. O governo brasileiro, apesar de algumas iniciativas como a Lei Maria da Penha, deve progredir em termos de legislação e planos de ação para combater esse problema crescente77. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/24159358X/en/
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. É preciso ampliar o debate acerca da violência contra a mulher, em especial as gestantes, dentro dos serviços de saúde, promovendo a visibilidade dos agravos e dialogando sobre a emancipação de gênero e o empoderamento das mulheres. Programas efetivos para identificar as vítimas de violência contra a mulher e intervir ainda durante a gestação são fundamentais, especialmente na atenção primária1515. Ribeiro MRC, Silva AAM, Britto e Alves MTSS, Batista RFL, Ribeiro CCC, Schraiber LB, et al. Effects of socioeconomic status and social support on violence against pregnant women: a structural equation modeling analysis. PLoS One. 2017;12(1):e0170469. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0170469
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,1919. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saude Pública. 2007;41(5):695-703. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500002
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  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes – Código de Financiamento 001). Programa PROQUALI da Universidade Federal de Juiz de Fora (bolsa de doutorado concedida à primeira autora durante a realização do estudo).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2020
  • Aceito
    27 Maio 2020
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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