Democracia e Saúde: reflexões e desafios frente à 16ª Conferência Nacional de Saúde

José Patrício Bispo Júnior Marciglei Brito Morais Sobre os autores

RESUMO

Este texto teve por objetivo analisar as características e os desafios da 16ª Conferência Nacional de Saúde a partir dos três eixos temáticos da conferência: Saúde como direito; Consolidação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS); Financiamento adequado e suficiente para o SUS. Diante das iniciativas de desmonte do modelo de seguridade social e dos retrocessos das políticas de proteção social, a delimitação da saúde em sentido ampliado é fundamental para a defesa do projeto do SUS. Analisamos a proposta da Cobertura Universal de Saúde como alternativa aos sistemas universais. Apresentamos as restrições da cobertura universal e as ameaças que podem significar aos princípios do SUS. Discutimos a insuficiência do financiamento do SUS e os possíveis agravamentos diante das políticas de austeridade fiscal. É necessário o fortalecimento da participação social e o monitoramento das propostas aprovadas na conferência.

Conferências de Saúde; Sistema Único de Saúde; Participação da Comunidade; Política de Saúde; Democracia

INTRODUÇÃO

Passados 33 anos da antológica 8a Conferência Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Saúde e o movimento sanitário buscaram justamente inspiração na conferência de 1986 para estruturar e organizar a 16ª CNS. Assim, a 16ª conferência adotou o tema Democracia e Saúde: saúde como direito e consolidação do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A alusão à democracia e a relação desta com a saúde são aspectos marcantes das duas conferências, no entanto, com contextos bastante distintos. A atmosfera política do país e as conjunturas social e do movimento sanitário são importantes aspectos para a reflexão sobre os dois períodos.

Em 1986, o Brasil tinha recém encerrado um período de 21 anos de ditadura civil-militar, no qual direitos civis, políticos e sociais foram suprimidos. Além das barbaridades características do violento período autoritário, as condições de saúde e vida da população eram degradantes11. Escorel S. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 323-64.. Com o fim do regime, o discurso autoritário era fortemente rechaçado pela população brasileira e existia forte apelo aos valores democráticos. Predominavam sentimentos de que as políticas sociais deveriam ser inerentes à condição de cidadania, organizadas com base na solidariedade e na lógica redistributiva. O movimento da reforma sanitária congregava uma miríade de atores e movimentos sociais, o que lhe possibilitava grande poder de mobilização social e pressão política22. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
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Em 2019, o cenário constitui-se em imagem quase invertida do período anterior. Valores democráticos já não são tão apreciados por grandes parcelas da sociedade brasileira. Observam-se posturas de valorização do autoritarismo e da necessidade de restrição aos direitos. Tudo isso potencializado por discursos de ódio, intolerância e defesa do que Weffort33. Weffort F. Qual democracia? São Paulo: Companhia das Letras; 1992. já denominava de apartheid social. Assim, as políticas sociais são cada vez mais vistas como bens de consumo. Valores de solidariedade e justiça social perdem espaço para o individualismo e a meritocracia. Como agravante, a mobilização da comunidade sanitária esmaeceu e, consequentemente, o poder de interferir sobre os rumos da política já não é o mesmo de outrora.

Destarte, o contexto governamental do país mostra-se desfavorável à consolidação do SUS frente ao desmonte das bases do Estado de Bem-Estar Social. O momento atual é o de maior afronta ao ideário do SUS e de iniciativas mais consistentes para desestruturá-lo desde a proclamação da Constituição, em 1988.

Frente a essa complexa conjuntura, realizou-se a releitura dos temas da 8ª CNS e foram adotados os seguintes eixos temáticos para a 16ª CNS: 1- Saúde como direito; 2- Consolidação dos princípios do SUS; 3- Financiamento adequado e suficiente para o SUS. Dessa forma, o objetivo do presente texto foi analisar as características e os desafios da 16ª Conferência Nacional de Saúde, a partir dos referidos eixos.

Saúde como direito

O direito à saúde não é algo natural, como se o Estado devesse sempre exercer essa atribuição em qualquer contexto. A saúde, enquanto política pública, será sempre determinada pelos valores e cultura de um determinado período; consequentemente, pelo modelo de proteção social adotado no país44. Esping-Andersen G. As três economias políticas do welfare state. Lua Nova. 1991;(24):85-116. https://doi.org/10.1590/S0102-64451991000200006
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Modelos de atenção à saúde marcados pela exclusão de grandes contingentes da população já predominaram no Brasil22. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
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. A superação desses modelos restritivos, a garantia da saúde como direito de cidadania e a conformação de um sistema público e universal de saúde figuram entre as mais relevantes conquistas alcançadas com a Constituição Federal de 1988. Assim, o SUS constitui-se importante conquista social.

Esta não é uma lógica evolutiva unidirecional. A garantia do direito à saúde não é algo consensual, muito menos é consensual o entendimento do conceito de saúde e qual deve ser a atuação do Estado para garanti-la. Em contextos de fortalecimento de valores liberais e individualistas, os direitos sociais estão sempre ameaçados. Daí a importância do presente eixo temático.

Mais do que nunca, a reafirmação e a delimitação da saúde em sentido ampliado são fundamentais para a defesa do projeto do SUS. O conceito de saúde da 8ª CNS mostra-se oportuno e de grande relevância para o debate contemporâneo: Saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde55. Anais da 8. Conferência Nacional de Saúde; 17-21 mar 1986; Brasília, DF. Brasília, DF: Centro de Documentação do Ministério da Saúde; 1987 [citado 15 abr 2019]. Disponível em: http://www.ccs.saude.gov.br/cns/pdfs/8conferencia/8conf_nac_anais.pdf
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. Importante também é a definição do artigo 196 da Constituição de 1988 em que Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas66. Brasil. Constituição (1988). Brasília, DF: Senado Federal; 1988..

A saúde é abordada em perspectiva ampliada e não apenas restrita aos aspectos biológicos nas duas conceituações. Evidenciam-se, assim, as determinações econômica e social da saúde – ou seja, saúde é resultante das condições de vida. Não há saúde sem o desenvolvimento de políticas intersetoriais que promovam condições dignas de vida e trabalho para o conjunto da população77. Silva KL, Sena RR, Belga SMMF, Silva PM, Rodrigues AT. Promoção da saúde: desafios revelados em práticas exitosas. Rev Saude Publica. 2014;48(1):76-85. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004596
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,88. Ramos LR, Malta DC, Gomes GAO, Bracco MM, Florindo AA, Mielke GI, et al. Prevalence of health promotion programs in primary health care units in Brazil. Rev Saude Publica. 2014;48(5):837-44. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005249
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A 16ª CNS ocorre num contexto de grave ameaça à saúde do povo brasileiro. Observam-se o desmonte da seguridade social e os retrocessos nas políticas de proteção social. Destacam-se dentre as ações extintas ou fortemente reduzidas: política habitacional, política de segurança alimentar e ações de vigilância ambiental. Somado a isso, as aprovações da reforma trabalhista e da lei das terceirizações, junto com a tramitação da reforma da previdência, agravam a precarização do trabalho e a diminuição do poder aquisitivo da população.

Essas medidas mostram a retomada do modelo de crescimento econômico concentrador de renda99. Lima RTS. Austerity and the future of the Brazilian Unified Health System (SUS): health in perspective. Health Promot Int. 2019; 4 Supl 1:i20-i27. https://doi.org/10.1093/heapro/day075
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. Esse modelo já foi experimentado no Brasil durante a ditadura cívico-militar e resultou no agravamento das condições de vida e de saúde da população11. Escorel S. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 323-64.. A preservação da saúde em sentido ampliado é o maior desafio para a discussão e proposições desse eixo temático.

Consolidação dos princípios do SUS

O debate sobre a consolidação dos princípios do SUS perpassa pela defesa dos sistemas universais de saúde. Além das adversidades presentes no cenário nacional, deve-se analisar a conjuntura internacional e a força dos organismos multilaterais que induzem à restrição dos cuidados em saúde.

Os sistemas universais passaram a ser questionados sob a alegação dos elevados custos, baixa efetividade e consequente incapacidade dos países em mantê-los1010. Carey G, Crammond B, De Leeuw E.Towards health equity: a framework for the application of proportionate universalism. Int J Equity Health. 2015;14:81. https://doi.org/10.1186/s12939-015-0207-6
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. É proposto o novo universalismo, entendido como a oferta de um conjunto de serviços essenciais a todos os cidadãos1111. World Health Organization. The World Health Report 2000 – Health Systems: improving performance. Geneva: WHO; 2000 [citado 15 abr 2019]. Disponível em: https://www.who.int/whr/2000/en/
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, mas não a garantia de todos os serviços. Trata-se da oferta de um pacote mínimo que limita o direito à saúde e compromete a integralidade.

O debate internacional sobre as concepções de universalidade tem se acentuado e ganhado novos contornos nos últimos anos. Intensificaram-se as críticas aos sistemas universais e passou-se a difundir a ideia da cobertura universal de saúde (universal health coverage – UHC)1212. Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar ACA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, et al. Sistema universal de saúde e cobertura universal: desvendando pressupostos e estratégias. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(6):1763-76. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05562018
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. Embora sejam termos parecidos, a proposta da cobertura universal alinha-se à ideia de pacote limitado de serviços e com o acesso por meio de seguros de saúde.

A OMS, principal avalista da proposta, define UHC em três dimensões: cobertura populacional, cobertura de serviços e proteção financeira1313. World Health Organization. The World Health Report 2010 – health systems Financing: the path to universal coverage. Geneva: WHO; 2010 [citado 15 abr 2019]. Disponível em: https://www.who.int/whr/2010/en/
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. A concepção de direito é substituída pelo mecanismo da proteção financeira. Trata-se de uma lógica restritiva, medicalizante, assistencial e com motivação econômica. A proposta de UHC pode representar um retrocesso para países que têm a saúde como direito de cidadania e possuem sistemas universais1414. Ataguba JE, Ingabire MG. Universal Health Coverage: assessing service coverage and financial protection for all. Am J Public Health. 2016;106(10):1780-1. https://doi.org/10.2105/AJPH.2016.303375
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Esse debate está aliado à concepção de Atenção Primária à Saúde (APS). A Conferência de Astana, em 2018, representou considerável enfraquecimento no ideário da APS abrangente. Enquanto Alma-Ata evocava para um sentido de APS integral e orientada aos princípios de justiça social, a declaração de Astana restringe o sentido de APS à UHC, com redução da intervenção estatal, seletividade e focalização1515. Giovanella L, Mendonça MHM, Buss PM, Fleury S, Gadelha CAG, Galvão LAC, et al. De Alma-Ata a Astana. Atenção primária à saúde e sistemas universais de saúde: compromisso indissociável e direito humano fundamental. Cad Saude Publica. 2019;35(3):e00012219. https://doi.org/10.1590/0102-311x00012219
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. A UHC ameaça todos os princípios do SUS, com a universalidade restrita, a integralidade abandonada e a equidade distorcida.

Outro ponto merecedor de atenção na 16ª CNS é o documento do Banco Mundial que propõe uma nova reforma do SUS1616. Banco Mundial. Propostas de reforma do Sistema Único de Saúde Brasileiro. Washington, DC; 2018 [citado 15 abr 2019]. Disponível em: http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf
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. Esse documento sugere, entre outras coisas, privatização da prestação de serviços, concorrência entre os prestadores, limitação do acesso aos serviços especializados e compartilhamento de custos. Esse último pode representar a cobrança de serviços no SUS.

A compreensão desses aspectos e o entendimento de como as forças pró-mercado organizam-se e estruturam-se dentro e fora do país são fundamentais para a defesa dos princípios do SUS. Assim, a 16ª CNS é o espaço propício para análise crítica dessas propostas e o que podem significar para o futuro do sistema e os direitos da população brasileira.

Financiamento adequado e suficiente para o SUS

São necessários recursos financeiros suficientes e adequadamente utilizados para a garantia do direito à saúde e para a consolidação dos princípios do SUS. O financiamento é elemento estratégico no debate dos modelos de atenção e constitui-se em bandeira histórica do movimento sanitário. Ao longo de sua existência, o SUS nunca contou com financiamento adequado ou equivalente ao de países com sistemas públicos universais22. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
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Dois indicadores podem ajudar no entendimento do subfinanciamento do SUS. O primeiro é o gasto total em saúde em percentual do Produto Interno Bruto (PIB). O Brasil gasta em torno de 8% do PIB em saúde1717. Atun R, Andrade LO, Almeida G, Cotlear D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health-system reform and universal health coverage in Latin America. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61646-9
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, enquanto a média dos países com sistemas universais gira em torno de 12%1818. Toth F. Classification of healthcare systems: can we go further? Health Policy. 2016;120(5):535-43. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2016.03.011
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. O segundo diz respeito à porcentagem do gasto público em relação ao gasto total em saúde. Espera-se maior proporção de gasto público nos países com sistemas universais. No entanto, o Brasil possui uma das menores proporções de gasto público (46%), quando comparado à América Latina (51%), com países de renda média (55%) e com países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (62%)1919. Massuda A, Hone T, Leles FAG, Castro MC, Atun R. The Brazilian health system at crossroads: progress, crisis and resilience. BMJ Glob Health. 2018;3(4):e000829. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2018-000829
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Essa proporção de investimento público diz respeito aos recursos destinados diretamente ao SUS. Historicamente, as políticas de saúde no Brasil sempre estimularam o setor privado22. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
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. Assim, o gasto dos governos federal, estadual e municipal são muito maiores quando se considera os mecanismos de renúncia fiscal, subsídios para servidores públicos adquirirem planos de saúde e a existência de planos privados mantidos pelos próprios governos em paralelo ao SUS. Tais mecanismos constituem-se em financiamento público do setor privado sem qualquer possibilidade de controle pelas instâncias de participação social.

Como agravante, as políticas de austeridade fiscal influenciam o Brasil a diminuir os investimentos na proteção social e a reduzir a atuação do Estado no desenvolvimento das políticas públicas99. Lima RTS. Austerity and the future of the Brazilian Unified Health System (SUS): health in perspective. Health Promot Int. 2019; 4 Supl 1:i20-i27. https://doi.org/10.1093/heapro/day075
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,1919. Massuda A, Hone T, Leles FAG, Castro MC, Atun R. The Brazilian health system at crossroads: progress, crisis and resilience. BMJ Glob Health. 2018;3(4):e000829. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2018-000829
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. Prova disso são os corriqueiros contingenciamentos dos orçamentos anuais dos ministérios das áreas sociais. Todavia, a principal medida que compromete a sustentabilidade financeira do SUS foi a aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016. Com esta, os gastos em saúde ficam congelados por 20 anos.

É improvável que o progresso alcançado pelo SUS nas últimas décadas seja sustentado caso seja mantida a política de austeridade em curso1919. Massuda A, Hone T, Leles FAG, Castro MC, Atun R. The Brazilian health system at crossroads: progress, crisis and resilience. BMJ Glob Health. 2018;3(4):e000829. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2018-000829
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. Assim, a realização da 16ª CNS demanda o desenvolvimento de um potente processo de mobilização social capaz de influenciar na reversão dos deletérios efeitos sociais, culturais e econômicos das atuais políticas fiscais e de austeridade.

Reflexões finais

Está em jogo a disputa ideológica do SUS. As forças liberais têm conseguido avançar na desconstrução dos valores da solidariedade e da justiça social. É crescente a disseminação da ideia de se buscar no setor privado o atendimento das necessidades sociais dos indivíduos e famílias. Nesse contexto, a 16ª CNS constitui-se espaço fecundo para a desconstrução dos intentos liberalizantes e a reafirmação e defesa do SUS enquanto projeto emancipador de sociedade.

As Conferências de Saúde e as instâncias de participação social não devem adequar-se aos ditames restritivos das políticas econômicas. Não aprovar uma proposta ou resolução sob o argumento de não haver dinheiro para implementação é submeter o projeto da Reforma Sanitária aos interesses do setor privado. O esperado é a aprovação do relatório final da 16ª CNS fundamentado nos preceitos da seguridade social e que sirva de marco condutor para a ampliação do SUS e não para restringi-lo.

É importante o próprio fortalecimento da participação social. A conferência não pode constituir-se apenas em ato festivo e de mobilização pontual. As etapas de monitoramento precisam ser valorizadas e convertidas em instrumentos de debate e mobilização perene. É necessário reavivar os conselhos de saúde como instâncias potencializadoras da democracia e saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    2 Maio 2019
  • Aceito
    26 Jun 2019
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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