Processos de geocodificação em estudos de coorte: métodos aplicados no EpiFloripa Idoso

Catharina Cavasin Salvador Adalberto Aparecido dos Santos Lopes Danilo Resendes Fernanda Faccio Demarco Marcelo Dutra Della Justina Renato Tibiriçá de Saboya Cassiano Ricardo Rech Eleonora d’Orsi Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Descrever o processo e as implicações epidemiológicas do georreferenciamento nas amostras do EpiFloripa Idoso (2009–2019).

MÉTODO

O estudo de coorte EpiFloripa Idoso buscou investigar e acompanhar as condições de vida e saúde da população idosa (≥ 60) de Florianópolis em três ondas de estudo (2009/2010, 2013/2014, 2017/2019). Com uma ferramenta de geocodificação automática, os endereços residenciais foram espacializados, permitindo a investigação do efeito das perdas amostrais do georreferenciamento em relação a 19 variáveis, avaliadas nas três ondas. A influência de diferentes definições de vizinhança (setores censitários, buffers euclidianos e buffers pela rede de ruas) foi examinada nos resultados de sete variáveis: área, renda, densidade residencial, uso misto do solo, conectividade, contagem de unidades de saúde, e contagem de espaços livres públicos. Coeficientes de correlação de Pearson foram calculados para avaliar as diferenças entre as definições de vizinhança de acordo com três variáveis: renda contextual, densidade residencial e diversidade de uso do solo.

RESULTADO

As perdas impostas pela geocodificação (6%, n = 240) não ocasionaram diferença estatística significativa entre a amostra total e a georreferenciada. A análise das variáveis do estudo sugere que o processo de geocodificação pode ter incluído uma maior proporção de participantes com melhor nível de renda, escolaridade e condições de vida. Os coeficientes de correlação evidenciaram pouca correspondência entre medidas calculadas pelas três definições de vizinhança (r = 0,37–0,54). A diferença estatística entre as variáveis calculadas por buffers e setores censitários ressalta limitações no uso destes na descrição dos atributos geoespaciais.

CONCLUSÃO

Apesar dos desafios relacionados à geocodificação, como inconsistências nos endereços, adequados mecanismos de correção e verificação propiciaram elevada taxa de atribuição de coordenadas geográficas. Os achados sugerem que a adoção de buffers, favorecida pela geocodificação, representa uma potencialidade para análises epidemiológicas espaciais ao aprimorar a representação dos atributos do ambiente e a compreensão dos desfechos de saúde.

Saúde do Idoso; Meio Ambiente e Saúde Pública; Inquéritos Epidemiológicos; Mapeamento Geográfico; Sistemas de Informação Geográfica; Análise Espacial

INTRODUÇÃO

Com o aumento da população mundial urbana, um número crescente de investigações busca compreender as relações entre os ambientes urbanizados e desfechos de saúde11. Schulz AJ. Urban environments and health. In: Nriagu JO, ed. Encyclopedia of Environmental Health. [place unknown]: Elsevier; 2011.p. 549-55.. Planejar e gerir as cidades de forma eficiente possui potencial de promover a saúde e o bem-estar, além de reduzir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis22. Giles-Corti B, Vernez-Moudon A, Reis R, Turrell G, Dannenberg AL, Badland H, et al. City planning and population health: a global challenge. Lancet. 2016 Dec;388(10062):2912-24. https://doi.org/10.1016/S0140-6736 (16)30066-6
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,33. Renalds A, Smith TH, Hale PJ. A systematic review of built environment and health. Fam Community Health. 2010;33(1):68-78. https://doi.org/10.1097/FCH.0b013e3181c4e2e5
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, com um efeito duradouro44. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW; Lancet Physical Activity Series Working Group. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet. 2012 Jul;380(9838):258-71. https://doi.org/10.1016/S0140-6736 (12)60735-1
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. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) são um conjunto de tecnologias que permitem integrar, em um mesmo ambiente, variáveis sobre diferentes aspectos da realidade e em diferentes escalas de agregação55. Michael Y, Beard T, Choi D, Farquhar S, Carlson N. Measuring the influence of built neighborhood environments on walking in older adults. J Aging Phys Act. 2006 Jul;14(3):302-12. https://doi.org/10.1123/japa.14.3.302
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,66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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. Modelos geográficos baseados em SIG sustentam na análise de disparidades de saúde conceitos como contexto de vizinhança, disponibilidade de serviços de saúde, prática de atividade física e acessibilidade a destinos cotidianos77. Brownson RC, Hoehner CM, Day K, Forsyth A, Sallis JF. Measuring the built environment for physical activity: state of the science [Internet]. Am J Prev Med. 2009 Apr;36(4 Suppl):S99-123.e12. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.01.005
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, capazes de contribuir para trabalhos sobre saúde e qualidade de vida nas cidades.

Os avanços em SIG nas últimas duas décadas aumentaram a especificidade com a qual o ambiente da vizinhança de um indivíduo pode ser espacialmente definido88. Frank LD, Fox EH, Ulmer JM, Chapman JE, Kershaw SE, Sallis JF, et al. International comparison of observation-specific spatial buffers: maximizing the ability to estimate physical activity. Int J Health Geogr. 2017 Jan;16(1):4. https://doi.org/10.1186/s12942-017-0077-9
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. Análises em SIG na área de Saúde Coletiva são geralmente baseadas na localização residencial de um indivíduo, que pode ser definida em vários níveis de resolução geográfica, como: a) limites administrativos (como bairros, municípios ou outras regionalizações); b) setores censitários (unidade territorial definida a cada censo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, para controlar a coleta de dados populacionais); e, c) latitude e longitude de um endereço residencial. Para limites administrativos e setores censitários, não é necessário converter o endereço em coordenada, no entanto deve-se observar a correspondência do endereço com o limite territorial em estudo. Por outro lado, o último exige um processo de conversão de endereços textuais em coordenadas geográficas, conhecido como geocodificação66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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,1111. Jacquez GM. A research agenda: does geocoding positional error matter in health GIS studies? Spat Spatio-Temporal Epidemiol. 2012 Apr;3(1):7-16. https://doi.org/10.1016/j.sste.2012.02.002
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.

A importância da geocodificação para análise de dados de saúde tem sido evidenciada por pesquisas nacionais1212. Hino P, Villa TC, Sassaki CM, Nogueira JD, Dos Santos CB. Geoprocessamento aplicado à área da saúde. Rev Lat Am Enfermagem. 2006 Nov;14(6):939-43. https://doi.org/10.1590/S0104-11692006000600016
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.

A geocodificação permite a adoção de buffers, uma zona em torno do endereço residencial de um indivíduo (ponto) que estabelece uma área limite, definida por uma distância máxima especificada, onde são agregados dados espaciais de interesse. Os buffers definem e caracterizam a vizinhança com precisão, ajudando a gerenciar limitações dos setores censitários e o problema da unidade de área modificável77. Brownson RC, Hoehner CM, Day K, Forsyth A, Sallis JF. Measuring the built environment for physical activity: state of the science [Internet]. Am J Prev Med. 2009 Apr;36(4 Suppl):S99-123.e12. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.01.005
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. Apesar da importância da escala para agregar as variáveis do ambiente, poucas pesquisas examinaram a influência de diferentes definições de vizinhança em resultados de análises1313. Oliver LN, Schuurman N, Hall AW. Comparing circular and network buffers to examine the influence of land use on walking for leisure and errands. Int J Health Geogr. 2007 Sep;6(1):41. https://doi.org/10.1186/1476-072X-6-41
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. A partir disso, percebe-se que os resultados dos atributos objetivos do ambiente urbano adquiridos com cada tipo de resolução geográfica podem ser diferentes, superestimando ou subestimando a real exposição que os participantes de um estudo epidemiológico têm aos atributos de interesse da investigação.

Embora a agilidade na espacialização de um grande volume de locais seja uma vantagem da geocodificação, o processo de conversão potencializa o risco de erros de posição e classificação. Trabalhos anteriores reportaram taxas de geocodificação variáveis e perdas causadas por endereços problemáticos e com má qualidade dos registros1414. Vine MF, Degnan D, Hanchette C. Geographic information systems: their use in environmental epidemiologic research. J Environ Health. 1997 Jun;105(6);598-605. https://doi.org/10.1289/ehp.97105598
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. Erros podem gerar descrições incorretas das variáveis do ambiente construído, conclusões distorcidas sobre a associação entre variáveis dependentes e independentes, e decisões de saúde pública inadequadas1111. Jacquez GM. A research agenda: does geocoding positional error matter in health GIS studies? Spat Spatio-Temporal Epidemiol. 2012 Apr;3(1):7-16. https://doi.org/10.1016/j.sste.2012.02.002
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. Estudos internacionais utilizam o ArcGIS(r)/ArcView(r), um software licenciado para a geocodificação66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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, porém apontam riscos de localização incorreta66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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e erros quando aplicados em outros países1919. Davis CA Jr, Alencar RO. Evaluation of the quality of an online geocoding resource in the context of a large Brazilian city. Trans GIS. 2011;15(6):851-68. https://doi.org/10.1111/j.1467-9671.2011.01288.x
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. Outras pesquisas contratam empresas comerciais com profissionais treinados, softwares próprios e correções espaciais contínuas1818. Schootman M, Sterling DA, Struthers J, Yan Y, Laboube T, Emo B, et al. Positional accuracy and geographic bias of four methods of geocoding in epidemiologic research. Ann Epidemiol. 2007 Jun;17(6):464-70. https://doi.org/10.1016/j.annepidem.2006.10.015
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. Portanto, para minimizar as despesas de geocodificação interna, dados locacionais de alta qualidade são fundamentais.

O estudo de coorte EpiFloripa Idoso, realizado em Florianópolis, Santa Catarina, buscou investigar e acompanhar as condições de vida e saúde da população idosa (60 anos ou mais) residente na zona urbana do município2020. Schneider IJ, Confortin SC, Bernardo CO, Bolsoni CC, Antes DL, Pereira KG, et al. EpiFloripa Aging cohort study: methods, operational aspects, and follow-up strategies. Rev Saude Publica. 2017;51:104. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051006776
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. As publicações provenientes deste projeto têm utilizado, até então, os setores censitários como unidade espacial de análise e representação das vizinhanças dos participantes2121. Weber Corseiul Giehl M, Hallal PC, Weber Corseuil C, Schneider IJ, d’Orsi E. Built environment and walking behavior among Brazilian older adults: a population-based study. J Phys Act Health. 2016 Jun;13(6):617-24. https://doi.org/10.1123/jpah.2015-0355
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,2222. Corseuil Giehl MW, Hallal PC, Brownson RC, d’Orsi E. Exploring associations between perceived measures of the environment and walking among Brazilian Older adults. J Aging Health. 2017 Feb;29(1):45-67. https://doi.org/10.1177/0898264315624904
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. Com a geocodificação dos domicílios, novos estudos podem ser desenvolvidos, aplicando unidades de análise mais específicas ao ambiente urbano que efetivamente possa ser acessado dentro de um determinado intervalo de tempo. Contudo, esse processo impõe diversos desafios tecnológicos e operacionais que precisam ser enfrentados para assegurar confiabilidade e precisão aos resultados.

Assim, o objetivo deste estudo é descrever o processo e as implicações epidemiológicas da geocodificação das residências dos participantes da amostra do EpiFloripa Ageing Cohort Study (2009–2019). Para estas últimas, mais especificamente, fazemos: a) uma comparação entre dados sociodemográficos, de percepção do ambiente e de condição de saúde obtidos para a amostra total e aquela proporção que foi geocodificada, em busca de possíveis distorções; e b) uma comparação do desempenho de três definições de vizinhança possíveis a partir da geocodificação (setores censitários, buffers euclidianos e buffers pela rede de ruas) para algumas variáveis relevantes, como renda, densidade residencial, uso misto do solo e conectividade.

MÉTODOS

O projeto EpiFloripa Idoso é um estudo de coorte de base populacional desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina2323. Orsi E, Rech CR, Paiva KM, Lopes, AAS, Boing AC, Barbosa AR, et al. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso 3a onda (2017-2019) relatório técnico-científico. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020 [cited 2021 Mar 30]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/219631
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. O contexto espacial do estudo envolve todo o município de Florianópolis (SC), com 421.240 habitantes, e 11,4% da população composta por pessoas acima de 60 anos de idade1919. Davis CA Jr, Alencar RO. Evaluation of the quality of an online geocoding resource in the context of a large Brazilian city. Trans GIS. 2011;15(6):851-68. https://doi.org/10.1111/j.1467-9671.2011.01288.x
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. O processo de seleção da amostra foi realizado por conglomerados, nos quais as unidades de primeiro estágio foram os setores censitários e as do segundo estágio foram os próprios domicílios. Inicialmente foram organizados, em 2009, os 420 setores censitários urbanos do município conforme os decis de renda dos chefes dos domicílios, e sorteados sistematicamente oito setores em cada decil. Posteriormente, foi realizada uma etapa para redução do coeficiente de variação dos domicílios de cada setor, por meio da divisão dos setores com maior número de domicílios (> 500) e agrupamento daqueles com menor número (< 150), o que resultou em 83 setores, compostos por um total de 22.846 domicílios. Na linha de base, 1.911 idosos (≥ 60 anos) foram identificados e considerados elegíveis.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário padronizado, aplicado na forma de entrevista face-a-face na residência do participante, o qual ofereceu dados cadastrais necessários para a geolocalização, contendo o código de identificação do participante (ID), nome, telefone, logradouro, número residencial, código postal residencial (CEP) e bairro.

Com três ondas de avaliação – linha de base (2009–2010), acompanhamento após cinco anos (2013–2014), e acompanhamento após 10 anos (2017–2019) –, a primeira onda envolveu 1.705 entrevistados. No entanto, dois participantes duplicados e um com idade incompatível levaram a amostra para 1.702, mantendo a taxa de resposta em 89,2%. A segunda onda obteve 1.197 participantes, e, a partir da terceira, tornou-se uma coorte aberta, com 1.335 participantes, sendo 743 entrevistas de acompanhamento, 105 idosos oriundos da amostra EpiFloripa Adulto, e 487 novos recrutados2323. Orsi E, Rech CR, Paiva KM, Lopes, AAS, Boing AC, Barbosa AR, et al. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso 3a onda (2017-2019) relatório técnico-científico. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020 [cited 2021 Mar 30]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/219631
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. Maiores detalhes metodológicos encontram-se em estudos prévios2020. Schneider IJ, Confortin SC, Bernardo CO, Bolsoni CC, Antes DL, Pereira KG, et al. EpiFloripa Aging cohort study: methods, operational aspects, and follow-up strategies. Rev Saude Publica. 2017;51:104. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051006776
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,2323. Orsi E, Rech CR, Paiva KM, Lopes, AAS, Boing AC, Barbosa AR, et al. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso 3a onda (2017-2019) relatório técnico-científico. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020 [cited 2021 Mar 30]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/219631
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,2424. Confortin SC, Schneider IJC, Antes DL, Cembranel F, Ono LM, Marques LP, et al. Condições de vida e saúde de idosos: resultados do estudo de coorte EpiFloripa Idoso. Epidemiol Serv Saúde.2017 Apr;26(2):305-17. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000200008
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.

O procedimento de geocodificação seguiu neste estudo várias etapas, com três estratégias principais: a) padronização dos endereços; b) correção manual; e c) atribuição de coordenadas e conferência (Figura 1). A recorrência de registros de endereço incompletos ou com formatação incompatível com o programa de geocodificação exigiu sua padronização e normalização em um formato adequado para importação. Para um procedimento de baixo custo que dispensa equipe treinada, optou-se pelo software gratuito Google Earth Pro. O mesmo software foi escolhido pela disponibilidade de pesquisadores habilitados e por sua capacidade de processar as coordenadas correspondentes aos endereços de forma rápida e automatizada99. Lopes AA, Hino AA, Moura EN, Reis RS. Hino AAF, Moura EN de, Reis RS. O Sistema de Informação Geográfica em pesquisas sobre ambiente, atividade física e saúde. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2019 Aug;23:1-11. https://doi.org/10.12820/rbafs.23e0065
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, sugerindo correções para endereços inválidos.

Figura 1
Processo de geocodificação e perdas das três ondas de acompanhamento em Florianópolis. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso, 2009–2019.

Para avaliar a cobertura (proporção de endereços geocodificados com sucesso) e precisão posicional dos domicílios dos participantes (quão próximas as coordenadas geocodificadas correspondem às coordenadas verdadeiras)1111. Jacquez GM. A research agenda: does geocoding positional error matter in health GIS studies? Spat Spatio-Temporal Epidemiol. 2012 Apr;3(1):7-16. https://doi.org/10.1016/j.sste.2012.02.002
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, foi gerada uma geocodificação preliminar da linha de base (EpiFloripa Idoso, 2009-2010). Ela evidenciou a necessidade de correção dos endereços, preparando-os para uma importação definitiva.

Estratégias empregadas para lidar com endereços incompletos estão entre as principais determinantes de erro posicional de geocodificação1111. Jacquez GM. A research agenda: does geocoding positional error matter in health GIS studies? Spat Spatio-Temporal Epidemiol. 2012 Apr;3(1):7-16. https://doi.org/10.1016/j.sste.2012.02.002
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. Assim, a checagem dos endereços não encontrados foi feita caso a caso (Figura 1). O processo de correção envolveu o tratamento da base de dados (Microsoft Excel 2013) e a atualização dos endereços via consulta de dados adicionais relatados. Pesquisas em sites de mapeamento (Google Maps, Google Street View) e em dados municipais de sistema viário (http://geo.pmf.sc.gov.br) favoreceram a geocodificação manual das coordenadas de endereços não encontrados.

Devido à mudança no número de setores censitários pelo IBGE entre os censos de 2000 e 2010, optou-se pelo agrupamento de setores com características semelhantes de renda média per capita, visando garantir um número mínimo de idosos em cada local. Desta forma, o estudo criou o que foi chamado de Episetor: um agrupamento de setores censitários adjacentes com características similares, considerando sua localização geográfica e decil de renda correspondente1515. Bonner MR, Han D, Nie J, Rogerson P, Vena JE, Freudenheim JL. Positional accuracy of geocoded addresses in epidemiologic research. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):408-12. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073121.63254.c5
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. O mesmo agrupamento foi utilizado como mecanismo de verificação da geocodificação.

Para evitar a perda amostral, participantes recrutados na primeira onda que residiam fora do limite do Episetor sorteado foram reconsiderados com base em uma margem de segurança definida pelo tamanho médio de uma quadra (100 metros do entorno dos Episetores). Dessa forma, dados de indivíduos residentes nas bordas do setor censitário e que se encontram dentro de sua zona de influência foram resguardados. Em casos de participantes das três ondas do estudo, foi desconsiderada a localização fora da margem de tolerância do Episetor como um fator de erro, favorecendo estudos longitudinais.

Em estudos semelhantes, endereços inacessíveis foram solucionados a partir da geração de um “ponto médio do segmento de rua”, derivando um centroide66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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,2525. Goldberg DW, Swift JN, Wilson JP. Geocoding best practices: reference data, input data, and feature matching. Los Angeles: University of Southern California; 2008.. Logo, para participantes sem registros relativos ao número residencial e sem possibilidade de contato, foram atribuídas as coordenadas de latitude/longitude dos centroides dos logradouros informados. Em logradouros extensos, buscou-se a numeração de casas dentro do Episetor em questão.

Para as segunda e terceira ondas do estudo, foram seguidos os mesmos critérios de espacialização. Participantes que mudaram de endereço entre as ondas de pesquisa tiveram seu novo endereço residencial conferido e formatado para uma nova geocodificação.

Participantes com endereços válidos foram analisados em relação a 19 variáveis derivadas do EpiFloripa Idoso, as quais englobam blocos do questionário com dados sociodemográficos, dados de percepção do ambiente, e condições de saúde ao longo de três ondas de acompanhamento. O método de coleta dessas informações está descrito em estudos prévios2020. Schneider IJ, Confortin SC, Bernardo CO, Bolsoni CC, Antes DL, Pereira KG, et al. EpiFloripa Aging cohort study: methods, operational aspects, and follow-up strategies. Rev Saude Publica. 2017;51:104. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051006776
https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017...
,2323. Orsi E, Rech CR, Paiva KM, Lopes, AAS, Boing AC, Barbosa AR, et al. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso 3a onda (2017-2019) relatório técnico-científico. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020 [cited 2021 Mar 30]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/219631
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,2424. Confortin SC, Schneider IJC, Antes DL, Cembranel F, Ono LM, Marques LP, et al. Condições de vida e saúde de idosos: resultados do estudo de coorte EpiFloripa Idoso. Epidemiol Serv Saúde.2017 Apr;26(2):305-17. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000200008
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. Os dados foram comparados de acordo com as amostras totais, visando identificar o efeito das perdas de georreferenciamento nos dados amostrais das três ondas. A significância (95%) da diferença entre os valores para a amostra total e a amostra geocodificada foi calculada a partir de um teste Z para proporções.

Foram adotadas definições de vizinhança de acordo com três diferentes unidades de análise espacial (Figura 2). A partir da base de dados de logradouros do município (Prefeitura Municipal de Florianópolis – PMF – 2012), foram gerados buffers euclidianos (circulares) e de rede (detalhados), que em seguida foram comparados com a área pré-delimitada pela unidade de análise tradicional, o setor censitário. A dimensão adotada para o buffer (500 metros) segue estudos anteriores pautados em uma distância que permita um deslocamento ativo2626. Yun HY. Environmental factors associated with older adult’s walking behaviors: a systematic review of quantitative studies. Sustainability (Basel). 2019;11(12):3253. https://doi.org/10.3390/su11123253
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e na velocidade média de marcha de acordo com a faixa etária2727. Weber D. Differences in physical aging measured by walking speed: evidence from the English Longitudinal Study of Ageing [Internet]. BMC Geriatr. 2016 Jan;16(1):31. https://doi.org/10.1186/s12877-016-0201-x
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, representando 10 minutos de caminhada a partir do domicílio.

Figura 2
Comparação entre três tipos diferentes de definição de bairro: setor censitário, buffer euclidiano (circular) e buffer de rede. EpiFloripa Ageing Cohort Study, 2009–2019.

Ao investigar as diferenças em relação às três definições de vizinhança, foram gerados cálculos de sete variáveis ambientais calculadas por cada unidade espacial de análise. Para as amostras geocodificadas nas três ondas, foram calculadas as variáveis área (km22. Giles-Corti B, Vernez-Moudon A, Reis R, Turrell G, Dannenberg AL, Badland H, et al. City planning and population health: a global challenge. Lancet. 2016 Dec;388(10062):2912-24. https://doi.org/10.1016/S0140-6736 (16)30066-6
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), renda per capita média (setores censitários2828. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico. Brasília, DF: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.), densidade residencial (moradias por hectare), uso misto do solo (Entropia), conectividade das ruas (três intersecções ou mais), e contagem de unidades de saúde e de espaços livres públicos2929. Malta DC, Iser BP, Santos MA, Andrade SS, Stopa SR, Bernal RT, et al. Estilos de vida nas capitais Brasileiras segundo a pesquisa nacional de saúde e o sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis por inquérito telefônico (Vigitel), 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 suppl 2:68-82. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060007
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. Ao utilizar dados censitários em buffer, considerou-se os setores e a porção compreendida por ele, ponderando os valores de acordo com a área de cada setor censitário nele contida. Para executar os cálculos, foram criados scripts no Modelador Gráfico do QGIS, combinando diferentes análises em um único processo e contendo a unidade de análise como parâmetro para os cálculos.

Medianas e os desvios padrão foram calculados para as variáveis renda, densidade residencial e entropia. Por fim, correlações de Pearson entre as representações por buffer de rede, buffer circular e setores censitários indicaram a relação entre as unidades espaciais para as mesmas três variáveis. Gráficos de dispersão foram utilizados para representar a relação entre buffers de rede e valores de setores censitários para as três variáveis, evidenciando de que forma as diferentes representações resultaram em valores semelhantes ou diferentes.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta o quantitativo de geocodificações bem-sucedidas e descrição das especificidades dos endereços durante as três ondas de coleta de dados. Os dados da linha de base do EpiFloripa Idoso (2009–2010) exigiram a maior porcentagem de ajuste (17% dos registros estavam incompletos, nw1 = 301) e geraram um maior número de perdas em relação às demais ondas (nw1 = 132). A correção dos erros e sua verificação a partir do limite expandido do Episetor (setor censitário) identificaram endereços fora dele, inconsistentes e sem dados numéricos (geocodificados pelo centroide do logradouro). A segunda onda do estudo (2013-2014) obteve 77 perdas, e a terceira (2017–2019) obteve 31, sendo a maior parte devido à mudança para outro município (nw3 = 22). Por fim, a reconsideração de participantes das três ondas do estudo com localizações residenciais fora do limite expandido de seu respectivo Episetor evitou 18 perdas (Figura 1).

Comparação entre a Amostra Total e a Amostra Geocodificada

A Tabela 1 expõe a distribuição percentual e o p-valor segundo dados sociodemográficos, de percepção do ambiente, e de condições de saúde da amostra total em comparação com a amostra georreferenciada, para as três ondas de acompanhamento.

Tabela 1
Variável sociodemográfica, percepção do ambiente e condição de saúde de idosos ao longo de três ondas de acompanhamento em Florianópolis, de acordo com as amostras totais e georreferenciadas. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso, 2009–2019.

Uma comparação dos valores de renda e escolaridade mostra que há um pequeno viés na direção de maiores rendas e maiores escolaridades, ainda que essas diferenças não sejam estatisticamente significativas em nenhum dos casos. Cabe notar que a amostra geocodificada apresentou uma redução na proporção de participantes com até 1 salário mínimo e um aumento na proporção de indivíduos com mais de 10 salários mínimos. Da mesma forma, as variáveis relacionadas ao meio ambiente também mostram um claro viés para melhores condições das amostras georreferenciadas em relação à amostra total: tanto na onda 1 quanto na onda 2, a amostra georreferenciada possui mais calçadas, faixas de pedestres, iluminação e segurança durante o dia do que a total, enquanto apenas para a onda 1 o mesmo vale para a presença de ruas planas, as condições de trânsito, a segurança durante a noite e a presença de espaços públicos. Em todos os casos, entretanto, essas diferenças não foram estatisticamente significativas.

O mesmo padrão, ainda que de maneira menos pronunciada, acontece no caso das variáveis de percepção da saúde, sintomas de depressão, déficit cognitivo e de atividade física, que são mais favoráveis na amostra georreferenciada do que na total, enquanto o inverso vale para sobrepeso, diabetes e hipertensão.

A Tabela 2 apresenta sete variáveis descritivas para as três unidades espaciais aqui consideradas: setor censitário, buffers circulares e buffers de rede. Em geral, os desvios padrão dos dois tipos de buffers são menores do que os dos setores censitários. Os valores das características ambientais para as três unidades indicam baixa variabilidade entre as vizinhanças ao longo das três linhas de estudo, exceto para a renda contextual, que demonstrou um aumento. Atributos como uso misto do solo, número de unidades de saúde e números de espaços livres públicos mantêm menores valores ao longo de três ondas de acompanhamento. Os valores baixos, evidenciados pelas três unidades de análise, revelam um menor acesso a diferentes usos do solo, e um acesso limitado a equipamentos de saúde e lazer nas vizinhanças amostradas.

Tabela 2
Características da vizinhança de idosos ao longo de três ondas de monitoramento em Florianópolis. de acordo com as amostras geocodificadas. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso, 2009–2019. (nw1 = 1.570; nw2 = 1.120; nw3 = 1.304).

A Tabela 3 mostra que as medidas de uso misto do solo e densidade residencial para buffers circulares e de rede são altamente correlacionadas nas três ondas, com valores variando de 0,74 a 0,83, enquanto a correlação de ambos os tipos de buffers com setores censitários é muito menor (0,37 a 0,54). Para a variável renda, todas as medidas em todas as unidades espaciais são altamente correlacionadas, variando de 0,85 a 0,97.

Tabela 3
Correlação de Pearson entre diferentes unidades espaciais de renda (renda média per capita em reais), densidade residencial (habitações por hectare) e entropia objetiva, de acordo com amostras geocodificadas. Estudo de coorte EpiFloripa Idoso, 2009–2019. (nw1 = 1.570; nw2 = 1.120; nw3 = 1.304).

DISCUSSÃO

A geocodificação dos dados do estudo de coorte EpiFloripa Idoso com o Google Earth Pro teve alta proporção de acertos, apesar das dificuldades relacionadas a inconsistências nos endereços. Dentre os dados residenciais das três ondas de estudo, apenas 6% (nw1,w2,w3 = 240) foram considerados perdas, e 1% (nw1,w2,w3 = 44) recebeu coordenadas correspondentes ao centroide de seus respectivos logradouros, o que levou à ausência de diferença estatística significativa entre a amostra total e a amostra georreferenciada (Tabela 1).

Embora a taxa de atribuição de coordenadas tenha se aproximado de 100%, uma significativa parte das perdas envolveu endereços não encontrados (nw1 = 79; nw2 = 39; nw3 = 9). Esse fato justifica-se, em parte, pelas características físico-geográficas do município e seu processo histórico de ocupação. A prévia estruturação rural e os fluxos navais levaram à formação de um tecido urbano desarticulado e fragmentário, com a presença de traçados em espinha de peixe, variadas servidões, e bairros desconectados e periféricos3030. Saboya RT, Reis AF, Bueno AP. Continuidades e descontinuidades urbanas à beira-mar: uma leitura morfológica e configuracional da área conurbada de Florianópolis. Oculum Ensaios. 2016;13(1):129. https://doi.org/10.24220/2318-0919v13n1a2756
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. Além disso, a ligeira diferença na proporção dos grupos de renda indica a chance de problemas relativos à geocodificação de populações de bairros de menor nível socioeconômico (Tabela 1).

Na porção insular, assentamentos de baixa renda situam-se em encostas de morros e em áreas com pouca acessibilidade3030. Saboya RT, Reis AF, Bueno AP. Continuidades e descontinuidades urbanas à beira-mar: uma leitura morfológica e configuracional da área conurbada de Florianópolis. Oculum Ensaios. 2016;13(1):129. https://doi.org/10.24220/2318-0919v13n1a2756
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. A irregularidade e a exclusão urbana impõem desigualdades no cadastro municipal, implicando em dificuldades de georreferenciamento. Esse problema não é exclusivo da pesquisa: outro estudo brasileiro1919. Davis CA Jr, Alencar RO. Evaluation of the quality of an online geocoding resource in the context of a large Brazilian city. Trans GIS. 2011;15(6):851-68. https://doi.org/10.1111/j.1467-9671.2011.01288.x
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revelou fraquezas na geocodificação de setores menos urbanizados, bairros de menor nível socioeconômico e assentamentos recentes, com completude e precisão irregulares, podendo impactar ações de saúde pública e educação justamente em áreas que mais precisam delas.

Outro fator que pode justificar o volume de perdas é o pequeno número de entrevistadores em campo na primeira onda do estudo, a sua rotatividade e a necessidade de reposição na segunda onda99. Lopes AA, Hino AA, Moura EN, Reis RS. Hino AAF, Moura EN de, Reis RS. O Sistema de Informação Geográfica em pesquisas sobre ambiente, atividade física e saúde. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2019 Aug;23:1-11. https://doi.org/10.12820/rbafs.23e0065
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. Esses fatores geraram limitações na precisão e no rigor do procedimento de registro dos endereços residenciais dos participantes. Adicionalmente, 53 endereços tiveram a localização externa ao Episetor, excetuando participantes de três ondas (nw1,w2,w3 = 18). Esses resultados reforçam a necessidade de estudos epidemiológicos incluírem em seus planejamentos treinamentos sobre formas de obter dados de endereço com maior qualidade ou precisão, ou utilizarem outras formas de geolocalização, como, por exemplo, dispositivos móveis de localização em tempo real (ex.: celulares, GPS portáteis, entre outros). Isso pode garantir maior qualidade dos dados georreferenciados.

Quanto à possibilidade de introdução de um viés com as perdas impostas pela geocodificação, os valores-p da Tabela 1 indicam que, para todas as variáveis consideradas, e para as três ondas, não houve diferença estatística significativa entre a amostra total e a amostra georreferenciada. Ou seja, as perdas no georreferenciamento das três ondas de estudo não afetaram sua representatividade em relação à amostra total. Apesar disso, todas as variáveis de percepção do ambiente construído mostraram ligeiro aumento na amostra georreferenciada. Considerando que valores maiores nessas características indicam áreas com maior qualidade (maior presença de calçadas, maior segurança durante o dia e à noite etc.), isso sugere que o processo de geocodificação pode ter inserido uma pequena (e estatisticamente insignificante) distorção na direção de incluir maior proporção de participantes com melhores níveis de renda, escolaridade e condições de vida. As proporções dos grupos de renda confirmam essa impressão, reforçando o que foi comentado anteriormente sobre a maior quantidade de perdas em áreas com mais problemas socioeconômicos.

Por outro lado, embora o processo tenha causado perdas amostrais, a geocodificação permitiu a adoção de buffers, evidenciando sua diferença estatística em relação a medidas calculadas por setores censitários, e ressaltando falhas na descrição dos atributos espaciais calculados sobre essa unidade territorial. A padronização espacial artificial do setor censitário cria unidades de diferentes dimensões e níveis de agregação, o que gerou medidas espaciais com alta variação (desvios padrão maiores) em relação às medidas baseadas em buffers, principalmente para medidas como área, renda, densidade residencial e mix de uso do solo (Tabela 2). Os coeficientes de correlação de Pearson evidenciaram pouca correspondência entre as medidas calculadas pelas diferentes unidades espaciais durante as três ondas de estudo, exceto pela medida de renda, calculada com dados a nível de setor censitário (Tabela 3). Isso provavelmente aconteceu porque, devido a limitações na fonte de dados, a agregação em buffers usou dados provenientes dos próprios setores censitários. Os resultados apontam para a influência do uso de setores censitários em achados das análises epidemiológicas espaciais,66. McElroy JA, Remington PL, Trentham-Dietz A, Robert SA, Newcomb PA. Geocoding addresses from a large population-based study: lessons learned. Epidemiology. 2003 Jul;14(4):399-407. https://doi.org/10.1097/01.EDE.0000073160.79633.c1
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sugerindo que a adoção de buffers pode ajudar a gerenciar suas limitações, representando uma unidade de agregação de dados ambientais mais eficaz77. Brownson RC, Hoehner CM, Day K, Forsyth A, Sallis JF. Measuring the built environment for physical activity: state of the science [Internet]. Am J Prev Med. 2009 Apr;36(4 Suppl):S99-123.e12. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.01.005
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,1313. Oliver LN, Schuurman N, Hall AW. Comparing circular and network buffers to examine the influence of land use on walking for leisure and errands. Int J Health Geogr. 2007 Sep;6(1):41. https://doi.org/10.1186/1476-072X-6-41
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.

Em função dos problemas apontados, recomenda-se que inquéritos de base domiciliar realizem a padronização dos registros, ampliando o detalhamento de informações de localização99. Lopes AA, Hino AA, Moura EN, Reis RS. Hino AAF, Moura EN de, Reis RS. O Sistema de Informação Geográfica em pesquisas sobre ambiente, atividade física e saúde. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2019 Aug;23:1-11. https://doi.org/10.12820/rbafs.23e0065
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.O uso de softwares específicos e programação para a normalização e busca dos endereços de entrada poderia ter reduzido o tempo gasto com a atualização dos endereços problemáticos. Portanto, estudos futuros podem empregar diferentes métodos de geocodificação, compreendendo algoritmos de verificação de endereço1616. Zinszer K, Jauvin C, Verma A, Bedard L, Allard R, Schwartzman K, et al. Residential address errors in public health surveillance data: a description and analysis of the impact on geocoding. Spat Spatio-Temporal Epidemiol. 2010 Jul;1(2-3):163-8. https://doi.org/10.1016/j.sste.2010.03.002
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, medidas de precisão das localizações geocodificadas, e avaliações de erro posicional. Da mesma forma, reconhecemos a necessidade de uma equipe familiarizada com softwares de geocodificação e manipulação de dados.

Por fim, a baixa qualidade dos registros municipais em áreas periféricas destaca um problema que impacta o conhecimento sobre a realidade urbana e limita a criação de políticas públicas baseadas em evidências e voltadas a populações mais vulneráveis. Portanto, destaca-se a necessidade de aprimoramento dos cadastros municipais, ampliando o detalhamento das informações de localização que servem de insumo para a geocodificação.

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  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Edital 06/2008 Faixa B – Projeto 569834/2008-2). Economic and Social Research Council (ESRC), projeto multicêntrico Promoting Independence in Dementia (PRIDE – contrato 75/2017).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Aceito
    02 Jan 2023
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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