Impacto de uma pesquisa-ação nos indicadores vacinais em Minas Gerais

Janaina Fonseca Almeida Souza Thales Philipe Rodrigues da Silva Thais Moreira Oliveira Aline Mendes Vimieiro Antônia Maria da Silva Teixeira Adriana Coelho Soares Elice Eliane Nobre Ribeiro Giselle Lima de Freitas Eduarda Dantas Gaspar Fernanda Penido Matozinhos Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar o impacto do projeto estadual de pesquisa-ação nos indicadores de imunização (coberturas vacinais – CV, homogeneidade de cobertura vacinal – HCV, taxa de abandono – TA e classificação de risco) antes e após a intervenção em municípios e Gerências Regionais de Saúde/Superintendências Regionais de Saúde (GRS/SRS) prioritários.

MÉTODOS

O projeto estadual de pesquisa-ação foi um ensaio clínico comunitário, do tipo antes-depois, realizado em 212 municípios pertencentes a oito GRS/SRS do estado de Minas Gerais, Brasil. Compuseram a amostra do estudo as SRS/GRS com tendência decrescente para a cobertura vacinal de rotina em crianças menores de 1 ano, no período de 2015 a 2020. Neste estudo, foram utilizados dados secundários de CV e TA de 10 imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, no período de janeiro a dezembro de 2021 (período pré-intervenção, anterior ao projeto estadual de pesquisa-ação) e de janeiro a dezembro de 2022 (período pós-intervenção). As variáveis categóricas foram apresentadas em proporções e, inicialmente, realizou-se a comparação entre as de TA, HCV e a classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis, segundo os dois períodos (2021 e 2022), utilizando-se o teste McNemar.

RESULTADOS

Observou-se um aumento de todos os indicadores de imunização após a realização do projeto de pesquisa-ação. No ano de 2021, 80,66% dos municípios do estado tiveram a classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis como “alto e muito alto risco”. Em 2022, o valor foi reduzido para 68,40%.

CONCLUSÕES

A classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis é um mecanismo importante para auxiliar os gestores na definição de prioridades. O projeto estadual de pesquisa-ação empregou um método que possibilitou a construção e a execução de planos de ação singulares a cada município, direcionando a melhoria dos indicadores de imunização no estado.

Cobertura Vacinal; Gestão de Riscos; Criança; Avaliação do Impacto na Saúde

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Imunização (PNI) brasileiro, criado no ano de 1973, é coordenado pelo Ministério da Saúde, com coparticipação das secretarias estaduais e municipais de saúde11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,22. Domingues CM, Teixeira AM S. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(1):9-27. https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000100002
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. É um dos programas de imunização mais reconhecidos e completos do mundo11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,22. Domingues CM, Teixeira AM S. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(1):9-27. https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000100002
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, especialmente em virtude das estratégias coletivas e individuais utilizadas, que garantem o alcance de elevadas coberturas vacinais ao longo dos anos para a maioria dos imunobiológicos ofertados de maneira gratuita para a população33. Sato AP. What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil? Rev Saude Publica. 2018 Nov;52:96. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052001199
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,44. Sato AP. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica. 2020;54(115):1–8. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054003142.
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.

Ao longo dos anos, o PNI impactou significativamente na redução da morbimortalidade de doenças imunopreveníveis na população brasileira, por constituir-se numa política de saúde pública eficiente22. Domingues CM, Teixeira AM S. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(1):9-27. https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000100002
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. Nesse sentido, as ações de vacinação são consideradas como das mais bem-sucedidas intervenções custo-efetivas em saúde55. World Health Organization. Strategic Advisory Group of Experts on Immunization. The Global Vaccine Action Plan 2011-2020: review and lessons learned. Geneve: World Health Organization; 2019 [cited 2022 Dec 10]. Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0264410X13001680
http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/...
,66. World Health Organization. Global Vaccine Action Plan. Vaccine. 2013 Apr;31(Suppl 2):B5–31. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2013.02.015
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, em todos os ciclos de vida (crianças, adultos, gestantes e idosos) e populações específicas (como povos indígenas)11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,33. Sato AP. What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil? Rev Saude Publica. 2018 Nov;52:96. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052001199
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.

Entretanto, observa-se no território brasileiro uma redução acentuada nas taxas de cobertura vacinal a partir do ano de 201677. Césare N, Mota TF, Lopes FF, Lima AC, Luzardo R, Quintanilha LF, et al. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis. 2020 Sep;98:275-80. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.06.092
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, potencializada pela pandemia de covid-191111. Silva TP, Brandão LG, Vieira EW, Maciel TB, Silva TM, Luvisaro BM, et al. Impact of COVID-19 pandemic on vaccination against meningococcal C infection in Brazil. Vaccine X. 2022 Apr.10: 100156. https://doi.org/10.1016/j.jvacx.2022.100156
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,1212. Silva TM, Sá AC, Vieira EW, Prates EJ, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis. 2021 Dec;21(1):1237. https://doi.org/10.1186/s12879-021-06927-6
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. Este cenário evidencia um grave problema para a imunidade coletiva e coloca a população em risco de transmissão de doenças imunopreveníveis1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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.

Em Minas Gerais – o quarto estado com a maior área territorial e o segundo em quantidade de habitantes, localizado na Região Sudeste do país1414. Secretaria de Estado de Saúde (MG). Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais (PDR/MG). Belo Horizonte; 2020 [cited 2022 Dic 10]. Available from: https://www.saude.mg.gov.br/images/1_noticias/10_2020/2_out-nov-dez/28-10_PLANO-DIRETOR-DE-REGIONALIZACAO-DA-SAUDE-DE-MINAS-GERAIS_PDRMG.pdf
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–, a queda da cobertura vacinal e aumento da quantidade de municípios em alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis seguiu tendência similar à dos demais estados do Brasil1010. Souza JF, Silva TP, Silva TM, Amaral CD, Ribeiro EE, Vimieiro AM, et al. Cobertura vacinal em crianças menores de um ano no estado de Minas Gerais, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2022 Sep;27(9):3659-67. Portuguese. https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.07302022
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, no período de 2015 a 2020. Considerando como unidade de análise as 28 Gerências Regionais de Saúde/Superintendências Regionais de Saúde (GRS/SRS) do estado de Minas Gerais, identificou-se a menor proporção de GRS/SRS que alcançaram as metas preconizadas de cobertura vacinal para os imunobiológicos estudados, no ano de 20201111. Silva TP, Brandão LG, Vieira EW, Maciel TB, Silva TM, Luvisaro BM, et al. Impact of COVID-19 pandemic on vaccination against meningococcal C infection in Brazil. Vaccine X. 2022 Apr.10: 100156. https://doi.org/10.1016/j.jvacx.2022.100156
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.

A queda da cobertura vacinal é multifatorial11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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. Para superar os desafios das baixas coberturas, para além do diagnóstico situacional, é necessária a integração das diversas áreas do setor saúde, dos setores sociais e da educação, bem como a identificação de bolsões de indivíduos susceptíveis e o desenvolvimento de estratégias para garantir a manutenção de elevadas coberturas vacinais11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,99. Arroyo LH, Ramos AC, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, et al. Areas with declining vaccination coverage for BCG, poliomyelitis, and MMR in Brazil (2006-2016): maps of regional heterogeneity. Cad Saude Publica. 2020 Apr;36(4):e00015619. https://doi.org/10.1590/0102-311x00015619
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.

Nessa perspectiva, e considerando a situação de vulnerabilidade das crianças, em 2021, o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (NUPESV-EEUFMG), articulou-se à Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Minas Gerais (SES-MG) em um projeto pesquisa-ação intitulado: “Estratégias para o Aumento de Coberturas Vacinais nas Crianças Menores de Dois Anos no Estado de Minas Gerais, Brasil: uma Pesquisa-Ação”, visando melhorar a cobertura vacinal de crianças por meio da realização de oficinas e construção de planos de ação singulares à realidade de cada município do estado.

A pesquisa-ação (PA) refere-se a uma metodologia aplicada em várias disciplinas científicas, que abrange também a área da saúde, devido a sua capacidade de compreender profundamente um objeto de estudo e, ao mesmo tempo, aprimorar a prática associada a ele1515. Tripp D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educ Pesqui. 2005;31(03):443-66. https://doi.org/10.1590/S1517-97022005000300009.
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. Com o intuito de compreender as fragilidades e potencialidades de cada município em relação à imunização de crianças com menos de 2 anos, bem como de promover um espaço para a troca de ideias e a construção coletiva de conhecimento, optou-se pela técnica da realização de oficinas. Sabe-se que, nessa metodologia, os participantes da pesquisa têm oportunidade de influenciar e modificar a realidade1515. Tripp D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educ Pesqui. 2005;31(03):443-66. https://doi.org/10.1590/S1517-97022005000300009.
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. As oficinas oferecem a chance de negociação, debate argumentativo e diálogo entre os participantes, tornando-se, assim, uma ferramenta poderosa para envolver e transformar a realidade, uma vez que facilitam a integração de questões teóricas e metodológicas, bem como das implicações éticas e políticas1616. Spink MJ, Menegon VM, Medrado B. Oficinas como estratégia de pesquisa: articulações teórico-metodológicas e aplicações ético-políticas. Psicol Soc. 2014;26(1):32-43. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100005.
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O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do projeto estadual de pesquisa-ação nas coberturas vacinais (CV), especialmente no indicador de homogeneidade de cobertura vacinal (HCV), na taxa de abandono (TA) e na classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis nos municípios de Minas Gerais, Brasil, comparando os anos de 2022 e 2021.

MÉTODOS

Compuseram a amostra do estudo as SRS/GRS com tendência decrescente para a cobertura vacinal de rotina em crianças menores de 1 ano no período de 2015 a 20201010. Souza JF, Silva TP, Silva TM, Amaral CD, Ribeiro EE, Vimieiro AM, et al. Cobertura vacinal em crianças menores de um ano no estado de Minas Gerais, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2022 Sep;27(9):3659-67. Portuguese. https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.07302022
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, a saber: SRS Alfenas: 24 municípios; SRS Barbacena: 31 municípios; SRS Coronel Fabriciano: 35 municípios; SRS Governador Valadares: 51 municípios; GRS Ituiutaba: nove municípios; GRS Leopoldina: 15 municípios; SRS Passos: 27 municípios; e GRS São João Del Rey: 20 municípios; totalizando 212 municípios, ou seja, 24,85% do total do estado. As SRS/GRS que compuseram a amostra deste estudo foram selecionadas baseando-se no estudo prévio realizado por Souza et al.1010. Souza JF, Silva TP, Silva TM, Amaral CD, Ribeiro EE, Vimieiro AM, et al. Cobertura vacinal em crianças menores de um ano no estado de Minas Gerais, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2022 Sep;27(9):3659-67. Portuguese. https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.07302022
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(2022), que identificou tendência decrescente para os imunobiológicos preconizados para menores de 2 anos em pelo menos cinco destas gerências regionais.

As oficinas tiveram duração de 12 horas, foram realizadas em diferentes contextos e conduzidas por profissionais da SES-MG e NUPESV-EEUFMG, exigindo uma organização prévia detalhada. A cooperação entre ambas as partes foi fundamental desde a criação do projeto de pesquisa até a colaboração contínua. Para operacionalização do projeto, foram realizadas oficinas com profissionais da atenção primária à saúde (especialmente enfermeiros), técnicos e auxiliares de enfermagem que trabalham diretamente com a vacinação nos municípios, gestores, coordenadores da vigilância epidemiológica e atenção primária à saúde e secretários de saúde, além de outros parceiros externos (representantes de universidades, Conselhos Municipais de Saúde, Conselho de Secretários Municipais de Saúde). As oficinas foram operacionalizadas com as seguintes etapas: 1. Exposição dialogada: análise de coberturas vacinais em crianças menores de 2 anos nos municípios e nas GRS/SRS, roda de conversa e brainstorming com perguntas disparadoras para problematização; 2. Início das atividades de grupo e construção dos Planos de Ação Municipais; 3. Apresentação, por meio de um relator de cada grupo, das discussões que foram realizadas para início da construção dos planos de ação.

Após a realização das oficinas, cada município participante tinha 15 dias para enviar seu plano de ação para a respectiva GRS/SRS, após pactuação com gestores, equipe técnica e equipe assistencial e aprovação pelo Conselho Municipal de Saúde. Para elaboração dos planos, foram considerados os seguintes eixos estratégicos: gestão de pessoas, comunicação social, parcerias estratégicas, infraestrutura e logística, articulação gestora e monitoramento e avaliação. As oficinas ocorreram entre março e junho de 2022, com 515 participantes, incluindo gestores de saúde, coordenadores de vigilância em saúde e parceiros externos. Cada município teve, em média, quatro representantes nas oficinas, que foram conduzidas por uma equipe coordenadora.

Neste estudo, foram utilizados dados secundários de CV e TA de dez imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, em 2021 (período pré-intervenção, anterior ao projeto estadual de pesquisa-ação) e em 2022 (período pós-intervenção).

Os imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, em ambos os anos (2021 e 2022), foram: vacina oral contra o rotavírus (2ª dose da vacina rotavírus no Sistema Único de Saúde (SUS) mais a 2ª dose da rota-pentavalente na rede privada), vacina contra doença meningocócica C (2ª dose meningocócica C e a 2ª dose meningocócica ACWY), vacina contra doença pneumocócica (2ª dose da pneumocócica 10V e 2ª dose da pneumocócica 13V), vacina pentavalente (3ª dose da vacina pentavalente mais a 3ª dose da vacina hexavalente na rede privada), vacina contra a poliomielite (3ª dose da VIP, VOP, pentavalente da rede privada e a hexavalente também na rede privada), vacina contra febre amarela (dose única, dose inicial e a 1ª dose), 1ª dose da vacina tríplice viral (1ª dose da tríplice viral, 1ª dose de quádrupla viral e 1º dose da tetra viral), 2ª dose da vacina tríplice viral (2ª dose da tríplice viral, 2ª dose da quádrupla viral, 2ª dose e dose única da tetra viral), vacina contra hepatite A (considerou-se a 1ª dose) e vacina contra varicela (1ª dose varicela e a 1 ª dose tetra viral).

Todas as informações foram extraídas do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI), disponível em: <sipni.datasus.gov.br>. Não foram avaliadas as vacinas BCG e Hepatite B, pois estas são administradas, em sua maioria, nas maternidades, o que poderia causar um viés nas análises.

Para as análises de 2021, a CV foi calculada utilizando como denominador a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) menores de um ano de 2019. Para 2022, foi utilizado o SINASC referente ao ano de 2020, sempre considerando a informação mais atualizada. No numerador, utilizou-se as doses (dose imunizante ou a que completa o esquema vacinal) aplicadas por faixa-etária, e imunobiológico, conforme Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde.

As taxas das CV foram categorizadas segundo as metas estabelecidas pelo PNI (maior ou igual a 90% para a vacina oral de rotavírus humano e maior ou igual a 95% para os demais imunobiológicos) em: “muito baixa” (< 50%), “baixa” (≥ 50 % e menor que a meta) e “adequada” (≥ que a meta)1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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Verificou-se, também, a avaliação da homogeneidade de cobertura vacinal (HCV) entre as vacinas analisadas, seguindo-se a definição adotada por estudo prévio de Braz et al.1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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, pactuado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP): “adequada” quando apresentaram HCV de ≥ 75% a ≤ 100% para as dez vacinas com cobertura adequada (≥ que a meta), “baixa” quando apresentaram de ≥ 50% a < 75 e “muito baixa” quando a porcentagem foi < 50% para as dez vacinas analisadas.

Calculou-se, também, a TA para as vacinas multidose, sendo: vacina contra a doença meningocócica C (para o ano de 2022), vacina pentavalente (para os anos de 2021 e 2022), vacina contra a doença pneumocócica (para os anos de 2021 e 2022), vacina contra a poliomielite (para os anos de 2021 e 2022) e vacina oral de rotavírus humano (para os anos de 2021 e 2022), sendo classificada em: “baixa” TA (< 5%), “média” TA (≥ 5% a < 10%) e “alta” TA (≥ 10%)1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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. Para o cálculo da TA, considerou-se a diferença entre o número de primeiras e de últimas doses do esquema vacinal aplicado, dividido pelo número das primeiras doses aplicadas, multiplicando-se o resultado por 1001313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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Os municípios foram categorizados com base em seus tamanhos populacionais, conforme definido previamente no estudo de Braz et al.1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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Essa classificação considera três grupos: municípios de pequeno porte, que têm uma população igual ou inferior a 20 mil habitantes; municípios de médio porte, com população variando entre 20.001 e 100 mil habitantes; e municípios de grande porte, com população igual ou superior a 100.001 habitantes.

Por fim, os municípios participantes da pesquisa foram classificados de acordo com o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em cinco estratos, segundo Braz et al.1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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, para os dois anos de análise:

  1. •“Muito baixo”: municípios com HCV = 100%;

  2. •“Baixo”: municípios com HCV de ≥ 75% a < 100%, com CV adequada para as vacinas poliomielite, tríplice viral (compromisso internacional de eliminação de doenças) e, ainda, a vacina pentavalente, considerada como “marcador padrão” de qualidade de serviço de vacinação (esquema de três doses injetáveis);

  3. •“Médio”: município com HCV ≥ 75% e < 100% e CV abaixo da meta para uma ou mais das vacinas poliomielite, tríplice viral ou pentavalente;

  4. •“Alto”: municípios com HCV < 75%, independente da cobertura vacinal;

  5. •“Muito alto”: município com HCV < 75%, alta TA (≥ 10%) para qualquer uma das vacinas avaliadas e com grande porte populacional, bem como os municípios sem registro de vacinação para qualquer vacina, independentemente do porte populacional.

Devido ao número pequeno de municípios classificados como “médio” e “muito alto risco” para transmissão de doenças imunopreveníveis, essas categorias foram agrupadas em “baixo e médio risco” e “alto e muito alto risco” de transmissão de doenças imunopreveníveis.

As variáveis categóricas foram apresentadas em proporções e, inicialmente, realizou-se a comparação dos valores da TA, HCV e classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis, segundo os dois períodos (2021 e 2022), utilizando-se o teste McNemar. Os dados referentes às coberturas vacinais foram expressos em medianas e intervalos interquartis (IIQ), uma vez que esses dados têm uma distribuição não paramétrica. Inicialmente, as diferenças entre a mediana da cobertura vacinal antes e após a intervenção foram avaliadas por meio do Teste de U de Mann-Whitney, considerando-se o IIQ e um nível de significância de 5% para todos os imunobiológicos analisados.

Adotou-se o nível de significância de 5% e, para a análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico Statistical Software for Professional (Stata), versão 16.0.

Também foram construídos mapas coropléticos para verificar a distribuição espacial da classificação do risco de transmissão de doenças imunopreveníveis para os 212 municípios e oito GRS/SRS prioritárias do estado de Minas Gerais. Para este procedimento analítico, utilizou-se o programa QGIS, versão 2.18.14.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais, sob o protocolo CAAE 58407122.4.0000.5149.

RESULTADOS

Em relação às coberturas vacinais, observou-se maior percentual de aumento na vacina varicela (16,81%; 82,92% em 2021 para 96,93% em 2022), seguida da vacina tríplice viral D2 (14,57%; 70,99% em 2021 para 81,33% em 2022). O menor aumento em termos percentuais foi observado nas vacinas contra a febre amarela (aumento de 1,18%; 84,55% em 2021 para 85,55% em 2022) e rotavírus (aumento de 5,71%; 86,03% em 2021 para 90,94% em 2022). Apenas a vacina contra a febre amarela não demonstrou significância estatística ao comparar os dois anos (p = 0,264) (Tabela 1).

Tabela 1
Cobertura vacinal em crianças menores de 2 anos de idade antes e após a intervenção do projeto pesquisa-ação em municípios prioritários, Minas Gerais, 2021–2022.

Observou-se um aumento de todos os indicadores de imunização após a realização do projeto de pesquisa-ação nos 212 municípios e oito GRS/SRS participantes. Em relação à classificação de “adequada” HCV (≥ 75% a ≤ 100%), houve um aumento de 19,34% (2021), para 37,60% (2022), com significância estatística (p = 0,022). No que tange à “alta” TA, somente a vacina oral de rotavírus humano apresentou redução estatisticamente significativa (p < 0,001) nessa classificação (16,04% em 2021, para 6,60% em 2022). Segundo a classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis, no ano de 2021, 80,66% dos 212 municípios foram classificados como “alto e muito alto risco”. Em 2022, após a intervenção nos municípios, observou-se redução dessa taxa para 68,40%, também estatisticamente significativa (p = 0,039) (Tabela 2, Figura A e Figura B)

Tabela 2
Taxa de abandono, homogeneidade de cobertura vacinal e classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis antes e após a intervenção do projeto pesquisa-ação em municípios prioritários, Minas Gerais, 2021–2022.
Figura
Distribuição espacial dos municípios participantes do projeto pesquisa-ação segundo classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis. Minas Gerais, Brasil.

Nota: (A) ano de 2021, antes da intervenção; (B) ano de 2022, depois da intervenção.

No ano de 2021, 94,6% das crianças encontravam-se em municípios classificados como de “alto ou muito alto risco” para transmissão de doenças imunopreveníveis. Porém, em 2022, observou-se redução (de 94,6%, em 2021, para 87,07%, em 2022) nessa proporção, evidenciando uma efetividade modesta da intervenção em questão (Tabela 3).

Tabela 3
Proporção de crianças residentes em GRS/SRS prioritárias segundo classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis no estado de Minas Gerais, Brasil, 2021 e 2022.

DISCUSSÃO

O projeto estadual de pesquisa-ação foi um ensaio clínico comunitário, do tipo antes-depois, realizado em 212 municípios pertencentes a oito GRS/SRS de Minas Gerais, Brasil.

Segundo Pinto et al.1717. Pinto MM, Veronez LH, Wulpi LP, Gaigher LC. Como escolher a melhor metodologia para avaliar o impacto social da sua iniciativa? Rev Tecnol Soc. 2019;15(35):132-52. https://doi.org/10.3895/rts.v15n35.7821
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, ao avaliar o impacto de estratégias sociais é necessário incluir os processos de análise, monitoramento e gestão de suas consequências, pretendidas ou não, positivas ou negativas. Estas intervenções sociais podem ser políticas públicas, planos, projetos ou negócios e incluem quaisquer processos de mudança provocados por elas.

Este estudo evidenciou, por meio de uma análise conjunta dos indicadores de CV, HCV e TA em crianças menores de 2 anos, que o projeto estadual de pesquisa-ação pode ter contribuído para a redução e mudança do cenário da classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em Minas Gerais, Brasil.

Diante dos inúmeros desafios para o controle das doenças imunopreveníveis, é possível reafirmar a necessidade de ações que promovam ou resgatem a vacinação, de forma a valorizar as assertivas propostas pelo PNI, com garantia da manutenção de altas e homogêneas coberturas vacinais em todo o território nacional11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,44. Sato AP. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica. 2020;54(115):1–8. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054003142.
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.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta a consolidação dos programas de imunização, de forma a legitimar medidas inovadoras para fortalecer a imunidade coletiva contra doenças imunopreveníveis66. World Health Organization. Global Vaccine Action Plan. Vaccine. 2013 Apr;31(Suppl 2):B5–31. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2013.02.015
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. Programas de imunização bem-sucedidos configuram-se como estratégias importantes, resultando na redução, controle e erradicação de doenças imunopreveníveis, o que culmina diretamente na redução da mortalidade infantil55. World Health Organization. Strategic Advisory Group of Experts on Immunization. The Global Vaccine Action Plan 2011-2020: review and lessons learned. Geneve: World Health Organization; 2019 [cited 2022 Dec 10]. Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0264410X13001680
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,66. World Health Organization. Global Vaccine Action Plan. Vaccine. 2013 Apr;31(Suppl 2):B5–31. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2013.02.015
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. Entretanto, em Minas Gerais – bem como em outros estados brasileiros –, desde 2016, é experenciada uma queda das coberturas vacinais11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,44. Sato AP. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica. 2020;54(115):1–8. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054003142.
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,77. Césare N, Mota TF, Lopes FF, Lima AC, Luzardo R, Quintanilha LF, et al. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis. 2020 Sep;98:275-80. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.06.092
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. De acordo com os dados identificados neste estudo, observou-se que, nos anos de 2021 e 2022 houve aumento da cobertura vacinal nas GRS/SRS em Minas Gerais, após a realização do projeto estadual intitulado “Estratégias para o Aumento de Coberturas Vacinais nas Crianças Menores de 2 anos no Estado de Minas Gerais, Brasil: uma Pesquisa-Ação”.

Entre as dez vacinas incluídas nas análises, nove apresentaram aumento estatisticamente significativo da cobertura vacinal após a realização de oficinas nos municípios sede das GRS/SRS. Destaca-se, portanto, a notória importância das ações para erradicar, eliminar ou controlar doenças imunopreveníveis, com foco na capacitação e atualização dos profissionais de saúde que atuam nas salas de vacinação11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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, além da reorganização dos indicadores de processo de trabalho, considerando as especificidades municipais.

Pode-se ressaltar, por exemplo, a importância da intensificação de capacitações, dada a relevância epidemiológica e registros de falhas vacinais para vacinas virais atenuadas1818. Petraglia TCMB, Farias PMCM, Sá GRS, Santos EM, Conceição DA, Maia MLS. Falhas vacinais: avaliando vacinas febre amarela, sarampo, varicela e caxumba. Cad Saude Publica. 2020;36(supl 2): e00008520. https://doi.org/10.1590/0102-311X00008520
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. Revisão sistemática realizada em Hong Kong indica que a orientação do profissional de saúde é um facilitador de aceitação da vacina, dessa forma, é importante ter profissionais qualificados que saibam aconselhar e direcionar as vacinas, bem como sanar os questionamentos da comunidade1919. Loke AY, Kwan ML, Wong YT, Wong AK. The uptake of human papillomavirus vaccination and its associated factors among adolescents: a systematic review. J Prim Care Community Health. 2017 Oct;8(4):349-62. https://doi.org/10.1177/2150131917742299
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.

Ainda em relação aos resultados desta pesquisa, no que tange à taxa de homogeneidade (HCV), houve aumento da categoria “adequada” (≥ 75% a < 100%) e redução das categorias “baixa” (≥ 50% a < 75%) e “muito baixa” (≥ 0% a < 50%), após a realização das ações da pesquisa-ação estadual. A redução da morbidade e da mortalidade por doenças imunopreveníveis somente será possível se os indicadores de cobertura forem mantidos elevados e necessariamente homogêneos2020. Teixeira MAS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Vol. 19, Epidemiol Serv Saude. 2010 set;19(3):217–26. https://doi.org/10.5123/S1679-49742010000300004
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.

Quanto à TA da vacina oral de rotavírus humano, evidenciou-se que, com a realização das oficinas do projeto, houve diminuição da classificação “média” e “alta” e incremento estatisticamente significativo da classificação “baixa”. As altas TA são realidade em Minas Gerais – bem como em algumas regiões do Brasil2121. Rodrigues RN, Nascimento GL, Arroyo LH, Arcêncio RA, de Oliveira VC, Guimarães EA A. The COVID-19 pandemic and vaccination abandonment in children: spatial heterogeneity maps. Rev Latino-Am Enfermagem. 2022;30:e3642. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6132.3642
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–, estado com uma extensão territorial alta e condições socioeconômicas dos municípios bastante heterogêneas. Diversos são os desafios para reduzir a TA nos municípios brasileiros11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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,2020. Teixeira MAS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Vol. 19, Epidemiol Serv Saude. 2010 set;19(3):217–26. https://doi.org/10.5123/S1679-49742010000300004
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, e fatores socioeconômicos e ambientais prejudicam o acesso de forma igualitária da população às salas de vacinas, o que pode contribuir para altas TA do esquema vacinal66. World Health Organization. Global Vaccine Action Plan. Vaccine. 2013 Apr;31(Suppl 2):B5–31. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2013.02.015
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,2121. Rodrigues RN, Nascimento GL, Arroyo LH, Arcêncio RA, de Oliveira VC, Guimarães EA A. The COVID-19 pandemic and vaccination abandonment in children: spatial heterogeneity maps. Rev Latino-Am Enfermagem. 2022;30:e3642. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6132.3642
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. Em relação às demais vacinas que não apresentaram mudança na TA, a justificativa pode ter sido a preocupação dos pais ou responsáveis com a dor e o sofrimento das crianças inerente ao processo de administração de vacinas com agulhas2424. Wallace AS, Mantel C, Mayers G, Mansoor O, Gindler JS, Hyde TB. Experiences with provider and parental attitudes and practices regarding the administration of multiple injections during infant vaccination visits: lessons for vaccine introduction. Vaccine. 2014 Sep;32(41):5301-10. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2014.07.076
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–, diferente da imunização contra o rotavírus humano, que é administrada por via oral.

A articulação entre os estados e municípios, em conjunto com o Ministério da Saúde, é uma prioridade diante da urgente necessidade de manutenção da qualidade e eficiência do PNI, especialmente perante a queda das coberturas vacinais em crianças menores de 2 anos11. Domingues CM, Maranhão AG, Teixeira AM, Fantinato FF, Domingues RA. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2): e00222919. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919
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. Em relação à classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis segundo GRS/SRS, houve aumento do percentual de crianças vivendo nos territórios classificados em “muito baixo”, “baixo” e “médio” após a realização das ações deste projeto estadual. A classificação de risco alto e muito alto em Minas Gerais no estudo de Silva et al.2525. Silva TP, Vimieiro AM, Gusmão JD, Souza JF, Lachtim SA, Vieira EW, et al. Cien Saude Colet. 2023 Mar;28(3):699-710. https://doi.org/10.1590/1413-81232023283.11192022
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, ou seja, nos 853 municípios, encontrava-se em 80,9% no ano de 2021, dado semelhante encontrado neste estudo, antes da implementação do projeto pesquisa-ação.

Ademais, a classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis é um mecanismo importante para auxiliar os gestores na definição de locais que necessitam com mais urgência de intervenções para otimização e melhoria das coberturas vacinais1313. Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude. 2016 Oct;25(4):745-54. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400008
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.

Por fim, este estudo apresenta algumas limitações inerentes aos estudos com bases de dados secundárias. Os dados disponíveis são disponibilizados via SIPNI, e os pesquisadores não tiveram controle sobre a qualidade do preenchimento dos formulários deste sistema. Ademais, há possibilidade de subestimação dos dados encontrados, devido a falhas dos registros no sistema. Contudo, destaca-se que o sistema possui bases sólidas, sendo capaz de subsidiar estratégias e políticas de saúde a partir do monitoramento das coberturas vacinais no Brasil.

O estudo apresenta, também, algumas limitações inerentes à abordagem de pesquisa-ação. Este projeto teve um objetivo situacional e específico, adaptado à realidade e às circunstâncias locais das GRS/SRS de Minas Gerais. Ademais, os pesquisadores não exerceram controle absoluto sobre todas as variáveis, uma vez que estas se desenvolveram em um contexto real, com profissionais munidos de autonomia e desempenhando papéis atrelados às práticas assistenciais. Destaca-se, também, a possibilidade de sub-registro na rede privada de lançamento das doses de vacinas aplicadas, o que pode afetar a precisão dos dados analisados.

Trata-se de um estudo não controlado e, portanto, outros fatores além da intervenção podem ter mudado os desfechos. Outra limitação é a possibilidade de que o aumento na cobertura vacinal observado em 2022 possa estar relacionado à redução prévia da cobertura devido à pandemia, seguida pela busca de atualização das carteiras de vacinação das crianças após o período pandêmico ou transpandêmico.

Pode-se citar, por fim, como potencialidades deste trabalho, o engajamento das partes interessadas – o envolvimento ativo e colaborativo de gestores de saúde, profissionais da área e das comunidades –, que possivelmente contribuiu para o sucesso da pesquisa-ação. Destaca-se, também, a infraestrutura adequada da maioria das GRS/SRS, com postos de vacinação bem equipados e profissionais capacitados, o que pode facilitar a aplicação das vacinas e melhorar os índices de cobertura vacinal.

As variáveis de cunho socioeconômico e epidemiológicos no qual as GRS/SRS se localizam também pode ser discutida, pois acredita-se que níveis de educação, renda e acesso aos serviços de saúde podem afetar a adesão às vacinas. Além disso, caso haja surtos ou casos de doenças, as ações do projeto podem ter um impacto mais significativo na prevenção e controle dessas enfermidades em uma GRS/SRS quando comparada a outras regiões.

CONCLUSÃO

A realização da pesquisa-ação pode valorizar a participação ativa e colaborativa de todos os envolvidos no processo de desenvolvimento de planos para aproximar pesquisadores, profissionais de saúde, comunidades locais e todas as partes interessadas em contribuir para a ampliação da cobertura vacinal. Tal colaboração entre diferentes atores pode, portanto, aumentar a aceitação e o comprometimento das comunidades em relação às estratégias de incentivo à imunização, visando a redução do risco de ocorrência e de reintrodução de doenças imunopreveníveis, em contextos tensionados pelas desigualdades sociais, como o do público infantil.

É imprescindível estimular projetos como o apresentado neste artigo, que subsidiem a elaboração de estratégias aplicáveis à realidade singular de cada município e a localização precisa de grupos específicos, que se encontram sem a proteção vacinal adequada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    23 Set 2023
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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