PESQUISA

 

As desigualdades na distribuição dos óbitos no município de Salvador — 1980

 

 

Jairnilson Silva PaimI; Maria da Conceição Nascimento CostaII

IDepartamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA
IIDepartamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA e Secretaria de Saúde do Estado da Bahia

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo descrever a distribuição da mortalidade do Município de Salvador em 1980, segundo as diferentes zonas da cidade, utilizando-se do coeficiente de mortalidade geral, da razão da mortalidade proporcional, da curva de mortalidade proporcional e do indicador quantificado de Guedes & Guedes.
Utilizou-se como fonte de dados as Declarações de Óbitos disponíveis na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia referentes aos residentes de Salvador no ano de 1980, agrupados segundo zonas de informação definidas pela CONDER, bem como indicadores sócio-econômicos cujos dados foram coletados em diferentes órgãos públicos. Aplicaram-se testes estatísticos de correlação entre as razões de mortalidade proporcional e os indicadores sócio-econômicos selecionados.
Verificou-se uma expressiva variação dos indicadores entre os diferentes bairros da cidade, mesmo considerando-se o uso de indicador com reconhecido baixo poder discriminatório como o coeficiente de mortalidade geral Quanto aos índices de Swaroop-Uemura e de Moraes e ao sistema de pontuação de Guedes e Guedes evidenciaram flagrantes desigualdades na distribuição das mortes entre os diferentes bairros de Salvador. Os elevados índices de correlação encontrados entre a razão da mortalidade proporcional e a renda, a disponibilidade de água e a aglomeração reforçam a idéia de que na base dessa desigualdade encontra-se a estrutura econômica geradora de iniqüidades.


ABSTRACT

The present study is aimed to describe the mortality in the county of Salvador in 1980, as distributed over different areas, by using overall mortality coefficients, proportional mortality ratios, proportional mortality curves and Guedes & Guedes indicators. Death certificates from residents in Salvador during 1980, available in the Health State Office of Bahia, were used as data sources. They were grouped according to census tracts as defined by CONDER (Company for the Development of Salvador) as well as socio-economic indicators gathered from several sources in different public offices. Correlation analyses between mortality measures and selected socio-economic indicators were used. A marked variation of indicators among different city sectors was found, even considering the use of an indicator with low discriminant power as the overall mortality coefficient. The indexes of Moraes and Swaroop-Uemura and Guedes & Guedes scoring system pointed out evident inequalities in the distribution of deaths among different sectors of Salvador. High levels of correlation were found between proportional mortality ratio and income, water supply, and population density, reinforcing the idea that at the basis of such mal-distribution is the economic structure as a generator of inequalities.


 

 

INTRODUÇÃO

A avaliação das condições de saúde de uma população é realizada através de indicadores, constituídos, usualmente, a partir de informações rotineiramente coletadas por órgãos oficiais. Embora a maioria dessas informações expresse, na realidade, condições que se afastam do estado de saúde, como a doença e a morte, o recurso aos indicadores baseados na morbidade e na mortalidade é imprescindível no campo da Saúde Pública6. Esta opção se justifica não só em função da maior disponibilidade dessas informações, mas também pela facilidade de se proceder comparações internacionais, interregionais ou mesmo entre diferentes localidades de uma mesma cidade.

Muitos desses indicadores de saúde utilizados no Brasil são coeficientes de mortalidade ou valores de mortalidade proporcional por idade ou por grupos específicos de causas de óbito11.

Recentemente, Novo et alii9 propuseram um indicador de nível de saúde abrangente contemplando vários indicadores usuais tais como o coeficiente de mortalidade geral, indicador quantificado de Guedes, esperança de vida ao nascer, coeficiente de natalidade, coeficiente de mortalidade infantil e coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis. O emprego desse indicador abrangente teria a vantagem de evitar as discrepâncias entre as posições relativas que uma localidade ocupa nas diferentes ordenações estabelecidas pelos distintos indicadores utilizados isoladamente. Todavia, enfrenta-se, ainda, com a limitação de uso nas localidades em que nem todos eles estejam disponíveis.

No caso do Município de Salvador, as estatísticas oficiais apontam para um decréscimo dos indicadores baseados na mortalidade nos últimos anos, muito embora indicadores como os coeficientes de natalidade, de mortalidade infantil, e de mortalidade materna não sejam disponíveis para a série histórica em virtude do desconhecimento do número real de nascidos vivos. Além disso, não expressam a variação dos níveis de saúde entre os diferentes bairros porquanto baseiam-se em dados agregados para o município como um todo.

Considerando-se a diversidade das condições de vida a que está sujeita a população de Salvador10,13 e admitindo-se que o local de residência expresse, de forma aproximada, o nível sócio-econômico dos segmentos sociais7, seria justificada a realização de um estudo que examinasse a distribuição da ocorrência da totalidade de óbitos dentro do espaço urbano. Este tipo de estudo não obstante as suas limitações, mostrou-se com certa utilidade na análise de mortalidade infantil proporcional1 e da mortalidade do grupo etário de 1 a 14 anos3.

Nessa perspectiva, a presente investigação visa descrever a distribuição da mortalidade no Município de Salvador em 1980, segundo as diferentes zonas da cidade, utilizando-se do coeficiente de mortalidade geral, da razão da mortalidade proporcional e do indicador quantificado de Guedes e Guedes.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizou-se como fonte de dados as Declarações de Óbitos arquivadas no Centro de Informações de Saúde (CIS) da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e referentes aos residentes de Salvador no ano de 1980. Foram, portanto, colhidos das Declarações os dados dos itens 9, 13 e 14, correspondentes à idade, residência habitual e município de residência do falecido.

As Declarações foram agrupadas de acordo com os respectivos bairros da residência, considerando-se as zonas de informação (ZI) estabelecidas para o Município de Salvador. Estas correspondem a uma divisão da cidade realizada pela Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana (CONDER), tomando como referência critérios de unidades físico-urbanísticos, geográficos, além de elementos administrativos e de planejamento2. Do mesmo modo, após o levantamento desses óbitos, procedeu-se a sua distrubuição segundo os grupos etários para a construção dos diferentes indicadores.

Nessa ocasião, alguns problemas foram detectados entre os quais o preenchimento incorreto das Declarações de Óbito e as divergências entre o número das Declarações arquivadas no CIS e o publicado oficialmente pelo IBGE1, já comentados em outra oportunidade. Embora tenham sido indentificadas 11.887 declarações de óbitos (D.O.), a má qualidade do seu preenchimento impôs a exclusão do estudo de parte dessas declarações.

Os níveis de saúde da população de Salvador foram medidos através dos seguintes indicadores:

a) coeficientes de mortalidade geral (CMG);

b) razão de mortalidade proporcional (RMP) ou Índice de Swaroop-Uemura;

c) curva de mortalidade proporcional (CMP) ou indicador Moraes;

d) Indicador Quantificado de Guedes e Guedes.

O coeficiente de mortalidade geral é calculado dividindo-se o total de óbitos ocorridos em todas as idades pela população de uma dada área e multiplicando-se por mil. Embora utilize como base referencial uma população exposta ao risco de morrer12, é um indicador cuja magnitude é afetada pela composição da população por idade5. É fácil de calcular, mas tem baixo poder discriminatório5 No presente estudo, o CMG foi calculado inicialmente para cada zona de informação (ZI) da cidade com base em dados da população estimados pela CONDER. Excluíram-se desses cálculos 499 Declarações de óbitos sendo 366 por apresentarem endereços incompletos que não permitiram a classificação dos óbitos por ZI, e 83 por pertencerem a ZI com menos de 1000 habitantes e que mantendo critérios de estudos anteriores1,3 foram, portanto, abandonados. Estes óbitos correspondiam as ZI do Acesso Norte do Centro Administrativo, de Piatã/ Patamares, Praias do Flamengo, São Bartolomeu e a zona 72 limite com a Usiba.

A razão da mortalidade proporcional corresponde a percentagem de óbitos no grupo de 50 anos e mais em relação ao número total de óbitos. Assim, o índice de Swaroop e Uemura dá uma idéia de longevidade da população na medida em que se aproxima de 100%, caso a maioria das pessoas sobrevivesse até os 50 anos. Segundo Jordan Filho et alii5 "trata-se de um indicador simples, fácil de calcular, robusto em relação aos dados fornecidos pelo atestado de óbito, podendo ser calculado mesmo nas regiões em que ocorram muitos óbitos sem assistência médica, já que não leva em conta a causa da morte e parece ter um bom poder discriminatório. A RMP foi calculada para 11.318 declarações de óbitos do ano de 1980, por terem sido excluídas 569 D.O., em virtude de faltarem informações completas do endereço e/ou idade do falecido e 15 D.O. das zonas 36 (19 BC), 46 (Piatã/Patamares), 67 (São Bartolomeu), 72 (Limite com a Usiba) e 74 (Ilhas) onde em cada uma delas ocorreram menos de sete óbitos.

Calculados os CMG e as RMP para cada ZI da Cidade, os indicadores foram dispostos em ordem crescente no primeiro caso e decrescente no segundo. Para ambos os indicadores estabeleceram-se 4 agrupamentos de zonas de informação em função de seus valores. O primeiro quartil correspondia a uma mortalidade "baixa", o segundo "intermediária", o terceiro "elevada" e o último "muito elevada".

Para cada um dos agrupamentos formados a partir do ordenamento dos valores de RMP foi construida a respectiva curva de mortalidade proporcional (CMP) calculando-se a percentagem de óbitos dos seguintes grupos etários: menos de 1 ano, 1 a 4, 5 a 19, 20 a 49 e 50 anos e mais. Segundo Moraes8 podem existir os seguintes tipos de curvas:

Tipo I — Nível de saúde muito baixo — coletividades com péssimas condições de saúde ecom mortalidade elevada nos menores de 1 ano e na faixa etária de 20 a 49 anos. Curva com aspecto irregular.

Tipo II — Nível de saúde baixo — coletividade com condições de saúde um pouco melhores, havendo uma redução dos valores de mortalidade proporcional em certos grupos etários e aumento relativo em outros como os de menos de 1 ano.

Tipo III — Nível de saúde regular — coletividade em que a melhora das condições de saúde já permite mostrar uma concentração de óbitos no grupo de 50 anos e mais, passando a curva da forma de J invertido para J normal.

Tipo IV — Nível de saúde elevado — pequena contribuição dos grupos de menos de 20 anos para o total de óbitos e concentração no grupo de 50 anos e mais. A curva apresenta-se com forma de J normal.

Foi também empregado o indicador quantificado de Guedes visando a quantificar o Indicador de Moraes para o Município de Salvador e especialmente para os diferentes agrupamentos de ZI constituídos, em função da RMP. Esta quantificação gera um indicador, cujas cifras variam de valores negativos até o máximo teórico de +50 considerando-se a seguinte ponderação para cada grupo etário:

 

 

Após a soma algébrica dos valores encontrados divide-se o resultado por dez. Obtém-se, desse modo, uma aferição do grupo de discriminação cuja passagem de valores negativos para positivos expressa uma progressiva melhoria dos níveis de saúde.

Finalmente, as razões de mortalidade proporcional (RMP) foram analisadas à luz dos indicadores sócio-econômicos abaixo relacionados, aplicando-se o teste estatístico de correlação para o cálculo do coeficiente de Spearman, aceitando-se o nível de significância estatística menor de 0.05 para n-2 graus de liberdade.

Nessa perspectiva, foram utilizados os seguintes indicadores sócio-econômicos:

a) Proporção de famílias de baixa renda — percentual de família com rendimentos de 0 a 5 salários mínimos.

b) Disponibilidade de água per capita: litros de água consumidos por habitantes por dia.

c) Aglomeração — número de habitantes por domicílio.

d) Disponibilidade de médicos de Centros e Postos de Saúde: número de profissionais médicos existentes nos Centros e Postos de Saúde para cada 10.000 habitantes.

Tais dados foram fornecidos, respectivamente, pelo Órgão Central de Planejamento (OCEPLAN), Empresa Bahiana de Saneamento (EMBASA), pela Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER) e pelas 1ª Diretoria Regional de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde.

 

RESULTADOS

O Município de Salvador apresentou no ano de 1980 um coeficiente de mortalidade geral de 7,9/1000 habitantes, uma razão de mortalidade proporcional de 41,2% e uma curva de mortalidade proporcional (Gráfico 1) indicadora de um "regular" estado sanitário.

 

 

No Anexo 1, constam os indicadores de saúde calculados para cada zona de informação (ZI) que permitiram o ordenamento das ZI de modo crescente no caso do coeficiente de mortalidade geral (CMG) e em ordem decrescente no que tange a razão da mortalidade proporcional (RMP).

Assim, na tabela 1 verifica-se o CMG dos bairros que compuseram o 19 quartil com uma taxa média de 3,03/ 1000 variando de 0,96 na ZI correspondente ao 19BC a 5,51 no Canela. Observa-se nesse grupo certa heterogeneidade nos bairros que compreendem esse quartil como Parque de Nossa Senhora da Luz/Itaigara, Engomadeira, Jardim Apipema, Amaralina, Caixa D'Água, entre outros. A seguir, tem-se o 2º quartil com um coeficiente médio de 6,76/ 1000 com uma variação de 5,62 (Vitória/Campo Grande) a 7,43 (São Caetano). Tem-se aqui, também, uma composição heterogênea de bairros reunindo ondina, Mares, IAPI, Mussurunga, Barra, Uruguai, Castelo Branco, etc.

 

 

Os coeficientes correspondentes ao 3º quartil referem-se às ZI de elevada mortalidade geral. O CMG médio está em torno de 8,12, variando de 7,43 em Coutos a 9,33 em Mata Escura, Nessa tabela já se observam bairros com características mais semelhantes. Finalmente, constatam-se os coeficientes referentes ao 4º quartil com zonas de informações de "muito elevada" mortalidade geral, cujo valor médio é de 11,5/1000 com uma variação de 9,48 (Boca do Rio) e 18,92 (Cabula). Destaca-se nesse quartil não só uma homogeneidade maior entre os bairros que eles compõem, mas especialmente as elevadas taxas nas ZI correspondentes a Brotas, Frederico Pontes, Valéria e Cabula.

Os bairros correspondentes aos quartis de baixa, intermediária, elevada e muito elevada mortalidade geral encontram-se dispostos no mapa 1.

 

 

Na tabela 2 e no mapa 2 encontram-se as zonas de informação correspondentes aos quartis de muito elevada, elevada, instermediária e baixa razão de mortalidade proporcional (RMP). O primeiro quartil tem uma RMP média de 62,6% com uma variação de 76,6% (Canela) e 52,5 (Engenho Velho de Brotas). Notam-se, nessa lista, bairros com melhores condições sócio-econômicas como Canela, Graça, Campo Grande/Vitória, Barra, Pituba, etc. No segundo quartil (zona de elevada RMP) ocorre uma variação a de 52,1% (Horto Florestal) a 36,8% (Escada/Periperi) tendo um valor médio de 47,3%. Verifica-se uma maior diversidade de bairros incluídos nesse quartil, tais como Liberdade, Brotas, Jardim Cruzeiro, Uruguai, Nordeste, Castelo Branco, Escada, Periperi, etc. O terceiro quartil, com zonas de intermediária RMP e tendo como valor médio 32,7%, mostra uma variação de 36,3% (Parque Nossa Senhora da Luz/Itaigara) a 26,9% (Estrada CIA/Aeroporto). Com a exceção do Parque Nossa Senhora da Luz/Itaigara, todas as demais ZI apresentam características sócio-econômicas semelhantes. O quarto quartil (zonas de baixa RMP) tem uma RMP média em torno de 22,4% variando de 25,9% (Mussurunga/São Cristóvão) a 12,7% (Sussuarana). Verifica-se certa homogeneidade nas zonas de informação que compõem este quartil, representando o "miolo" da Cidade de Salvador, a periferia e parte do subúrbio ferroviário.

 

 

 

 

Nos gráficos 2, 3, 4, e 5 tem-se a representação desses quartis através da curva de mortalidade proporcional. Assim o gráfico 2 sugere um nível sanitário "elevado". Os gráficos 3 e 4 apresentam curvas que indicam um nível de saúde "regular" enquanto o gráfico 5, correspondente ao último quartil, dispõe de uma curva sugestiva de "baixo" nível de saúde.

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando foi aplicado o sistema de pontuação proposto por Guedes e Guedes4 para cada grupo de zonas (Tabela 3) percebem-se coeficientes bastante expressivos (variando de +19,7 a -14,2) ficando patente a diferença entre os mesmos. Quando esse procedimento foi aplicado aos dados globais de Salvador, o coeficiente foi apenas de +1,77.

 

 

Com referência aos coeficientes de correlação e os níveis de significância resultantes da relação entre a mortalidade proporcional de 50 anos e mais, e as variáveis independentes selecionadas para o conjunto de 62 zonas de informação de Salvador (Tabela 4), verificou-se uma evidente relação negativa entre a RMP e percentual de famílias com baixa renda (r = - 0,68) da mesma forma que a aglomeração (r = - 0,61). Quanto à disponibilidade de água, observa-se uma relação inversa (+0,62). A relação da RMP com estes três indicadores mostrou-se estatisticamente significante ao nível de 0,001, o que não ocorreu com a relação com o número de médicos de Centros e Postos de Saúde que apresentou um r = 0,22, não sendo estatisticamente significante ao nível de 5%.

 

 

DISCUSSÃO

O estudo da distribuição espacial da totalidade de óbitos ocorridos em Salvador no ano de 1980 revela uma variação expressiva dos indicadores entre os diferentes bairros da cidade. O recurso à utilização de indicadores de saúde de características diversas como o coeficiente de mortalidade geral, o índice de Swaroop-Uemura, o indicador de Moraes e o Sistema de pontuação de Guedes e Guedes permitiu ressaltar os distintos níveis de saúde observados para uma população residente numa mesma cidade. Enquanto indicadores globais de saúde, apontam para as condições de saúde do conjunto da população e não apenas para aqueles segmentos etários mais susceptíveis aos riscos do ambiente, como é o caso dos estudos sobre mortalidade na infância3.

No que diz respeito ao comportamento do coeficiente de mortalidade geral nas diferentes zonas de informação, cabe destacar a acentuada variação de 0,96 óbitos por 1000 habitantes no caso do 19BC a 18,92 no Cabula. Esses dados são, todavia, interessantes para sugerir a existência de problemas na classificação dos óbitos segundo o bairro de residência. Embora as ZI correspondentes ao 19BC e ao Cabula sejam contíguas e apresentem condições ambientais e sócio-ecônômicas semelhantes, verifica-se grande diferença. Assim, é possível admitir uma tendenciosidade da Declaração de Óbito com relação, ao item 13 correspondente ao bairro de modo a registrar mais o Cabula por ser mais conhecido que o 19BC.

Outra limitação digna de registro diz respeito à influência da estrutura etária da população sobre o coeficiente de mortalidade geral, quando as taxas não são padronizadas. É o caso de um bairro como o Matatu, que se encontra no quartil correspondente às zonas de mortalidade geral "muito elevada" quando, na realidade, apresenta uma baixa proporção de óbitos de menores de 1 ano e uma alta proporção de óbitos no grupo etário de 50 anos e mais (68,7%). Desse modo, é possível que a estrutura etária dessa população composta da maior proporção de pessoas adultas e idosas apresente naturalmente uma mortalidade maior. Esta é uma das explicações possíveis para a grande heterogeneidade verificada entre os bairros agrupados nos diferentes quartis em função do CMG. Estariam sendo reunidas num mesmo quartil ZI com baixo CMG porque a estrutura etária é jovem, embora de baixo nível sócio-econômico ou porque o padrão de vida é alto, apesar de dispor de uma população com idade mais avançada. Conseqüentemente, o CMG apesar de demonstrar diferença entre os bairros, não discriminou bem as zonas integrantes dos três primeiros quartis.

Só mesmo o quartil correspondente as ZI de "muito elevada" mortalidade geral apresenta maior homogeneidade na sua composição tendo 13 bairros com CMG superior a 10 óbitos/mil habitantes.

Quanto à razão da mortalidade proporcional (RMP) ou índice de Swaroop-Uemura, percebe-se especialmente através do mapa 2 a grande variação entre as diferentes zonas da cidade. Considerando-se que uma proporção maior de óbitos na faixa etária de 50 anos e mais indica que a população já não morre tanto na idade jovem e, portanto, tende a apresentar melhores condições de saúde, cabe destacar como esse índice vai decrescendo dos bairros centrais para a periferia e o subúrbio ferroviário, alcançando valores inferiores a 25,9% nos bairros de recente assentamento populacional denominado "miolo" da cidade de Salvador. Essa área abriga diferentes invasões e favelas que acompanham o crescimento urbano do Município. Embora esse indicador não expresse a idéia de risco, mostrou-se com grande capacidade de discriminação para as diferentes ZI. Na medida em que ele foi empregado para a definição dos quartis, foram obtidas curvas de mortalidade proporcional (índice de Moraes) bastante ilustrativas dos distintos subconjuntos de bairros. Assim houve bairros com nível sanitário "elevado" compatível com regiões desenvolvidas, vários com nível "regular" e outros com "baixo" nível sanitário, característico das regiões subdesenvolvidas. Tal variação ficou evidente ao se utilizar o sistema de pontuação de Guedes e Guedes para esses quartis. Quando o mesmo foi aplicado aos dados globais de Salvador, no entanto, verifica-se um baixo nível de discriminação.

Tais resultados, por sua vez, reforçam a idéia básica desta investigação de que os indicadores de saúde de caráter global divulgados pelos organismos oficiais não expressam a diversidade das condições de saúde entre os diferentes segmentos da população, por não considerar a influência da estrutura econômica na sua determinação. A relevância deste fator mais uma vez fica evidenciada, pelo encontro da forte correlação entre a "Razão da Mortalidade Proporcional" e a percentagem de população de baixa renda, da mesma forma que já verificada em estudo anterior com relação à mortalidade infantil proporcional, apesar de não estar se tratando de um indicador tão sensível quanto a este. Se aquelas informações apresentam importância estatística na construção de séries históricas, ou na comparação interregional, são limitantes, para uma política social que privilegie a eqüidade e a eficácia das ações de saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. Rio de Janeiro, v. 41, 1980.        

2. BAHIA. Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana. Base cadastral da região metropolitana de Salvador. Salvador, 1981.V. 1.        

3. COSTA. M.C.N.; PAIM, J.S.; CABRAL, V.M.C. & MOTA, J.A. Mortalidade em crianças de 1-4 anos. Salvador, 1980. R. baiana Saúde públ, 12 (1/3): 15-28, 1985.        

4. GUEDES, J. da S. & GUEDES, M.L. da S. Quantificação do indicador de Nelson de Moraes (Curva de Mortalidade Proporcional) R. Saúde públ., 7: 103-13, 1973.        

5. JORDAN FILHO, L.; MONTEIRO, M.F.G. & CARVALHO, A.V.W. de. Revisão analítica dos indicadores de saúde. R. bras. Estat,35 (139): 339-56, 1974.        

6. LAURENTI, R. A medida das doenças. In: FORATTINI, O.P. Epidemiologia geral São Paulo, Artes Médicas, 1980. p. 64-85.        

7. MAcMAHON, B.;PUGH, T.F. & IPSEN, J. Métodos de epidemiologia. México, La Prensa Medica Mexicana; São Paulo, Blucher, 1976. p. 121-22.        

8. MORAES, N.L. de A. Níveis de saúde de coletividades brasileiras. R. Saúde públ., 10:403-97, 1957.        

9. NOVO, N.F.; JULIANO. Y.; PAIVA, E.R. de & LESER, W. Ordenação de populações em amplas classes de níveis de saúde, segundo um indicador abrangente definido por uma função discriminante linear. R. Saúde públ, 19: 344-63,1985.        

10. OLIVEIRA, F. Salvador: os exilados da opulência (expansão capitalista numa metrópole pobre). In: SOUZA, C.A.A. de & FARIA, V. Bahia de todos os pobres. Petrópolis, Vozes/ CEBRAP,1980.p.9-21.        

11. PAIM, J. S. Indicadores de saúde no Brasil. R. baiana Saúde púlb. 2 (2): 39-83, 1975.        

12. PAIM, J.S.; COSTA, M.C.N.; CABRAL, V.M.C. & MOTA, I.A. Distribuição espacial de mortalidade infantil porporcional e sua relação com variáveis sócio-econômicas, Salvador-BA. (Brasil). (No prelo).        

13. ROUQUAYROL, M.Z. Epidemiologia e saúde. Fortaleza, UNIFOR, 1983, p. 15-52.        

14. SIMÕES, M.L. Invasões: agentes da produção da cidade do Salvador. Cad. CEAS, 99:36-43, 1985.        

15. SWAROOP, S. & UEMURA, K. Proportional mortality of 50 years and above: a suggested indicator of the component "health including demographic conditions" in the measurement of living. Bull. WHO, 17:439-81,1957.        

 

 

Recebido para publicação em 25.07.86.

 

 

1 PAIM, J.S.; COSTA, M.C.N.; CABRAL, V.M.C. & MOTA, I.A. Distribuição espacial de mortalidade infantil proporcional e sua relação com variáveis sócio-econômicas, Salvador-BA (Brasil) no prelo.

 

 

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br