PESQUISA

 

Teores de mercúrio no cabelo: um estudo comparativo em trabalhadores da lavoura de cana-de-açúcar com exposição pregressa aos fungicidas organo-mercuriais no município de Campos — RJ*

 

 

Volney de M. CâmaraI; Reinaldo C. CamposI; Maurício A. PerezI; Anamaria T. TambeliniII; Carlos Henrique KleinII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ
IIEscola Nacional de Saúde Pública — FIOCRUZ — RJ

 

 


RESUMO

Como parte de uma tese de doutoramento, foi realizado um estudo comparativo dos teores de mercúrio no cabelo de um grupo de trabalhadores que tinham deixado de manipular os fungicidas organo-mercuriais há pelo menos dois anos com outro grupo semelhante, porém sem a história de manipulação prévia destes fungicidas.
Embora não tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos, os dados apresentados sugerem que pode ter havido contaminação ambiental por mercúrio em trabalhadores, pelo menos dois anos depois da proibição do uso dos fungicidas organo-mercuriais no Brasil.


ABSTRACT

In a rural area of the state of Rio de Janeiro — Brazil was realized a comparative study of mercury levels in human scalp hair between two groups of sugar cane plantation workers: exposed and not exposed at past (up two years) to the organomercury fungicides.
It was not find statistical difference between the two groups, but these results shown a possibility of environmental pollution.


 

 

INTRODUÇÃO

Desde 1979, estamos desenvolvendo estudo sobre os efeitos dos fungicidas organo-mercuriais nos trabalhadores da lavoura de cana-de-açúcar do Município de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. Nesta região, durante muitos anos, estes fungicidas foram usados para tratamento de sementes de cana-de-açúcar.

No primeiro estudo8, foi realizado um levantamento do sistema produtivo de cana-de-açúcar, e cerca de 70% dos lavradores entrevistados apontaram os fungicidas organo-mercuriais como o fator que mais prejudicava a sua saúde.

No segundo estudo25, encontramos altos teores de mercúrio em amostras de sangue dos trabalhadores, e foram também encontrados resíduos de mercúrio nas plantas, solo e caldo de cana. Os resultados desta pesquisa desencadearam uma campanha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos que culminou com a proibição do uso e comercialização dos fungicidas organo-mercuriais no Brasil.

Este trabalho que estamos apresentando faz parte de uma tese de doutoramento4. Tendo em vista que os organo-mercuriais são cumulativos no organismo humano, decidimos comparar seus efeitos tardios em um grupo de trabalhadores que manipularam estes compostos pelo menos dois anos depois de cessada esta manipulação (grupo estudo) com outro grupo de lavradores de cana-de-açúcar de sexo e idade semelhantes (grupo comparação) e que não tenha tido exposição direta a estes fungicidas. As hipóteses testadas consistiam na existência de diferenças entre dois grupos de trabalhadores relacionadas com a inserção no processo de trabalho, as condições de vida, o quadro de morbidade e os teores de mercúrio no cabelo.

Em relação aos teores de mercúrio no cabelo, que é o tema deste trabalho, foi testada a seguinte hipótese: "As concentrações de mercúrio impregnadas nos trabalhadores que manipularam fungicidas organo-mercuriais seriam suficientes para que o mercúrio estocado nos seus tecidos fosse lançado progressivamente na corrente sangüínea e aparecesse no cabelo, mesmo dois anos após cessada a manipulação".

Os trabalhos existentes sobre dosagens de metais no cabelo estudam, basicamente, três tipos de população: expostas ambientalmente, expostas ocupacionalmente e aquelas supostamente normais. Entre os grupos expostos ocupacionalmente geralmente descritos estão os que trabalham em indústrias que operam com esse elemento e os dentistas, por força da manipulação deste metal na feitura de restaurações de amálgama. Os estudos que encontramos na bibliografia especializada sobre esse último tipo referem-se a avaliações dos teores de mercúrio no cabelo realizadas no período em que houve a exposição, ou seja, na fase aguda. Nesse estudo, os trabalhadores já não manipulavam os fungicidas organo-mercuriais há, pelo menos, dois anos.

De acordo com o conhecimento atual, após um período médio de 72 dias, o mercúrio absorvido pelo organismo deixa de circular na corrente sangüínea, e a fração não eliminada é depositada nos tecidos e órgãos do corpo humano3. Segundo alguns autores, como Chatt et alii6, Clarkson7, Aberg1, Giovani e Berg15 e Al Shahristani e Shihab3, o cabelo só pode ser usado como indicador da contaminação por mercúrio quando este metal está retido na corrente sangüínea, isto porque somente nesta fase o mercúrio é incorporado ao cabelo em formação. Por este motivo, a porção do cabelo formada neste período de exposição concentra grandes quantidades de mercúrio em um determinado ponto e, à medida que o cabelo vai crescendo, este ponto vai se afastando da raiz.3,12,15 Chatt et alii6 citam que existem circunstâncias em que, particularmente, quando metais cumulativos, como o mercúrio são ingeridos em doses maciças, a análise longitudinal do cabelo deve revelar a história da poluição ambiental. Dados apresentados por Clarkson7 e Aberg1 sugerem que, no máximo um ano após haver uma grande exposição aos organo-mercuriais, os níveis deste elemento no cabelo caem a níveis normais.

Embora, de acordo com os autores, não fosse possível detectar diferenças nos dois grupos, supomos que, devido a sua alta impregnação nos tecidos, o mercúrio aí estocado poderia ser progressivamente despejado na corrente sangüínea em maiores concentrações, as quais seriam detectadas pela sua análise no cabelo. Esta foi a hipótese que decidimos testar.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo comparativo entre dois grupos de lavradores da cultura de cana-de-açúcar pareados por sexo e idade. O primeiro grupo (estudo) foi constituído daqueles que, pelo menos uma vez durante suas vidas ocupacionais, manipularam os fungicidas organo-mercuriais, enquanto que, no segundo grupo (comparação), não houve relato desta exposição prévia.

Os dados foram colhidos entre julho de 1982 e janeiro de 1983, na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos. Foram examinados 200 trabalhadores (100 em cada grupo).

Para cada lavrador, foi aplicado um questionário com dados de identificação, de história ocupacional, de condições de vida e de morbidade referida. Foram ainda realizados exames clínicos (anamnese e exame físico) e coleta de amostras de cabelo.

Para testar esta hipótese, foi necessário que a amostra coletada de cabelo não refletisse o teor de mercúrio aí incorporado na época correspondente à manipulação dos organo-mercuriais e sim aqueles estocados em período recente. Os fios de cabelo foram cortados, deixando até 5 cm (parte próxima) para serem acondicionados para análise, e foi eliminado o resto do cabelo (parte distal). Tendo em vista que o crescimento médio do cabelo por dia é de 0,2 a 0,5 mm16 e que a vida média do mercúrio no sangue varia de 35 a 189 dias23, a coleta da parte proximal não refletiria o mercúrio depositado no cabelo que fosse originário da exposição ocupacional que cessou em abril de 1980, no Município de Campos.

Para que esta coleta fosse extremamente criteriosa, seguimos as recomendações da International Atomic Energy22. Os procedimentos adotados foram:

— O cabelo foi cortado o mais próximo possível do escalpo, identificando-se as terminações distais e proximais.

— As amostras foram cortadas com tesoura inoxidável, não-oxidada;

— Foram cortados não menos de 100 fios de cabelo, tendo, no mínimo, 10 fios do mesmo local da cabeça, isto porque os teores de mercúrio podem variar ao longo do escalpo9;

— As amostras foram estocadas em envelopes de papel, sendo identificadas apenas pelo número.

O método utilizado para a análise dos teores de mercúrio em cabelo foi o da absorção atômica, técnica do vapor frio. A absorção atômica, principalmente após o advento da atomização eletrodérmica, tem conseguido, para alguns elementos, resultados quase tão sensíveis quanto aos métodos nucleares. Em alguns casos, é possível verificar-se a variação elementar ao longo do fio, amostrando-o em segmentos de apenas 1 cm de comprimento. Daí que, de meados da última década para hoje, vem crescendo o percentual do número de trabalhos de análise de cabelo por absorção atômica5,22,23.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A tabela 1 mostra que, no grupo-estudo, a média aritmética dos teores de mercúrio foi maior que no grupo comparação, assim como a média geométrica e a mediana. No entanto, a diferença da média aritmética (1,60 para o grupo estudo e 1,46 para o outro grupo) não foi estatisticamente significante (tparedo = 0,27; p > 0,05). No grupo comparação o desvio-padrão foi maior, e também seu coeficiente de variação. Houve, ainda, perda de uma amostra durante a realização da análise laboratorial, sendo desprezado o seu par correspondnete de comparação.

 

 

A avaliação da magnitude destes dados fica dificultada porque não existe um valor "normal" do teor de mercúrio no cabelo que nos possibilitasse comparar com nossos números. Vários autores, de diferentes países do mundo, acharam valores distintos para populações consideradas normais, isto é, que nunca foram expostas diretamente. Segundo Ryabukhin23, isto ocorre porque existem diferenças entre as condições ambientais de cada lugar, incluindo-se hábitos nutricionais, entre os procedimentos pré-analíticos e entre os métodos de análise.

Em relação às condições ambientais, o mercúrio pode estar elevado em conseqüência de fontes naturais, como, por exemplo, de atividades vulcânicas e intemperismo de rochas e minerais e de fontes artificiais, como poluição por atividades industriais e aplicação de defensivos agrícolas11. As populações expostas a estas concentrações ambientais mais altas possuem mais chance de apresentar níveis mais altos de mercúrio no sangue e, conseqüentemente, no cabelo. Isto ocorre, principalmente, com populações que têm o hábito de consumir peixes e mexilhões em sua dieta, principalmente quando o pescado é obtido em áreas próximas a atividades industriais, uma vez que certos organismos marinhos apresentam um grande fator de bioacumulação de mercúrio17,26. Segundo Kudo e Mortimer18, os peixes acumulam mercúrio do sedimento do leito dos rios em uma proporção aproximadamente nove vezes maior que a da água.

Suzuki et alii28 mostraram níveis altos de mercúrio no cabelo em populações que consumiam peixes em ilhas japonesas e, aqui no Brasil, Ferreiro et alii14 mostraram maior concentração dos teores de mercúrio no cabelo em pessoas residentes e consumidoras de mariscos contaminados na baia de Alagados, no Estado da Bahia.

Em relação aos procedimentos pré-analíticos, podemos exemplificar citando um estudo de Ryabukhin22 que mostra que análises do teor de mercúrio podem variar de acordo com os locais da cabeça onde as amostras são coletadas e com a quantidade e tamanho do cabelo coletado.

Como aspectos dos métodos analíticos que devem ser levados em consideração na análise dos resultados, incluímos a utilização ou não dos métodos de lavagens do cabelo. Com o objetivo de eliminar os elementos incorporados de fontes exógenas, alguns autores como Salmela et alii24, Kumpulainem et alii19 e Maltera el alii20 citam uma série de procedimentos de lavagens, incluindo diferentes agentes, misturas e, ainda, tempo e número de lavagens. Segundo Campos5, a International Atomic Energy Agency — IAEA — tem recomendado o contato sucessivo por 10 minutos com 25 ml de acetona, água, água e acetona. Chatt et alii6 concluem que este procedimento e outros, que incluem solventes orgânicos, água e detergentes, são suficientes para remover contaminantes exógenos, como, por exemplo, óleos, laquês, partículas de poeira e xampus.

Ryabukhin23 cita que a comparação entre diferentes estudos fica dificultada também pelas formas de apresentação dos dados. Alguns autores apresentam os resultados através da media aritmética, outros da média geométrica ou, ainda, da mediana.

Listaremos, a seguir, alguns resultados obtidos por diversos autores, mostrando que os valores do teor de mercúrio no cabelo para populações consideradas "normais" variam de acordo com as regiões ou com o país:

— Cortés et alii10, analisando uma amostra de uma população rural chilena proveniente de área pouco industrializada, encontraram uma média aritmética de 0,659 + 0,35 ppm e uma amplitude de 0 a 1,6 ppm;

— Chatt et alii6 afirmaram que, no Canadá, parece ter havido um aumento do conteúdo do teor de mercúrio no cabelo, em geral. A amplitude encontrada em três épocas distintas foi:

— 1962: 0,2 a 4 ppm

— 1970: 0,2 a 6 ppm

— 1976: 0,2 a 8 ppm

Estes autores mostraram, também, que esta população apresentava níveis menores que os dentistas, que apresentavam uma amplitude de 12 a 45 ppm e que outra população do Novo México que se alimentava com carne de porco contaminada e cujos níveis chegaram a alcançar 150 ppm.

Ferreiro et alii13, para uma amostra de 150 pessoas, encontraram uma média aritmética de 3,36 ppm para uma população habitante e consumidora de mariscos da região de Alagados e 2,2 ppm para outra população não exposta ambientalmente. No grupo de Alagados havia oito pessoas com valores acima de 6 ppm, enquanto na população sem contaminação ambiental o valor máximo foi de 4,77 ppm.

Takeuchi et alii29, numa amostra de 342 pessoas representativas da população japonesa, mostraram que a média aritmética dos teores de mercúrio foi de 4,2 ± 1,95 ppm.

Qureshi et alii21 observaram, para uma amostra de 105 pessoas do Paquistão, de diferentes grupos ocupacionais e sociais, uma média aritmética de 1,73 ppm de mercúrio no cabelo.

Al-Shahristani et Al-Haddad2 mostraram que, na região de Bagdá, a média aritmética do teor de mercúrio foi de 1,00 ppm e, no país, de 1,41 ppm.

A tabela 2 compara nossos resultados com os obtidos por outros autores em populações "normais", não expostas a poluentes artificiais. Podemos observar que, para cada um, existe uma média diferente que deve ser influenciada pela concentração ambiental de mercúrio, além dos outros fatores discutidos, anteriormente, como procedimentos pré-analíticos. As médias de Campos foram relativamente baixas, porém é interessante observar que a amplitude foi grande, tanto para o grupo de estudo, quanto para o grupo comparação.

 

 

O valor desta média foi também muito maior que a mediana (duas vezes maior), significando que a distribuição das amostras apresenta resultados com valores muito afastados dos demais. Com exceção do estudo no Iraque, isto não ocorreu nos outros locais.

Embora não exista este nível considerado "normal", Sumari27 apontou 6 ppm de mercúrio no cabelo como um limite de segurança e Al-Shahristani e El-Haddad2 apontaram até 4 ppm como "nível normal". Nos dois grupos das pessoas das nossas amostras, o valor máximo alcançou mais de 30 ppm, o que é muito alto também, comparado com os outros locais.

Poder-se-ia esperar que, se a coleta fosse realizada em períodos próximos da fase de exposição dos trabalhadores aos fungicidas organo-mercurias, este número seria muito maior. Como exemplo, podemos citar o nosso estudo anterior25, em que obtivemos um lavrador com 0,25 ppm de mercúrio no sangue, o que poderia representar, aproximadamente, 500 a 750 ppm de Hg no cabelo (vimos antes que, devido a sua grande sensibilidade, as dosagens obtidas no cabelo são cerca de 200 a 300 vezes maiores). Estes níveis se equivalem aos observados nas epidemias de Minamata e do Iraque.

Estas pessoas de nossas amostras, possivelmente durante a fase de exposição, tiveram altas concentrações de mercúrio no cabelo. Depois da vida média deste elemento no sangue, o mercúrio foi depositado nos tecidos. Não fizemos a coleta em tecidos, mas, mesmo que isso fosse feito, seria impossível fazer comparações com valores "normais". Hopps16 diz que seria impossível amostrar diferentes tecidos de um grande número de pessoas para o cálculo de um limite de normalidade do teor de mercúrio depositado, porque o mercúrio se distribui em vários tecidos do organismo.

A análise das distribuições dos valores das amostras revela que alguns resultados se destacavam dos demais. A tabela 3 e o gráfico 1 mostram que a maioria das amostras estava entre aquelas de teores menores de 1 ppm de mercúrio no cabelo, seguidas de um outro lote (metade do primeiro) de amostras com valores entre 1 a 3 ppm. Destacavam-se, destes dois lotes, 15 amostras que estavam na faixa acima de 3 ppm. Os valores destas 15 amostras por grupos foram:

 

 

 

 

 

 

Destas amostras que se destacavam das demais, havia um número maior no grupo estudo (10) do que no grupo comparação (5), Esta diferença, conforme mostra a tabela 3, não foi estatisticamente significante, mesmo que se faça o corte para análise acima de 1,3 ou 6 ppm.

Um ano após esta coleta, selecionamos os cinco lavradores de teores mais elevados de cada grupo para uma segunda coleta de amostras de cabelo. Estes lavradores foram localizados através de representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e também por anúncios em uma rádio do Município, nos dias 24 e 25 de maio de 1984. Uma semana após, foi possível realizar uma segunda coleta de amostras de cabelo em seis trabalhadores (três em cada grupo) que compareceram à sede do Sindicato.

O número de identificação, o sexo, a idade e os valores obtidos na primeira e segunda coletas de amostras de cabelo estão especificados nos quadros 1 e 2.

 

 

 

 

No grupo-estudo, os três lavradores mostraram uma grande variação nas duas coletas. A de nº 64, embora tenha apresentado teores reduzidos à metade do que foi obtido na primeira coleta, ainda apresentava concentrações acima do limite considerado de segurança. A de nº 66 apresentou um valor reduzido na segunda coleta, ao contrário do de nº 33 que, de 6,08 na primeira coleta, atingiu o limite de 15,56 na segunda coleta, o que pode ser considerado como alto.

Os três lavradores deste grupo tinham em comum o fato de apresentarem deficiência visual, tendo um deles sofrido, posteriormente ao aparecimento desta deficiência, um acidente durante a manipulação de um fungicida organo-mercurial, o que levou à perda total de visão do olho direito.

Nenhum dos três trabalhadores mudou de endereço no período entre as duas coletas.

Os três lavradores do grupo comparação apresentaram teores mais semelhantes aos da primeira coleta, comparados com os resultados apresentados no grupo estudo e nenhum dos três apresentou valores abaixo do limite de segurança.

A de número 86 apresentou, na segunda coleta, concentrações ainda altas (33,40 ppm)' Esta pessoa vem se submetendo, há pelo menos três anos, a tratamento neurológico e psiquiátrico e fazendo uso dos seguintes medicamentos: Gardenal — 100 mg (anticonvulsivo) e psicossedin (ansiolítico e antidistônico).

O de número 14 apresentou um declínio no teor de mercúrio de 9,73 ppm para 6,62 ppm, o que o situa, portanto, no limite de segurança. Já a pessoa identificada pelo número 100 mostrou um pequeno acréscimo das concentrações de mercúrio no cabelo (6,75 para 8,32 ppm). Sua história ocupacional mostra que, desde a época da realização da primeira coleta de amostra de cabelo, trabalha em uma instituição em cujo gabinete dentário ela tem acesso freqüente.

Eliminando-se os trabalhadores número 66 do grupo-estudo, que obteve valor normal na segunda coleta, e o número 100 do grupo comparação que trabalhava em um local onde poderia ter se contaminado, todos os outros continuavam a apresentar teores de mercúrio acima de 6 ppm em um período de, pelo menos, um ano e seis meses depois da primeira coleta. Evidentemente, após este período, a coleta de até 5 cm de cabelo não refletia a contaminação ocorrida na primeira coleta. É lógico então supor que estes trabalhadores tenham sido expostos novamente aos organo-mercuriais.

Tendo em vista que todos negaram ter manipulado este fungicida, resta-nos a hipótese de que possivelmente foram expostas aos organo-mercuriais encontrados no ambiente em que vivem, tanto nos locais de trabalho (contato com plantas, solo, etc) como em suas casas (contato com solo, ingestão de alimentos e água contaminada).

 

CONCLUSÕES

Tendo em vista que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, não podemos rejeitar a hipótese de que o mercúrio estocado nos tecidos não passe para o sangue, quer dizer, não podemos ainda, com os dados atuais de nosso estudo, aceitar a hipótese alternativa de que o mercúrio seja progressivamente lançado na corrente sangüínea e, como conseqüência, aparecer no cabelo. Isto significa que os teores elevados nos dois grupos se deram por contaminação, que ocorreu em períodos próximos à data em que foi colhida a amostra de cabelo. Como os lavradores que foram expostos, ocupacionalmente, relataram não ter manipulado este fungicida depois de 1980, deduzimos que os valores altos encontrados devem ter sido causados, em ambos os grupos, por exposição ambiental.

Cinco lavradores no grupo estudo e quatro no grupo de comparação apresentaram teores acima do valor considerado como limite de segurança e vimos, também, que, em comparação com outros locais, os valores máximos que encontramos eram relativamente altos.

Como não foi possível identificar na região outras fontes de contaminação de mercúrio, supomos que os organo-mercuriais que foram usados, durante tantos anos, como fungicidas nesta região impregnaram os solos e a água e podem continuar a contaminar estes trabalhadores que consomem, basicamente, água de poço e trabalham manipulando a terra.

 

AGRADECIMENTO

Agradecemos a Ismael José da Silva, Rosangela da Silva Jesus e Maria José dos S. Costa, pelo apoio administrativo na execução deste trabalho.

 

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Recebido para publicado em 19.06.86

 

 

* Este trabalho é parte de tese de doutoramento em Saúde Pública, aprovada pela ENSP-FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, "Estudo comparativo dos efeitos tardios dos fungicidas organo-mercuriais no município de Campos — RJ".

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br