Contribuição ao debate de uma política de recursos humanos para o setor saúde no Brasil a situação da categoria médica

 

 

Francisco Eduardo de CamposI; Mozart de Oliveira JúniorII

IMédico-Mestre em Medicina Social Sanitarista. Prof. do Depto. Medicina Preventiva da Fac. de Medicina da UFMG
IIMédico-Sanitarista — Aluno de pós-graduação — Mestrado do CEDEPLAR da UFMG

 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é oferecer subsídios à discussão de uma nova política de recursos humanos para o setor saúde-neste caso específico para a categoria médica — dentro de uma proposta de reorganização deste setor.

Deve-se ressaltar inicialmente as limitações deste trabalho devidas, em parte, ao reduzido tempo disponível para a sua elaboração e, por outro lado, a escasso número de informações sobre o assunto.

O tema de Recursos Humanos tem sido objeto de grande preocupação, a partir das propostas de reordenamento do setor saúde.

A descentralização da programação, execução e controle das ações de saúde, através de distritos sanitários ou de políticas assemelhadas tem, na integração interinstitucional dos níveis federal, estadual e municipal o seu ponto de sustentação.

Entende-se portanto, que o tratamento dispensado à força de trabalho na área da saúde necessita ser o mesmo nestes três níveis, no que se refere às condições de trabalho, bem como contar com mecanismos explícitos e únicos de ascensão funcional e remuneração, através de um plano de cargos e salários.

Certamente que os problemas de Recursos Humanos não são os únicos obstaculizadores da implementação das propostas de reforma neste setor.

Contudo, os movimentos reivindicatórios da categoria médica, nos últimos anos tem mostrado que a não resolução das distorções existentes pode vir a ser um ponto de estrangulamento das modificações propostas.

Como uma primeira aproximação, poderíamos listar um conjunto de problemas na área de recursos humanos que, se não resolvidos, poderão comprometer todo o esforço realizado na superação do modelo de prestação de serviços anteriores:

a) A formação médica oferecida guarda pouca aderência com os problemas prevalentes nos serviços de saúde, levando em geral à formação de pessoal pouco capacitado, o que exigirá um sobre-esforço do serviço em processos de reciclagem e aperfeiçoamento de pessoal.

b) Os profissionais médicos são, via de regra, mal remunerados.

c) Os sistemas recrutamento e seleção de pessoal são muitas vezes enviesados por critérios inadequados à realidade dos serviços.

d) Existe um desestímulo aos profissionais pela inexistência ou deficiência de mecanismos explicitados de avaliação e progressão nos Planos de Cargos e Salários.

e) Funções semelhantes em distintas instituições são remuneradas diferentemente, criando a figura da "heteronomia salarial".

f) A baixa remuneração, aliada indissoluvelmente ao múltiplo emprego, acrescida de outros fatores, provoca um interesse declinante pelo serviço público por parte dos profissionais médicos.

g) Ao longo dos últimos anos o poder de pressão sobre os governantes ocorreu de maneira diferencial, sendo que nos locais onde a categoria estava mais organizada isto resultou em uma diferenciação interna não apenas nos níveis de remuneração, como nos compromissos efetivamente firmados com os serviços.

h) A inércia dos serviços públicos — onde à subremuneração corresponde o subtrabalho, ou mesmo o não trabalho — criou uma "cultura organizacional" de difícil ruptura, mesmo removida a causa inicial do problema detectado.

Num outro sentido, o mercado de trabalho em saúde sofreu algumas alterações que podem reverter a tendência apontada de inércia e desqualificação do setor público. Existe hoje um grande número de profissionais jovens, que como será mostrado, estão subempregados e mal remunerados, que poderiam ser sensibilizados a dedicar-se de maneira efetiva ao setor público, sob condições determinadas.

Ainda que se tenha identificado corretamente os problemas na área de Recursos Humanos a proposição de soluções envolve uma grande complexidade. Isso se deve principalmente aos seguintes fatores:

— Apesar do aumento dos investimentos no setor social, os gastos governamentais com saúde estão, ainda hoje, muito aquém do que seria necessário.

— O aparelho formador está muito distanciado da prestação de serviços de saúde, vislumbrando-se uma melhor adequação, tão-somente a médio-prazo.

— A existência dos três níveis de governos no planejamento e execução de serviços faz com que as soluções não possam ser descontextualizadas de toda a discussão da descentralização administrativa, ora em curso.

— Todo o pessoal hoje vinculado aos serviços públicos, além da evidente heteronomia salarial, está submetido a diferentes regimes de trabalho, o que complexifica sobremodo a solução. Convivem estatutários federais, estaduais e municipais, celetistas vinculados aos três níveis de governo, pessoal autônomo credenciado, pessoal autônomo autorizado entre outros.

Torna-se, portanto, um desafio a ser enfrentado o equacionamento do problema. Não é necessário frisar que caso não se encontre uma solução aceitável para esta grave questão será difícil progredir na direção de uma nova política de saúde, no Brasil.

 

A FORÇA DE TRABALHO MÉDICA NO BRASIL 1

A força de trabalho médica representava 14,7% do total de profissionais de saúde, no Brasil, em 1970, passando a representar 17,1% deste total em 1930, com 101.793 profissionais (Tabela I). Em 1986 estima-se em 135.000 o número de médicos no Brasil.

 

 

Uma primeira característica desta força de trabalho na década de 70, foi o seu rejuvenescimento. Como pode ser observado na Tabela II, o número de médicos com menos de 30 anos que representava 14% do total destes profissionais em 1970, passou a representar 23% em 1980.

 

 

Este rejuvenescimento da força de trabalho médica é atribuído ao aumento do número de vagas nas escolas médicas e a ampliações dos horizontes do mercado de trabalho.

Paralelamente a este rejuvenescimento ocorreu uma "feminilização" desta força de trabalho, fenômeno geral nas profissões de nível superior, na década de 70.

A Tabela III mostra um incremento da participação feminina em todas as faixas etárias, sendo o aumento maior verificado nas faixas etárias mais jovens.

 

 

a) Institucionalização e privatização do trabalho médico;

Denomina-se institucionalização do trabalho médico o aumento destes profissionais nos setores diretamente ligados às instituições de saúde. 2

A participação dos médicos em setores diretamente ligados à saúde cresceu de 45% em 1970 para 71% em 1980 (Tabela IV).

 

 

Houve também uma "privatização" do trabalho médico na década de 70. Este termo foi utilizado para destacar o grande crescimento do emprego médico na rede de assistência médico-hospitalar privada 74%, quando comparado ao crescimento da assistência médico-hospitalar pública, que cresceu apenas 7% neste mesmo período (Tabela V).

 

 

Esta "privatização" no trabalho médico, ocorrida na década de 70, não irá se repetir no início da década de 30. Neste período (80/84) irá ocorrer um aumento maior do número de empregos no setor público.

Em 1984 mais da metade dos empregos nos estabelecimentos de saúde eram oferecidos pelo setor público (Tabela VI).

 

 

b) A distribuição do emprego médico; As Tabelas VII.A e VII.B mostram como estes postos de trabalho estão distribuídos.

Nos estabelecimentos públicos de saúde o aumento de postos de empregos se deu em todos os 3 níveis, de 1980 a 1984, sendo que a participação relativa dos empregos estaduais aumentou em detrimento dos federais.

Com relação à distribuição dos empregos médicos entre os estabelecimentos com e sem internação verificamos que houve um pequeno aumento na participação relativa dos últimos, que já representavam mais de 50% em 1980, sendo que o conjunto dos empregos médicos oferecidos cresceu 31% no período considerado, para o setor público.

Já o setor privado apresentou um aumento de 22% no total dos empregos médicos, de 1980 a 1984. Este aumento ocorreu exclusivamente por conta dos empregos nos estabelecimentos privados lucrativos. Nos estabelecimentos privados, não-lucrativos, o número de postos de trabalhos médicos manteve-se inalterado, havendo apenas uma "transferência de vagas dos estabelecimentos sem internação para os estabelecimentos com internação.

Majoritariamente os empregos médicos no setor privado são oferecidos em estabelecimentos com internação (80% em 1980 e 78 em 1984).

Em números absolutos eram oferecidos, em 1984, cerca de 194.000 empregos nos estabelecimentos de saúde, para um total estimado de 122.700 médicos.

Assim, pode-se prever que grande parte desses empregos, ou sua maioria, deve ser oferecido em tempo parcial.

É o que pode ser constatado na Tabela VIII. Ao contrário do verificado em relação aos outros profissionais que trabalhavam na área, os empregos médicos oferecidos nos estabelecimentos de saúde eram predominantemente em tempo parcial (78% em 1980).

 

 

Outro fato a ser destacado é que de 1976 a 1980 o percentual de empregos em tempo integral para médicos diminui de 25 para 22%.

c) Nível de rendimento e jornada de trabalho.

Ao analisarmos o rendimento médio dos médicos em salários mínimos, na década de 70, verificamos que houve uma bipolarização dos rendimentos. Houve um incremento na participação relativa dos profissionais que ganham até 5 salários mínimos e daqueles que ganham mais de 20 (Tabela IX).

 

 

Pesquisa realizada sob a coordenação de Cecília Donnangelo3, apresenta dados, para a região metropolitana de São Paulo, diferentes dos dados nacionais apresentados acima, em relação ao nível de rendimento dos médicos, na década de 70. Enquanto os dados nacionais apontam para uma bipolarização dos rendimentos, os resultados desta pesquisa mostram que houve queda na porcentagem de médicos que têm gastos acima de 17 SM, neste período (Tabela X).

 

 

Dados do INAMPS, de 1984, referentes ao pagamento de honorários médicos a profissionais vinculados à previdência social através do "Sistema AIH", apontam também no sentido de uma concentração de rendimento. Assim é que do total de médicos que receberam algum tipo de honorários por esta forma de pagamento em 11 meses no Brasil — 45.070 médicos de um total de aproximadamente 75.000 credenciados por este sistema, os 5% dos profissionais que receberam melhor remuneração consumiram 22% dos recursos; e os 20% mais bem remunerados receberam 56% dos recursos (Gráfico).

 

 

Dentro da categoria médica, são os jovens e as mulheres que recebem menor remuneração. Pode-se observar uma grande discrepância no nível de rendimentos dos médicos de acordo com o sexo e idade. Em 1980 enquanto mais de 60% dos médicos com mais de 40 anos ganhavam acima de 20 SM, menos de um quarto dos médicos com idade inferior a 39 anos recebiam esta quantia (Tabela XI).

Quando analisamos a distribuição de rendimentos segundo o sexo verificamos que no ano de 1980, enquanto 23% das mulheres médicas tinham rendimentos inferiores a 5 SM os médicos que auferiam rendimentos neste patamar era inferior a 7% (Tabela XII).

Outra característica importante do trabalho médico na década de 70 foi a multiplicação e a complexidade das formas de inserção do médico no mercado de trabalho. Utilizando o caso de São Paulo como exemplo, verificamos que cada médico tem, em média, 2,4 situações de empregos remunerado (Tabela XIII).

 

 

Da mesma forma que houve uma bipolarização dos rendimentos, na década de 70, houve uma bipolarização da jornada de trabalho. A Tabela XIV mostra que houve um aumento do número de médicos que trabalham menos de 39 horas/semanais e daqueles que trabalham mais de 50 horas/semanais.

 

 

CONCLUSÕES

Feita a caracterização da força de trabalho médica no Brasil podemos, a luz dos dados apresentados, submeter a esta comissão um conjunto de propostas que podem contribuir com o encaminhamento e equacionamento do problema em questão.

O objetivo das propostas apresentadas é o de tentar compatibilizar as reivindicações e necessidades dos profissionais médicos com a melhoria da qualidade do atendimento prestado e da resolutividade do sistema de saúde.

Trataremos especificamente das propostas relativas à insonomia salarial e do empego único, com ou sem dedicação exclusiva.

a) A insonomia salarial;

A reivindicação da insonomia salarial com os profissionais do INAMPS, levada neste momento pelos médicos e outras categorias profissionais, no que pese ser uma medida justa, não será a panacéia para resolução dos males hoje detectados.

A decisão isolada pela concessão da insonomia, ainda que atenda conjunturalmente aos pleitos hoje formulados pelas categorias profissionais poderá não garantir, caso não seja acompanhada de outras medidas, uma melhoria qualitativa dos serviços. A situação do múltiplo emprego, por exemplo, não será solucionada. Acentuar-se-á então o desnível salarial entre as categorias habilitadas legalmente a contrair múltiplo vínculo, como é o caso médico, uma vez que se constatou uma grande heterogeneidade em relação ao número de vínculos, bem como agravará o desnível salarial entre as categorias multi-empregadas e as demais, com evidentes repercursões sobre os serviços de saúde.

A origem dos recursos que permitam às Secretarias Estaduais a concessão da isonomia deve ser também estudada. Caso se opte por estas propostas, medidas complementares como incremento percentual dos orçamentos estaduais destinados à saúde bem como uma maior participação das instituições federais (MS, INAMPS, outros) neste custeio, poderão oferecer as condições para que se possa incrementar a medida.

Um dos mecanismos pensados para este relacionamento entre as instituições federais e estaduais, no que se refere ao financiamento da rede de serviços, foi uma divisão na qual os tesouros estaduais arquem com as folhas salariais e as instituições, no nível federal, com os demais custeios. Esta medida funcionaria como uma vinculação da origem dos recursos à sua utilização.

Caso se decidissem por esta fórmula, estudo anteriormente realizado pelos autores deste texto, mostra que a maioria das Unidades Federadas poderia sustentar a isonomia salarial, uma vez que os recursos necessários à implantação da medida superam a economia que representaria a não participação nos outros custeios da rede de serviços.

Observou-se, entretanto, que esta proposta poderia acentuar as graves distorções ora existentes entre os percentuais destinados ao pagamento de pessoal e encargos dos outros custeios nas diferentes realidades estaduais, que seguramente tem reflexos no nível de resolutividade dos serviços de saúde (Tabela XV). Exemplificando: uma secretaria que gaste mais de 4/5 dos seus recursos com pessoal certamente terá dificuldades de suprimento dos serviços, prejudicando a resolutividade. Por outro lado, o gasto de menos de 50% com as folhas salariais deverá indicar ou a existência de serviços de grande complexidade ou a incapacidade de gastos dos suprimentos existentes.

 

 

Assim, tentando equalizar a relação entre os órgãos federais e estaduais pode-se propor, com base na observação internacional, que para serviço com a complexidade média dos existentes no Brasil, é razoável esperar que entre 60 e 70% do total dos recursos disponíveis deverão ser consumidos com as folhas de pagamento.

Como forma de homogeneização poderia se propor uma forma de co-financiamento através da qual as instituições federais (INAMPS, MS, Outros) se responsabilizassem por 35% do orçamento global das SES. Ou seja, estas instituições federais repassariam às SES um montante de recursos proporcionais à dotação do tesouro estadual, no percentual proposto acima.

Os recursos necessários à concessão pura e simples da isonomia salarial poderiam ter aplicação alternativa, caso se optasse por esta proposta, uma vez que a utilização destes recursos ficaria a cargo de cada SES e serviriam para, além de efetivar a isonomia salarial, de acordo com mecanismos particulares de cada Unidade Federada, destinar um percentual maior de recursos para o custeio da rede de serviços, uma vez que na maior parte dos estados, como visto anteriormente, este percentual está muito aquém do desejado.

Haveria, neste caso, um mecanismo de relacionamento das instituições públicas federais e estaduais que seriam semelhante à co-gestão. Independentemente entretanto, da participação do nível federal na administração e gerência dos serviços estaduais de saúde deveriam ser assegurados, como compromisso das SES e cumprimento de dois itens: a isonomia salarial com os profissionais do INAMPS e a destinação de um percentual rnínimo do orçamento da secretaria para custeio da rede de serviços, que teria caráter de contrapartida, aos recursos federais destinados. Este percentual mínimo, que deverá se situar entre 30 e 40%, será estabelecido para cada caso.

b) Dedicação exclusiva aos Serviços Públicos de Saúde;

Paralelamente à adoção da proposta anterior deverão ser criados meanismos que incentivem o trabalho em tempo integral e/ou dedicação exclusiva dos profissionais aos serviços públicos de saúde.

Presume-se que haveria concordância dos trabalhadores da saúde com uma proposta de incentivo à dedicação exclusiva à rede interinstitucional pública, preferentemente como o exercício em tempo integral geográfico e dedicação exclusiva, adotada uma política de remuneração condigna. Tal medida seria ainda de interesse da população atendida, bem como dos serviços que desta forma, se livrariam de práticas advindas da dupla militância, seja entre os serviços públicos/privados ou qualquer outra combinação, que representam hoje um grave problema a ser enfrentado.

Além disso, entre as várias propostas que estão sendo discutidas, visando a redefinição do modelo de assistência à saúde, destaca-se a de organização dos distritos sanitários.

Nesta proposta o profissional médico teria uma clientela inscrita e/ou uma região geográfica como base para o seu trabalho, garantindo-se mecanismos efetivos de referência, onde o próprio médico poderia acompanhar sua clientela no hospital.

Sendo ou não implementada esta proposta, ou outra semelhante, o trabalho em tempo integral pode permitir ao profissional com um único vínculo (seja federal, estadual ou municipal) trabalhar em instituições públicas de qualquer um dos níveis.

Esta flexibilidade será possível se imaginarmos um sistema de saúde minimamente integrado.

Futuramente a proposta de emprego único geográfico terá sua implementação facilitada pela adoção do fundo único de saúde, caso este venha a se efetivar. A partir deste momento será possível elaborar um plano também único de cargos e salários para as categorias profissionais, resguardadas as especificidades e peculiaridades regionais.

Defende-se aqui que além do trabalho em tempo integral deve-se incentivar a dedicação exclusiva aos serviços de saúde que é, segundo nossa avaliação, a forma definitiva de resolver não só o problema do múltiplo emprego como também a forma de possibilitar aos médicos exercerem um trabalho junto à comunidade, bem como participarem de cursos de reciclagem profissional.

Ficou constatado anteriormente a existência de uma massa de profissionais de saúde que se encontra numa situação de subemprego ou tendo que trabalhar um número excessivo de horas, em múltiplos empregos, para perceber seus rendimentos. Certamente parte considerável desta massa de profissionais se sentiria atraída pela proposta da dedicação exclusiva, o que representaria para ela menor exploração do trabalho, que seria exercido em condições mais dignas. Esta massa de profissionais deve se situar, hoje, entre um terço e metade da categoria médica.

A adoção desta política poderá representar um "saneamento" do mercado de trabalho, com o seu nítido reordenamento. Apenas não se beneficiarão desta proposta os profissionais possuidores de múltiplos vínculos empregatícios que, via de regra, não têm aí sua fonte principal de rendimentos.

Reaparece aqui a questão sobre as fontes de recursos que deverão fazer frente a este aumento de despesas. Acredita-se que uma parte destes recursos poderá advir do próprio reordenamento dos empregos públicos, que abrirão situações onde os profissionais deverão optar por um deles.

Outra poderá advir da decisão política de reorientar os recursos hoje aplicados pela Previdência Social nos credenciamentos. Se os credenciamentos foram necessários em um momento, onde a rede pública era claramente insuficiente para atender a demanda e o conceito da universalização do acesso aos serviços não era ainda corrente, nada justifica sua permanência nos dias atuais. É sabido que os credenciamentos constituem, via de regra, mecanismos de manutenção de privilégios dentro das categorias profissionais, acentuando sobremodo as disparidades de ganhos, como foi mostrado.

Uma terceira fonte que não poderá ser jamais esquecida é a de recursos adicionais que deverão ser injetados no setor saúde. Defende-se que a prioridade do social não seja um mero exercício retórico mas deve se transformar em realidade. Desta forma, os investimentos da União no sistema, seja através de recursos ordinários, seja através de recursos vinculados a saúde, farão com que o importante desiderato de ser a saúde um direito equânime dos cidadãos possa ser levado a efeito.

Existem indicações, entretanto, que o simples reordenamento dos empregos oferecidos pela rede pública possa propiciar, em relação às horas efetivamente trabalhadas pelos profissionais, uma considerável economia. Caso se acordasse no tratamento global da questão, com criação de mecanismos compartilhados entre a Previdência Social, os demais órgãos federais e os órgãos estaduais e municipais, para o equacionamento do problema, os ganhos obtidos, sem dúvida, ultrapassariam os investimentos.

Deve ser lembrado que este conjunto de medidas propostas não são excludentes em seu conjunto podendo, de acordo com os entendimentos levados a cabo com as entidades representativas dos trabalhos em geral e dos profissionais da área da saúde em particular, optar-se por modificações progressivas, acompanhando os desenvolvimentos das novas políticas de saúde posta em prática.

Finalmente, gostaríamos de ressaltar que as propostas de isonomia salarial e dedicação exclusiva estão em plena consonância com as deliberações da VIII Conferência Nacional de Saúde, e deverão ser pensadas de maneira articulada com um elenco de medidas que são necessárias para o perfeito funcionamento dos serviços de saúde, tais como:

— concurso público para o ingresso de profissonais em qualquer instituição do setor público, seja federal, estadual ou municipal, da administração direta ou indireta;

— Redefinição de uma política de formação de recursos humanos para o setor saúde nos níveis federal, estadual e municipal, distribuindo funções e atribuições para cada um dos níveis, integrando-se a formação de profissionais ao sistema de saúde. Esta política de formação de Recursos Humanos deve abranger as áreas de capacitação e reciclagem de pessoal;

— adoção de mecanismos explícitos da progressão funcional, através da elaboração de um plano de cargos e salários (ou planos regionais), debatidos com as categorias profissionais, onde estejam estabelecidas formas de avaliação de desempenho profissional, garantindo a qualidade dos serviços prestados.

— integração constante entre aparelho formador-serviço, nas atividades de investigação e pesquisa, buscando a constante adequação entre os perfis epidemiológicos, e suas modificações, com as propostas de intervenção dos serviços na resolução destes problemas.

 

 

1 A maior parte destes dados foram retirados dos trabalhos de André César Médici e Roberto Passos Nogueira, sobre Recursos Humanos em Saúde no Brasil.

2 Setores-diretamente ligados à saúde englobam a "assistência médico-hospitalar pública e privada e os serviços odontológicos".

3 Condições do Exercício Profissional da Medicina na Área Metropolitana de São Paulo — Relatório de Pesquisa — Coordenadora: Maria Cecília Donnangelo.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br