ARTIGO ARTICLE

 

A dinâmica internacional do financiamento das políticas sociais

 

 

André Cezar Medici

Departamento de Administração e Planejamento, ENSP/FIOCRUZ

 

 


RESUMO

Este trabalho procura analisar as tendências internacionais dos aspectos ligados ao financiamento das políticas sociais. Em primeiro lugar, ele descreve rapidamente alguns aspectos históricos e ideológicos das políticas sociais no desenvolvimento do modo de produção capitalista. Na segunda parte, é estudado o financiamento das políticas sociais na fase monopolista do capitalismo. A terceira parte procura mostrar algumas tendências das políticas sociais nos países subdesenvolvidos, ressaltando o papel do Estado na implementação destas políticas. Por fim, a última parte analisa as implicações da crise econômica dos anos setenta e oitenta, no financiamento das políticas sociais.


ABSTRACT

This study intends to analyse the international trends on social policy financial subjects. Firstly, in briefly describes somes historical and ideological aspects of the social policy in the development of the capitalist mode of production. On the second part is studied the financing of the social policy in the monopolist phase of the capitalism. The third part intends to show some trends of the social policy in underdeveloped countries, standing out the role of the state in the implementation of that policies. Finnaly, the last part analyses some implications of the economic crises of seventies and eighties in financing of the social policy.


 

 

INTRODUÇÃO

A assistência à saúde, custeada ou subsidiada pelo Estado, apresenta origens bastante remotas. No caso de algumas formações sociais concretas, confunde-se com a própria origem do Estado Moderno1. Os Estados Absolutistas surgiram no seio de grandes transformações econômicas e sociais. Destacam-se, dentre elas, o cercamento das terras e a expulsão de população do campo, aliadas a grandes movimentos migratórios em direção às cidades. As áreas urbanas não apresentavam, todavia, condições adequadas, ao nível da estrutura produtiva, para receber vastos contingentes populacionais. A manufatura e o artesanato repousavam sobre fraca base técnica; incapaz de detonar efeitos positivos na absorção, em massa, de força de trabalho. O comércio, por sua vez, abarcava pequena fatia dos ocupados; fatia esta que tenderia a se tornar, relativamente, menor com a monopolização decorrente das políticas e das práticas mercantilistas.

A expansão populacional das cidades e a impossibilidade de incorporar a totalidade dos novos contingentes urbanos às atividades econômicas, agravavam as condições de pauperização e insalubridade, e deterioravam a qualidade de vida da população, ameaçando, não só a sobrevivência dos excluídos como dos inseridos na dinâmica econômica mercantil. Assim, "muitas comunidades européias, durante o período anterior à escalada da civilização industrial, tiveram, também, condições insalubres e de superpopulação" (STERN, 1983). A constatação destas condições gerou preocupações e medidas consubstanciadas naquilo que Bernhard Stern chamou de "O Primeiro Movimento de Saúde Pública".

Os trabalhos de Rosen mostram, claramente, como as práticas de saúde pública surgem no seio dos governos absolutistas europeus. "Muito antes dos cientistas sociais terem identificado a sociologia médica como uma especialidade, homens interessados nos assuntos de Estado — economistas, médicos, reformadores sociais, historiadores e administradores — estiveram preocupados com os problemas sócio-médicos e ofereceram significantes contribuições para a sua solução" (ROSEN, 1983). Mas, dada a natureza do absolutismo, tais preocupações faziam parte de um esquema político e organizacional, cujo fim supremo era colocar a vida social e econômica a serviço dos poderes políticos do Estado (ROSEN, 1983).

Aos Estados absolutistas cabia, portanto, a função de cuidar do nível geral da saúde das populações, numa fase onde o desenvolvimento das forças produtivas ainda era incipiente para deter condições de manutenção e reprodução da força de trabalho no espaço urbano. Para manter tais atividades, necessitava, o Estado Absolutista de mecanismos de financiamento. As questões que se colocavam nesta época, no entanto, restringiam-se muito mais ao "que financiar" do que ao "como financiar". O ideário das funções do Estado, no mercantilismo, foi marcado pelas propostas de homens como William Petty, que formularam políticas destinadas, inclusive, a melhorar o estado geral de saúde das populações. Dado ser a política demográfica do mercantilismo, francamente, pró-natalista, algumas das grandes preocupações de Petty ligaram-se ao controle de doenças transmissíveis e à redução da mortalidade infantil: os principais veículos do aumento da mortalidade, impeditivos de um crescimento estável e contínuo da população. Petty, também conhecido por muitos como o pai da economia política e da estatística, propunha, nesse sentido, que o Estado executasse estudos de morbidade e mortalidade, bem como fornecesse o suprimento adequado de pessoal médico, quando detectadas as necessidades e os meios de combatê-la.

Outro contemporâneo de Petty, menos eclético e mais voltado, especificamente, para a análise de problemas de saúde, foi Nehemiah Grew. Segundo este homem público, "para aumentar a população, como para fornecer a necessária força de trabalho para o crescimento econômico, o Estado deveria realizar tudo que estivesse em seu poder, para manter a saúde e prevenir a doença. Propunha que o Governo regulasse os pagamentos dos médicos de acordo com sua experiência, acreditando que o custo da atenção médica pudesse, assim, ser reduzido e se tornasse acessível para aqueles que dela necessitassem", (ROSEN, 1983). Observa-se que a preocupação com a eficácia dos serviços de saúde começa a despontar, não como forma de aumentar a lucratividade dos mesmos — questão imprópria de ser formulada neste período — mas como forma de baratear o acesso e estender a cobertura desses serviços.

Em meados do século XVIII, novas formas de política de saúde são propostas; algumas implementadas. O Estado inglês, apesar do paroquialismo reinante nas ações concretas, no campo de saúde, desenvolve uma política passível de ser implementada em face da realidade objetiva da época, embora impeditiva de medidas que pudessem aumentar a escala dos serviços, a partir dos ganhos decorrentes da centralização. Os diversos principados que ocupam a região, hoje, abrangida pelas Alemanhas e pela Áustria, desenvolvem, de forma inusitada, o conceito e a prática da "polícia médica", que pela complexidade das formas de assistencialismo criadas, constituem-se, até hoje, numa cunha nas políticas de saúde e nas ações previdenciáveis destas regiões.

Assim, diferentemente do que muitos pensam, "os estadistas compreenderam que não bastava, simplesmente, reconhecer a fecundidade natural e a população como principais condições da prosperidade nacional. A aceitação desta premissa caminhava de mãos dadas com a responsabilidade de remover obstáculos, para o desenvolvimento integral destes recursos. Esta abordagem implicou no conceito de política nacional de saúde e a implicação foi aceita e desenvolvida, em várias direções, tanto na Inglaterra como no continente" (ROSEN, 1983).

Portanto, a saúde, tanto em seu aspecto assistencial como na ótica preventiva, tem raízes profundas no surgimento, nas práticas e na administração dos Estados Nacionais, desde as épocas mais remotas. Na longa transição do feudalismo para o capitalismo, os Estados absolutistas depararam-se e tentaram resolver os problemas relativos à saúde de suas populações, numa conjuntura onde as forças produtivas, por si sós, eram incapazes de fazê-lo. Na realização desta tarefa, o Estado contava com grande poder centralizador e com elevada elasticidade de suas receitas. O domínio absoluto sobre seus súditos fazia com que as monarquias pudessem definir suas receitas, a partir de suas despesas, utilizando, para tal, alguns instrumentos rudimentares de política fiscal. A questão do financiamento, portanto, não era de importância crucial.

As revoluções burguesas, no plano político, e o advento do capitalismo industrial, no plano econômico, marcam o fim dos Estados absolutistas. A força econômica e política da burguesia já permitia que esta tivesse um governo que servisse a seus interesses, como classe. As monarquias absolutistas, com o advento da indústria, tornaram-se um estorno para a burguesia, na medida em que respaldavam-se em políticas e práticas mercantilistas, detentoras de forte conteúdo protecionista que emperavam o desenvolvimento do livre comércio e a subordinação do capital mercantil ao capital industrial.

No campo da saúde, os conteúdos assistencialistas das políticas mercantilistas tal qual podem ser vistos nas "poor-laws" inglesas, antes necessárias para conservar as condições de sanidade da força de trabalho, dificultavam, agora, o desenvolvimento de um mercado de trabalho livre e o rebaixamento dos salários nas condições requeridas para o aumento dos lucros do capital. O Estado burguês necessitava de novos requisitos no campo específico das políticas de saúde.

A Revolução Francesa foi um marco na mudança das condições de assistência à saúde daquele país. A França, diferentemente do ocorrido na Alemanha, não teve, durante o absolutismo, um forte desenvolvimento das políticas de saúde tipo "polícia médica" e nem apresentou um assistencialismo paroquial à semelhança do ocorrido na Inglaterra. Portanto, o desenvolvimento da medicina social francesa ocorreu entre 1789 e 1848, e, apesar de seu conteúdo ter sido fruto de propostas bastante avançadas no plano político, sua implementação veio ao encontro de alguns dos requisitos de sustentação do capital industrial.

Tanto na Inglaterra como nos países da Europa Continental, a industrialização estabeleceu um novo patamar de crescimento nos ritmos de urbanização. A dinâmica da indústria, a despeito de ser, em suas origens, fundamentalmente, absorvedora de mão-de-obra, não detinha a capacidade de incorporar a totalidade da massa de pessoas que se adicionava, a cada dia, nas cidades. Por outro lado, o sistema de maquinaria propiciou a absorção seletiva de mão-de-obra feminina e infanto-juvenil, nas fileiras dos ocupados na indústria. Deterioravam-se, assim, as condições de saneamento ambiental, bem como se intensificava a incidência de doenças ocupacionais. O cenário criado pela industrialização exigia novos requisitos, no campo das políticas de saúde, que não poderiam ser solucionados na esfera específica do capital industrial, dada sua fraca capacidade de financiar, individualmente, políticas desta natureza. O Estado foi, mais uma vez, chamado a solucionar ou mediar as relações entre saúde e população, só que desta vez, assumindo o papel de capitalista coletivo, ou seja, cuidando, em termos gerais, da manutenção das condições de saúde da força de trabalho. Os esforços destinados pelo Estado eram, no entanto, insuficientes em face das condições gerais de saúde das populações nos primeiros anos da indústria. As organizações dos trabalhadores, desde o início de sua criação, passam a incorporar, em suas bandeiras de luta, questões relativas à saúde detonando, a médio prazo, efeitos diretos no estabelecimento de políticas.

Resumindo:

a) o planejamento e a implementação das políticas sociais, especialmente das políticas de saúde, desenvolveu-se de forma embrionária até o final da primeira metade do século XIX, mas somente a partir do impulso no desenvolvimento das forças produtivas propiciado pela 2a. Revolução Industrial, os limites de acumulação e da produtividade do trabalho progrediram muito além dos horizontes existentes até então, permitindo alargar as torneiras tributárias, aumentar o escopo das funções do Estado e propiciar novos recursos para financiamento do gasto público. A partir desse momento, as políticas sociais passaram a ser ponto nevrálgico das ações do Estado, principalmente, nos países desenvolvidos;

b) apesar da mobilização dos trabalhadores quanto à questão da implementação das políticas de saúde, por parte do Estado, ter sido intensa em países como a Inglaterra a a França na primeira metade do século XIX, somente a partir de finais desse século, os Estados nacionais detiveram condições objetivas para financiar tais políticas. No caso da Inglaterra, os movimentos sociais tiveram peso decisivo, na conformidade destas políticas. Na Alemanha, o Estado, praticamente, assumiu as funções assistencialistas no campo da previdência e da saúde, antes mesmo que o nível de organização dos trabalhadores exigisse medidas desta natureza; razão fundamental para explicar o rápido crescimento econômico da Alemanha recém-unificada, a partir de 1870, que passou a contar com uma força de trabalho disciplinada para o exercício das atividades fabris.

 

O FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO CAPITALISMO MONOPOLISTA

Ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX, a medicina social e a saúde pública tiveram franco desenvolvimento nos países europeus, sempre como tarefas, quando não executadas, financiadas ou supervisionadas pelo Estado. No século XX, particularmente, a partir da Segunda Guerra Mundial, tais políticas já se encontravam, plenamente, constituídas nos aparelhos de Estado, ao ponto de ser chamado como a "Era of Welfare State", todo o período do pós-guerra vivido pelos países desenvolvidos (GOUGH, 1979).

Não restava dúvida que as políticas sociais tiveram rápido crescimento no mapa de atividades executadas pelo Estado, açambarcando, com isso, fatias cada vez mais vultosas, dos gastos públicos. O quadro abaixo pode ilustrar a magnitude destas transformações. Fixamos a análise no caso inglês, em virtude da disponibilidade de dados.

 

 

Entre 1860 e 1970, a Inglaterra aumentou, de 16 a 24 vezes, a parcela do Produto Interno Bruto destinada ao financiamento das políticas sociais. Isto sem contar que, ao longo deste período a renda per capita inglesa teve incrementos constantes. Ao mesmo tempo, os gastos sociais representam parcela cada vez maior das despesas do Estado Inglês conforme pode ser visto na tabela 1.

 

 

Nota-se que a parcela do gasto público destinada ao financiamento das políticas sociais na Inglaterra equivale em termos modernos, à metade das despesas do Estado Inglês. No interior das atividades sociais, ganharam escopo cada vez maior os gastos em saúde, conforme pode ser observado na tabela 2.

 

 

Vale destacar, ainda, o rápido crescimento da participação do Estado na absorção da renda nacional. Em 1910, o gasto público inglês equivalia a 12,7% do PIB e os gastos sociais do Estado 4,2%. Em 1975, estes valores evoluem para 57,9% e 28,8%, respectivamente. Assim, os gastos públicos em saúde passam a representar parcelas significativas do produto interno bruto dos países desenvolvidos. A tabela 3 mostra a participação dos gastos sociais e dos gastos, em saúde no PIB de alguns dos principais países desenvolvidos, capitalistas por volta dos anos setenta.

 

 

Que motivos levaram a esta rápida expansão dos gastos sociais ou, de outra forma, ao franco desenvolvimento do Welfare State no último século? A literatura crítica existente aponta dois caminhos. Existem aqueles que justificam o crescimento das funções sociais do Estado, como resultante da incapacidade do setor privado em solucionar a questão social. Apresenta-se, assim, uma aparente contradição. O capital, ou os capitalistas enquanto classe, necessitam de determinadas condições de sanidade, aptidão e estabilidade da força de trabalho, para que a reprodução capitalista se dê em condições normais de eficiência e efetividade. Mas, o capitalista individual não age como determinam suas necessidades de classe A busca cega pelo lucro, a concorrência intercapitalista e as condições de reprodução de seu capital individual, no processo global de acumulação, fazem com que ele busque extrair o máximo de sobre-trabalho dos trabalhadores que emprega, fechando os olhos para as condições sociais concretas em que se realiza o processo de trabalho, para as conseqüências desse processo na saúde física e mental e no bem-estar social dos trabalhadores. A prática individual de cada capitalista quebra a coesão social dos capitalistas, enquanto classe. A continuidade desse processo, ao mesmo tempo em que depaupera, a classe trabalhadora, acirra as contradições capital x trabalho, ameaçando a estabilidade política. Quando as contradições se acirram, o Estado é chamado como mediador atuando nas esferas normativa, fiscal e executiva. As soluções demandam que o Estado forneça o bem-estar da população trabalhadora, expresso através dos serviços de educação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social, financiando-os através de aumentos significativos dos patamares tributários. Isto, entretanto, só se torna possível na medida em que os ganhos, na produtividade e na tecnologia, permitem absorver o aumento continuado dos impostos e manter inalterados a, massa de lucro e os níveis de investimento. Em resumo, o primeiro caminho aponta que o Estado é levado a expandir os gastos sociais com a criação de uma enorme rede de serviços assistenciais, em função da incapacidade dos capitais privados, responderem às demandas sociais por estes serviços; particularmente, nas populações carentes. Nesse sentido, o Estado, ao promover políticas sociais, estaria zelando pela sanidade e aptidão da força de trabalho, bem como pela estabilidade política e pela ordem.

O segundo caminho afirma serem os gastos sociais do Estado resultantes das pressões corporativas dos trabalhadores e demais segmentos sociais, excluídos das benesses do sistema. Estes, com o crescimento histórico de suas consciência, participação política, objetividade e determinação na defesa de suas causas, forçaram o Estado a assumir tais funções. A democratização da sociedade, oriunda dos regimes parlamentares, propiciou o maior desenvolvimento do Welfare State, sendo este, portanto, uma conquista dos trabalhadores e não uma dádiva.

Não se pode, no entanto, abraçar, exclusivamente, um desses caminhos. Os dois processos, na verdade, constituem duas faces de uma mesma moeda. Portanto, a incapacidade e a indiferença da iniciativa privada, quanto às demandas sociais e a pressão política dos trabalhadores foram, conjuntamente, responsáveis pelo desenvolvimento das políticas do Welfare State. Cada formação social, no entanto, apresentou diferentes níveis de participação, quanto ao peso de cada um desses caminhos. No caso da Inglaterra, França e EUA, os trabalhadores tiveram mais importância na determinação destas políticas, enquanto na Alemanha e no Japão o Estado assumiu, "preventivamente", a execução das políticas sociais.

Deve-se destacar, no entanto, que as funções sociais do Estado não modificaram (e nem têm por objetivo modificar) a natureza das sociedades capitalistas, limitando-se, apenas, a "minimizar, na esfera da distribuição, problemas que são originados na esfera da produção. Fosse o sistema produtivo organizado em outras bases, talvez grande parte dessas políticas sociais perderia sua razão de ser" (VIEIRA, 1984).

Apesar de o termo "Welfare State" ingressar no vocabulário cotidiano, apenas, no imediato pós-guerra, a própria história demonstra que a existência de políticas sociais é mais antiga, estando sempre associada à promoção de melhorias na qualidade de vida e à satisfação de certas necessidades materiais, culturais e emocionais da população, exceto aquelas que podem ser supridas pelo mercado.

"...o "Welfare State" é em parte fruto dos postulados keynesianos, sendo muitas vezes apresentado em contraposição à política laissez faire" apregoada pela teoria neoclássica do pensamento econômico, desde finais do século XIX. Compreende dois aparelhos distintos: um voltado para a provisão de bens e serviços para indivíduos ou famílias, tais como: saúde bem-estar social, educação, cultura, moradia etc , e outro destinado a proteção da sociedade contra os "abusos" do sistema privado. Exemplos de atividades ligadas a este aparelho são os serviços de proteção ao consumidor, a legislação ambiental e o controle fabril da emissão de despejos e efluentes industriais. Deve se frisar que não se pode confundir "Welfare States" com intervenção estatal, dado que esta última se refere a determinados campos de interferência do Estado não ligados às políticas sociais". (ENSP/FIOCRUZ/1983).

A época de ouro do "Welfare State", que se inicia a partir do pós-guerra, foi marcada por um rápido crescimento da economia dos países desenvolvidos, conjuntamente com a expansão dos instrumentos estatais de regulação econômica, através das políticas keynesianas de "stop and go". O "Welfare State" funcionou, até meados dos anos setenta, como complemento da estrutura produtiva, contribuindo para a atenuação das desigualdades sociais, através de uma eficiente máquina de prestação de serviços previdenciários, assistenciais e sócio-culturais.

Porém, desde 1974 — ano que marca o primeiro choque internacional do aumento dos preços do petróleo — os países desenvolvidos vêm mergulhando, paulatinamente, numa crise econômica de grandes dimensões. A queda nos níveis de atividade econômica, a contração dos mercados nacionais e internacionais, a elevação das taxas de juro, o aumento do desemprego aberto e das atividades irregulares e a conseqüente redução dos patamares de arrecadação fiscal, colocam sérios entraves à continuidade das políticas sociais, nestes países, em função do estrangulamento orçamentário. Nestas horas, os baluartes do liberalismo passam a exigir cortes nos gastos sociais, como forma de equilibrar o orçamento público.

Paralelamente, vale ressaltar que a crise econômica afeta o orçamento público "na mão" e na "contramão", ou seja, aumentam os gastos com seguro-desemprego, saúde etc., justamente, quando as receitas públicas são mais minguadas, na medida em que a maioria dos impostos incide sobre a atividade econômica (produção) e sobre o movimento de compras e vendas (circulação). Embora o seguro social e os sistemas previdenciários dos países desenvolvidos adotem, desde há muito tempo, estratégias onde os planos de atuária funcionam na base de fundos de reserva, a continuidade da crise econômica, conjuntamente com o envelhecimento da população de alguns desses países, constituem graves ameaças para a manutenção, a médio prazo, das atuais formas e políticas do "Welfare State". Ao que parece, os tradicionais instrumentos keynesianos de política econômica não têm dado conta da resolução da crise nas fronteiras nacionais, na medida em que esta passa, forçosamente, por muitas redefinições dos papéis exercidos pelos países desenvolvidos, pelos subdesenvolvidos, pelos recém-industrializados (NIC) e pelo bloco socialista, no contexto de uma nova divisão internacional do trabalho.

Porém, as tendências indicam que algumas redefinições deverão ser feitas, quanto ao papel dos gastos sociais nas economias desenvolvidas, especialmente no que se refere ao salário-desemprego que, face à estagnação no crescimento dos níveis de ocupação tem representado pesados fardos no seguro social dos países europeus e dos EUA. O desemprego da população jovem tem atingido níveis alarmantes em países como a Inglaterra, Holanda, França e Alemanha. Mas já existem propostas encaminhadas no sentido de conceder o benefício, somente, àqueles que, além de estarem procurando trabalho, mantenham-se em atividades como escolarização, treinamento, reciclagem, capacitação profissional ou, ainda, realizem trabalhos comunitários supervisionados pelos programas sociais do Governo.

 

POLÍTICAS SOCIAIS NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

Se a diversidade de situações encontradas, quanto à implementação das políticas sociais, é grande nos países desenvolvidos, a heterogeneidade dos determinantes destas políticas, nas regiões subdesenvolvidas, tem sido muito maior. No entanto, todas elas apresentam, em comum, três condições básicas:

a) a de terem aparecido mais, recentemente, no cenário sócio-econômico destes países;

b) a de serem insuficientes, em face das desigualdades sociais e do perfil de demanda por estas políticas;

c) a de terem surgido, no aparelho do Estado, antes que as classes trabalhadoras se mobilizassem, integralmente, pelas suas reinvindicações.

Há que se destacar, no entanto, algumas diferenciações clássicas que podem ser observadas quanto à implementação das políticas sociais, no mundo subdesenvolvido. Muitas formações sociais latino-americanas, como a Argentina, México, Brasil, Uruguai e alguns países andinos, tiveram essa implementação dirigida pelo Estado, como forma de adiantar alguns elementos necessários à constituição de um mercado de trabalho, adequado aos interesses e estratégias empresariais. Como conseqüência, as políticas sociais não apresentaram características de universalização de suas ações, estendendo-se, apenas, a parcela dos trabalhadores ocupados em atividades, formalmente, protegidas e, portanto, inseridas na dinâmica capitalista. Dessa forma, um grande contingente de trabalhadores e suas respectivas famílias, encontram-se excluídos dos benefícios oriundos destas políticas.

Alguns países africanos que viveram recentes processos de libertação colonial passaram, ou vêm passando, a adotar estratégias de universalização das políticas sociais, principalmente, os que elegeram, como processo de desenvolvimento, a via socialista. No entanto, as difíceis condições orçamentárias têm sido proibitivas de resultados positivos, nestas estratégias.

As grandes desigualdades sociais, existentes nos países subdesenvolvidos, não possibilitam a alguns desses países alocar grandes fatias de seus orçamentos em setores básicos de saúde, saneamento, alimentação, educação, etc. Persistem graves condições de saúde, nutrição e educação, acarretando altas taxas de mortalidade infantil, alta proeminência de doenças transmissíveis ou provocadas pela má nutrição no perfil de morbi-mortalidade destas nações. Segundo dados da United Nations Industrial Development Organization (UNIDO) cerca de 15,6 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morreram, em 1980, nos países subdesenvolvidos, como decorrência direta da desnutrição. Isto sem contar as que morreram por doenças derivadas da subnutrição. Doenças infecciosas, como a malária, matam cerca de l milhão de crianças de menos de 14 anos, na África, a cada ano e a doença de Chagas é responsável por cerca de 10 milhões de enfermos na América do Sul.

Além de todos estes fatores, o rápido crescimento da urbanização, aliado à pobreza, cria novos problemas para as populações dos países subdesenvolvidos. Hoje em dia, mais da metade da população latino-americana reside em cidades. O elevado ritmo migratório combina padrões de morbidade oriundos de doenças infecto-contagiosas com doenças, tipicamente, urbanas provocadas pelo "stress", pela poluição ambiental, pelos acidentes, e demais causas externas.

Apesar de todos estes problemas, os gastos com saúde, nas nações subdesenvolvidas, estão muito aquém das necessidades destes países. Em 1978/1979, o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra gastou 900 vezes mais, provendo serviços de saúde a 59 milhões de ingleses do que despendeu o Ministério da Saúde de Bangladesh com cuidados a 85 milhões de pessoas (MELROSE, 1982). Tal avaliação é ainda pior aquilatada, quando se observa a tendência, da maioria dos países subdesenvolvidos, a alocar a maior parcela de seus recursos destinados à saúde, em técnicas sofisticadas, em detrimento da saúde pública e dos cuidados simplificados. Casos extremos, como o da Tanzânia e Yemem do Norte podem ilustrar este argumento. Na Tanzânia, 60% do orçamento em saúde têm sido gastos com a manutenção de hospitais nas cidades, quando nestas habitam apenas 14% da população. No caso do Yemem do Norte, os hospitais urbanos empregam metade dos médicos e mais de 60% das enfermeiras, enquanto que nas cidades residem, apenas, 7% da população.

Com raras exceções, os países desenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento, desembolsam pequenas parcelas do PIB com gastos sociais, ocorrendo o inverso nas nações desenvolvidas. Este argumento torna-se mais forte, quando vislumbra-se, ainda, que o mundo desenvolvido tem PIB's maiores e populações menores do que se verifica no mundo subdesenvolvido. Exemplos extremos, como o da Suécia e Bangladesh, podem ilustrar esta afirmação. A Suécia, em 1977, com 8,3 milhões de habitantes e com um PIB de, aproximadamente, 72,3 bilhões de dólares destinava 30,5% do PIB para despesas de seguro social, enquanto Bangladesh, com 82,7 milhões de habitantes e com um PIB de 8,5 bilhões de dólares, destinava, apenas, 0,3% deste valor aos programas de seguro social. Isto significa que os gastos com seguro social na Suécia são 865 vezes mais elevados que os de Banglasdesh e estes mesmos gastos per capita, 8616 vezes maiores, respectivamente2.

Como se justifica a alocação de parcelas tão pequenas do PIB, nos programas sociais dos países do terceiro mundo, quando é fato público e notório que estas nações carecem de recursos muito mais vultosos para atender suas demandas sociais básicas?

A partir do pós-guera, a teoria econômica convencional passou a se preocupar, prioritariamente, com os problemas do desenvolvimento, voltando-se para as questões práticas de ordem econômica, social e política colocadas pelo subdesenvolvimento, pois, a esmagadora maioria dos países, inseridos na ordem capitalista mundial, encontrava-se nesta condição. Nos países desenvolvidos, as abordagens de Rostow e Arthur Lexis alinhavaram alguns argumentos que, embora criticados pelas teorias econômicas criadas no seio do próprio pensamento terceiro-mundista (CEPAL, teoria da troca desigual, etc.), mantiveram sua hegemonia nos programas concretos de desenvolvimento das nações da periferia.

A tabela abaixo, mostra a participação das despesas com seguro social (inclusive atenção médica) dos Estados, como percentagem do PIB, em alguns países desenvolvidos e subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

 

 

Segundo Rostow, o processo de desenvolvimento se daria pela passagem de uma sociedade tradicional (fundamentalmente agrícola) para uma etapa de maturidade industrial. Isto só poderia ocorrer, a partir de um aumento nos níveis de investimento no setor capitalista, com o emprego de técnicas mais produtivas. A pobreza resultava da pequena dimensão do setor capitalista . Portanto, seu desenvolvimento representaria, por si só, a eliminação da pobreza.

As condições prévias para a decolagem, rumo ao desenvolvimento, ocorreriam a partir de mudanças no papel da agricultura, que passaria a prover grandes quantidades de alimentos formando mercados internos e criando excedentes financeiros, para o investimento nos setores modernos. Os Governos deveriam desenvolver determinados serviços de infra-estrutura, como transportes e comunicações, bem como produzir ou controlar insumos estratégicos, como forma de dar suporte material, em termos de capital social básico, a esse desenvolvimento. Por fim, haveria necessidade de criar uma classe de capitalistas modernos e inovadores, dispostos a investir na indústria, o que poderia ocorrer, pela importação de capitais e gerentes dos países já desenvolvidos, ou, então, através do próprio Estado, que assumiria o papel de dirigente, no sentido de fomentar a criação dessa classe, com o alargamento das possibilidades de expansão do mercado interno (OLIVEIRA, C. A. B., 1977).

Todo este processo só poderia ser coroado de êxito, na medida em que os patamares de poupança e investimento fossem aumentados em larga escala, sendo direcionados, prioritariamente, para os programas de industrialização. Dessa forma, "o desenvolvimento aparece com um processo, eminentemente, técnico; como a constituição de uma sociedade industrial onde o progresso tecnológico contínuo está assegurado. É claro que esta teoria contempla, de algum modo, as dimensões sociais e políticas do desenvolvimento. Mas as prende, especialmente, através do surgimento de uma elite que controla o capital reproduzível..." (OLIVEIRA, C. A. B., 1977).

Deve-se reconhecer na CEPAL um grande centro de oposição ao desenvolvimentismo de Rostow, principalmente, por colocar, de antemão, que a industrialização dos países subdesenvolvidos não seria uma industrialização qualquer, mas sim, uma industrialização periférica, dada em condições desiguais em face do desenvolvimento dos países industrializados. Daí, a necessidade de que a industrialização da periferia contemplasse independência, soberania e nacionalismo. "Todo espaço do discurso cepalino está organizado em torno da idéia de desenvolvimento econômico da Nação. Melhor ainda, a problemática cepalina é a problemática da industrialização nacional, a partir de uma "situação periférica" (CARDOSO DE MELLO, J. M., 1975). Porém, a ênfase na industrialização, em nada justifica, investimentos maiores em políticas sociais. Estas constituíam questão menor; e o que se pudesse poupar, através de sua negação, seria ganho mais tarde pela melhoria das condições de vida, decorrentes do processo de industrialização. Isto, em parte, tem justificado a pequena panela do PIB destinada à implementação de políticas sociais, nos países subdesenvolvidos.

No entanto, as questões relativas a saúde e desenvolvimento são colocadas na pauta das discussões tecnocráticas desde meados dos anos cinqüenta. As idéias de Gunnar Myrdal3 forjaram o modelo de "causação circular cumulativa", segundo o qual "... um país pobre tende a manter-se pobre, na medida em que a pobreza é responsável por doenças que depreciam seu "capital humano", fato por sua vez, gerador de mais pobreza" (OPAS/GAP, 1982). Nesta perspectiva, inversões em saúde representariam um "reaparelhamento" do "capital humano" tornando-o mais produtivo para o desenvolvimento do processo de industrialização. Na América Latina, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) justificou, com base nesses argumentos, a alocação de maiores recursos no financiamento das políticas de saúde, o mesmo ocorrendo, de uma forma o de outra, com os diversos segmentos das políticas sociais. As dificuldades inerentes à barganha entre os organismos internacionais e os setores nacionais, em face das estratégias de dedesenvolvimento de cada país, buscavam um consenso na questão do "Planejamento". Vários documentos da OPAS transparecem nesse discurso; "A planificação é, principalmente, a técnica que tornaria possível tomar medidas racionais, cujo princípio é a definição de objetivos e a seleção de meios mais eficazes, para alcançá-los (...) Os Ministros da Saúde ficarão em melhor posição para obter os fundos de" que necessitam, se puderem apresentar um relato racional e objetivo do que pretendem fazer e de como vão fazê-lo" (Apud BRAGA, J. C. S. e GOES DE PAULA, S., 1981).

Assim, a questão do financiamento às políticas de saúde ficava escamoteada pela estratégia desenvolvimentista. A melhoria das condições de saúde se justificaria, de imediato, por que traria fatos concretos no desenvolvimento econômico. As análises custo/benefício e outras técnicas de planificação, utilizadas no setor, poderiam demonstrar como isso poderia ocorrer. Melhores condições de saúde seriam o meio de aumentar a qualidade dos recursos humanos e capacitar a força de trabalho, com vistas a um processo mais intenso de desenvolvimento. Atingido o desenvolvimento, aí sim, seus frutos poderiam ser canalizados para programas sociais mais redistributivos. Ou seja, a saúde só se tornaria fim, quando o desenvolvimento desejado fosse conseguido.

Não se pode negar que o "desenvolvimentismo" trouxe rápido crescimento econômico, em muitos países do terceiro mundo. Os avanços econômicos, experimentados por países como o Brasil, Argentina, México, Índia, Tailândia, etc. demonstram taxas de crescimento do PIB, nas décadas de sessenta e setenta, bastante elevadas, em face do comportamento dos próprios países desenvolvidos, quanto a este indicador. Mas esse desenvolvimento não trouxe as transformações esperadas, preconizadas, no caso do Brasil, na conhecida "teoria do bolo". Como decorrência, as políticas sociais continuam insatisfatórias, em face das demandas da sociedade. O número absoluto de trabalhadores jogados no subemprego, no desemprego, carentes de cuidados na área de saúde, saneamento, habitação, educação e previdência é cada vez maior. Para alguns desses países, o fosso existente, quanto ao aspecto da produção, diminuiu em relação aos países desenvolvidos; porém, aumentou, no que diz respeito à órbita da distribuição dos frutos do desenvolvimento.

Hoje, se reconhece que o planejamento é importante, mas não, simplesmente, em seus aspectos quantitativos e sim, no aspecto qualitativo da planificação. A própria OPAS reconheceu este fato ao afirmar que "... a planificação de saúde não produzia o desenvolvimento e os resultados que se esperavam. Em quase todos os países, a evolução dos processos de planificação não conseguiu alcançar a taxa de crescimento ou seguir o curso correspondente aos propósitos e objetivos estabelecidos pelos Governos de Punta del Este e na I Reunião de Ministros de Saúde das Américas" (Apud BRAGA, I. C. S. e GOES DE PAULA, S., 1981).

Ao que parece, a questão do planejamento vem passando por um processo de politização e o setor saúde, onde a questão social aparece em sua forma mais crua, destaca-se nesse sentido. Os problemas ligados à distribuição têm sido apontados como áreas prioritárias, no escopo das políticas sociais, que passam a ser encaradas como fim, em si mesmas, e não como meio de alcançar o desenvolvimento econômico. Este movimento vem ocorrendo entre técnicos, profissionais e políticos, penetrando cada vez mais nas instituições que planejam e executam tais políticas. No caso da saúde, a questão da universalização da atenção médica se sobrepõe, de forma crescente, à concepção de que os benefícios devem recair apenas sobre o contribuinte e, em muitos países subdesenvolvidos, começam a surgir estratégias, com vistas a tais objetivos. Os organismos internacionais, como a OPAS e a OMS definem metas universalizantes, como "Saúde para todos no ano 2000", propondo, como estratégias para atingi-las, o aumento da capacidade operativa dos serviços de saúde.

Vale dizer, ainda, que no bojo deste movimento de "politização" das políticas sociais, em face da racionalidade tecnocrática, anteriormente, reinante, abrem-se novos canais com relação a participação da população na definição de prioridades. Nos países do terceiro mundo, começa a despontar, embora de forma pouco perceptível, em algumas formações sociais concretas, um maior nível de participação da sociedade civil, nos rumos de desenvolvimento. No caso da América Latina, o possível fechamento dos ciclos políticos autoritários que marcaram as duas últimas décadas possibilitam a formação de maiores pressões sociais, na definição de políticas. Assim, "admite-se que o desenvolvimento da sociedade, vale dizer, seu aprimoramento democrático, com a possibilidade que lhe é inerente de expressão dos interesses dos diversos grupos sociais, deve permitir a dinamização e orientação do processo de desenvolvimento, no sentido de uma distribuição mais equitativa de seus frutos" (OPAS/GAP, 1982).

 

OS DESDOBRAMENTOS DA CRISE MUNDIAL E O FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

Desde meados dos anos setenta, a economia mundial passou a apresentar sintomas recessivos, em comparação com as vigorosas taxas de crescimento obtidas, ininterruptamente, a partir do pós-guerra. A momentânea instabilidade do dólar com a ruptura das paridades de Bretton Woods, em 1968, e a quadruplicação das cotações internacionais dos preços do petróleo, em 1974, trouxeram graves distorções na balança comercial, tanto dos países desenvolvidos como dos subdesenvolvidos4. As economias desenvolvidas passaram a aumentar os preços de seus manufaturados, criando certas dificuldades de importação para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Mas, os lucros extraordinários dos países exportadores de petróleo e a impossibilidade de sua reinversão, nestas economias, criaram excedentes financeiros nos mercados internacionais de dinheiro. Os Bancos internacionais fomentaram o endividamento adicional de muitos países do terceiro mundo, através de taxas de juros, altamente atrativas, embora flutuantes. Dessa forma, as nações em desenvolvimento puderam manter, até 1978, suas importações. O ajustamento das economias desenvolvidas aos novos padrões energéticos tiveram alguns efeitos internos imediatos como a redução dos níveis de atividade, voltados para o mercado interno, provocando suaves efeitos depressivos nos níveis de emprego destas economias, ao mesmo tempo em que aumentava o protecionismo e se reduziam as importações de produtos oriundos das nações do terceiro mundo. Dessa forma, acumulavam-se pesados déficits na balança comercial dos países subdesenvoldidos, provocando a rápida queima de reservas internacionais destas economias, enquanto que alguns países desenvolvidos da Europa passavam a deter superávits, em função do aumento das exportações e da elevação dos preços internacionais de manufaturados. Persistiam, no entanto, as tendências recessivas, em função da existência da capacidade ociosa e da pouca atratividade de novas inversões produtivas, em face da existência de um alargamento do circuito financeiro especulativo, com a desvalorização do dólar pós—68. As repercussões da crise, a partir de 1975, não foram simétricas para todas as economias desenvolvidas. Os EUA beneficiaram-se, pelo fato de não serem muito dependentes do petróleo e, também, pela absorção, por parte de seus Bancos e do próprio Tesouro, do excedente de petro-dólares que circulava nas grandes financeiras internacionais, criando momentânea estabilização do dólar. A Alemanha também foi favorecida pela reciclagem interna e pela exportação de equipamentos. No entanto, países como Inglaterra, França e Itália, dada a baixa competitividade de seus manufaturados, sofreram graves efeitos internos em suas taxas de crescimento, a nível de emprego. O Japão também sofreu dificuldades, em virtude da dependência estrutural de insumos importados que mantinha, em relação da alta dependência de seu crescimento, quanto à dinâmica de suas exportações, embora tenha conseguido superá-las, em função de seu dinamismo tecnológico e da competitividade de suas exportações (COUTINHO, L. G. e BELUZZO, L. G. M., 1982).

A crise que se configura nos anos setenta não atingiu, tão intensamente, os países desenvolvidos como ocorreu nas economias em desenvolvimento. Estas foram duramente afetadas, especialmente, as não-exportadoras de petróleo, que viram aviltados os preços de seus insumos, máquinas e equipamentos importados, bem como apresentaram os termos de troca de suas exportações, em franca deterioração. O endividamento externo que já se configurava nos anos sessenta, para estas economias, tornou-se maior e cumulativo, forçando grande parte delas a adotarem estratégias contencionistas internas "que vieram aprofundar a recessão e comprometer os planos de desenvolvimento da periferia" (COUTINHO. L. G. e BELLUZZO, L. G. M., 1982). O aumento das dívidas externas; o carreamento de parcelas crescentes do excedente, para os bancos internacionais, sob a forma de juros; o aumento da dívida pública; a redução dos níveis de atividade; a explosão inflacionária, o aumento do desemprego, do subemprego e da capacidade ociosa e a brusca queda de arrecadação fiscal com o aumento renovado das pressões sobre o gasto público, especialmente, os gastos sociais, passavam a ser os principais problemas enfrentados pelas economias subdesenvolvidas, a partir da decisão dos países desenvolvidos de empurrar os impactos econômicos mais fortes da crise para a periferia. Certamente, os países periféricos que mais sofreram foram aqueles que, tanto pelo lado das importações como pelo das exportações, encontravam-se, francamente, dependentes da economia mundial. No caso de alguns países latinos-americanos, além da dependência acima mencionada, os grandes bancos internacionais e as economias desenvolvidas forçaram ajustamentos internos, através do FMI em nações como Argentina, Brasil e México, de forma a atrelar qualquer possível recuperação à dinâmica das exportações. Só assim é possível entender a tímida recuperação da economia brasileira em 1984 onde, apesar da queda da demanda doméstica, da persistência da inflação e de altos níveis de desemprego, verifica-se uma ligeira expansão da produção industrial que vem sendo absorvida, em certa medida, pelo gigantesco déficit comercial dos EUA, o qual já atinge quase 300 bilhões de dólares.

A recente recuperação da economia mundial, após a persistência de um longo período recessivo, além de ser restrita, apresenta-se com alto grau de instabilidade. As economias da OECD, no pós-76, não têm apresentado taxas de crescimento vigorosas, dada a insegurança das grandes empresas monopolistas, transnacionais, em investirem em tecnologias que já esgotaram seu potencial de acumulação. Mas, por outro lado, os capitais investidos por estas empresas, até 1973, não poderiam ser esterilizados por seus possuidores, como forma de dar origens a novas inversões tecnológicas. Nos setores, onde se processavam inovações tecnológicas, a baixa capacidade de difusão não permitia certeza de rentabilidade aos investimentos a serem feitos. Assim, "esta reduzida capacidade de absorção estava, por sua vez, determinada pelo elevado grau de mobilização recente em capital fixo na maior parte dos setores industriais, especialmente, de bens duráveis" (COUTINHO, L. G. e BELLUZZO, L. G. M., 1982).

Todos estes argumentos explicam, no comportamento recente da economia mundial, um duplo movimento: queda nas taxas de investimento real (conjuntamente com a elevação da capacidade ociosa) e "... ingurgitamento dos fluxos de capital que não encontram aplicação imediata, na esfera produtiva. Amplia-se o circuito financeiro como forma alternativa de valorização das massas de capital; reforçam-se os impulsos à especulação e, simultaneamente, se acelera o processo de centralização de capitais. Os conglomerados que conseguem sustentar suas taxas de rentabibilidade corrente utilizam-se de forma mais intensa de aplicações financeiras, lançando-se, também, à incorporação das empresas menos resistentes às situações de crise" (COUTINHO, L. G. e BELLUZZO, L. G. M., 1983).

O baixo nível de investimento e a continuidade de circuito financeiro especulativo, como principal fonte de rentabilidade do capital mundial, não garantem sopro de vida à recuperação que se verifica nos dois últimos anos, particularmente, na economia da OECD, haja vista a recente diminuição nos ritmos de crescimento da economia americana, no 2º semestre de 1984, apesar do otimismo reinante naquele país.

Vale dizer, ainda, que esta recuperação não conseguiu aumentar os níveis de emprego nos países desenvolvidos. As taxas de desemprego permanecem elevadas, forçando o aumento da dívida pública e dos gastos sociais nestes países, conjuntamente, com a incapacidade de aumentar os patamares de arrecadação. Alguns países europeus, mesmo aqueles governados pela social democracia, já vislumbram uma redução ou reformulação dos benefícios concedidos pelo "Welfare State", especialmente, no que se refere ao seguro-desemprego. Novas políticas voltadas para os países-membros do Mercado Comum Europeu, com vistas à contenção da espiral de gastos, vêm sendo propostas, dentre as quais: a redução do número de pessoas com direito aos serviços de saúde custeados pelos fundos públicos; a maior participação dos usuários no custeio desses serviços e, também, a limitação do crescimento da rede hospitalar e da formação de profissionais de saúde. A reeleita administração Ronald Reagan, dada a promessa de não aumentar impostos, propõe e tem implementado cortes vultosos na área de Previdência e Assistência Social. Conforme anunciou a Revista Senhor nº 183; "Os alvos dele são os subsídios à agricultura, as pensões de funcionários aposentados, os auxílios a estudantes, os serviços de saúde para ex-militares e o programa de assistência médica aos idosos". Assim, ao que parece, o período áureo do "Welfare State" parece estar terminando. Segundo especialistas econômicos internacionais, o melhor da recuperação econômica dos países da OECD já passou; persiste a existência de 31 milhões de desempregados nessas economias. A reciclagem tecnológica em processo, exige que o PIB cresça a taxas cada vez mais elevadas, para absorver uma mesma quantidade de novos empregos.

Para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento a situação ainda é mais dramática. Apesar da grande heterogeneidade entre os níveis de desenvolvimento interno destas nações, a maior parte da população não é provida de sistemas adequados de seguro social. A persistência da atual crise econômica tem tido efeitos regressivos nos níveis de benefícios já atingidos em períodos anteriores. Portanto, além de estar longe da universalização, as políticas sociais correm o risco de deixar de ser atenuantes das pressões sociais nos países subdesenvolvidos, como foram desde o pós-guerra. Os efeitos desse fato poderão ser inusitados, pois, ao que se sabe, os níveis de participação e conscientização política, em alguns destes países, aumentaram, sensivelmente, nos últimos vinte anos, em função dos intensos processos de urbanização e difusão dos meios de comunicação de massa. Segundo documento elaborado pela Comissão Especial de Financiamento e Comércio da O. E. A., apresentado na 14a. Assembléia Geral Ordinária desta Organização, o desemprego, que já atinge 30 milhões de pessoas da América Latina e do Caribe, poderá chegar a 65 milhões em 1990, ou seja, 58% da população, economicamente, ativa da Região, caso os indicadores econômicos mantenham as atuais tendências. Mesmo que o PIB cresça a 2,8% ao ano, ao final da década de oitenta, o desemprego continuará atingindo 30% da PEA desta Região. Assim, segundo simulações elaboradas por esta Comissão, só com o alargamento dos prazos de pagamento da dívida externa (20 anos com sete de carência) e com um crescimento do PIB de 5,8% a.a., os problemas ligados ao desemprego e à pobreza poderiam ser minorados, na medida em que os países não precisariam mais dedicar-se ao esforço exportador, com tanta ênfase, canalizando recursos para a recuperação do mercado interno destas economias.

Nos países subdesenvolvidos, como foi visto, apenas pequena parcela do PIB é destinada ao financiamento dos gastos sociais, enquanto persistem condições extremas de carência e desigualdades, com relação a serviços que, por definição, deveriam ser universais, como saúde, educação, assistência e segurança social. Portanto, qualquer que seja a situação futura: acirramento ou amenização da crise econômica; a questão dos gastos sociais estará na ordem do dia e na pauta de negociação, entre governos e sociedade, principalmente, se considerado o atual ciclo de redemocratização das nações latino-americanas. Gastar mais com políticas sociais, nos países do terceiro mundo, constitui decisão política e tem, por objetivo, a resolução de questões emergenciais. A lógica dos gastos sociais, nesse sentido, deve fugir aos critérios puramente econômicos de racionalidade. No entanto, a racionalidade torna-se, também, importante na medida em que se observa a possibilidade de obter ganhos, em termos de número de benefícios, sem aumentar o volume de recursos despendidos, quando, simplesmente, são reestruturadas as prioridades e redefinida a composição interna da despesa.

Entre os anos sessenta e setenta, muitas nações latino-americanas viveram períodos autoritários, onde as questões ligadas às políticas sociais passaram para a periferia da agenda pública. Ao longo destes períodos, muitos órgãos que, por finalidade, seriam executores e gestores destas políticas, tornaram-se meio de beneficiar fatias do capital privado, seja em setores industriais como farmacêutico, seja nos serviços: como as empresas médicas, as escolas particulares, etc. Isto sem contar os recursos desviados para fins ilícitos ou para a corrupção. Todos estes fatores contribuíram, enormemente, para distorcer a estrutura dos gastos sociais.

Na redefinição de sociedades democráticas, a questão das políticas sociais, certamente, deverá passar da periferia para o centro das preocupações governamentais. Torna-se importante, neste processo, deixar de lado a panacéia de que é necessário, primeiro, desenvolver para depois distribuir. As políticas sociais deverão ser pensadas num contexto onde desenvolvimento e distribuição ocorram, simultaneamente, fazendo-se necessário não só aumentar, como modificar a estrutura da despesa com tais políticas.

 

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DESEMPREGO PODE DOBRAR ATÉ 1990. in Gazeta Mercantil de 14/11/84.        

 

 

1 Entende-se por modernos, os Estados Nacionais que se formaram com a extinção do feudalismo na Europa e com o fortalecimento de um poder central em distintos domínios territoriais, marcados pela presença de Monarquias Absolutistas.
2 Para o cálculo destes valores utilizou-se publicação da O. I. T. que aparece como fonte da tabela 4 e as cotações de cambio das moedas nacionais de Suécia e Bangladesh, em relação ao dólar, para o ano de 1977, de acordo com o "Yearbook" da Enciclopédia Britânica de 1978.
3 Uma análise mais detalhada da problemática teórica sobre "saúde e desenvolvimento" pode ser encontrada no livro "Saúde e Previdência — Estudos de Política Social" de José Carlos de Souza Braga e Sérgio Goes de Paula, Ed. CEBES/HUCITEC, SP, 1982), especialmente, no capitulo 1.
4 Embora só trouxessem à tona uma crise de superinvestimento estrutural que já estava por ocorrer.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br