ANÁLISE

 

Oportuna coletânea sobre a história da ciência no Brasil

 

 

Mário B. Aragão

Pesquisador Titular ENSP/ FIOCRUZ

 

 

Contribuição para a história da ciência no Brasil. Oswaldo Vital Brazil. Campanha, MG, Casa de Vital Brazil, 1989, 132p.

Ao me prometerem esse livro, falaram do Instituto Vital Brazil e de seu fundador. Qual não foi a minha surpresa quando o li e vi que se tratava não somente da vida e obra desse grande brasileiro mas, também, de uma contribuição preciosa para a história da ciência no Brasil. Uma outra surpresa agradável foi ver, na primeira página, um trecho de uma carta de meu pai (Prof. Henrique Aragão) a Vital Brazil, parte da qual passo a transcrever: "(...) quem é exemplo de uma nobre vida científica e de homem de ação, cuja brilhante carreira pública se imortalizou para sempre neste feito único de haver levantado do nada e deixado perfeitos dois grandes Institutos de Medicina Experimental no Brasil." Tratam-se dos Institutos Butantan e Vital Brazil.

As obras de Pasteur, Oswaldo Cruz e Vital Brazil têm algo em comum. Isso foi escrito por Américo Braga no Proêmio do Tomo IV de Soros, vacinas, alérgenos e imunígenos, aliás prefaciados por Vital Brazil. "As maiores descobertas de Pasteur foram realizadas em água furtada (...) Entre nós, a bioterapia e a medicina experimental foram plantadas por Vital Brazil, num estabulo adaptado na abandonada fazenda de Butantan, no Estado de São Paulo, e por Oswaldo Cruz na velha fazenda de Manguinhos (...) A cultura científica e o domínio dos métodos são, aqui, de suma importância: os meios são quase nada; o homem é quase tudo." Por sua vez, o Instituto Vital Brazil funcionou de 1919 a 1923, numa casa residencial. Essas informações são da maior atualidade quando, de uns tempos para cá, nossas instituições sejam científicas ou acadêmicas só pensam em construir prédios e contratar pessoal a esmo.

No estabulo do Butantan, Vital Brazil mostrou que os soros de Calmette não serviam para os nossos ofídios e criou a técnica de preparo de soros específicos para cada gênero de cobra, que são usados até hoje.

Na iniciação de Vital Brazil estavam presentes dois grandes vultos, um de cientista, Adolpho Lutz, com quem trabalhou no Instituto Bacteriológico, hoje Instituto Adolpho Lutz e outro de sanitarista, Emílio Ribas, quem primeiro fez uma campanha contra a febre amarela, baseada no combate ao mosquito. Aliás foram eles que indicaram Vital Brazil para o Butantan. Instituto que se ampliou muito e, apesar das vicissitudes por que tem passado, hoje brilha em diversos campos científicos, sendo, atualmente, a nossa instituição mais importante na produção de soros e vacinas.

Com a saída de Emílio Ribas da direção do Serviço Sanitário, começou a haver problemas com o Instituto Butantan e, em 1919, Vital Brazil resolveu se afastar e fundar o seu próprio instituto. Devido a facilidades dadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, o local escolhido foi Niterói. Com ele vieram alguns médicos e técnicos, entre os quais se encontrava o bacteriologista Arlindo de Assis, que viria a ter uma grande projeção. Em 1930 passou para a Fundação Ataulfo de Paiva, onde foi o introdutor da vacina B CG no Brasil. Arlindo de Assis nunca visitou os Estados Unidos e a França, mas recebeu desta a medalha de ouro "Louis Pasteur".

O Instituto Vital Brazil era, na realidade, uma indústria mas que, sem descurar da parte comercial, desenvolveu intensa atividade científica e tecnológica. A lista de trabalhos publicados nos Archivos e no Boletim do Instituto Vital Brazil ocupa 11 páginas do livro. Também nesse instituto se iniciou o francês Jean Vellard que, depois de se tomar especialista em animais peçonhentos, se transferiu para o Butantan, onde continuou suas pesquisas. Esses fatos chegam a parecer sonho. Uma indústria, relativamente pequena, fazer pesquisa e preparar especialistas para outras instituições. Isso hoje só ocorre em algumas grandes estatais.

Na era dos antibióticos, a parte comercial começou a balançar, até que, em 1956, o governo do Estado do Rio encampou o Instituto.

Um capítulo sobre o livro de Nancy Stepan "Os primeiros passos da ciência no Brasil" é muito útil. Essa historiadora escolheu mal os informantes, e o livro tem muitas incorreções.

Não gostamos do autor ter transcrito um artigo seu sobre a pajelança do naturalista Augusto Ruschi, em que procura ridicularizar o pajé Raoni. Os nossos índios merecem respeito, eles são os verdadeiros donos do nosso país e há 500 anos vêm sendo maltratados e trucidados. Cientistas do porte de Warwick Keer e Herbert Shubart, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, consideram que temos muito que aprender com a ciência indígena. Esse artigo está destoando do alto nível do livro.

Uma aula inaugural, dada na Universidade de Campinas, conta fatos muito interessantes, principalmente as dificuldades encontradas pela UNICAMP nos primeiros anos.

Num discurso feito ao receber o título de cidadão campineiro, o autor faz os maiores elogios aos trabalhos do Instituto Agronômico de Campinas, cuja história está muito bem contada.

Em suma, trata-se de uma bela coletânea, muito oportuna.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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