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Diagnosis related groups— DRG's: avaliação do uso de uma metodologia de mensuração do produto hospitalar com utilização de base de dados do SAMHPS/AIH na cidade do Rio de Janeiro1

 

 

Cláudia Maria Travassos Veras; Francisco C. Braga Neto; Marina F. Noronha; Mônica S. Martins

Professores e Pesquisadores do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde — Ensp/Fiocruz

 

 


 

 

INTRODUÇÃO

Diagnosis Related Groups — DRG — é um sistema de classificação de pacientes internados em hospitais de agudos que foi desenvolvido pela Universidade de Yale, nos EUA. O grupo de pesquisadores de Yale começou a trabalhar nesta classificação em meados da década de 60. Em 1983, após várias revisões, a classificação DRG foi incorporada pelo esquema governamental de seguro americano denominado Medicare, como base para um novo sistema de pagamento aos hospitais contratados. Desde então, o DRG tem sido objeto de interesse tanto de estudos acadêmicos como dos sistemas de saúde de diversos países.

Diagnosis Related Groups foi traduzido, pelos portugueses, como Grupo de Diagnósticos Homogêneos e, pelos espanhóis, como Grupo de Diagnósticos Relacionados. Tem sido veiculado, no Brasil, pela sigla DRG, baseada em seu nome em inglês. Trataremos esta classificação pelo termo DRG, apesar de considerarmos necessário que se chegue a uma tradução de consenso para seu uso no Brasil.

Desde o final do século passado e início deste, quando o hospital começou a assumir um papel importante como centro de tratamento de doenças, surgiu a necessidade de se conhecer melhor como este serviço opera, o que gasta, como trata seus pacientes, em última instância, quem atende, como, e o que produz. Uma das primeiras tentativas de se definir o produto hospitalar data de 1912 e foi desenvolvida pelo médico americano Codman (Fetter, 1985), que listou uma série de indicadores para avaliar a produção do Hospital Geral de Massachusetts (um hospital universitário americano). Apesar das inúmeras iniciativas nesta linha, até recentemente, pouco se tinha avançado na caracterização do Produto Hospitalar.

Em nosso país, os sistemas de acompanhamento, controle e avaliação da produção de serviços de saúde e, particularmente, da produção de serviços hospitalares vêm trabalhando com indicadores tradicionais, limitados para análise de produção hospitalar. Podemos citar alguns, dentre os indicadores freqüentemente usados:

• número de internações

• número de exames laboratoriais

• número de cirurgias

• número de refeições oferecidas

Estes indicadores informam quanto às atividades e/ou serviços realizados pelo hospital, no atendimento a pacientes, mas não sobre seu produto final. Eles expressam, na realidade, Produtos Intermediários que vão compor, no processo produtivo do hospital, o "Produto Hospitalar". O Produto Hospitalar se refere ao conjunto específico de serviços/atividades fornecidos para cada paciente, como parte de seu processo de atendimento.

Existem várias razões que têm dificultado á mensuração do produto hospitalar. A complexidade do hospital, enquanto sistema produtivo, se caracteriza pela necessidade de prestar, a cada doente, uma combinação específica de bens e serviços, em função do seu estado de saúde. Para o atendimento de cada paciente, no hospital, é realizado uni mix, uma composição particular de atividades, de acordo com as necessidades específicas do paciente.

Isto significa dizer que o processo produtivo hospitalar se caracteriza pela produção de multiprodutos. Na verdade, pode-se dizer que o hospital produz tantos produtos quantos pacientes atende, dificultando a sua avaliação.

Ao desenvolverem o sistema de classificação DRG, os pesquisadores de Yale partiram de um pressuposto básico: apesar de cada paciente ser único, eles guardam, entre si, características sociais, demográficas, nosológicas e terapêuticas semelhantes, possibilitando seu agrupamento. A construção de grupos, constituídos por pacientes semelhantes, possibilitaria, em tese, a caracterização dos diferentes produtos hospitalares.

Para que uma classificação do produto hospitalar seja utilizável para fins gerenciais, e passível de interpretação clínica, McMahon (1987) identificou os seguintes requisitos:

1. Que os grupos (produtos) expressem categorias diagnósticas homogêneas. Por exemplo: do ponto de vista do consumo de recursos, (tempo médio de permanência), não há grandes diferenças entre um Parto Normal e uma Amigdalectomia. Entretanto, clinicamente, são situações significativamente diferentes, não devendo compor um único grupo.

2. A classificação deve se basear em variáveis comumente disponíveis nos prontuários médicos.

3. O número de classes (grupos) na classificação deve se limitar a uma quantidade possível de ser utilizada no cotidiano da gerência dos serviços.

4. Cada classe deve ser exaustiva e mutuamente exclusiva. Isto é, toda a gama de diagnósticos deve estar contemplada na classificação, sem que ocorra justaposição.

Norteado por estes critérios, o grupo de Yale tomou uma amostra representativa da produção de internações hospitalares realizada pelos hospitais americanos e, utilizando variáveis freqüentemente presentes nas estatísticas hospitalares, começou a testar a criação de grupos homogêneos de pacientes com relação ao consumo de recursos hospitalares, através da combinação de procedimentos estatísticos com o julgamento clínico (Fetter, 1980).

Inicialmente, os pacientes foram agrupados em 23 (vinte e três) Grandes Categorias Diagnósticas — GCD —, contituídas a partir do Diagnóstico Principal. Cada GCD foi criada de modo a corresponder, em geral, a uma aparelho ou sistema orgânico. Ex.: GCD 04 — corresponde às doenças do aparelho respiratório e CGD 06 — às doenças do aparelho digestivo.

Num segundo momento, estes pesquisadores buscaram testar, através de um algoritmo (Fetter, 1980), quais variáveis apresentavam maior poder em discriminar diferenças no consumo de recursos entre pacientes. A variável dependente, utilizada para exprimir consumo de recursos, foi o Tempo Médio de Permanência. Esta análise apontou as seguintes variáveis: Diagnóstico Principal, Diagnósticos Secundários, Intervenção Cirúrgica, Idade e Tipo de Alta, que passaram a ser utilizadas na constituição dos grupos e/ou DRG's. Na construção dos grupos, estes passavam novamente por processo de julgamento médico, a fim de se manter a coerência clínica interna.

Após várias revisões, foram definidos, em 1983, 470 grupos diagnósticos ou DRG's. Esse número continua passando por alterações, através de processos de revisão e avaliação contínuos, que se mantêm desde a criação do sistema. A sexta revisão, datada de 1989, apresenta 477 DRG's.

Recentemente, vem sendo desenvolvida uma grande revisão (Health System Management Group), que busca aumentar a especificidade do sistema, em termos do seu poder em distinguir pacientes com diferentes graus de severidade, numa tentativa de responder a uma das críticas centrais da qual o sistema tem sido alvo (Horn, 1985), isto é, a sua baixa capacidade em discriminar, satisfatoriamente, a severidade dos pacientes internados.

Vale destacar que o grupo de Yale desenvolveu, também, classificações para as consultas ambulatoriais e internação de longa permanência. São elas: Ambulatory Visit Groups — AVG — e Patient Dependency Groups — PDG. Estas classificações foram, até o presente, menos difundidas que o DRG e não se constituem em objeto deste projeto.

Até o presente, o uso mais importante do DRG tem sido nos EUA, onde passou a ser utilizado na formulação da nova forma de pagamento adotada pelo Programa Medicare , conhecida como Esquema Prospectivo de Pagamento (May, 1984). Neste esquema, pacientes são classificados em DRG's, e o pagamento do hospital é feito com base num valor fixo, definido para cada DRG. O pagamento não é realizado com base no que foi gasto com cada paciente mas, sim, num valor médio que exprime o gasto médio para o atendimento de pacientes em um mesmo DRG. Esta forma de pagamento contém, em si, incentivos dirigidos para uma produção mais eficiente, que permite maior previsibilidade nos gastos, por parte do financiador dos serviços. Gastos excessivos e desnecessários, quando realizados pelos hospitais, não seriam compensados. Após sua implementação, o Esquema Prospectivo de pagamento alterou a organização dos hospitais, e impactou, positivamente, na melhoria da qualidade das estatísticas hospitalares.

Quanto ao impacto do Esquema Prospectivo de Pagamento na contenção dos gastos com a assistência hospitalar, as avaliações realizadas apresentam resultados controversos (Freeman e Costa, 1989). O mesmo pode ser dito, com relação ao seu impacto na qualidade dos serviços prestados (Jerkins, 1987). Cabe ressaltar que, apesar de poder atuar positivamente na eficiência e na qualidade da atenção, o Esquema Prospectivo de Pagamento contém aspectos que podem induzir o prestador a agir negativamente sobre a qualidade, provocando efeitos perversos no sistema, do ponto de vista do paciente. Este esquema de pagamento pode incentivar o prestador a dar altas precoces, prevenir internação de pacientes com condições múltiplas e de pacientes graves, simplificar inadequadamente a composição tecnológica do atendimento a determinados problemas de saúde etc, impactando, negativamente, na qualidade da assistência. Portanto, é fundamental que sua implementação seja acompanhada do monitoramento do acesso de pacientes e da criação de mecanismos de controle da qualidade.

O DRG é um instrumento principalmente voltado para o controle da eficiência dos serviços. Seu impacto na qualidade não é direto, podendo mesmo ser negativo, como apontado anteriormente. Porém, ao aumentar o controle sobre os processos, levando à produção de novas informações e, principalmente, melhorando a qualidade destas informações poderá, indiretamente, servir à criação de melhores condições, para que programas de garantia de qualidade da assistência médica sejam operados eficazmente. Cabe, também, destacar a sua utilidade como instrumento para avaliação dos serviços de saúde. Os estudos de utilização de serviços hospitalares ganham maior clareza, quando trabalham com DRG. Isto porque, ao comparar-se a produção, entre hospitais, através de altas classificações em DRG, pode-se assegurar, em grande medida, que se compare iguais com iguais. Além disso, possibilitam uma discussão mais aprofundada sobre as práticas médicas subjacentes, seu perfil tecnológico e de eficiência, e impacto dos diferentes mecanismos de financiamento empregados na produção de serviços hospitalares.

Mais recentemente, o sistema de classificação — DRG — vem sendo utilizado em outros países com sistemas de saúde diferentes do americano. E o caso da Austrália e de alguns países europeus, como Portugal.

A experiência com DRG em desenvolvimento em Portugal nos parece de grande interesse e coloca em prática a utilização desta classificação em um país com um sistema nacional de saúde onde o Estado é o maior provedor e financiador de assistência médica.

Busca-se, em Portugal, definir novos mecanismos de financiamento junto aos hospitais públicos, mecanismos estes baseados na produção e não mais nos gastos realizados no exercício anterior, como vinha sendo feito até o ano passado. Concretamente, Portugal está adaptando o Esquema Prospectivo de Pagamento, utilizado nos EUA para pagamento aos hospitais privados, para uma realidade caracterizada pela existência de um sistema nacional de saúde.

Algumas adaptações (Urbano, 1985) que estão sendo experimentadas, neste país, merecem destaque, por sua importância.

1. A tentativa de associar à lógica de alocação de recursos, baseada na necessidade da população, elementos da produção dos serviços. A produção seria medida pela composição de pacientes atendidos, classificados por DRG.

2. O pagamento aos hospitais seria baseado num valor fixo por DRG, acrescido de um pequeno valor, proporcional ao tempo de permanência. Ao se fazer este ajuste, busca-se evitar as altas precoces, ao mesmo tempo em que se garante a eqüidade no atendimento aos pacientes.

 

APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE INVESTIGAÇÃO

Um grupo de pesquisadores do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde — Ensp/Fiocruz vem, no momento, desenvolvendo um projeto de pesquisa2 com financiamento da Finep e da Opas, cujo primeiro objetivo é testar a sensibilidade clínica e estatística do sistema de classificação — DRG, através de sua aplicação em um estudo-piloto, com base em dados nacionais, de produção hospitalar. O banco de dados utilizado é constituído pelos formulários de Autorização de Internação Hospitalar — AIH — emitidos e pagos, no ano de 1986, referentes aos hospitais privados, contratados pelo Inamps, na Cidade do Rio de Janeiro. Os dados destes formulários estão gravados em fita magnética e foram fornecidos à pesquisa pelo Inamps/Dataprev. Esta fita contém as informações básicas necessárias para classificar pacientes em DRG.

O padrão de distribuição dos pacientes, em cada DRG, quando aplicado o sistema aos dados nacionais, será analisado através de medidas de variabilidade (média, variância, desvio-padrão, coeficiente de variação). Estes resultados serão comparados com aqueles observados em outros países, buscando-se interpretar as diferenças encontradas.

Ao realizarmos o estudo-piloto poderemos identificar e mensurar os problemas que surgirão da utilização desta classificação, na base de dados formada pelos formulários AIH. Alguns destes problemas podem ser apontados de antemão. Primeiro, o sistema de codificação de diagnósticos (CID-9) e Procedimentos (Tabela de Procedimento e Tabela de Atos Médicos/Inamps) não correspondem aos utilizados nos Estados Unidos e que são aceitos pelo programa Grouper, que realiza a classificação de altas em DRG's. Segundo, a classificação trabalha com informações sobre diagnósticos secundários — nos EUA, os formulários de alta apresentam campos para anotação de até cinco diagnósticos secundários —, cujo preenchimento no formulário AIH é precário, e corresponde a apenas um campo. Terceiro, a qualidade da codificação e das informações, nos formulários AIH, é objeto de críticas, por ser este um instrumento utilizado, predominantemente, para fins contábeis.

Para podermos classificar os dados dos formulários AIH em DRG's, teremos, inicialmente, que recodificar os diagnósticos e os procedimentos, utilizando a Classificação Internacional de Doenças com Modificações Clínicas (CID—9—CM), adotada e desenvolvida nos Estados Unidos. As limitações do banco de dados de formulários AIH com relação a anotação dos diagnósticos secundários não podem ser contornadas. No entanto, com a versão do programa Grouper que vamos utilizar — versão 2.2, pacientes com informação incompleta no campo de diagnóstico secundário serão sempre classificados, porém, em grupos/DRG's de menor consumo de recursos (menor severidade). Com relação à qualidade das informaçõs, o próprio programa Grouper vai apontar algumas das inconsistências presentes no banco de dados. Por outro lado, o grupo de pesquisa vem desenvolvendo, paralelamente, um estudo de confiabilidade do formulário AIH, que permitirá uma análise mais aprofundada da qualidade destes dados.

O projeto de pesquisa conta com a assessoria de profissionais do Ministério da Saúde de Portugal, envolvidos com a implantação deste sistema, naquele país.

Paralelamente ao desenvolvimento da pesquisa, temos mantido contatos com a Superintendência de Planejamento do SUDS—RJ, onde vem sendo discutida a constituição de um Programa Multicentro, que reunirá instituições e grupos de pesquisa do país, envolvidos com o desenvolvimento de sistemas de informação, sistemas de mensuração da produção dos serviços de saúde, controle de qualidade e financiamento dos serviços de saúde.

Para finalizar, pretendemos, com este projeto, contribuir na identificação de novos instrumentos que permitam avançar as formas de organizar, financiar, gerenciar e avaliar, em particular, os hospitais da rede pública. O estudo permitirá, também, avançar na análise crítica da atual forma de pagamento adotado pelo Inamps, para remunerar os hospitais contratados, como apontar elementos para um controle mais efetivo da produção realizada por este setor assistência!. Mais ainda, buscamos criticar a qualidade das informações contidas no formulário AIH, apontando para o seu aprimoramento, entendendo ser esta uma rica fonte de dados administrativos e epidemiológicos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, C., Financiamento de Serviços de Saúde: as modalidades de pagamento retrospectivas e prospectivas e o sistema de preços, Lisboa, Ensp, 15/16 de Junho de 1989, mimeo.

FETTET, R., SHIN, Y., FREEMAN, J., AVERIL, R., e THOMPSON, J., Construction of Diagnosis Related Groups, Medical Care, supplement, fev. 1980, vol. 18, n.2, pp 5—20.

FETTER, R., FREEMAN, J., e MULLIN, Pathologist, editado pelo Colégio Americano de Patologistas, jun 1985, Vol XX-XIX, n.6.

FREEMAN, J., FETTER, R., NEWBOLD, R. e RODRIGUES, Jean-Marie, Hospital Utilization Before and After the Implementation of DRG's for Hospital Payment: U.S, 1979 to 1984, mimeo.

HEALTH MANAGEMENT GROUP, School of Organization and Management, Yale University, DRG refinement with diagnostic specific comorbidities and complications: a synthesis of current approaches to patient classification — Project Summary, mimeo.

HORN, S., Susan Horn at Guy's, Diagnosis Related Groups Newsletter. Londres, Caspe Research, outubro, 1985, p 3.

JERKINS, L., "Reimbursing Hospitals by ERG", in VVAA, DRG' and Health care — the management of case-mix, led., organizado por Martin Bradsley, James Coles e Linda Jerkins, Londres, King Edward's Hospital Fund, 1987, pp 5 - 20,

MAY, J. e WASSESMAN, J. Selected results from an evaluation of the New Jersey Diagnosis-Related Groups system, Health Services Research, dez. 1984, 19, pp 547 - 559.

MAcMAHON, L., "The development of Diagnosis Related Groups", in VVAA, DRG'S and Health Care — the management of case — mix, led., organizado por Martin Bradesley, James Coles e Linda Jerkins, Londres, King Edward's Hospital Fund, 1987, pp 29 - 41.

URBANO, J. e BENTES, M., DRG's in Portugal, Diagnosis Related Groups Newsletter, Londres, Caspe Research, fevereiro 1989, pp 1 e 2.

 

 

1 Comunicação apresentada nos 2o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e 3o Congresso Paulista de Saúde Pública — 3 a 7 de julho de 1989.

2 Avaliação de Métodos Alternativos Para Racionalização e Análise de Qualidade nos Serviços de Saúde — coordenação — Cláudia Travassos.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br