ARTIGO ARTICLE

 

Os inquéritos de saúde sob a perspectiva do planejamento

 

Health surveys from a planning perspective

 

 

C. E. A. Campos

Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowsky s/n, Prédio do Hospital Universitário, 5º andar, Cidade Universitária. Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil

 

 


RESUMO

Este trabalho discute a importância dos inquéritos de saúde no acompanhamento do processo de distritalização do sistema de saúde. Os principais conceitos que embasam os inquéritos e a bibliografia acerca dos usos que foram feitos dos inquéritos de saúde são revisados. A despeito dos autores dedicados a este tema afirmarem a importância dos inquéritos para o planejamento dos serviços de saúde, este trabalho encontrou evidências de que, na prática, são muito raros os relatos de sua aplicabilidade. Os principais problemas metodológicos são também discutidos. A proposta da realização de inquéritos de demanda mais ágeis e de menor complexidade metodológica poderia ser, para alguns autores, a saída para a sua utilização no planejamento em saúde.

Palavras-chave: Saúde Pública; Planejamento em Saúde; Serviços de Saúde; Nível de Saúde


ABSTRACT

This study examines the importance of household surveys for evaluating the implementation of district-based health systems for the delivery of health services. The concepts underlying health surveys and the literature on health surveys in the Third World are reviewed, and significant methodological problems are also discussed. Although many authors dealing with this issue consider household health surveys of capital importance for the planning of health services, that was not the situation encountered by the author, who rarely found examples of the applicability of such studies. The potential use of less complex and quicker studies was a solution proposed by some authors to increase the presence of surveys in health planning. Finally, national health surveys are also analyzed.

Key words: Public Health; Health Planning; Health Services; Health Status


 

 

INTRODUÇÃO

Os inquéritos de saúde podem ser definidos como tipos de estudos descritivos ou analíticos, longitudinais ou transversais, sobre diversos aspectos relacionados ao estado de saúde, demanda e utilização de serviços de saúde, através de amostras representativas de uma determinada população.

O primeiro inquérito deste tipo que se tem notícia foi realizado por Chadwick (1842) num estudo comparativo entre o estado de saúde de trabalhadores cobertos por seguro e presidiários. Busca-se, desde então, a melhoria dos instrumentos de medida do estado de saúde da população. Utiliza-se, já há muito tempo, a medição clássica de morbidade apresentada de acordo com sua prevalência e sua incidência, segundo o modelo de diagnóstico clínico.

Outro estudo pioneiro foi realizado por Sydenstricker (1926), nos E.U.A., associando a morbidade à procura e à utilização de serviços de saúde.

Goldberg et al. (1979) realizaram uma extensa revisão sobre os estudos acerca da medição do estado de saúde de uma população e concluíram que a medida de morbidade atualmente utilizada baseia-se no diagnóstico médico e que o fenômeno medido é a doença. Na opinião destes autores, seriam necessárias medidas que não se baseassem exclusivamente na noção de doença, presente ou ausente, mas nas conseqüências da doença. Justificando ainda a realização de inquéritos de saúde, os autores afirmam que (...) no que se refere aos métodos de medição, deve-se considerar que a avaliação da morbidade pelos médicos é apenas uma medição parcial.

Além disso, ao citarem Purola (1972), estes autores afirmam a importância de fontes simultâneas de informação que permitam identificar os vários aspectos da morbidade (...) A morbidade sentida permite principalmente abordar a noção de necessidade e, portanto, de demanda em face do sistema de saúde; a morbidade diagnosticada é, antes de tudo, o reflexo do funcionamento do sistema de cuidados médicos; a morbidade objetiva pretende ser uma medida da prevalência real dos fenômenos mórbidos em uma população, em função das normas estabelecidas pelo estado dos conhecimentos médicos; por fim, a morbidade comportamental reflete as implicações sócio-econômicas dos problemas de saúde bem como as atitudes e reações em face desses problemas.

Os inquéritos de saúde são, hoje, largamente utilizados em todo o mundo e, entre suas diversas funções, buscam revelar o estado de saúde e doença na população. Ademais, eles buscam identificar, descrever, mensurar ou analisar a natureza dos processos que levam à doença; as necessidades por diversos tipos de cuidados de saúde, segundo a prevalência de doenças ou queixas; os comportamentos e atitudes diante da doença; o grau de incapacidade resultante dos quadros mórbidos; os gastos (tempo, esforço, dinheiro) individuais relacionados à saúde e ao uso dos serviços; os efeitos dos cuidados; o acesso aos serviços e aos recursos de saúde; a utilização dos serviços; a organização do cuidado; a confiança da população no sistema de saúde; a efetividade das intervenções em promover a saúde e reduzir a doença; e o consumo de medicamentos (Cartwright, 1983; Kroeger, 1985; White, 1985).

De todas as funções dos inquéritos de saúde, a mais importante, porém, é a de serem dirigidos particularmente para aqueles que não tiveram contato com o sistema de saúde ou aqueles cujo contato foi irregular (White, 1985), pois buscam detectar as necessidades invisíveis (Nordberg, 1988), ou o iceberg da saúde da comunidade que não alcançou o doutor (Cartwright, 1983). A realização destes estudos se justifica, portanto, pelo fato de os problemas de saúde identificados a partir dos dados disponíveis nos serviços de saúde serem apenas o numerador de uma fração cujo denominador está representado pela ocorrência de problemas de saúde na população como um todo.

Até onde se sabe, nenhum outro tipo de investigação seria capaz de revelar o que se passa fora dos sistemas de saúde. Desta forma, os estudos de morbidade, demanda e utilização de serviços com base nos inquéritos populacionais prestar-se-iam, especialmente, a estudar a primeira fase da utilização, tal como definida por Dever (1988), isto é, a percepção da enfermidade e a ação demandante por serviços (ou a ocorrência da enfer midade e a não-ação demandante!). A utilização propriamente dita, isto é, aquela que, em última análise, depende das decisões tomadas no interior dos serviços, seria mais apropriadamente avaliada por meio de estudos da interação usuário-serviços. Note-se que esta definição de utilização pode ser confundida com definições e termos muito utilizados cotidianamente nos serviços de saúde. Muitos serviços de saúde referem-se a estudos de demanda à investigação de casos atendidos. Neste trabalho, estudo de demanda refere-se à investigação ligada ao ato do indivíduo buscar (ou não buscar) atendimento, independente do fato deste ter feito uso do serviço.

Dependendo dos objetivos a serem atingidos, os inquéritos de saúde podem adotar diversos desenhos. Segundo Timaeus et al. (1988), em termos gerais, poderiam ser distinguidos dois tipos. O primeiro, de tipo longitudinal, caracteriza-se por um acompanhamento continuado do estado de saúde, combinado com uma variedade de estudos especializados e intensivos, buscando a análise de variáveis associadas ao estado de saúde ou o impacto das intervenções realizadas pelos serviços. Pela sua complexidade, são geralmente restritos a pequenos grupos, demandam um grande número de especialistas e têm, em geral, custos muito elevados. Já o segundo tipo seria o de tipo transversal, descritivo, realizado por meio de entrevistas domiciliares, com coletas de informações a partir de amostras representativas da população. Esta é a forma geralmente utilizada em programas internacionais de inquéritos populacionais ou nos inquéritos nacionais de saúde.

 

AS FUNÇÕES DOS INQUÉRITOS NO PLANEJAMENTO DE SAÚDE

Justificativa

White, em artigo com o sugestivo título Inquéritos de saúde: o que? por que? para quem?, faz uma extensa análise das funções das informações produzidas pelos inquéritos domiciliares para o planejamento em saúde. Para este autor, dizer que estes são úteis para o planejamento, programação, orçamentação e avaliação não é suficiente. Estas informações devem estar disponíveis para o estabelecimento de prioridades e para a tomada de decisões. Os inquéritos domicialiares são úteis para ordenar problemas de uma maneira mais racional, pois, como afirma White (1985), "(...) o objetivo da provisão de serviços de saúde não é quantos serviços são oferecidos nem quantas visitas ou imunizações são realizadas, mas sim, ao final do dia, ter aliviado os problemas e queixas das pessoas e reduzido o risco de doença e sofrimento."

Para o mesmo autor, estes também são importantes na avaliação dos resultados: "(...) os inquéritos podem facilitar comparações ao longo do tempo ou após mudanças de políticas de saúde, ou sobre o impacto de uma intervenção, ou entre áreas, sejam locais, regionais ou internacionais, ou entre diferentes regiões".

Além das informações de morbidade, os inquéritos podem ainda fornecer informações adicionais sobre habitação, nutrição, estrutura familiar, atitudes diante da doença, utilização dos serviços, aceitação dos serviços, etc., as quais auxiliariam no processo de definição de políticas mais abrangentes para o setor.

White (1983) enfatiza, ainda, em outro artigo, que o fim último do planejamento seria o de melhorar os níveis de saúde da população, e, para esta, isto se dá, primeiramente, ao ter suas necessidades manifestas respondidas. A identificação destas necessidades, portanto, deve ser um dos objetivos dos inquéritos de saúde: "(...) as informações em saúde utilizadas para a tomada de importantes decisões devem, primeiramente, ser aquelas referentes aos problemas de saúde percebidos pela população, pois (...) existe pouco valor em fazer diagnósticos médicos e menos ainda em registrá-los e contá-los, a menos que o paciente ou a população mais cedo ou mais tarde seja ajudado perceptivelmente".

Os inquéritos de saúde seriam, desta forma, um instrumento que permite priorizar as necessidades sanitárias da população, tendendo a subordinar e, a médio prazo, substituir a dinâmica do mercado pela lógica da epidemiologia. Epidemiologia que deve ser entendida como instrumento técnico capaz de realizar diagnósticos coletivos de saúde e de estabelecer um diálogo do saber técnico com os interesses sociais e com a consciência sanitária dos cidadãos, servindo como princípio orientador para a tomada de decisões no setor saúde (Campos, 1989).

A lógica predominante no planejamento orientado pelas necessidades de saúde da população estaria calcada em critérios de eficiência e eficácia sociais. Esta lógica subordinaria a racionalidade técnica ou a produtividade à capacidade dos serviços de resolver os problemas de saúde da população.

Também Mendes (1988) considera que a garantia de legitimidade social a este tipo de planejamento dar-se-ia pela: "capacidade de resolução das demandas da população e que, normalmente, são expressas por doenças auto-percebidas. Essa resposta a demandas constitui um elemento essencial para a organização da atenção contínua, através da dispensarização, o que, como demonstra a prática, sem a primeira, não funciona".

Desta forma, para que os objetivos supracitados possam ser alcançados, informações tais como aquelas obtidas pelos inquéritos de saúde podem ter grande utilidade, pois somente indicadores e índices enquanto a expressão quantificada de um nível de saúde, não baseados nas classificações mórbidas usualmente utilizadas nos serviços de saúde, podem dar apoio às informações necessárias para que se saia da atual rotina da especialização médica da saúde pública, onde se verifica que os recursos do sistema são alocados não em função dos problemas de saúde a resolver, mas muito mais segundo o respectivo peso das diferentes estruturas médicas existentes (Goldberg, 1979).

No contexto dos países em desenvolvimento, os inquéritos de saúde revestem-se de especial importância, uma vez que um dos maiores desafios do setor está relacionado ao problema da disponibilidade e da acessibilidade. Disponibilidade, segundo Frenk (1985), definida como a capacidade para produzir e ofertar serviços, e acessibilidade considerada como um conjunto de condições que se interpõem entre a disponibilidade do recurso e sua utilização, ou o grau de ajuste entre as características da população e as dos recursos de atenção à saúde.

Considerando que, nos próximos anos, um dos principais desafios da política de saúde no Brasil será o de incorporar os segmentos até hoje excluídos da atenção à saúde, os inquéritos de saúde poderiam, ao identificar espaços-população com necessidades e demandas não satisfeitas, auxiliar no planejamento que vise aumentar a disponibilidade de recursos. A eleição de problemas e prioridades, tais como o combate aos problemas de saúde ou a resposta rápida a situações críticas em populações não atendidas ou atendidas insuficientemente, justificaria a realização de estudos que fornecessem informações mais detalhadas sobre a morbidade e a utilização por parte dos grupos da população excluídos da assistência.

Os padrões de demanda e de utilização devem ser identificados devido à dificuldade de se ampliar substancialmente a disponibilidade de serviços a curto prazo. Estes estudos poderiam facilitar a adequação dos serviços à prevalência dos problemas de saúde, de forma a garantir maior acesso aos recursos disponíveis, enquanto novos investimentos atinjam o aumento da disponibilidade de serviços.

Deve-se ressaltar, porém, a necessidade de não se cair num outro extremo. O conceito de acessibilidade não pode ser analisado com os extremismos antropologicistas ou mecanicistas de algumas interpretações sobre o tema. É importante que se considere tanto o lado da oferta quanto o lado da demanda, num enfoque eminentemente dialético.

O Uso dos Inquéritos de Saúde

Apesar dos inquéritos de saúde se justificarem, para a maioria dos autores, pela sua utilidade no processo de planejamento em saúde, seus achados parecem ter sido pouco utilizados para este fim, como podem comprovar autores que realizaram revisões sobre o tema em diversos países.

Embora a maioria dos trabalhos atribua aos inquéritos de saúde um papel decisivo para a planificação e programação em saúde, bem como para a alocação de recursos de forma apropriada, surpreendentemente, a quase totalidade deles não descreve de que forma estes foram empregados no processo de planejamento. Tanto Kroeger (1983; 1985) como Nordberg (1987), ao revisarem, ao todo, trinta e seis trabalhos de autores do Terceiro Mundo, não encontraram referência sobre este ponto. Todos, porém, citavam como um dos objetivos primordiais dos inquéritos "auxiliar no processo de planejamento".

Nordberg (1987), em sua revisão sobre os inquéritos de saúde realizados em países africanos, afirma que "(...) apesar de assumidos como potencialmente úteis para preencher importantes lacunas de informação, os estudos realizados foram pouco adaptados aos sistemas de saúde existentes, tiveram custos elevados, dificuldade de serem replicados e parecem ter sido raramente utilizados no processo de planejamento".

A não-utilização dos inquéritos de saúde no processo de planejamento parece também ter ocorrido, em outras épocas, nos países desenvolvidos, apesar destes não terem experimentado as dificuldades dos países africanos, citadas por Nordberg. A propósito, Cartwright (1983), em revisão sobre os inquéritos nacionais de saúde realizados na Inglaterra, menciona que o primeiro deles, o Survey of Sickness (1943-1952), foi pouco citado pelos autores que escreveram sobre o emergente National Health Service, criado em 1948. Este inquérito era realizado a partir de uma amostra da população adulta selecionada mensalmente e questionada sobre seu estado de saúde nos três meses anteriores à entrevista. O questionário possuía, para este fim, uma extensa e minuciosa lista de sinais e sintomas. As entrevistas também abordavam aspectos relacionados à incapacidade para o trabalho.

Ainda segundo Cartwright (1983), o modelo excessivamente médico adotado pelo Survey of Sickness, ao pretender fornecer medidas de prevalência e incidência de doenças, despertava críticas por parte de diversos autores, os quais consideravam problemáticas as informações por estas se basearem em declarações não-médicas e por possibilitarem a ocorrência de falhas de memória por parte dos entrevistados.

Talvez devido à expectativa frustrada de que estes estudos se prestavam a detectar a prevalência real dos fenômenos mórbidos, os mesmos não foram utilizados. Cartwright cita Stocks para exemplificar este tipo de resistência aos estudos. Os problemas ligados à não-aplicabilidade dos inquéritos pareciam estar relacionados à falta de credibilidade por parte da comunidade médica: "(...) não é geralmente aceito pela profissão médica que dados confiáveis em certos assuntos médicos possam ser obtidos a partir de inquéritos populacionais".

Esta questão parece ainda hoje suscitar dúvidas e debates. Alguns estudos, como o Health and Nutrition Survey, realizado periodicamente nos E.U.A., passaram a adotar o exame médico em parte dos entrevistados, buscando estabelecer prevalências reais. Timaeus et al. (1988), porém, em recente artigo, parecem pretender pôr fim a qualquer dúvida com relação aos inquéritos domiciliares que não se utilizam do recurso acima citado ao afirmarem: "(...) é provavelmente inútil forçar relatos de morbidade em diagnósticos médicos, exceto por um número limitado de condições que são usualmente reconhecidas pela população (...) os resultados deveriam ser apresentados por sintomas ou agrupados em sistemas funcionais".

Voltando uma vez mais aos inquéritos nacionais de saúde na Inglaterra, têm-se que, em 1971, foi retomada, naquele país, a realização de inquéritos a nível nacional, desta vez sob a denominação de General Household Survey (GHS). Desta vez buscavam-se informações não só relacionadas ao estado de saúde e à utilização de serviços, mas à interação da população com outros serviços públicos de assistência social.

Desta feita, porém, esta fonte de dados parece ter sido utilizada para diversas análises. Muitos autores procuraram relacionar os dados de saúde e doença com os distintos estratos sócio-econômicos, de forma a buscar estabelecer relações entre estas variáveis.

Segundo Cartwright (1983), Forster (1976) utilizou-se dos dados para estudar as diferenças de morbidade e utilização de consultas entre classes sociais distintas. E, apesar das críticas à natureza dos dados e a flutuações verificadas de ano para ano, o Black Report (DHSS, 1980) baseou suas já célebres conclusões em dados obtidos do GHS, assim como Collins & Klein (1980) e Scott-Samuel (1981).

Os dados fornecidos pelo GHS passaram, portanto, a ser analisados e valorizados pela possibilidade que tinham de estudar as diferenças nas taxas de morbidade e de utilização de serviços segundo os diversos segmentos etários, sociais, ocupacionais, etc.

Os próprios autores do Black Report reconheceram que "(...) para a análise das diferenças de morbidade entre classes sociais e ocupacionais, o único recurso regular de informação governamental é aquele encontrado no General House-hold Survey" (DHSS, 1980).

A literatura norte-americana deve ainda ser comentada. Dispondo de um sem-número de dados fornecidos por agências governamentais, há vários anos os inquéritos de saúde são realizados de forma sistemática ou não, tanto a nível nacional quanto a nível regional ou local. Existe uma literatura extensa que analisa o estado de saúde e o uso de serviços com múltiplos enfo-ques (sócio-econômico, racial, habitacional, por grupos de doença, etc.). Da mesma forma que no caso inglês, raros são os artigos que, a partir destas análises, propõem medidas concretas a nível do planejamento.

O trabalho de Patrick et al. (1992), porém, merece ser citado. Ao estudar a morbidade e a utilização de serviços de saúde em famílias segundo a cobertura previdenciária, este artigo mostra que o estado de saúde e a utilização de serviços variam de acordo com os diversos graus de cobertura existentes entre os membros da família. Finaliza propondo medidas concretas, a nível de política previdenciária, que deveriam levar em conta o padrão familiar e não o individual de cobertura.

O maior e mais amplo inquérito de saúde, a nível internacional, foi realizado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS), sob a coordenação de Kohn & White (1974). Este estudo chegou a conclusões importantes. Dentre elas, confirmou que os fatores predisponentes relacionados às características individuais, comportamentais e sociais, assim como os fatores capacitantes, teriam um efeito preditivo modesto nos padrões de utilização, se comparados à influência das várias formas de morbidade percebida.

Para Kohn & White (1974), este estudo confirmou, ainda, que, com relação aos fatores relacionados aos serviços de saúde, a forma como os recursos encontram-se disponíveis e acessíveis mostrou-se mais determinante para a utilização dos serviços do que o total de recursos e o seu fornecimento.

Apesar deste estudo ter mobilizado uma enorme quantidade de recursos e ter envolvido sete países, não foram encontrados, no decorrer desta revisão da literatura, relatos acerca de como estas informações foram utilizadas na organização dos sistemas de saúde dos países envolvidos neste empreendimento.

Com base nas informações acima citadas, pode-se supor, a princípio, uma contradição entre os objetivos manifestos destes estudos e sua real utilidade para o planejamento dos sistemas de saúde locais, regionais ou nacionais. Existem várias causas para o ocorrência deste fato, como pode ser visto acima.

A realidade dos países em desenvolvimento acrescentaria ainda outros fatores complicadores que reforçariam esta não-utilização dos inquéritos de saúde para auxiliar no processo de planejamento em saúde.

Rodrigues Filho (1989), referindo-se a pesquisas sobre serviços, mas perfeitamente pertinente aos estudos de morbidade, demanda e utilização, apresenta possíveis agravantes da pouca atenção dada a estudos que visem aprimorar o planejamento de saúde, particularmente no contexto latino-americano. Segundo o autor, estes estudos são quase inexistentes, sendo, portanto, insignificante sua influência nas políticas. As decisões autoritárias sempre prevalecem sobre qualquer resultado racional ou científico. Em vista disso, algumas pesquisas nesta área foram mais um exercício acadêmico para alguns pesquisadores do que um instrumento que viesse a influir diretamente nas políticas de saúde.

O autor refere-se, ainda, à falta de dados, às informações inadequadas ou muito agregadas, tanto nacionais quanto regionais, fatores estes que impediriam análises sobre as realidades locais ou a manipulação dos dados pelos governos. E conclui: "(...) apesar de se ver, teoricamente, o processo de tomada de decisões como um elegante modelo de planejamento racional, na realidade, o que se observa, em geral, é que o mesmo se baseia em barganhas, em decisões incrementalistas e na competição de interesses dos diferentes grupos envolvidos na formulação e na implementação de decisões políticas. Daí poder-se observar que a pesquisa é apenas uma parte importante de um processo complexo, podendo ter uma influência limitada nas políticas de saúde".

Segundo Teixeira (1988), a lógica da medicina mercantilizada, embora em crise e em busca de medidas racionalizadoras, persiste em todo o sistema de saúde, constituindo-se em um obstáculo para a resposta às demandas mais prevalentes da população. O atual modelo de assistência prescinde de informações mais precisas, pois o planejamento de ações de saúde é baseado na oferta de serviços, e não nas necessidades. Além disso, como afirma Castiel (1989), "(...) isto é até compreensível, pois não se necessitam de dados apurados (no sentido de apuro) para se ter uma noção do atual panorama epidemiológico das populações... Assim, tudo é tão prioritário que, qualquer que seja o ponto de abordagem, acaba-se acertando em algo que mereça atenção".

O planejamento em saúde na América Latina, em particular, busca alternativas para a construção de modelos assistenciais que respondam aos interesses, muitas vezes contraditórios, dos diversos atores envolvidos na prestação dos serviços de saúde e, principalmente, dos atores sociais que são o objeto dos cuidados. A busca de consenso torna-se imprescindível, como refere Castellanos (1987): "As mais recentes tendências em planificação... assumem o conflito e a incerteza como inerentes à tomada de decisões em situações de poder compartilhado. Para a planificação de saúde, o poder tem passado a ser um recurso essencial e geralmente escasso que limita as possibilidades de decisão, em confrontação com as diferentes posições que traduzem as diversas percepções que cada grupo populacional tem sobre seus próprios problemas de saúde e a forma como estes se articulam com suas condições de vida e aspirações sociais".

Ainda para Castellanos (1987), a epidemiologia poderia contribuir para: "(...) a construção de um espaço privilegiado de consenso para a planificação de saúde entre os grupos sociais com projetos coincidentes e aspirações sociais gerais, e de compreensão do conflito com aqueles grupos marginalizados e opostos aos ditos projetos".

Compreender os inquéritos de saúde como instrumentos que teriam a capacidade de sondar a realidade, as aspirações e as demandas de grupos populacionais, bem como de acompanhar os seus níveis de saúde, poderia ser um pressuposto que justificaria a sua utilidade, hoje, para o planejamento em saúde na América Latina.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS DOS INQUÉRITOS DE SAÚDE

Origens

Os inquéritos de saúde foram originalmente concebidos e gerados nos países desenvolvidos, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Somente em anos muito recentes existiram esforços de governos e instituições de pesquisa dos países do Terceiro Mundo no sentido de adaptar a metodologia tradicionalmente utilizada naqueles países para suas condições específicas.

Muitos dos problemas metodológicos em que incorrem os inquéritos de saúde nos países periféricos são decorrentes dos próprios modelos explicativos de morbidade e utilização de serviços adotados. Estes são geralmente importados dos países centrais e não incluem variáveis de importância. Isto ocorreria, segundo Kroeger (1985), por uma série de razões, dentre as quais cita: "(...) a velocidade das transformações sociais e culturais, os fluxos migratórios, a convivência de vários grupos étnicos, as discrepâncias sociais e econômicas, a cultura e as formas alternativas disponíveis de cuidados de saúde".

Além do problema da falta de modelos adequados, existiriam também os problemas metodológicos. Bertrand (1985) caracteriza os problemas envolvidos nestes estudos, no contexto dos países em desenvolvimento, da seguinte forma: "O investigador envolvido na coleta de dados de saúde baseados em populações freqüentemente se defronta com um enorme número de problemas com os inquéritos: o problema de validade dos indicadores é mais a norma do que a exceção... deficiências de normatização e avaliação rigorosa dos instrumentos contribuem para o conjunto de dificuldades do investigador. Estes e outros fatores, combinados com a eleição do tamanho amostral e, posteriormente, com o plano de análise, resultam que grandes e caros estudos são freqüentemente inúteis para responder às questões que pretenderiam responder".

Este autor, porém, parece estar convencido da necessidade do incremento destes estudos no Terceiro Mundo ao afirmar, no decorrer do seu artigo, que "(...) nossa premissa básica, porém, é que o inquérito populacional é ainda o único método mais promissor em obter rapidamente informação para a investigação e a programação relacionadas à saúde na maioria dos países em desenvolvimento, e parece que permanecerá assim indefinidamente".

Algumas das dificuldades metodológicas envolvidas na realização dos inquéritos de saúde serão aqui abordadas, sem a pretensão de esgotar este vasto e pouco explorado campo de investigação. Busca-se mais sistematizar os principais pontos que merecerão atenção no futuro para aqueles que se dediquem à tarefa de aprimorar os inquéritos de saúde.

Principais Problemas Metodológicos

Apesar de muitos dos problemas metodológicos serem comuns aos inquéritos de saúde realizados tanto nos países centrais quanto nos países periféricos, nestes últimos os problemas alcançariam um maior vulto. Isto pode ser atribuído tanto às adaptações que são realizadas nos modelos concebidos pelos autores dos países centrais quanto às deficiências técnicas, à falta de recursos, à descontinuidade administrativa, à falta de sistemas de informações, etc.

Entre os problemas metodológicos mais comuns na execução destes estudos estariam a subinformação de episódios de morbidade e de utilização e as discrepâncias encontradas entre os relatos de morbidade por parte da população e o diagnóstico médico.

Alguns dos diagnósticos médicos baseiam-se em determinados sinais ou sintomas referidos pelos indivíduos. Nestes casos, têm-se uma maior facilidade de definilos ou identificá-los (angina, lombalgia, diarréia, etc.). Existem, porém, muitas doenças pobres de sinais e sintomas ou que necessitam de testes que as comprovem (diabetes, hipertensão, pneumonia, parasitoses, etc.). Há doenças, ainda, cujos portadores sentem-se estigmatizados e procuram ocultar as informações a respeito delas. No caso de doenças crônicas, após algum tempo de ocorrência, estas já não são reconhecidas mais como tal, principalmente se forem muito prevalentes, e podem passar despercebidas pelas comunidades.

No caso do Terceiro Mundo, acrescem-se a estes problemas as diferenças culturais e educacionais, muito mais pronunciadas do que nos países centrais, que fazem com que muitas queixas sejam manifestadas de maneira ininteligível ao vocabulário técnico.

Mechanic (1965) afirma que, "(...) é geralmente reconhecido que as pessoas, de uma maneira geral, tendem a subinformar episódios de morbidade e utilização e, freqüentemente, provêem informações as quais são inconsistentes com as avaliações médicas".

Informantes outros que não o próprio demandante (ver adiante), condições que exigem apenas um atendimento de saúde, internações de curta duração e aumento do tempo de referência em que é feita a pergunta (ver adiante) são condições que podem concorrer para a omissão de relatos ou para a subinformação de episódios de morbidade e de utilização.

Muitos dos problemas de discrepância dos relatos, bem como aqueles ligados à subinformação de eventos mórbidos ou de utilização, poderiam ser minimizados com o uso de listas de condições traçadoras (em inglês, check list ou tracer conditions). Para o caso das diferenças culturais, as listas devem conter os termos mais comumente utilizados pela população em questão. Isto possibilita que seja captado um maior número de doenças, principalmente aquelas de menor intensidade. O estudo das formas de expressão locais deve preceder o inquérito e contar com a participação tanto de pessoal especializado como dos moradores.

O período de recordação de referência (em inglês, recall period) para fatos ou episódios de doença é, para a maioria dos autores, de duas semanas anteriormente à data da entrevista.

Este tempo justifica-se como um ponto que busca conciliar a necessidade de se obter informações suficientes sobre os episódios mórbidos e a possível perda de exatidão das informações devido ao esquecimento de fatos passados. Períodos maiores geralmente excedem a lembrança do entrevistado e subestimam as doenças de menor gravidade.

Linder (1965), citando resultados do California Health Survey, esclarece que "(...) a extensão do período de recordação não afeta, é claro, os relatos de todas as condições da mesma maneira... para casos de menor intensidade — aqueles que não necessitaram de cuidados nem restringiram atividades — a perda de memória foi muito mais marcada. Nestes casos, a percentagem de respostas caiu de 100% (na semana 1) para 57% (na semana 2), para 33% (na semana 3) e para 24% (na semana 4)".

O período de duas semanas não serviria portanto, para se definir índices reais de prevalência ou incidência. Quando se pretender obter informações mais exatas da ocorrência de determinadas doenças na população, é aconselhável reduzir ainda mais os tempos de recordação ou lançar mão de desenhos longitudinais de estudos em pequena escala.

As informações a respeito da utilização de serviços costumam ser mais fidedignas e menos afetadas pela perda de memória. Neste caso, os períodos de recordação podem estender-se a até seis meses, para as consultas médicas, ou até um ano, para as internações.

A análise dos dados de morbidade deve levar em consideração diferentes níveis de gravidade. Este aspecto é importante quando se relaciona a morbidade com a utilização de serviços, com o uso de medicamentos, etc. A gravidade de um episódio de doença pode ser classificada em vários graus, desde o mais leve ao mais intenso. Para isto, vários aspectos relacionados ao evento podem ser pesquisados. Utilizam-se informações tais como tipo de doença, número de sintomas referidos, dias de inatividade, utilização de serviços e percepção da própria pessoa sobre a gravidade. Geralmente lançam-se mão de mais de um dos critérios supracitados para atribuir uma medida de gravidade.

Uma outra questão metodológica está ligada ao informante, isto é, à própria pessoa que tem o problema de saúde ou a alguém de sua família. As entrevistas baseadas em informações prestadas por qualquer um dos membros da família costumam ter uma menor consistência, especialmente com relação a condições de menor gravidade ou a condições crônicas. Além disso, elas aumentam a possibilidade de subinformações de episódios de morbidade ou de utilização. Por motivos óbvios, as crianças têm seus episódios de morbidade e de utilização respondidos por seus pais ou responsáveis (Linder, 1965).

Nos inquéritos realizados no Terceiro Mundo, é comum a prática de entrevistas familiares. O questionário muitas vezes é respondido pelo chefe da família, que tanto pode ser o homem ou a mulher, dependendo do contexto cultural, econômico, da comunidade, etc. Além disso, este tipo de abordagem deve-se ao fato de as condições de moradia dos seus habitantes não permitirem, muitas vezes, a entrevista individual em condições satisfatórias de privacidade.

O relato de doenças de caráter estigmatizante, tais como doenças sexualmente transmissíveis, doenças relacionadas ao uso de drogas e álcool, impotência sexual, hanseníase, tuberculose, são de tal forma omitidas que, geralmente, não são incluídas nas entrevistas. Para se obter este tipo de informação, seria necessário utilizar outras abordagens, como a realização de estudos em menor escala e em condições mais adequadas, que permitissem uma maior privacidade aos entrevistados.

O recurso de questionários individuais para a auto-resposta, freqüentemente utilizado nos países centrais, poderia ser uma boa solução, não fossem os problemas ligados aos níveis de escolaridade da população e às próprias condições de moradia (aglomeração, pouca privacidade, etc.), que limitam o uso deste recurso.

Quanto aos entrevistadores, estes freqüentemente são recrutados entre profissionais ou estudantes da área de saúde. Entre as desvantagens da utilização de estudantes como entrevistadores estão a dificuldade destes em criar uma atmosfera de confidência e igualdade durante a entrevista, e a tendência à pressa ou a influenciar fortemente o entrevistado. Em contrapartida, quando são utilizados entrevistadores da própria comunidade, há uma tendência à baixa resposta dos entrevistados, por estes não acharem que o entrevistador possa fazer alguma coisa por eles. O envolvimento de pessoas da própria comunidade facilita a replicabilidade dos inquéritos. Esta participação pode ser muito útil no trabalho de supervisão (Kroeger, 1985).

A carga de trabalho diário de cada entrevistador não deve exceder dez a quinze entrevistas num espaço de duas a três semanas, e nunca mais de uma ou duas famílias por dia. Com esta medida, procura-se aumentar a confiabilidade dos dados coletados. Além disso, deve-se dar importância ao treinamento. Este deve incluir pré-testes, manuais explicativos e estudos pilotos. A checagem das primeiras entrevistas também é muito útil as para correções adicionais (Kroeger, 1985).

Na maioria dos estudos, as pessoas costumam não admitir a utilização de sistemas não-formais de cuidados de saúde. Estes podem incluir consultas a curandeiros, religiosos, balconistas de farmácia, parteiras, etc. Segundo Buss (1979), é possível que o preconceito e o temor contribuam para as baixas proporções de referências encontradas em relação a este tipo de procura.

A utilização concorrente e superposta das vias informais de cuidado com as do moderno sistema de saúde parece ser uma característica muito comum nos países do Terceiro Mundo. Estas informações podem ser de difícil identificação nos inquéritos. Uma das soluções para isto seria a realização de estudos longitudinais, em menor escala e utilizando-se uma metodologia do tipo qualitativa.

Quanto à associação entre a morbidade referida e a utilização, devido ao fato de a morbidade ser a variável explanatória de maior influência sobre a utilização, fato este já comprovado por diversos autores e já mencionado neste trabalho, a mesma não deve ser considerada separadamente do episódio de doença referido pelo indivíduo. Muitas vezes as pessoas têm mais de um evento mórbido ou sintoma, e busca-se saber qual deles motivou a procura a um determinado serviço. Como soluções para este problema, pode-se considerar cada queixa como um episódio de doença particular ou, então, cada período ininterrupto de padecimento como um evento mórbido, independente do número de queixas ou sintomas referidos.

 

CONCLUSÃO

Diversos autores têm criticado um certo preciosismo técnico-científico por parte dos idealizadores e executores destes estudos, principalmente quanto ao processo de consolidação dos dados e apresentação dos resultados, bem como ao posterior uso dos mesmos para a tomada de decisões. Para White (1985), "(...) Afinal de contas, o objetivo do inquérito é o de poder influenciar o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos, o gerenciamento dos serviços e a avaliação dos resultados. Uma comunicação efetiva é o objetivo, não a demonstração de uma precisão obsessiva em conservar dados ou de virtuosidade estatística".

Existiria, portanto, a tendência em se buscar procedimentos mais simplificados metodologicamente, visando a redução de custos e de tempo, já que o que se busca é a presteza na tomada de decisões e a resposta às necessidades da população. Neste contexto, os inquéritos de morbidade e de utilização teria muito menos a função de retratar a real prevalência de doenças na população, cabendo-lhes mais captar as necessidades passíveis de resposta a curto e médio prazos. Um dos fatores que poderia estar relacionado ao excessivo academicismo destes estudos é o fato de, nos países periféricos, estes serem quase que exclusivamente desenvolvidos por instituições de pesquisa e universitárias. Uma maior participação dos governos centrais ou locais e das comunidades objeto das investigações poderia facilitar sua operacionalidade, baratear seus custos e simplificar seus procedimentos, já que poderiam ser utilizados os serviços, recursos e sistemas de informação já existentes.

Barrenechea & Uribe (1987) propõem inquéritos de demanda com o objetivo de conhecer os determinantes da demanda à oferta existente e as causas da não-demanda. Estes autores atribuem ao termo demanda o mesmo significado definido por Dever (1988), não estando o mesmo, portanto, relacionado aos tradicionais estudos de demanda, termo geralmente empregado nos serviços de saúde. Os inquéritos de demanda são propostos em lugar dos de morbidade e de utilização por exigirem, segundo os autores, um instrumental metodológico de menor complexidade, por incorrerem em custos menos elevados e por necessitarem de menor tempo para a sua execução. Buscam saber, essencialmente, se os indivíduos procuraram atendimento, a que local recorreram e se foram atendidos. Na eventualidade de não terem sido atendidos, busca-se saber a razão do não atendimento.

Os inquéritos de demanda seriam, desta forma, um instrumento que visa identificar os obstáculos existentes a uma maior cobertura e eqüidade da assistência, do ponto de vista da população. Esta proposta busca a informação essencial, aquela que só pode ser fornecida por intermédio do inquérito de saúde.

A morbidade referida não está prevista pelos autores em sua proposta. Esta, por ser um fator determinante no ato de demandar cuidados de saúde, é, segundo alguns autores, essencial nestes estudos. Isto, porém, traria uma maior complexidade ao trabalho.

Uma proposta intermediária seria a de que os inquéritos de morbidade e de utilização deveriam ser realizados a intervalos mais longos, buscando traçar grandes linhas prioritárias de trabalho pelos sistemas de saúde, e deveriam estar orientados para os problemas de saúde ou de utilização identificados. Já os inquéritos de demanda, por sua vez, devem ser realizados um maior número de vezes, visando a monitoração, a avaliação e o acompanhamento mais freqüentes dos progressos alcançados, principalmente pelos sistemas locais de saúde. Estes últimos podem identificar a resposta dada pelos serviços às necessidades expressas da população e, indiretamente, avaliar a cobertura, os níveis de regionalização e hierarquização alcançados, etc.

 

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