DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Minayo & Sanches

 

Debate on the paper by Minayo & Sanches

 

 

Célia Leitão

Departamento de Ciências Sociais
Escola Nacional de Escola Pública, Fiocruz

 

 

O texto de Sanches & Minayo traz enormes contribuições para todos nós que atuamos na área da saúde. A saúde coletiva, principalmente, sempre se apoiou na segurança dos grandes números para validar os eventos e fenômenos a ela relacionados: epidemias, cálculo de população sob determinado risco, eficácia de medicamentos, etc. Mas há muito tempo se discute, no chamado campo biomédico, que saúde e doença são eventos que ocorrem em corpos de pessoas, e que são tais pessoas que "falam" sobre suas condições de normalidade ou anormalidade. Quando não são elas, alguém, a partir de algum lugar — em geral a partir da ordem médica, ou da ordem do Estado, ou da ordem da classe —, é que fala em nome delas ou por elas. Os clássicos estudos de Canguilhem, Boltanskí e Foucault inauguraram as discussões para o melhor entendimento dessas questões.

Entretanto, a aceitação epistemológica de que só a biologia — através da prática médica — não explica o fenômeno saúde/doença tampouco dá conta de que estes estudos estão a salvo dos tropeços metodológicos que têm a ver com a subjetividade e a objetividade das análises. Sanches discute, de forma muito franca, como o recurso à matemática não confere objetividade a esta ou aquela investigação. Sua crítica à tendência de pensar que a soma das partes não constitui o todo é uma antiga discussão no interior da sociologia quantitativa, voltada para aqueles que leram mal o grande esforço empreendido por Durkheim no estudo sobre o suicídio, ou leram pior ainda o pioneiro trabalho de Snow sobre a epidemia do cólera na Inglaterra. Da mesma forma, uma das modernas vertentes da matemática — a criação de modelos — conduz à deformação e à idealização da realidade, que é justamente a crítica que aplicou-se a Weber e sua criação de "tipos ideais", ou a Jung, com seus "arquétipos".

O texto deixa claro que a submissão e a justaposição de uma linguagem sobre a outra são profundamente infrutíferas. No campo das "ciências sociais aplicadas à saúde, como se convencionou chamar, a partir da década de 50 ou pouco antes, este "múltiplo olhar" sobre o fenômeno da saúde/doença, há vários exemplos destas tentativas. Eu recomendaria a releitura dos trabalhos mencionados por Apple (1960), onde podemos examinar os primeiros trabalhos neste sentido. Mais recentemente, já munidos de uma informação epistemológica e metodológica mais atualizada, é importante a leitura dos trabalhos de Bronfman (1984) e Barros (1986) — só para citar poucos e próximos —, que enveredaram pelo penoso caminho da operacionalização dos conceito de classes sociais em saúde, chegando a atingir resultados bastante abrangentes, sem cair em generalizações banais.

O debate entre método qualitativo e quantitativo, pelo menos no campo da saúde, pode contribuir enormemente para a discussão contemporânea sobre os "vários pontos de vista" sobre um objeto, visando, em última instância, um "bem" que ultrapassa os limites do avanço científico para gozo de poucos intelectuais. É possível haver um sentido ético nesta associação e neste debate franco, cujo fim último deveria ser a busca de melhorias de vida dos seres humanos — não alongando a vida de poucos de forma artificial, mas permitindo a todos a "fala", o acesso aos serviços e a diminuição de males que já estão devidamente passíveis de controle e, até, de extinção ou erradicação.

Rorty (1991) nos vem à memória quando afirma que "anybody who thinks that there are well-grounded theoretical answers to this sort of question — algorithms for resolving moral dilemmas — is still, in his heart, a theologian or a metaphysician". O grau de sofrimento humano é grande, e cada vez menos solidariedade parece estabelecer-se. A parceria entre os conhecimentos, a complementariedade dos "olhares", a legitimação das "falas" e o respeito pelas várias linguagens possíveis — como implícito no texto de Sanches & Minayo — podem se constituir num desses possíveis espaços de imaginação, curiosidade e método que iluminem o "caminho do pensamento" referido por Habermas e citado pelos autores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APPLE, D., 1960. Sociological Studies of Health & Sickness. New York: McGraw-Hill Book Co.

BARROS, M. B. A., 1986. A utilização do conceito de classe social nos estudos dos perfis epidemiológicos: uma proposta. Revista de Saúde Pública, 20: 269-273.

BRONFMAN, M. & TUIRÁN, R., 1984. La desigualdad ante la muerte: Classes sociales y mortalidad en la niñez. Cuadernos Medico Sociales, 29-30: 53-75.

RORTY, R., 1991. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press.

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