RESENHA REVIEW

 

Frederico Simões Barbosa

Departamento de Endemias Samuel Pessoa
Escola Nacional de Saúde Pública

 

 

The Control of Schistosomiasis. Second Report of the WHO Expert Committee. Technical Report Series nº 830. Genebra: World Health Organization, 1993. 86 p. (Brochura) ISBN 924120830.9 Sw. Fr. 12

Este opúsculo redigido por um grupo de peritos, sob a presidência do Prof. Luis Rey (Fundação Oswaldo Cruz), reunido em Genebra no mês de novembro de 1991, representa o resultado do concurso de 12 especialistas membros do Grupo, assessorados por um representante da United Nations Development Programme/World Bank e mais 7 componentes do Secretariado da Organização Mundial da Saúde (MS).

O relatório da OMS trata o assunto do controle da esquistossomose de maneira muito abrangente, enfatizando as principais questões relacionadas com o tema e fazendo uma série de recomendações. O documento, respaldado pela autoridade de seus autores, consegue transferir ao leitor o que há de mais moderno sobre o controle da infecção, passando a se constituir leitura obrigatória para os especialistas no assunto.

Entretanto, um documento escrito a muitas mãos tende, forçosamente, a compactuar com o estabelecido, evitando questões conflitantes.

Neste sentido, permito-me salientar alguns pontos que, a meu ver, merecem uma discussão mais detalhada e que são de importância fundamental para a compreensão das estratégias de controle discutidas no documento em questão. Alguns destes tópicos já foram discutidos em trabalhos anteriores (ver Barbosa, F. S. & Coimbra Jr., C. E. A., 1992. Alternative approaches in schistosomiasis control. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 87 (Suppl. IV): 215-220).

Com a introdução de novos quimioterápicos de elevado valor curativo e as evidências de que as formas hepatosplênicas da esquistossomose mansônica têm sido reduzidas, criou-se, no meio científico, o modismo de que a esquistossomose era uma doença sem maior importância em Saúde Pública, sendo comparável às demais helmintoses intestinais.

Em seu primeiro relatório técnico sobre o assunto (WHO, 1985. The Control of Schistosomiasis: Technical Report Series nº 728. Geneva: WHO), a OMS recomendou uma nova estratégia de controle, baseada na redução das formas hepatosplênicas. Esta orientação foi seguida no Brasil pelo programa PECE, que, para absorvê-la, mudou seus objetivos. A mesma foi também aceita por vários pesquisadores e seguida em alguns programas nas regiões endêmicas do continente africano. Esta visão é reducionista e implica considerar impossível o controle da transmissão da endemia.

Este novo relatório técnico da OMS, embora considere que o controle de morbidade é uma estratégia prática e efetiva, reforça o conceito da importância da endemia em Saúde Pública e dá ênfase ao controle integral da esquistossomose, não obstante isto ter sido definido como um cometimento a longo prazo. A integração com os serviços locais de saúde e a descentralização de ações são enfatizadas. Estes aspectos, discutidos no relatório, são extremamente positivos.

As opiniões da OMS têm reflexo direto sobre o pensamento dos pesquisadores e sobre as ações de controle dos administradores do setor saúde. A maior importância deste documento aqui analisado reside essencialmente em seu comprometimento em reverter a concepção que resultou de um otimismo exagerado sobre o controle da endemia, otimismo este endossado em várias publicações da OMS desde o Technical Report de 1985.

O documento atual é muito claro quando diz que "control of schistosomiasis should now be directed to a broad spectrum of goals rather than to one narrow goal".

O controle das formas graves da doença deve constituir um dos objetivos (não, uma nova estratégia) — sem dúvida da maior relevância — no programa de controle da endemia.

Há uma certa ambigüidade no tratamento da questão acima quando se colocam separadamente duas estratégias opcionais: controle da morbidade e controle da transmissão da endemia. O tratamento médico — a arma que mudou substancialmente o programa de controle da esquistossomose — é capaz de, isoladamente, reduzir tanto a prevalência como as formas graves da doença. Entretanto, apesar da eficácia comprovada e do valor intrínseco do tratamento médico, esta tecnologia não tem sido capaz de interromper a transmissão nem de eliminar as formas graves da doença nos países em desenvolvimento.

Parece haver, por parte do Grupo, particular preferência pelo uso do praziquantel, chegando-se a afirmar que "the cost of praziquantel is a major constraint in achieving effective control of schistosomiasis". Por várias razões (não apenas os custos), pesquisadores brasileiros não parecem ter a mesma inclinação para o emprego extensivo da droga acima. A experiência do programa PECE, com 4,5 milhões de tratamentos e 6 anos de uso da oxamniquine, mostrou que esta droga é eficaz e bastante bem tolerada.

Embora as questões relacionadas com a Educação Sanitária e a Participação Comunitária sejam amplamente discutidas em várias partes do texto, não ficam claros os compromissos que os profissionais de saúde deveriam ter com a comunidade.

A Educação é tratada, no texto, em seu conceito mais tradicional, isto é, como atividade tutelada no sentido de obter ajuda da comunidade ou como instrumento para se mudar hábitos e costumes, enfatizando-se a higiene pessoal. Estes conceitos originaram, num passado recente, as expressões man-made disease e per- son-made disease, que procuravam incriminar as pessoas como as maiores responsáveis pela manutenção da esquistossomose (estas expressões não aparecem no Relatório de 1993). Esquecem-se os que assim pensam que a distribuição desigual do espaço é conseqüência da organização política e econômica da sociedade. Ninguém mora em áreas insalubres por espontânea vontade, não sendo possível mudar os hábitos se não se procura mudar as condições de vida.

A Participação Comunitária é também tratada como algo passivo, não compromissado com a transformação social e sem se preocupar com as relações pesquisador/pesquisado na construção de um conhecimento coletivo, essencial à participação consciente da comunidade.

O que falta de substancial para o controle da esquistossomose é o desenvolvimento de um novo modelo que leve em conta o ambiente biossociocultural onde vivem populações marginalizadas do Terceiro Mundo.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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