DEBATE/DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Castiel

 

Debate on the paper by Castiel

 

 

João Gonçalves Barbosa Neto

Instituto Fernandes Figueira; Fundação Oswaldo Cruz

 

 

Fiquei feliz na leitura do trabalho do Castiel, quando pude verificar que uma conversa despretenciosa instigou o autor a produzir um trabalho tão interessante e que introduz a discussão genética molecular na sua interface com a saúde pública, no nosso meio.

Não posso perder a oportunidade de lançar algumas outras questões, dentro do mesmo tema; de fazer algumas reflexões sobre os projetos de mapeamento e seqüenciamento do genoma humano que implicam, sem dúvidas, em análise política pelas implicações éticas e sociais que carregam.

As questões éticas mais profundas são colocadas pela possível aplicação dos dados genéticos para alterar as bases das doenças humanas, do talento humano e do comportamento social. Questões sobre liberdade individual, privacidade e direito, individual versus coletivo, ao acesso às informações genéticas estão entre os mais importantes. Um quadro completo do genoma humano levantará, indubitavelmente, a questão de como usar a informação genética para o controle e normatização do futuro da sociedade humana.

Parte da motivação do estudo do genoma é ver quanto, e como, a variabilidade do gen é responsável pelas diferenças entre as pessoas. Os seres humanos são mais iguais ou menos iguais do que supomos atualmente?

Já se comentou que os cientistas têm a responsabilidade de usar "imaginação moral" para se antecipar aos usos e conseqüências de seu trabalho, especialmente quando o trabalho se dá no campo das ciências básicas (Callahan, 1976).

Inúmeras questões éticas e sociais poderiam ser consideradas: no campo das pesquisas básicas, a comercialização, o acesso e propriedade de informações, a defasagem entre o diagnóstico e a terapia, a prática médica — conflito entre a abordagem reducionista crescente e a abordagem holística, as opções/escolhas reprodutivas — técnicas seletivas de gestação.

As possibilidades de controle do ADN humano levanta, de novo, questões de seleção genética. A diferença principal é que qualquer eugenista tem hoje armas muitos mais poderosas. Os progressos eugênicos são ofensivos porque singularizam determinadas pessoas e portanto podem ser socialmente coercitivas e ameaçam a idéia que os seres humanos têm dignidade e são seres livres.

A eugenia positiva — começou com Platão — é definida como a obtenção de modificações genéticas sistemáticas ou planejadas em indivíduos ou seus descendentes, que melhoram a vida e a saúde; podem ser aingidas por programas que não requerem manipulação de material genético diretamente. O debate é centrado sobre o que é melhoramento?

A eugenia negativa — tenta reduzir a ocorrência de doenças geneticamente determinadas. Implica na eliminação seletiva de gametos ou fetos que carregam genes deletérios, além do desestímulo da procriação de portadores.

A eugenia da normalidade — o que é normal sempre será influenciado por variação cultural e sujeita a debates acalorados.

Outro ponto que gostaria de ver discutido pelo autor é o determinismo e o genoma humano. Determinismo em biologia é a tese geral de que para cada ação há um mecanismo causal que impede qualquer outra ação.

Ver onde os genes estão localizados, juntamente com as relações/caminhos entre os genes e comportamento, começa a pintar o quadro determinístico. Os cientistas estão começando a trabalhar nesses caminhos. Vejamos, por exemplo, o padrão de comportamento classificado na psiquiatria como tendência ao alcoolismo e ao jogo. Este comportamento é relacionado ao baixo nível de atividade das monoamino-oxidases plaquetárias.

No modelo determinista, as ações humanas podem ser explicadas em termos de mecanismos causais, mesmo que sejam mecanismos muito complexos. Esta visão da natureza humana é perturbadora. Sugere que um cientista divinisado, com conhecimento completo de todas as leis causais relevantes e as circunstâncias nas quais elas operam, poderia predizer com sucesso a ação humana. Determinismo é uma ameaça, pelo menos aparente, por dois motivos: a eliminação da escolha genuína não deixa espaço para criação, atualização ou modificação; em relação às reações emocionais não deixa espaço para ressentimento sobre o que as pessoas fazem ou para sentimentos justificáveis de culpa ou dolo.

Há duas estratégias para resistência, adotadas pela corrente determinista suave (soft), em oposição aos deterministas duros (hard): considerar que o determinismo não é fatalismo — o ser humano, mesmo no mundo determinístico, é capaz de influenciar o futuro e desenvolver um modelo com liberdade de ação que seja compatível com o determinismo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLAHAN, D., 1976. Ethical responsability in science in the face of uncertain consequences. Annals of The New York Academy of Sciences, 265: 01-12.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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