DEBATE DEBATE

 

Brani Rozemberg

Laboratório de Educação Ambiental e em Saúde,
Departamento de Biologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil.
 


Debate sobre el articulo de Briceño-León

Debate on the paper by Briceño-León

 

 

A importância do texto "Siete Tesis sobre la Educación Sanitaria" é indiscutível, mapeando e sinalizando questões com as quais todos nós nos deparamos no trabalho educativo e dando voz às nossas inquietações e descobertas. O cuidadoso tratamento dado pelo autor ao tema da educação voltada para a participação comunitária é muito bem-vindo, considerando-se a superficialidade com que são tradicionalmente abordadas (quando o são!) as questões relativas ao elemento humano no âmbito das ações de controle de endemias. Cabe-nos parabenizar e agradecer ao autor pela clareza e precisão com que sistematizou tais questões num texto que já está sendo utilizado e ao qual se refere antes mesmo de sua publicação.

A meu ver o maior mérito do artigo do prof. Briceño-León está em explicitar uma preocupação legítima com questões éticas fundamentais relativas à interação entre profissionais de saúde e população. Tal preocupação ética fundamenta-se em exemplos da experiência de campo: este lugar privilegiado de onde ela emerge, ou seja, da prática do relacionamento com a população.

É no campo, na lida interativa, que somos levados a confrontar nossos ideais, demandas e expectativas com as do outro, o que nos leva a rever não apenas conteúdos, métodos e estratégias, mas a nós mesmos, questionando para quê e para quem trabalhamos. No campo, transformar em ocupação ética. Ou então ela não se transforma: esvazia-se ou cristaliza-se em uma mímica qualquer que não deve ser chamada de educação.

Não quero dizer, evidentemente, que todo compromisso com uma ética de valores seja exclusividade do trabalho de campo, mas sim que, na riqueza desta interação com a população - no ato de escutar, praticar, decidir, responsabilizar-se, rever-se - o apelo ao engajamento é definitivo. Se é isso, o engajamento, o que desejamos para o outro ao promovermos a educação para a participação comunitária, convém que o conheçamos nós mesmos: o significado da participação. Invocamos aqui a idéia da participação enquanto partilha, como arte de repartir o mundo com o outro, o que certamente exige muito mais do que uma economia distributiva, exige uma partilha do coração (Gadotti, 1982).

Como contribuição a este debate sugerimos o aprofundamento da reflexão sobre a tese de número 1: "La educación no es solo lo que se imparte en programas educativos, sino en toda la acción sanitaria". Com ela o autor amplia o universo da "tarefa educativa" para além da "tarefa educativa intencional", concluindo pela necessidade de "se preparar para a tarefa educativa, todo o pessoal envolvido em campanhas sanitárias e não apenas aqueles a quem, por sua função ou atribuição específica, corresponda esta tarefa".

Acreditamos que esta primeira tese situa e contextualiza as teses subseqüentes, porque é nela que se define o quem da educação, o quem da aprendizagem e do conhecimento. Com a primeira tese, todas as demais questões trabalhadas no texto do prof. Briceño-León - como a do reconhecimento de saberes distintos, a do caráter dialógico da educação comprometida, a do reforço à auto-confiança, responsabilidade e solidariedade - passam a nos envolver a todos, e não apenas aos especialistas que chamamos de "educadores".

Esta me parece uma questão crucial, pelo que a abordei em meu trabalho de doutoramento (Rozemberg, 1995), onde analiso algumas distorções e mistificações no entendimento popular da transmissão da esquistossomose, alimentadas pela observação da atuação dos guardas sanitários envolvidos nos programas de controle da esquistossomose. As práticas de controle, exóticas do ponto de vista da população, são muito pouco estudadas no que tange às suas repercussões no universo das comunidades onde ocorrem. O discurso e as práticas de atendimento médico, da mesma forma, modelam de forma poderosa o pensamento social sobre saúde e doença, e portanto urge que os atores sociais envolvidos compreendam como sua a tarefa educativa que, bem ou mal, já desempenham. Não para que se sobrecarreguem com novas exterioridades - instituições, titulações - mas para conscientização e aprimoramento da qualidade do ato educativo que já se está produzindo no seu encontro com o outro.

Levada às suas últimas conseqüências essa tese implica, não a formação de novos especialistas em educação, mas abolir-se todo o monopólio e todo o privilégio de educar, fazendo-se deste "lugar do educador" o que ele em realidade já é: o lugar de todos nós. A esse respeito, Gadotti (1982) nos fala da reconquista, por cada um, por cada família, por cada grupo social, do poder de educar-se, da reconquista pelo "profano" do seu poder e de sua capacidade de se curar, de educar-se a si mesmo junto com o outro e por intermédio do mundo, como sendo a tarefa mais urgente da educação atual.

 

 

GADOTTI, M., 1982. A Educação Contra a Educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

ROZEMBERG B., 1995. A Intransparência da Comunicação:crítica teórico-metodológica sobre a interação do saber e das práticas médicas e a experiência das populações de área rural endêmica de esquistossomose. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz.

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