José Augusto Cabral de Barros

Debate sobre o artigo de Suely Rozenfeld

Debate on the paper by Suely Rozenfeld

Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.

 

 

 

 

Ao longo do tempo, mas, especialmente nas décadas mais recentes de desenvolvimento da medicina e da indústria farmacêutica, o tratamento farmacológico foi assumindo destaque crescente no contexto dos serviços de saúde e na visão e prática dos seus usuários e dos profissionais que atuam no setor, sobretudo os prescritores. Uma conotação importante das conseqüências daí advindas é que o medicamento, ao inserir-se no bojo da sociedade moderna de consumo e ao não ficar infenso à ideologia que tudo submete à lógica de mercado, foi transformado em mercadoria como outra qualquer. Essa ideologia do consumo, reforçada sinergicamente, pela percepção da doença como explicável e, como coronário, determinando as alternativas de intervenção sobre ela tão-somente por meros processos de natureza biológica (visão mecanicista), conduz a um uso desmedido e irracional de medicamentos, o que vem, obviamente, a provocar um reforço dos seus efeitos maléficos. Inscrevem-se nestes últimos, entre outros fenômenos, as reações adversas. O texto objeto do presente comentário discorre mui apropriadamente sobre o tema, traçando sua evolução histórica, conceituação e estratégias adotadas para detectá-las o mais precocemente possível, bem como para monitorizá-las.

De maneira muito superficial ­ como era esperável nos limites de propósitos do artigo ­ é feita uma alusão aos estudos observacionais, certamente relevantes pela importância dos mesmos como contribuição ao trabalho da farmacovigilância. Estamos nos referindo aos chamados estudos PMS (Post-marketing Surveillance Studies). A despeito dos limites justificáveis, cremos que poderiam ter sido sugeridas algumas referências bibliográficas que permitissem a eventuais leitores interessados ampliar sua compreensão da importância do campo de atuação e resultados práticos da farmacovigilância, através dos estudos mencionados. Neste sentido, além dos textos mais adiante sugeridos e que de maneira mais genérica apontariam as diferentes abordagens que os supracitados estudos podem assumir, com as respectivas estratégias metodológicas, presumimos teria sido de interesse a citação de um ou outro exemplo prático de estudos específicos. No primeiro caso, creio enquadrarem-se os textos de Strom (1994) e de Hartzema et al. (1991); no segundo, como sugestão de um estudo transversal, apontamos o trabalho de Gillum et al. (1984); à guisa de sugestão de um estudo de utilização de medicamentos, para eventual leitura, apontaríamos o artigo de Anderson (1991); como trabalho que segue o método de caso-controle, sugeriríamos o realizado por Laporte (1991).

O objeto de atenção do artigo implicaria obviamente a ênfase, efetivamente outorgada de maneira, diga-se de passagem, bastante apropriada pela autora, ao método universalmente mais adotado para acompanhamento, registro e avaliação de reações adversas, representado pela notificação espontânea. Mesmo assim, reputamos ser uma lacuna a não referência ao método, implementado na Inglaterra, por iniciativa da Unidade de Vigilância e Investigação de Medicamentos da Universidade de Southampton que consiste no Prescription Events Monitoring (PEM). O objetivo principal do programa é detectar e quantificar de forma comparativa riscos que são demasiado pequenos para que sejam observados nos ensaios clínicos. Os critérios para que um fármaco seja incluído no programa são o interesse científico e a importância clínica do mesmo. Com base nos dados fornecidos pela Prescription Pricing Authority, identificam-se os pacientes que entrarão no estudo, bem como os médicos e as prescrições por estes realizadas. Remete-se, então, um questionário (green form) a ser preenchido pelos prescritores. Os eventos de interesse são definidos como qualquer diagnóstico novo, motivos de consulta ou internação hospitalar, bem como a piora ou melhora no quadro clínico de uma doença, a suspeita de reação adversa ou outras queixas do doente, relacionadas com o medicamento sob investigação (Inman, 1986). Ainda que com as limitações, presentes, aliás, em qualquer dos métodos adotados, este sistema pode fornecer dados de grande utilidade. Seja qual for o método empregado, o que se quer é firmar ou infirmar a hipótese de correlação causal entre um evento adverso e um fármaco suspeito. Auguramos, como a autora, que os desdobramentos práticos do Sistema Nacional de Farmacoepidemiologia, por demais lentos no que se refere à implementação de um Sistema Nacional de Farmacovigilância, quiçá aproveitando das experiências já em curso, tendo a notificação voluntária como substrato, venha a representar, o quanto antes, contribuição de peso na detecção e acompanhamento das reações adversas a medicamentos no País.

 

ANDERSON, F. A., 1991. Physician practices in the prevention of venous tromboembolism. Annals of Internal Medicine, 115:591-595.

GILLUM, R. F., 1984. Coronary heart disease mortality trends in Minnesota, 1960-80: The Minnesota heart survey. American Journal of Public Health, 74:360-362.

HARTEZMA, A. G.; PORTA, M. S. & TILSON, H. H., 1991. Pharmacoepidemiology ­ An Introducion. Cincinaty: Harvey Whitney Books.

INMAN, W. H. W.; RAWSON, N. S. B. & WILTON, L. V., 1986. Prescription event-monitoring (ED) monitoring. In: Monitoring for drug safety MTP (W. H. W. Inman, ed.), Lancaster: Press Limited.

LAPORTE, J. R., 1991. Upper gastrointestinal bleeding in relation to previous use of analgesica and non-steroidal anti-inflamatory drugs. Lancet, 337:85-89.

STROM, B. L., 1994. Pharmacoepidemiology. England: John Wiley and Sons.

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