ARTIGO ARTICLE


Ricardo Halpern 1
Fernando C. Barros 2
Cesar G. Victora 2
Elaine Tomasi 2
Atenção pré-natal em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993  

Prenatal care in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil, 1993

 


1 Departamento Materno Infantil, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. C. P. 464, Pelotas, RS 96001-970, Brasil.
2 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. C. P. 464, Pelotas, RS 96001-970, Brasil.
  Abstract All 5304 births in the hospitals of Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil in 1993 were studied. Neonates were examined and their mothers were interviewed regarding sociodemographic conditions, family income, reproductive health, and medical care during pregnancy. Ninety-five per cent of women received prenatal care. The mean number of physician visits during pregnancy was 7 and the majority of the women (84.7%) began visits before the fifth month of pregnancy. Women who did not receive prenatal care were from the lowest socioeconomic stratum and were mostly adolescents or over 40 years of age. Incidence of low birth weight in this group was 2.5 times that of the group with more than five visits (p>0.001). Perinatal mortality rate was 50.6/1000 in the group without prenatal care and 15.8/1000 in the group with more than five visits. With regard to utilization of health care, the study shows that twenty-five per cent of women with high gestational risk received inadequate prenatal care. The rate was less than 10% in the group of women with low gestational risk. These results suggest the need for improvement in the quality of prenatal care with special attention for mothers with high gestational risk.
Key words Perinatal Mortality; Low Birth Weight; Prenatal Care

Resumo Todos os 5304 nascimentos ocorridos nos hospitais de Pelotas, RS, em 1993, foram estudados. As crianças foram examinadas e suas mães entrevistadas através de um questionário estruturado, onde foram levantadas informações sobre condições demográficas, sócio-econômicas, história reprodutiva e assistência pré-natal. Quase a totalidade das mulheres (95%) realizou acompanhamento durante a gestação. O número médio de consultas foi de 7 e a maioria das mulheres (85%) iniciou o pré-natal antes do quinto mês de gestação. A ausência ao pré-natal foi maior entre as mulheres mais pobres, na maioria adolescentes ou com idade acima de 40 anos. A incidência de baixo peso ao nascer, no grupo que não fez pré-natal, foi de 2,5 vezes maior comparado com as mães que realizaram cinco ou mais consultas. Da mesma forma o coeficiente de mortalidade perinatal foi três vezes maior (50,6/1000) entre as mães que não realizaram pré-natal e aquelas que consultaram 5 ou mais vezes (15,8/1000). Em relação ao risco gestacional que as mães apresentavam, o estudo mostrou uma inversão nos cuidados, já que um quarto das mulheres de alto risco receberam uma atenção pré-natal considerada adequada, enquanto esta proporção era menos de 10% nas mães de risco gestacional mais baixo. Este estudo sugere a necessidade de modificações no atendimento pré-natal, com estratégias bem definidas para aquelas pacientes com alto risco gestacional.
Palavras-chave Mortalidade Perinatal; Baixo Peso ao Nascer; Cuidado Pré-Natal

 

 

Introdução

 

Gestantes que freqüentam serviços de atenção pré-natal apresentam menos doenças e seus filhos apresentam um melhor crescimento intra-uterino, menor mortalidade perinatal e infantil (Hobel et al., 1973; Williams & Hwes, 1979; Victora et al., 1989). O número de consultas realizadas durante o pré-natal também está diretamente relacionado com melhores indicadores de saúde materno-infantil, ou seja, parece haver um efeito dose-resposta na atenção pré-natal (Kotelchuck et al., 1984).

Mulheres que decidem fazer consultas pré-natais, principalmente aquelas que tomam a atitude de consultar com regularidade, possivelmente pertencem a um grupo de pessoas que têm consciência da importância de medidas preventivas de saúde. Estas pessoas, freqüentemente, tomam também outras medidas para promover a sua saúde e a de seu concepto, como não fumar ou ingerir álcool, alimentar-se adequadamente e evitar infecções (Donaldson & Billy, 1984). Por esse motivo, pode ser difícil afirmar com segurança se a associação entre atenção pré-natal e melhor saúde perinatal e materna deve-se ao efeito da própria atenção, uma vez que pode tratar-se de um fenômeno de auto-seleção, em que as pessoas que consultam apresentam características tais que permitiriam ter melhor saúde mesmo se não consultassem. Quando se conhece a forma superficial e pouco cuidadosa como muitas clínicas pré-natais são manejadas, a última alternativa passa a ser vista como uma hipótese bastante válida.

O presente trabalho foi realizado com a intenção de ter informações mais substanciais sobre o conteúdo da atenção pré-natal através de um estudo de base populacional realizado em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 1993. Em publicações subseqüentes estes conteúdos serão comparados com desfechos perinatais e infantis, para que se possa definir quais intervenções pré-natais são realmente efetivas e devem ser incorporadas à pratica clínica.

 

 

Metodologia

 

Todas as mulheres que tiveram filho nos cinco hospitais da cidade de Pelotas, durante todo o ano de 1993, foram convidadas para participarem do estudo. O recrutamento era feito através de uma explicação breve sobre os objetivos do estudo e havendo o consentimento da mãe, estas eram entrevistadas utilizando-se um questionário padronizado que incluía perguntas sobre condições demográficas, sócio-econômicas, história reprodutiva, hábitos maternos e assistência ao pré-natal e parto (Victora et al., 1996). As maternidades foram visitadas diariamente e todo os recém-nascidos foram pesados, medidos e examinados para avaliação da idade gestacional através do método de Dubowitz (Dubowitz et al., 1970). A antropometria materna também foi rotineiramente realizada. Durante a duração do estudo houve apenas 7 recusas e 9 perdas, o que corresponde a menos de 1% dos nascimentos ocorridos naquele ano (Victora et al., 1996).

Para quantificar em maior detalhe a atenção pré-natal utilizou-se um indicador, desenvolvido por Kessner (Kessner, 1973; Quick & Roghmann, 1981), e adaptado por Takeda (1993), que combina o número de consultas e o período de início do pré-natal.

Quando a gestante tinha mais de cinco consultas realizadas e havia iniciado o acompanhamento até o quarto mês, seu pré-natal era considerado adequado; se consultou menos de quatro vezes e iniciou após o sétimo mês de gravidez, foi categorizado como inadequado. As demais gestantes tiveram seu pré-natal classificado como intermediário. Além desta avaliação, foram incluídos no questionário dez itens a que a mãe respondia se haviam sido ou não realizados durante a(s) consulta(s). Estes itens foram escolhidos por serem considerados como procedimentos mínimos necessários para a realização de um pré-natal adequado, e foram: informação sobre a data da última menstruação, peso materno, medida da altura uterina, medida da pressão arterial, exame ginecológico, prescrição de vitaminas e ferro, orientação sobre amamentação, exame dos seios e prescrição de vacina antitetânica.

Com o objetivo de avaliar o risco materno foi adotado um escore utilizado durante os estudos perinatais ingleses (Chamberlain et al., 1970), e que foi adaptado e utilizado previamente no Brasil (Barros et al., 1985). Este escore classifica o risco que a gestante apresenta de acordo com informações sobre a história reprodutiva prévia, antropometria materna e situação sócio-econômica (Tabela 1). Eram consideradas gestantes de baixo risco aquelas cujo escore não ultrapassasse dois pontos; médio risco com escore entre três e sete; e alto risco com escores com mais de sete pontos.

 

 

A digitação, edição e verificação de consistência dos dados foi realizada com o programa Epi-Info 6.0 (Dean et al., 1994). Verificaram-se associações através do teste do Qui-quadrado, adotando-se uma significância estatística de 5% ( p<0,05).

 

 

Resultados

 

Durante o ano de 1993, nasceram em Pelotas 5304 crianças, cujas famílias residiam na área urbana do município. As principais características maternas estão descritas na Tabela 2. Em relação ao número de consultas realizadas, cinco por cento das mães não fizeram nenhuma consulta pré-natal, 13% realizaram até quatro consultas e 82,2% realizaram cinco ou mais consultas. O número médio de consultas foi 7,6. As consultas iniciaram em média aos 2,7 meses e 84,7% das mulheres iniciaram o atendimento antes do quinto mês de gestação.

 

 

De acordo com o escore de Kessner, modificado por Takeda, 82,7% das mulheres receberam uma atenção pré-natal adequada, 9,1% receberam cuidados classificados como intermediários e 8,2% receberam uma atenção considerada inadequada. Em relação ao risco gestacional, a Figura 1 mostra que as mulheres com maior risco apresentaram maior proporção de haver realizado um pré-natal inadequado ou intermediário (25,9%) quando comparadas àquelas mulheres com menor risco gestacional (9,2%). Quando a variável renda familiar foi analisada, observou-se também que as mães com maior renda familiar foram aquelas que tiveram um número maior de consultas quando comparadas com aquelas de menor renda (Figura 2).

A Tabela 3 descreve as práticas realizadas durante a consulta pré-natal de acordo com o risco gestacional das gestantes. Os procedimentos menos referidos pelas gestantes foram a recomendação do uso de vitaminas e suplementação de ferro, exame dos seios e orientação sobre amamentação, sendo que os dois últimos foram realizados em cerca de metade das gestantes. Em relação à vacinação antitetânica, 34% das gestantes não tinham recebido nenhuma dose de vacina, e em cerca de 50% a imunização era inadequada. Nota-se nesta tabela que as mulheres com maior risco gestacional receberam a pior atenção, principalmente no que se refere à exame ginecológico e orientação para amamentação. A avaliação da data da última menstruação, verificação do peso, medição da altura uterina e aferição da pressão arterial foram procedimentos realizados em todas as gestantes, por isso não são referidos com porcentagens na tabela.

 

 

Apesar da cobertura abrangente do pré-natal em 1993, 257 (4,9%) mulheres passaram pelo período de gestação sem uma única consulta. Uma alta proporção destas mulheres pertencia a familias de baixa renda, e com idade nos limites da faixa reprodutiva ­ adolescentes ou acima de 40 anos. Neste grupo, houve uma alta prevalência de gestações não planejadas, falta de apoio familiar e reação negativa do parceiro à gestação. A incidência de baixo peso ao nascer neste grupo foi de 18%, enquanto que no grupo de mulheres que realizaram cinco ou mais consultas foi de 7,6%. Da mesma forma, o coeficiente de mortalidade perinatal no grupo das mulheres que não realizaram nenhuma consulta foi cerca de três vezes maior (50,6/1000) do que daquelas que realizaram cinco ou mais consultas (15,8/1000).

 

 

Discussão

 

Este estudo mostra uma cobertura de pré-natal bastante alta em Pelotas, RS. Segundo estudo realizado por Nobrega et al. (1989), a cobertura de pré-natal era de 82% nas maternidades das capitais. Estudo recente no nordeste brasileiro mostrou uma cobertura de apenas 50% (Lima, 1995).

Apesar da alta cobertura, confirmam-se achados anteriores descrevendo a desigualdade dos cuidados oferecidos à gestante (Victora et al., 1989). As mães com melhores condições sócio-econômicas continuam sendo as que mais consultam durante a gestação; além disso, entre as mães com menor renda, a proporção de pré-natal inadequado foi de 16%, enquanto que esta proporção foi menor que 1% naquelas mães de renda familiar superior a dez salários mínimos mensais.

Da mesma forma, utilizando-se os critérios de risco gestacional, os resultados mostram diferenças bastante marcadas quanto à utilização dos serviços, com 25% das mulheres com alto risco gestacional recebendo uma atenção considerada não adequada, enquanto que esta proporção era menor que 10% no grupo de baixo risco, caracterizando uma inversão de cuidados durante o pré-natal.

Este trabalho procura mostrar que há vantagens em acrescentar outros indicadores para a avaliação da atenção pré-natal além de medir simplesmente o número de consultas realizadas. A utilização do índice de Kessner, modificado em nosso meio por Takeda, já melhora a avaliação da atenção recebida durante a gestação. Da mesma forma, a avaliação de uma lista de procedimentos considerados como imprescindíveis durante o pré-natal, permite que se obtenha uma melhor visão do serviço oferecido.

A utilização dos critérios de risco gestacional permite verificar de que forma os serviços são utilizados, e demostram com clareza que as pessoas mais necessitadas são exatamente as que iniciam o pré-natal mais tardiamente, têm o menor número de consultas, e recebem, seletivamente, menor atenção em procedimentos prioritários durante a gestação, como avaliação ginecológica e orientação ao aleitamento materno.

Os resultados obtidos neste estudo podem ser utilizados para o planejamento das ações de saúde em relação à saúde materno-infantil. A modificação da desigualdade na atenção só vai ser obtida no momento em que os profissionais de saúde passarem a pautar suas prioridades pelos riscos de saúde através da busca ativa de casos e não somente pela demanda.

 

 

Referências

 

BARROS, F. C.; VICTORA, C. G.; VAUGHANN, J. P. & CAPELLARI, M. M., 1985. Perinatal risk in Third World cities. World Health Forum, 6:322-324.         

CHAMBERLAIN, R.; PHILLIP, E.; HOWLETT, B. & CLAIREAUX, A., 1970. British births 1970. Vol. 2: Obstetric care. London: Heinemann.         

DEAN, A. G.; DEAN, J. A.; COULUMBIER, D.; BRENDEL, K. A.; SMITH, D. C.; BURTON, A. H.; DICKER, R. C.; SULLIVEN, K.; FAGAN, R. F. & ARNET, T. G., 1994. Epi Info. Version 6.0: a Word Processing Database and Statistics Program for Epidemiology on Microcomputers. Atlanta: Center for Disease Control and Prevention.         

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HOBEL, C. J.; HYVERINEM, M. A.; OKADA, D. M. & OH, W., 1973. Prenatal and intrapartum high-risk screening, prediction of the high-risk neonate. American Journal of Obstetrics and Gynecology, 117:1-9.         

KESSNER, D. M., 1973. Infant Death: an Analysis Of Maternal Risk And Health Care. Washington DC: Institute of Medicine. National Academy of Sciences.         

KOTELCHUCK, M.; SCHWARTZ, J.; ANDERKA, M. & FINISON, K. S., 1984. WIC participation and pregnancy aoutcomes: Massachusetts statewide evaluation project. American Journal of Public Health, 74:1086-1092.         

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NOBREGA, F. J.; LOPEZ, F. A. & SEGRE, C. A M., 1989. Antropometry in Brazilian newborn infants: studies of association with some maternal factors. In: Intrauterine Growth Retardation, Nestlé Nutrition Workshop Series, Vol. 18 (J. Santerre, ed.) pp. 103-131, New York: Raven Press.         

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TAKEDA, S. M. P., 1993. Avaliação de Unidade de Atenção Primária: Modificação dos Indicadores de Saúde e Qualidade da Atenção. Dissertação de Mestrado, Porto Alegre. Pelotas: mestrado em epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas.         

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VICTORA, C. G.; BARROS, F. C.; HALPERN, R.; MENEZES, A. M. B.; HORTA, B. L.; TOMASI, E.; WEIDERPASS, E.; CÉSAR, J. A.; OLINTO, M. T. A.; GUIMARÃES, P. R. V.; GARCIA, M. M. & VAUGHAN, J. P., 1996. Estudo longitudinal da população materno-infantil de Pelotas, RS, 1993: aspectos metodológicos e resultados preliminares. Revista de Saúde Pública, 30:34-45.         

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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